RESUMO: O presente artigo científico tem como intuito demonstrar a relevância do direito fundamental à saúde, bem como analisar o fenômeno da judicialização da saúde no âmbito jurídico, junto ao instituto processual da tutela provisória de urgência, o qual vem se destacando notoriamente por ser uma ferramenta de aplicabilidade nas demandas que versam sobre direito à saúde, em especial nas ações que pleiteiam concessão de medicamentos ou tratamento médico pelo Poder Judiciário, mediante entendimentos jurisprudenciais e doutrinários. Para tanto, adota-se a metodologia dedutiva e bibliográfica. Assim, do estudo em tela propõe-se obter melhor entendimento sobre a efetividade da tutela de urgência nas ações pertinentes a saúde e a justificativa de sua eclosão no cenário atual.
PALAVRAS-CHAVE: Direito à Saúde. Judicialização da Saúde. Tutela Provisória de Urgência.
ABSTRACT: The purpose of this scientific article is to demonstrate the relevance of the fundamental right to health, as well as to analyze the phenomenon of the judicialization of health in the legal sphere, together with the procedural institute of emergency provisional tutelage, which has stood out notoriously for being a tool for applicability in demands that deal with the right to health, especially in actions that claim the granting of medicines or medical treatment by the Judiciary, through jurisprudential and doctrinal understandings. For that, the deductive and bibliographic methodology is adopted. Thus, from the study on screen, it is proposed to obtain a better understanding of the effectiveness of urgent protection in actions relevant to health and the justification for its emergence in the current scenario.
KEYWORDS: Right to Health. Judicialization of Health. Provisional Urgent Care.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO – 2. FUNDAMENTOS SOBRE O DIREITO À SAÚDE; 3. JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL; 4. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA E EVIDÊNCIA; 4.1 TUTELA DE URGÊNCIA ANTECIPADA (SATISFATIVA); 4.2 TUTELA DE URGÊNCIA CAUTELAR (CONSERVATIVA); 5. EFETIVIDADE DA TUTELA DE URGÊNCIA NA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE; 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
Com o presente estudo, propõe-se discorrer acerca do direito fundamental à saúde, sua judicialização, bem como o papel das tutelas de urgência no respectivo cenário atual. Assunto esse que vem tornando-se objeto de debate exponencial no âmbito jurídico, em razão do crescimento vertiginoso na quantidade de demandas nos órgãos jurisdicionais, litigando a concessão de fármacos, insumos, e tratamentos médicos por meio do instituto da tutela provisória de urgência antecipada.
O direito à saúde é um dos direitos sociais fundamentais arrolados no caput do art. 6º da Constituição Federal de 1988, sendo, portanto, um direito constitucional de todo cidadão e dever do Estado. É responsabilidade do Poder Público, independentemente de qual seja o ente público em questão, garantir a saúde ao cidadão, pois, o que está sendo demandado é um direito à vida.
No corpo social brasileiro, é expressiva a parcela dos cidadãos que não dispõem de orçamento financeiro para arcar com os altos custos de medicamentos e tratamentos médicos, restando-lhes procurar assistência junto aos entes públicos para disposição de tais demandas a título gratuito. Todavia, muitas das vezes sem sucesso, particularmente quanto aos medicamentos e tratamentos mais onerosos e assim, como última alternativa buscam ajuda no Poder Judiciário para resguardo de seus direitos, amparados na tese constitucional preliminarmente, bem como instruídos com a ferramenta das tutelas de urgência, objetivando atingirem seus intentos de forma célere.
Neste sentido, o tópico (2) deste artigo apresentará sucinta definição acerca do direito fundamental à saúde, sua fundamentação constitucional, aplicação e solidariedade dos entes federativos, na sequência o tópico (3) abordará sobre o fenômeno da judicialização da saúde no cenário atual, o desdobramento que o item (4) irá tratar o que é a tutela provisória de urgência e evidência, bem como, seu conceito e execução nos processos judiciais, sendo dividida em tutela de urgência cautelar (4.1) e tutela de urgência antecipada (4.2), por fim o item (5) apresentará a efetividade da tutela de urgência na judicialização da saúde.
No quadro atual, quando se trata de saúde, a urgência faz-se irrefutável, tendo em vista que quanto mais se prolonga o início de um tratamento de saúde, mais o quadro clínico do paciente poderá se agravar, ocasionando em danos irreversíveis. Vale frisar que nessa circunstância, o papel da tutela de urgência, suscitou um avanço legislativo, em razão de antecipar a concretização do direito à saúde.
Assim, a pesquisa exemplifica um estudo sobre a teoria e prática da Judicialização da Saúde junto ao instituto da Tutela Provisória de Urgência como uma alternativa de resguardo ao Direito à Saúde, com o propósito de demonstrar a efetividade dessa ferramenta nas demandas concernentes ao referido tema.
2. FUNDAMENTOS SOBRE O DIREITO À SAÚDE
Com o advento da Constituição Federal de 1988, fora assegurado aos cidadãos brasileiros, um extenso rol de direitos fundamentais, dentre esses, o direito à saúde. Portanto, “os direitos fundamentais são também conhecidos como direitos humanos, direitos subjetivos públicos, direitos do homem, direitos individuais, liberdades fundamentais ou liberdades públicas. (SANTOS, 2017).
Desse modo, o direito à saúde significa dizer como sendo um direito social prestacional por parte de agentes públicos, tendo como propósito resguardar a pessoa humana numa situação de progresso social, mental e bem-estar desprendido de problemas físicos e psíquicos. Nessa concepção, a Carta Magna de 1988, no seu art. 6º, determina como direitos sociais fundamentais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância.
Outrossim, o texto constitucional destinou aos indivíduos e ao Estado a responsabilidade de cautela com a saúde, no entanto, o supramencionado direito encontra-se disposto no artigo 196 da Constituição Federal De 1988, onde se sistematiza que:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Sobre o tema, leciona Bulos (2018, p. 1592), a Constituição Federal de 1988 foi a primeira na história, a trazer o direito a saúde como sendo um direito fundamental, ao passo que a vida humana foi entendida pelos constituintes como um bem soberano.
Isto posto, o direito à saúde, é compreendido à categoria dos direitos fundamentais, em virtude de sua conexão com o direito à vida e à existência digna, demonstra um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, devendo o Estado proporcionar condições de vida melhor, pois, sabe-se que é de sua responsabilidade promover atividades em benefício da sociedade. (OLIVEIRA; KASZNAR, 2017)
Neste contexto, a Lei nº 8.080/1990, referente aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, versa que o Estado tem o condão de garantir a saúde mediante políticas sociais e econômicas, que ateste o acesso coletivo e igualitário para a sua preservação, recuperação e promoção, de modo que é um direito fundamental inerente a todo indivíduo, “devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. (BRASIL, 1990).
Sobre a temática colocada, a Constituição Federal, retrata em seu art. 198, sobre os serviços públicos de saúde, implantado em um sistema único e estruturado, com fundamento nas seguintes instruções: “descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais e participação da comunidade”. (BRASIL, 1988).
Ademais, introduz a competência comum dos entes federativos no financiamento do sistema único de saúde, sendo competente a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, consoante o parágrafo único do artigo citado.
Em suma, que pese o direito à saúde estar consagrado na norma constitucional de 1988 como direito de todo cidadão brasileiro e dever do Estado suprir a respectiva demanda, visto que o sistema de saúde encontra-se em condições precárias, uma vez que a demanda por esse benefício é alta e os recursos são limitados, sendo nítida a insatisfação da população com os serviços prestados pelo poder público.
3. JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE
A temática da saúde, sua proteção e principalmente promoção, vem alcançando destaques cada vez maiores dentro da esfera do Poder Judiciário, em virtude de não ser suficiente apenas as normas regulatórias constitucionais que assegurem a proteção da saúde a coletividade. Assim, faz-se necessário, muitas vezes a intervenção do Judiciário para preservação e obtenção desses direitos, em razão da omissão do Poder Público em implementar políticas que forneçam condições básicas aos cidadãos. Nesse passo, explica Letícia Elias:
O direito à saúde faz parte do mínimo existencial, o Estado de modo positivo, deve garantir as condições mínimas de saúde às pessoas, de modo a torná-lo efetivo. No entanto, essa prestação do atendimento à saúde não ocorre de forma voluntária pelo Estado, razão pela qual, as pessoas mais necessitadas precisam recorrer ao Poder Judiciário, a fim de concretizar o direito á saúde, haja vista que o meio judicial acaba por ser a única alternativa para a satisfação desse direito. (ELIAS, 2019, p. 29)
Estando o direito a saúde consagrado na Carta Magna de 1988, e o Estado incumbido de ser garantidor de tais direitos em prol da sociedade, acontece que nos dias atuais o fornecimento de fármacos, insumos, consultas e tratamentos médicos não é de acessibilidade coletiva, carecendo de uma política pública mais efetiva. Posto isso, Paranhos, elucida:
Diante da deficiência do Estado em disponibilizar à sociedade um serviço público de saúde pleno, deve o interessado buscar no processo constitucionalizado a elaboração de provimentos judiciais, de forma a obrigar a Administração Pública a cumprir o dever que lhe foi imposto pela norma constitucional, visando alcançar o mesmo resultado prático que decorreria do adimplemento, se eficientes as políticas públicas voltadas para esse fim (PARANHOS, 2007, p. 171).
Advém que, com as dificuldades encontradas para efetivação do direito à saúde, as pessoas que necessitam de atendimento estão recorrendo cada vez mais às ações judiciais, e consequentemente inchando os tribunais com demandas concernentes ao referido direito. Portanto, Mapelli afirma que:
Judicialização da Saúde é um termo atualmente utilizado para nomear decisões proferidas pelo Poder Judiciário, que determinam tratamentos, procedimentos terapêuticos ambulatoriais e hospitalares, internações, fornecimento de medicamentos, insumos e outros produtos de interesse da saúde, bem como criam obrigações legais acerca do cumprimento de demais medidas administrativas dentro do sistema de saúde, por meio de tutelas de urgência, representa também o incremento gradual e significativo de ações judiciais, em decorrência do descumprimento de acordos previstos nas políticas públicas de saúde. (MAPELLI, 2017).
Por outro lado, é imprescindível a aplicação de princípios que delimitem a atuação do Poder Judiciário, com o intuito de que as pretensões da sociedade sejam contempladas, todavia em harmonia com a capacidade que o Estado detém de satisfazer essas necessidades.
Nesse sentido, é prudente destacar o princípio da Reserva do Possível, o qual se refere à razoabilidade do requerimento, em outras palavras, significa dizer, que as necessidades do indivíduo e as imposições pelas atitudes do Estado estão subordinadas a capacidade financeira da qual o governo possui, para fornecer os serviços que lhe são incumbidos. Acerca do referido princípio Mânica, alega que:
No Brasil, o princípio da Reserva do Possível é aplicado no sentido de se verificar o que é economicamente possível ao Estado fornecer ao indivíduo. Há prevalência do sentido econômico quando avaliada a razoabilidade da pretensão, tendo em vista a escassez de recursos públicos destinada à implementação de políticas públicas suficientes para satisfazer às necessidades da sociedade brasileira. (MÂNICA, 2008, pg. 100)
Ademais, no que diz respeito a responsabilidade do Estado de assegurar o acesso à saúde, Rocha menciona que:
Os Estados podem não dispor de recursos financeiros suficientes para adotar políticas públicas concernentes à saúde necessárias, a fim de garantir plena e integralmente os direitos sociais relacionados a este conteúdo. Mas o cidadão, em estado de penúria e necessidade incontornável e imediata, pode e deve pleitear, inclusive judicialmente, que esse seu direito seja assegurado por determinada medida estatal (ROCHA, 2005, p. 455).
Portanto, conforme exposto, o direito à saúde é uma garantia fundamental do cidadão por se tratar do direito à vida, nos moldes da Carta Constitucional de 1988. No entanto, ocorre que, o Estado não pode assegurar que tal benefício seja disponibilizado a todos, em virtude do grande gasto orçamentário e o abalo econômico com os mais diversos pleitos, assim, esse ente público ampara-se no argumento do princípio da reserva do possível.
Sob esse viés, o Estado poderia justificar a não implementação do direito à saúde, bem como dos demais direitos sociais, sob a justificativa da ausência de recursos financeiros. Aplicam-se, pois, ao caso, os seguintes precedentes:
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO). (STF – ADPF 45 DF, RELATOR: MINISTRO CELSO DE MELLO, JULGADO EM 29/03/2014)
Nas palavras do Ministro Relator no julgado supramencionado, o ente Estatal não pode se abster de prestar os serviços sociais fundamentais, em prol dos cidadãos, por se tratar de condições materiais mínimas de existência, do mesmo modo que, não pode se resguardar constantemente na norma da reserva do possível, com o intuito de se eximir do cumprimento de seus deveres constitucionais.
André da Silva Ordacgy (2007) aduz que as instituições públicas têm realizado considerações negativas quanto ao fenômeno da “judicialização da saúde”, sob a contestação de que o Poder Judiciário interviria de forma inadequada, e tal atitude, acarretaria, posteriormente, na ineficácia total do sistema público de saúde, em função dos altos gastos orçamentários para com o cumprimento das decisões judiciais.
Nessa linha de raciocínio, a seguinte jurisprudência refere-se sobre o tema em questão:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. O PODER JUDICIÁRIO, EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS, PODE DETERMINAR QUE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ADOTE MEDIDAS CONCRETAS, ASSECURATÓRIAS DE DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE RECONHECIDOS COMO ESSENCIAIS, COMO É O CASO DA SAÚDE, DEVER DO ESTADO, SEM QUE ISSO CONFIGURE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. 2. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. (STF – RE 762242 RJ, RELATOR: MINISTRO DIAS TOFFOLI, DATA DE JULGAMENTO: 19/11/2013, PRIMEIRA TURMA)
Assim sendo, consoante entendimentos jurisprudenciais respaldados pela Constituição Federal, o Estado não pode se omitir de atribuições a ele incumbido, vez que tal atitude configuraria em descumprimento com a sociedade e o regimento constitucional.
Para tanto, havendo situação de inexecução por parte dos entes públicos está assegurado ao Poder Judiciário, mediante acionamento do sujeito que se sentir prejudicado, que o referido Poder possa então vir a intervir em questões públicas, determinando ao administrador público que viabilize o custeio de tratamento de saúde anteriormente negado.
Convém enaltecer, que a probabilidade de solicitar amparo pelo Judiciário, em decorrência de violação dos direitos e garantias constitucionais, encontra-se previsto no texto constitucional, propriamente em seu artigo 5º, XXXV que assim decide: “A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito”. (BRASIL, 1988).
Destarte, de modo geral, a judicialização de políticas públicas, em especial as demandas concernentes à saúde, tem sido um fenômeno cada vez mais presente nos últimos anos, visivelmente através do desdobramento da atuação do Poder Judiciário na resolução de litígios que, a princípio, deveriam ser deferidas pelo Estado.
Ainda em relação ao crescimento dos casos de judicialização da saúde, um estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), declarou que nos anos de 2008 e 2017, o quantitativo de demandas judiciais referentes à saúde obteve um aumento de 130%, segundo dados catalogados na pesquisa “Judicialização da Saúde no Brasil: Perfil das demandas, causas e propostas de solução”. (CNJ, 2019).
Portanto, diante dos dados expostos, observa-se que a intensificação da atuação do Poder Judiciário perante ações de judicialização da saúde, se dá, em virtude da via judicial acabar por se tornar um recurso de obtenção dos direitos das partes que carecem de medicamentos, tratamentos médicos e demais pleitos vinculados à saúde, em tempo consideravelmente mais ágil, em virtude da morosidade na seara administrativa referente ao Estado.
4. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA E EVIDÊNCIA
Tendo em vista, o delineado anteriormente sobre a frequente participação do Poder Judiciário em causas pertinentes à saúde, é imperioso destacar os instrumentos judiciais, pelas quais o operador do direito vale-se para uma provável obtenção de decisão judicial favorável ao seu cliente, mais precisamente o paciente que necessita do atendimento, fármaco, ou insumo.
Neste sentido, no âmbito judicial verifica-se o instituo da tutela provisória. Sobre o conteúdo ilustra Gonçalves (2017, p. 352), “as tutelas provisórias cumprem a função de dar maior efetividade ao processo”. O autor afirma que “a tutela provisória garante e assegura o provimento final e permite uma melhor distribuição dos ônus da demora, possibilitando que o juiz conceda antes aquilo que só concederia ao final”.
Sobre o tema leciona, Marcus Vinícius Rios Gonçalves, que:
A expressão “tutela provisória” passou a expressar, na atual sistemática, um conjunto de tutelas diferenciadas, que podem ser postuladas nos processos de conhecimento e de execução, e que podem estar fundadas tanto na urgência quanto na evidência. (GONÇALVES, 2017, p. 436).
Dessa forma, o novo Código de Processo Civil (CPC), Lei nº 13.105/2015 em vigor desde março de 2016, inova empregando a expressão tutela de urgência e evidência, conforme transcrição do art. 294: A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. Sendo a tutela provisória de urgência cautelar ou antecipada, e podendo ser concedida em caráter antecedente ou incidental. (BRASIL, 2015)
Em princípio, a tutela de urgência estabelece a presença dos requisitos que “evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”, conforme impõe o art. 300 do CPC. (BRASIL, 2015).
E no que se refere, a tutela de evidência, esta, será “concedida independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo”, conforme aduz o art. 311 do CPC. (BRASIL, 2015).
Neste caso, o presente artigo, aborda os fundamentos e requisitos para concessão da tutela de urgência, não só, por considerar que o referido instrumento judicial é o mais aplicado para as demandas de fármacos e tratamentos médicos, mas também, por se tratar da “antecipação dos efeitos da sentença, a fim de gerar menos morosidade e mais efetividade nos processos judiciais.” (ELIAS, 2019, p. 39)
Neste ponto, faz-se necessário frisar que para uma provável concessão da tutela de urgência, a parte interessada deverá acionar o judiciário inicialmente, conforme entendimento do art. 141 do CPC: “o juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito à lei exige iniciativa da parte.” (BRASIL, 2015).
Por sua vez, a concessão e o cumprimento da tutela de urgência serão oferecidos sob a responsabilidade objetiva de seu favorecido arcar com os dispêndios ocasionados a parte contrária, havendo revisão ou cassação da decisão, bem como poderá o magistrado exigir caução para sua autorização, excetuado os casos de hipossuficiência atestada, para não ferir o princípio do acesso à justiça. (DIDIER, 2017).
Isto posto, pode-se afirmar que a autorização da tutela de urgência, tem o intuito de proteger um direito que encontra-se ameaçado, conferindo mais efetividade ao processo. O aludido instituto possui duas subespécies, a antecipada e a cautelar, conforme se verifica a seguir.
4.1 TUTELA DE URGÊNCIA CAUTELAR (CONSERVATIVA)
É prudente afirmar que “a tutela cautelar, que é a outra subespécie da tutela provisória de urgência, possui um condão de caráter assecuratório, onde é resguardado um direito, de modo que não seja prejudicado com o decorrer do tempo.” (ELIAS, 2019, p. 51).
De acordo com a Escola Brasileira de Direito:
A tutela cautelar tem por objetivo preservar direitos, podendo ser antecedente/preparatória (antes do oferecimento do pedido principal) ou incidental (durante o trâmite do pedido principal), tendo em ambos casos por requisitos o fumus boni juris e o periculum in mora. (BRASILEIRA DE DIREITO, 2017).
Desta maneira, depreende-se que o instrumento em questão tem como escopo resguardar o direito material do requerente, no intuito de proteger bens, pessoas ou provas, sem que resolva o mérito da questão.
Por outro lado, como bem adverte Nejaim:
Não obstante as semelhanças com a tutela antecipada, a tutela cautelar possui finalidade peculiar. Enquanto a tutela antecipada objetiva satisfazer faticamente o direito da parte, garantindo a utilidade do processo (ex: liberação imediata de um medicamento), a tutela cautelar busca assegurar uma futura satisfação do direito (ex: sequestro de bens, que não se justifica por si só). (NEJAIM, 2017, p. 15).
Dessa forma, é de se denotar acerca do entendimento retromencionado que o instituto da tutela de urgência cautelar destina-se prevenir uma ameaça de provável dano, enquanto a ferramenta antecipatória evita riscos na delonga processual.
A esse respeito, Gonçalves (2017, p. 354), disserta que “a tutela provisória cautelar não satisfaz, no todo ou em parte, a pretensão do autor. O juiz não concede, já, o que só seria deferido ao final, mas determina providências de resguardo, proteção e preservação dos direitos em litígio”.
4.2 TUTELA DE URGÊNCIA ANTECIPADA (SATISFATIVA)
A tutela provisória de urgência antecipada é definida como a antecipação do provimento jurisdicional fim, ou seja, da decisão do juízo referente ao caso posto em confronto. Assim, a tutela de urgência é considerada satisfativa quando para evitar um grave dano, confere ao autor provisoriamente a garantia imediata das vantagens de direito material para as quais se busca a tutela definitiva. (ALCÂNTARA, 2017).
Vale frisar que o instituto da “tutela provisória de urgência de natureza antecipada é a mais utilizada nas ações judiciais para a concessão de medicamentos e tratamentos médicos, sendo firmada pela jurisprudência, mostrando sua efetividade.” (ELIAS, 2019, p. 44).
Posto isso, objetivando resguardar a integridade da vida do autor da ação, pode-se requerer junto ao Judiciário o pedido de antecipação de tutela, a qual possibilita que seja antecipado o gozo dos efeitos da tutela definitiva que se pretende e que se obteria apenas ao final do processo. Assim, o paciente terá início imediato ao tratamento pleiteado sem necessitar esperar todo o andamento processual.
5. EFETIVIDADE DA TUTELA DE URGÊNCIA NA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE
É notório a urgência nas demandas judiciais para a aquisição de consultas, tratamento médico, insumos e medicamentos, sendo frequente ao autor da ação padecer de alguma enfermidade que esteja prejudicando sua saúde, e como é sabido, os trâmites processuais costumam ser morosos, tornando-se um grave problema ao demandante da ação que não dispõe de tempo, pois seu quadro clínico poderá se agravar, resultando num óbito indesejado.
A essa linha de raciocínio, André da Silva Ordacgy (2007), compreende que a nítida precariedade do sistema de saúde público brasileiro unido com o minguado fornecimento gratuito de remédios, muitos desses com alto custo, tem feito os cidadãos procurarem o auxílio, da tutela de urgência para a consumação do seu almejado tratamento médico, por intermédio de provimentos judiciais liminares.
A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) soa nesse sentido:
CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REGISTRO NA ANVISA. NECESSIDADE COMPROVADA. LAUDO MÉDICO FAVORÁVEL. SENTENÇA REFORMADA. [...] 3. NO CASO PRESENTE, O LAUDO PERICIAL ACOSTADO AOS AUTOS (ID. 15439497) AFIRMA QUE A PARTE AUTORA POSSUI DIAGNÓSTICO CONFIRMADO DE DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE (DMD), BEM COMO INDICA O USO DO MEDICAMENTO DENOMINADO TRANSLARNA (ATALLUERNO) COMO TRATAMENTO MÉDICO ADEQUADO AO CASO. [...] NO CASO, ESTE REQUISITO FOI DEVIDAMENTE CUMPRIDO, CONSIDERANDO QUE SE TRATA DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO, O QUE ATRAI A PRESUNÇÃO DA CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIENTE. […] 6. CONSIDERANDO A PRESENÇA DE PROVA INEQUÍVOCA E PERIGO DE DANO IRREPARÁVEL, RESTA CONFIGURADO, NA ESPÉCIE, OS PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS À ANTECIPAÇÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL, RAZÃO PELA QUAL DEVE SER DEFERIDO O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PARA DETERMINAR O FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO, DE ACORDO COM RELATÓRIO MÉDICO/PRESCRIÇÃO. 7. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA E ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA RECURSAL DEFERIDA. (AC 1004719-50.2018.4.01.3803, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, TRF 1 – QUINTA TURMA, E-DJF1 23/04/2020 PAG.). (GRIFOU-SE).
Como bem analisado a transcrição da jurisprudência, a tutela de urgência de natureza antecipada, tem como propósito ser uma ferramenta mais célere dentro do processo, em especial nas demandas referentes à saúde, no caso em tela, o requerente teve deferimento quanto ao medicamento pleiteado, iniciando seu tratamento clínico desde a concessão da liminar.
Outrossim, é fundamental a existência dos requisitos autorizadores para a concessão da tutela. Então, para comprovar a presença do fumus boni iuris e o periculum in mora, uma das premissas é o laudo pericial médico corroborando a inviabilidade de substituição do medicamento pleiteado, por um disponibilizado pelo SUS.
Nesse seguimento, o Tribunal Regional Federal da 1ª região, entende:
ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. FORNECIMENTO DE FÁRMACO. CÂNCER. COMPROVAÇÃO. PROVA DOCUMENTAL. PRINCÍPIO DA DESCENTRALIZAÇÃO DO SUS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. PRINCÍPIOS DA RESERVA DO POSSÍVEL E DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. NÃO VIOLAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA. […] NO CASO EM ANÁLISE, A OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTE EM DETERMINAR À UNIÃO E AO ESTADO DE MINAS GERAIS QUE ADOTEM DE IMEDIATO TODAS AS MEDIDAS ADMINISTRATIVAS NECESSÁRIAS AO CUSTEIO, EM CARÁTER DE URGÊNCIA, DO MEDICAMENTO ACETATO DE ABIRATERONA (ZYTIGA), NOS QUANTITATIVOS QUE SE FAÇAM NECESSÁRIOS, DE ACORDO COM A PRESCRIÇÃO MÉDICA, PARA SER MINISTRADA A CYRO RAMOS, E DETERMINAR À ASSOCIAÇÃO DE COMBATE AO CÂNCER DO BRASIL CENTRAL - HOSPITAL DOUTOR HÉLIO ANGOTTI, QUE RECEBA O VALOR CORRESPONDENTE E PROCEDA À AQUISIÇÃO DO REFERIDO FÁRMACO NOS QUANTITATIVOS QUE SE FAÇAM NECESSÁRIOS, DE ACORDO COM PRESCRIÇÃO MÉDICA, E ADOTE AS PROVIDÊNCIAS NECESSÁRIAS PARA MINISTRÁ-LO NO PACIENTE, POSTERIORMENTE PRESTANDO CONTAS, EM JUÍZO, DA APLICAÇÃO DOS RECURSOS PÚBLICOS. […] RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO PARA, REFORMANDO A SENTENÇA, JULGAR PROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS NA INICIAL. DEFERIDO O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL CONSUBSTANCIADO NA MORTE DO PACIENTE. (AC 0005781-53.2015.4.01.3802, DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, TRF1 - SEXTA TURMA, E-DJF1 12/05/2017 PAG.) (GRIFOU-SE).
Neste caso, na jurisprudência acima, trata-se de uma demanda em que o Autor necessita em caráter urgente do medicamento prescrito pelo médico, haja vista que a doença pode ser agravada num trâmite processual sem provocação da tutela, uma vez que o paciente acometido da moléstia corre risco de morte.
Ademais, em casos graves, pode-se citar como exemplo as demandas referentes a câncer. A tutela antecipada poderá ter alta possibilidade de salvar o paciente acometido da moléstia, fazendo com que o demandante dê início ao tratamento desde a sua concessão, sendo o caso da jurisprudência supramencionada.
Nesta senda, Gonçalves (2017, p. 353) esclarece que “a tutela de urgência de natureza antecipada satisfaz, no todo ou em parte, a pretensão formulada pelo autor, concedendo-lhe os efeitos ou consequências jurídicas que ele visou obter com o ajuizamento da ação”.
Em razão de todo exposto, torna-se inevitável frisar que a tutela antecipada demonstra intensa eficácia na judicialização da saúde, em particular nas demandas que consistem na concessão de medicamentos ou tratamentos médicos, posto que o paciente não dispõe de tempo para aguardar todo desenrolar judicial, em virtude de sua enfermidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessarte, o Direito a Saúde é fundamental a todo cidadão e dever do Estado em oferecer, pois, o que está sendo demandado é um direito à vida, estando inserido no rol de direitos sociais da Constituição Federal de 1988, no entanto tal garantia não está sendo bem distribuída por parte dos agentes públicos, podendo ser constatado pela população o transtorno na aquisição de atendimento médico e insumos farmacêuticos reiteradamente, em virtude de um sistema de saúde deficitário, que não consegue concretizar a contento a proteção do Direito a Saúde.
Nesse sentindo, surge o fenômeno da judicialização da saúde caracterizado como a participação do Poder Judiciário em questões de saúde pertinentes ao Poder Público, tal atuação se dá por meio de decisões proferidas, as quais determinam tratamentos, procedimentos hospitalares, fornecimento de insumos e demais itens alusivos à saúde, bem como estabelecem obrigações legais para o devido cumprimento de medidas administrativas dentro do sistema de saúde. As consequências deste processo é a presença do Judiciário cada vez mais forte no âmbito da gestão em saúde.
No que diz respeito, a concessão da tutela provisória de urgência na judicialização da saúde esta vem se tornando ferramenta primordial para alcance dos pleitos antecipados pertencente à saúde, pois tratam-se de uma situação de urgência, assim tal instrumento tem caráter assecuratório de adiantar uma tutela definitiva, uma vez que o Autor/paciente terá início ao seu tratamento de modo mais célere, sem a necessidade de aguardar a morosidade processual.
No entanto, o Estado afirma não poder atender todas as liminares relativas à saúde, vez que as decisões favoráveis aumentam consideravelmente. Alegam que devem respeitar ao princípio da reserva do possível, bem como ao princípio da coletividade, no entanto o entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário, afirma que é incontestável que o direito a saúde do cidadão seja ignorado pelo Poder Público, em razão de estar interligado ao direito à vida, assim, as alegações sobre a reserva do possível, não pode ser um impedimento para concretização do direito à saúde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREIRE, Isis de Oliveira. Judicialização da Saúde: A Tutela Provisória de Urgência como Alternativa de Resguardo ao Direito à Saúde Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 nov 2020, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55414/judicializao-da-sade-a-tutela-provisria-de-urgncia-como-alternativa-de-resguardo-ao-direito-sade. Acesso em: 22 nov 2024.
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