ERIC JOSE MIGANI[1]
(Orientador)
RESUMO: Trata-se de um estudo bibliográfico com o objetivo de apresentar os aspectos relativos à cobrança da Contribuição de Iluminação Pública (CIP), no município de Porto Nacional, Estado do Tocantins. Para tanto, inicialmente evidenciou-se o arcabouço jurídico municipal em atenção aos requisitos do tributo em foco. Em segundo momento, apontou-se as formas pelas quais a municipalidade em questão realiza a cobrança da CIP, verificando-se neste estudo uma realidade diversa do que dispõe a respectiva legislação municipal, de modo que se observou manifesta cobrança em duplicidade (bis in idem) da CIP, após análise dos carnês de IPTU e das fatura de energia elétrica por CCI (Cédula do Cadastro Imobiliário). E por fim, argumentou-se a respeito das medidas protetivas cabíveis na defesa dos direitos dos contribuintes consumidores, quais sejam, as ações de repetição de indébito tributário, anulatória e declaratória cumulada com consignação em pagamento, à luz da Legislação Tributária Nacional e dos princípios da justiça e da boa-fé.
Palavras-chave: CIP. Porto Nacional. Bis in idem. Medidas protetivas.
ABSTRACT: This is a bibliographic study with the objective of presenting the aspects related to the collection of the Public Lighting Contribution (CIP) in the municipality of Porto Nacional, State of Tocantins. To this end, initially the municipal legal framework became evident in attention to the requirements of the tax in focus. Secondly, the ways in which the municipality in question carries out the collection of the CIP were pointed out, with a different reality in this study than that provided by the respective municipal legislation, so that a double charge was observed (bis in idem) of CIP, after analysis of IPTU booklets and electricity bills by CCI (Real Estate Registry Card). And finally, it was argued about the protective measures applicable in the defense of the rights of consumer taxpayers, namely, the repetition of tax undue, annulment and declaratory actions combined with consignment in payment, in the light of the National Tax Legislation and the principles of justice and good faith.
Keywords: CIP. Porto Nacional. Bis in idem. Protective measures.
Sumário: 1 Introdução; 2 Aspectos da cobrança tributária brasileira da contribuição de iluminação pública no município de porto nacional; 3 Estudos de caso do município de porto nacional. Bis in idem da CIP. Dupla tributação municipal sobre contribuição de iluminação pública; 4 Aspectos da cobrança e a proteção jurídica do contribuinte lesado: medidas jurídicas cabíveis nas hipóteses de bis in idem tributário: 4.1 Ação de repetição de indébito tributário; 4.2 Ação anulatória de natureza tributária; 4.3 Ação declaratória de inexigibilidade cumulada com consignação em pagamento 5 Considerações Finais.
1 INTRODUÇÃO
Dos problemas que afligem as políticas tributárias de modo geral, ser obrigado a pagar aquilo que não é devido é de longe um dos mais tormentosos. A Contribuição de Iluminação Pública (CIP) versa sobre tributo destinado a custear os gastos da prestação de serviços de iluminação pública, efetuada pelo município no âmbito de todo seu território, cuja fundamentação está esculpida no art. 149-A da Constituição da República Federativa do Brasil/ CRFB (BRASIL,2016a).
Conforme a redação do referido artigo, todos são beneficiários e contribuintes do aludido tributo, dada sua natureza singular, podendo-se afirmar que se trata de uma quarta espécie de contribuição especial, posicionando-se ao lado das contribuições sociais, interventivas e corporativas.
A CIP, cristalizada pela Emenda Constitucional nº 39 de 2002 (BRASIL, 2016a), tem sido fonte de arrecadação de diversas municipalidades, sendo fundamental evidenciar que, em caráter supletivo, o cumprimento total da obrigação tributária municipal é transferido à Concessionária de Energia Elétrica que lhe presta serviços.
Deste modo, a responsabilidade tributária pelo recolhimento da CIP é realizada diretamente na fatura de energia elétrica, fato este que se repete no município de Porto Nacional por força do Código Tributário Municipal (CTM).
Todavia, comumente em outras cidades verifica-se que a cobrança da CIP ocorre em conjunto com os boletos de IPTU, o que se simultaneamente lançados incorre em latente bis in idem da mencionada contribuição, casos em que o Código Tributário Nacional (CTN) traz respostas eficazes à solução.
Frente a esse contexto, levanta-se um questionamento: como tem ocorrido a arrecadação da contribuição de iluminação pública no município de Porto Nacional e quais as implicações jurídicas nos casos de bis in idem?
Desta feita, utiliza-se como objeto de estudo, o município de Porto Nacional, localizado no centro médio do Estado do Tocantins, em razão da ocorrência de dupla incidência tributária deste imposto, verificada a partir da análise dos dispositivos tributários e dos documentos de arrecadação de contribuintes da referida municipalidade.
De acordo com o Código Tributário Municipal (CTM) de Porto Nacional, as contribuições de iluminação pública em questão, podem ser arrecadadas de duas formas, condicionando-se ao fato de estar ou não o imóvel ligado à rede de energia elétrica. Caso esteja, o recolhimento ocorrerá diretamente na fatura de energia elétrica, ou do contrário será cobrado junto com a guia de pagamento do IPTU (PORTO NACIONAL,2009).
Essas especificações encontram respaldo constitucional, contudo, da realidade subsume-se desconformidade com princípios tributários constitucionais vigentes, posto que em verdade, a angariação do referido tributo vem acontecendo simultaneamente nas duas formas, tanto por meio da fatura de energia elétrica quanto em boleto de IPTU.
Este estudo teve como enfoque a incidência tributária da CIP, no município de Porto Nacional, nas faturas de conta de energia, bem como eventuais cobranças realizadas juntamente com o IPTU, a fim de apontar as implicações jurídicas em casos de eventuais indébitos tributários.
Para tanto, o texto identifica os conceitos básicos e a origem da CIP, o posicionamento do tema nos tribunais superiores, bem como realiza a análise da base legal do município no que tange a incidência deste imposto em Porto Nacional e discrimina os métodos adotados para arrecadação da contribuição de iluminação pública. Ainda, demonstra a dupla incidência tributária por meio da interpretação comparada das faturas de energia elétrica e dos boletos de IPTU de oito imóveis da região.
A metodologia adotada para o desenvolvimento da pesquisa alicerçou-se, como primeira etapa, no levantamento das informações sobre o procedimento adotado pela municipalidade para arrecadação da CIP, investigando-se a legislação municipal e os parâmetros constitucionais, e a forma como o ente efetiva a arrecadação, informações preliminares que subsidiaram este estudo.
A segunda etapa metodológica desenvolve-se a partir do estudo bibliográfico do tema, com análise jurídica do fenômeno ocorrido no município de Porto Nacional, à luz da legislação vigente e da orientação doutrinária.
A última etapa consiste na proposição de uma estratégia jurídico-processual que pode ser traçada para o contribuinte, na defesa dos seus direitos, em face da evidente violação.
2 ASPECTOS DA COBRANÇA TRIBUTÁRIA BRASILEIRA DA CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA NO MUNICÍPIO DE PORTO NACIONAL
Conforme dispõe no site da Câmara Municipal de Pouso Alegre, (POUSO ALEGRE, 2002) Iluminação pública é o “serviço que tem o objetivo de prover luz ou claridade artificial aos logradouros públicos no período noturno ou nos escurecimentos diurnos ocasionais, incluindo locais que demandem iluminação permanente no período diurno”.
Dada a nobreza e essencialidade deste serviço para a vida cotidiana na modernidade, o Estado controla sua disponibilização e repassa, como forma de contraprestação deste serviço, as despesas para custeio diretamente para o bolso dos contribuintes, por meio do tributo denominado contribuição de iluminação pública.
O referido tributo fora instituído pela emenda constitucional n. 39 de 2002, após inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais, sobre a natureza jurídica da cobrança, o que culminou com a alteração de Taxa de Iluminação para Contribuição de Iluminação Pública.
O tributo estudado estampa o Art. 149-A da Carta Constituinte (BRASIL, 2016a, p. 281), o qual deve ser observado pelas municipalidades, em conformidade com os preceitos da própria lei maior.
Conforme Paulsen (2017, p. 61), o serviço de iluminação pública deve ser instituído por lei municipal, atendidas as exigências cristalizadas no Art. 150, inciso I, da CRFB, devendo conter fato gerador, contribuinte, base de cálculo e alíquota.
Completa o referido doutrinador que não pode ser delegado o poder de fixação a prefeito, por decreto ou qualquer outro ato administrativo, preservando-se a legalidade absoluta exigida por força constitucional. Não fossem estas exigências, devem também os municípios devem observar as garantias de irretroatividade, anterioridade de exercício e da anterioridade nonagesimal mínima.
O município de Porto Nacional promulgou a Lei Complementar Nº 007 dispondo sobre o sistema municipal e normas suplementares em matéria tributária na referida municipalidade. O diploma reservou título específico no que tange a CIP, cristalizados do Art. 207 ao Art. 220, os quais passa-se a expor (PORTO NACIONAL, 2009).
O Art. 207 traz em seu bojo as disposições gerais sobre a CIP no âmbito do município de Porto Nacional, a saber:
A Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública – CIP cobrada pelo Município, é instituída para custear o serviço de iluminação pública, em caráter universal, de forma a viabilizar a tranqüilidade [sic], o bem-estar e a segurança nos espaços públicos, tendo como fato gerador a prestação destes serviços pelo Município, diretamente ou mediante concessão (PORTO NACIONAL, 2009, p. 48).
Em que pese a matriz de incidência tributária do tributo, impera evidenciar seu fato gerador, que é um acontecimento no mundo real descrito em lei cuja finalidade é apontar o momento exato do início de uma obrigação tributária.
Ricardo Alexandre (2016) preleciona que o fato gerador de um tributo é aquele tido como necessário e suficiente à sua ocorrência, e classifica como necessários todos os atos que precisam estar presentes para a configuração do fato. Deste modo, da análise do objeto estudado, o fato gerador encontra-se cristalizado no Art. 208, aduzindo que surge a obrigação tributária a partir do consumo de energia elétrica por pessoa natural ou jurídica, mediante ligação regular de energia elétrica no território do Município. Ademais, é mister evidenciar que a incidência da aludida contribuição, por força do Art. 209 acontecerá também sobre imóveis, edificados ou não, desde que cumpram o predisposto no Art. 207 (PORTO NACIONAL, 2009, p. 48).
No que concerne à base de cálculo, entende a doutrina de Hugo de Brito Machado Segundo (2018a) que esta é a grandeza econômica sobre a qual se designa alíquota, quando não fixada diretamente pela lei, para o cálculo do tributo, no caso da CIP, tem-se como parâmetro o consumo de energia elétrica constante na fatura emitida pela concessionária distribuidora (Art. 210, § 1°), sendo esta a única forma de cálculo admitida pelo município de Porto Nacional, com base na análise da liturgia tributária municipal.
Quanto ao sujeito passivo da obrigação tributária de custeio da iluminação pública, trata-se de sujeito passivo direto, que nas lições de Eduardo Sabbag (2017) é definido como aquele que tem uma relação pessoal e direta com o fato gerador.
Deste modo, ao forjar no Art. 212, o sujeito passivo da Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública é o consumidor de energia elétrica estabelecido no território do Município e que esteja cadastrado junto à concessionária de energia elétrica titular da concessão no território de Porto Nacional.
No que tange ao modo de arrecadação, verifica-se que o município, inicialmente buscou atender às disposições constitucionais relativas a CIP. Note, que no próprio Código Tributário da Urbe de Porto Nacional é manifesta a parafiscalidade existente, tendo em vista que a contribuição é direcionada à municipalidade, mas é recolhida pela concessionária de energia elétrica.
O seguinte cenário foi desenhado, tendo em vista as dificuldades em atingir o contribuinte natural e melhorar o controle da arrecadação, baseado no parágrafo 7° do artigo 150 da Constituição Federal (BRASIL, 2016a, p. 96).
Cumpre ressaltar, ainda, que, o Art. 10 da Lei municipal nº 1.755 de 30 de dezembro de 2002 aduz sobre o processo de arrecadação, consignando que o produto da arrecadação da CIP, ao ser “recebida pela empresa concessionária e distribuidora de energia, será depositada em conta própria da Secretaria de Finanças para a efetiva contabilização, no prazo de 5 (cinco) dias úteis após o recebimento”. (PORTO NACIONAL, 2002, p. 2).
De modo suplementar, o tributo em questão, tem uma via de arrecadação regulamentada pela Lei municipal nº 1.755/02, em que o lançamento e o recolhimento da CIP podem também ser realizados juntamente com o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), conforme se observa no dispositivo a seguir:
Art. 7° - A contribuição de iluminação pública será lançada em nome do sujeito passivo, mensalmente ou anualmente, se for o caso, sendo arrecadada conforme dispuser o regulamento, podendo ser lançada e recolhida juntamente com o Imposto Territorial Urbano (PORTO NACIONAL, 2002, p. 2).
Todavia, a municipalidade de Porto Nacional tem realizado a cobrança da CIP nos dois métodos postos em análise, quais sejam, a fatura de energia elétrica e o boleto do respectivo IPTU. Fato este que incorre em latente bis in idem tributário, a ser demonstrado no item 3 deste artigo.
3 ESTUDOS DE CASO DO MUNICÍPIO DE PORTO NACIONAL. BIS IN IDEM DA CIP. DUPLA TRIBUTAÇÃO MUNICIPAL SOBRE CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA
Alexandre (2016, p. 205) entende que o bis indem acontece quando o mesmo ente tributário institui sobre o mesmo fato gerador uma dupla incidência.
Do lastro fático desenrolado nos tópicos anteriores, denota-se que o fato gerador da contribuição de iluminação pública é a utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ou postos à disposição da comunidade, ou seja, o consumo de energia elétrica por pessoa natural ou jurídica, mediante ligação ou uso indireto e regular de energia elétrica no território do Município.
Todos os anos a cobrança da CIP foi realizada também junto ao boleto de IPTU, exceto no ano de 2017 que, por força da Lei Complementar nº 52 de 18 de abril de 2017, promulgada pelo município de Porto Nacional, a cobrança da CIP fora realizada em carnê próprio.
Apesar da permissão legal para a exação da CIP pela municipalidade, depreende-se uma leitura da realidade diferente da liturgia tributária municipal, visto que é possível verificar concomitantemente a dupla cobrança da CIP em alguns casos conforme, tanto na fatura de energia quanto nos boleto de IPTU gerados pelo sítio eletrônico da prefeitura de Porto Nacional, conforme expõe-se no quadro 1.
Quadro 1 - Cobrança em duplicidade da contribuição de iluminação pública*
CCI |
ANO |
IPTU (R$) |
CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA (R$) |
TOTAL (R$) |
01 |
2019 |
74,04 |
47,18 |
121,22 |
2020 |
76,44 |
47,18 |
123,62 |
|
02 |
2019 |
74,04 |
47,18 |
121,22 |
2020 |
76,44 |
47,18 |
123,62 |
|
03 |
2015 |
60,00 |
195,73 |
255,73 |
2020 |
76,44 |
195,73 |
272,17 |
|
04 |
2019 |
74,04 |
47,18 |
121,22 |
2020 |
76,44 |
47,18 |
123,62 |
|
05 |
2019 |
74,04 |
29,20 |
103,64 |
2020 |
76,44 |
35,66 |
112,10 |
|
06 |
2019 |
74,04 |
47,18 |
121,22 |
2020 |
76,44 |
47,18 |
123,62 |
|
07 |
2019 |
74,04 |
195,73 |
269,77 |
2020 |
76,44 |
195,73 |
272,17 |
|
08 |
2019 |
74,04 |
133,27 |
207,31 |
2020 |
76,44 |
129,00 |
205,44 |
*Dados extraídos de Prodaweb Porto Nacional e Energisa
Cumpre ressaltar que os dados extraídos dos boletos de IPTU em análise foram obtidos em busca aleatória junto ao portal do contribuinte da prefeitura de Porto Nacional, cuja transparência permite que sejam identificados os anos e valores que estejam em aberto, referentes ao imóvel pesquisado pelo número de suas respectivas identificações de CCI (Cédula de Cadastro Imobiliário), substituídas no Quadro 1 por numeração arábica crescente. Já as informações relativas às faturas de energia elétrica foram coletadas no site da concessionária de energia do Estado do Tocantins.
Foram coletadas duas faturas de energia e dois boletos de IPTU para cada CCI, referentes aos anos de 2019 e 2020, metodologia adotada para contextualizar o fato de que a cobrança ocorre em duplicidade. Destaca-se que a periodicidade da CIP vinculada ao IPTU é anual, enquanto a da fatura de energia é mensal.
Dos boletos de IPTU, observa-se uma descrição no campo “receita” indicando que daquela fatura está sendo cobrada uma quantia referente a CIP. Denota-se também, que das faturas de energia elétrica foram cobrados valores identificados como “contrib de ilum. pub”. Ou seja, há prova latente de que sua cobrança manifestamente ocorre em duplicidade, incorrendo em ofensa à justiça e evidente bis in idem tributário.
Destarte, todos aqueles que são diretamente afetados por este erro necessitam da tutela jurídica do estado, a fim de resguardar seus direitos e evitar maiores prejuízos fiduciários, sob a ótica da justiça e da boa-fé, no contexto do Direito Tributário Nacional.
4 ASPECTOS DA COBRANÇA E A PROTEÇÃO JURÍDICA DO CONTRIBUINTE LESADO: MEDIDAS JURÍDICAS CABÍVEIS NAS HIPÓTESES DE BIS IN IDEM TRIBUTÁRIO
Em observação às medidas cabíveis em face do comprovado bis in idem tributário, impera evidenciar que existem pontos convergentes às ações a serem interpostas, sendo estes fulcrais para a melhor defesa do contribuinte que fora lesado. Dentre as quais se destacam a cumulatividade das ações, e a composição do polo passivo.
No que tange a cumulatividade, tem-se que, em observação aos princípios da celeridade e eficiência, as ações anulatórias e de repetição de indébito devem ser cumuladas em uma única demanda, do ponto de vista jurídico prático, posto que ambas estão intrinsecamente ligadas, e, em consequência lógica, esta depende da declaração de nulidade daquela. Da mesma forma, é recomendável o ajuizamento das ações de declaração de inexigibilidade cumulada com as de consignação em pagamento, já pacificado na doutrina e na jurisprudência.
O polo passivo das ações terá como requerido o município de Porto Nacional, isto porque a concessionária de energia elétrica apenas realiza a cobrança e o repasse da CIP para a municipalidade em foco, de modo que inicialmente não cabe, neste caso, a figuração no polo réu das medidas judiciais estampadas neste trabalho científico. Entretanto, não se pode olvidar que há um impasse quanto a resolução do problema apresentado, posto que não se sabe qual das vias de arrecadação aqui apresentadas é a correta.
Destarte, é imperiosa a necessidade de a concessionária de energia elétrica participar da ação declaratória de inexigibilidade de pagamento, cumulada com consignação em pagamento, para que estes fiquem suspensos até a resolução da lide, de modo que seja também suspensa a prescrição e, eventualmente sendo a CIP cobrada pela empresa, declarada como indevida, figurará esta, em litisconsórcio passivo necessário das demais medidas judiciais apresentadas, incluindo a repetição de indébito tributário, nos termos do Código Tributário Nacional.
4.1 Ação de repetição de indébito tributário
Em que pese o ente municipal seja desprovido de voluntas própria, o desejo do povo se materializa na apresentação por pessoas físicas normais aos demais, sujeitas ao erro, de modo que podem editar normas sem validade, efetuar lançamentos improcedentes ou até mesmo realizar julgamento administrativo equivocadamente.
Sem distinção, os contribuintes também podem incorrer em erro, inclusive, recolher mais tributos do que o realmente devido. Este é o entendimento de Hugo de Brito Machado Segundo (2018b) que vai além, aduzindo que os equívocos como os descritos acima geram direito à restituição, instrumentalizada na chamada “ação de repetição de indébito tributário”.
Conforme preconiza a Carta Magna de 1988 em seu Art. 150, independente das outras garantias asseguradas ao contribuinte, fica “vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, [...] exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. (BRASIL, 2016a, p. 95).
No presente caso, denota-se que existe amparo legal e que o recolhimento em excesso se dá pela negligência da municipalidade, em verificar a impossibilidade de se cobrar concomitantemente as Contribuições de iluminação pública por ambos os meios esculpidos em lei, como bem demonstrada no tópico 3 do artigo ora apresentado, constituindo essa na manifesta causa de pedir da ação de repetição de indébito tributário apresentada neste estudo.
O cerne da presente ação estudada é a máxima de que todo dinheiro pago ao fisco a maiori, quer seja espontânea ou compulsivamente, não pode ser retido pelo ente público, sob pena de se incorrer em enriquecimento ilícito do erário público. Sob esta ótica mister se faz evidenciar o que expõe o Art. 165 do Código Tributário Nacional.
Ora, da análise dos fatos sobre a lógica dedutiva legal, subsume-se que o bis in idem da CIP do município de Porto Nacional incide diretamente no inciso II da Lei adjetiva em questão, quando assim preleciona “[...] elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento” (BRASIL, 2012, p. 96). Cabendo-se, pois, a ação supra intitulada neste capítulo, independente de procedimento administrativo pretérito, sendo sua aplicação tão somente como método de efetivação do direito ao crédito restituível através da compensação.
Apesar da possibilidade de se utilizar da via administrativa, dois fatores influenciam negativamente, quais sejam a parcialidade do fisco ao julgar a demanda e a complexidade dos fatos. No que concerne ao primeiro fator, haveria uma confusão entre o ente negligente e o julgador da demanda, já no segundo, a lide pressupõe em cinco ações processualmente possíveis e simultâneas, que sob o crivo municipal lhes fugiria a capacidade de dizer o direito.
Em se tratando dos valores a serem repetidos, devem ser restituídos aqueles desembolsados para pagar o IPTU obedecidas as normas tributárias vigentes e as súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Para tanto, observe a redação do Art. 167 do Código Tributário Nacional, a seguir:
Art. 167. A restituição total ou parcial do tributo dá lugar à restituição, na mesma proporção, dos juros de mora e das penalidades pecuniárias, salvo as referentes a infrações de caráter formal não prejudicadas pela causa da restituição. Parágrafo único. A restituição vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar. (BRASIL, 2012, p. 96).
Neste sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no tocante à Súmula 188, que trata sobre os juros contados a partir do trânsito em julgado, diferentemente da correção monetária, cuja incidência é determinada por esta corte, por meio da Súmula 162, que aponta a data do desembolso como termo inicial da correção.
Também sob o prisma do entendimento doutrinário, conforme Sabbag (2017), os juros de mora são contados a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que atendeu a pretensão restitutória.
Vale frisar que, muito embora o contribuinte lesado tenha direito a restituição, o prazo para o requerimento desse não é ad eternum, de modo que o art. 168 do CTN estabelece que o direito de pleitear a restituição, é alcançado pela prescrição no prazo de 5 anos, contados da data da cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido, em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido. Assim, tomando como base os anos indicados no Quadro 1, depreende-se que os valores poderão ser discutidos em ação de repetição de indébito até 2023 para os que são de 2019, e 2024 para aqueles que são de 2020.
Outrossim, referente ao direito de restituição do indébito, em casos em que se tenha ocorrido a alteração de titularidade, o entendimento do STJ, extraído do julgamento do REsp 593356/RJ, de relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, publicado no Diário de Justiça de 12 de setembro de 2005 é no sentido de que para,
[...] a repetição de indébito de IPTU, cabe ao sujeito passivo que efetuou o pagamento indevido, ex vi do artigo 165, do Codex Tributário. ‘Ocorrendo transferência de titularidade do imóvel, não se transfere tacitamente ao novo proprietário o crédito referente ao pagamento indevido. Posto que é vedada a repetição em favor do novo proprietário que não pagou o tributo e nem suportou, direta ou indiretamente, o ônus financeiro correspondente’. (BRASIL, 2007)
Portanto, em face da violação demonstrada no Quadro 1, e considerando que não ocorreu a prescrição, tem os sujeitos passivos do pagamento indevido, o direito de pleitear a repetição do indébito.
4.2 Ação anulatória de natureza tributária
Conforme mencionado anteriormente, o estudo em foco tem como problema a dupla cobrança da contribuição de iluminação pública no município de Porto Nacional. Note, que a questão que inicialmente se busca entender é o ressarcimento dos valores pagos indevidamente, bem como o pleito à reparação dos danos materiais causados pela conduta negligente e abusiva da municipalidade. Contudo, a referida situação só é permitida quando observamos as cobranças preteritamente já lançadas em nome do contribuinte e pagas em momento anterior.
A conduta a que se refere neste estudo é delineada por um raciocínio que compreende todo o deslinde fático estudado. Ora, qual seria a ação cabível para aqueles valores cobrados indevidamente em nome do contribuinte e ainda não pagos? Não seria outra, senão uma ação anulatória que, nas lições do doutrinador Hugo de Brito Machado Segundo (2018a, [p. 443]; 2018b, [p. 414]), trata-se de uma ação de procedimento comum, que obedece o rito ordinário e tem o intuito de se adquirir uma tutela jurisdicional, a fim de se desfazer “[...] ato administrativo de lançamento por conta de nulidade nele verificada”.
Neste tipo de ação, aduz a doutrina de Cassone; Rossi; Cassone (2017), que é pressuposto da ação a existência de um débito tributário (lançamento fiscal ou decisão administrativa) regularmente constituído, mediante lançamento, que por meio da ação se busca desconstituir.
Assim, para evitar problemas como os de protesto com inscrição em dívida ativa e até mesmo uma ação fiscal, torna-se imperioso o ajuizamento de ação anulatória de débito fiscal nos moldes acima avençados.
4.3 Ação declaratória de inexigibilidade cumulada com consignação em pagamento
Por se tratar de uma situação de alta complexidade cujo prazo para resolução é imprevisível, devem ser propostas outras duas ações concomitantemente às demais, quais sejam, a ação declaratória de inexigibilidade, cumulada com consignação em pagamento, uma vez que, mesmo ajuizando-se as ações retromencionadas, não haveria impedimento do lançamento por parte das municipalidades de novos tributos em nome dos contribuintes.
A ação declaratória encontra-se prevista no Código de Processo Civil com a seguinte redação:
Art. 19. O interesse do autor pode limitar-se à declaração: I – da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica;
Art. 20. É admissível a ação meramente declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito. (BRASIL, 2016b, p. 41-42)
Nas lições de Cassone; Rossi; Cassone (2017), o contribuinte busca saber se uma lei que instituiu ou aumentou um tributo é constitucional ou inconstitucional, o que claramente nos fatos apresentados anteriormente evidencia a inexistência de relação jurídico tributária. Nestes casos deve também ser adotada outra medida de proteção ao dinheiro do contribuinte, a ação de consignação em pagamento dos tributos sobre os quais se tem dúvida quanto à sua exigibilidade, incorrendo no procedimento especial esculpido nos Art. 539 e 541 do CPC (BRASIL, 2016b, p. 118).
Deste modo, requerer-se-á a consignação no lugar do pagamento, cessando para o devedor, à data do depósito, os juros e os riscos, salvo se a demanda for julgada improcedente, fato este cuja probabilidade é muito baixa de acontecer. Sendo imperiosa a aplicação de todas as ações mencionadas neste projeto, a fim de garantir a melhor prestação jurisdicional possível.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A contribuição de iluminação pública é tributo devido à municipalidade, cuja função é custear o serviço que carrega em seu nome. Em 2009, o município de Porto Nacional, Estado do Tocantins, publicou a Lei que regula este tributo no âmbito municipal, disposto nos Art. 207 a 212.
Verificou-se neste estudo uma realidade diversa do que dispõe a referida legislação municipal, observando-se manifesta cobrança em duplicidade da CIP, em carnê de IPTU e na fatura de energia elétrica, conforme demonstrado.
Como forma de solução do bis in idem da cobrança deste tributo dos contribuintes de Porto Nacional, à luz dos princípios da justiça e da boa fé, e com supedâneo no arcabouço tributário nacional, delineado neste artigo, propõe-se o ajuizamento individual de ação anulatória e de repetição de indébito tributário, bem como ação declaratória de inexigibilidade e consignação em pagamento nos moldes das medidas judiciais abordadas.
Em que pese a urgência da situação e de sua relevância social, não se pode olvidar que esta matéria não é de competência do Ministério Público, uma vez que não são todos os contribuintes do município de porto nacional que estejam na mesma condição de onerosidade excessiva causada pelo lançamento em duplicidade da contribuição de iluminação pública.
Por fim, ressalta-se que o estudo em foco pode subsidiar o processo de análise da legislação municipal, bem como situação específica para os contribuintes da municipalidade de Porto Nacional, no que concerne à Contribuição de Iluminação Pública, bem como as formas de cobrança e medidas judiciais cabíveis na defesa dos direitos a eles garantidos.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. [Constituição (1988)] Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/94, pelas Emendas Constitucionais nos 1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo no 186/2008. Brasília, DF: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2016a. 496 p. ISBN: 978-85-7018-698-0. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf. Acesso em: 9 maio 2020.
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[1] Professor na graduação em Direito UNICATÓLICA. Mestre em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Especialista em Direito Público pela Universidade Salesiano (2009), possui graduação em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul (2006). Telefone: (63) 08437-8057. E-mail: [email protected].
Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins - UNICATÓLICA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARDOSO, Gabriel Estevão. Análise da contribuição de iluminação pública no município de Porto Nacional sob a ótica do bis in idem. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 nov 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55453/anlise-da-contribuio-de-iluminao-pblica-no-municpio-de-porto-nacional-sob-a-tica-do-bis-in-idem. Acesso em: 22 nov 2024.
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