RESUMO: Este artigo propõe uma abordagem crítica sobre a violência obstétrica no Brasil, apontando a possibilidade de responsabilizar juridicamente no âmbito civil e penal, àqueles que provocam esse tipo de situação. O objetivo da pesquisa é compreender a situação de violência obstétrica no Brasil analisando os direitos fundamentais violados e a responsabilidade jurídica no âmbito Civil e Penal. Quanto a metodologia jurídica será através do método dedutivo (que parte da premissa do geral para o específico), com a utilização de técnicas que serão utilizadas para a coleta de dados, com preponderância da revisão bibliográfica, coleta de jurisprudência, análise de conteúdo de argumentos jurisprudenciais e análise de textos legais. O estudo é relevante tanto para a sociedade quanto para os operadores do Direito, pois trata-se de uma realidade que ocorre cotidianamente na vida de milhares de mulheres, e assim, por consequência, tem-se o interesse de saber se há a possibilidade de responsabilizar juridicamente no âmbito civil e penal. A pesquisa dividiu-se em 04 tópicos, quais sejam, a violação dos direitos fundamentais na hora do parto; a caraterização da violência obstétrica, a violência obstétrica no Brasil; e a responsabilidade no âmbito civil e penal em decorrência dessa prática. Por fim, observou-se que é perfeitamente possível que os profissionais de saúde sejam penalizados.
Palavras-chave: Violência obstétrica; Responsabilidade Jurídica; Cível; Penal.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA HORA DO PARTO - 3. CARACTERIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA - 4. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO BRASIL - 5. RESPONSABILIDADE JURÍDICA - 5.1 AMBITO PENAL - 5.2 ÂMBITO CIVEL - 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS - 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
1. INTRODUÇÃO
O objeto principal da pesquisa é compreender a situação de violência obstétrica no Brasil, analisando os direitos fundamentais violados e a responsabilidade jurídica no âmbito Civil e Penal. É evidente e notório que a violência obstétrica atinge milhões de mulheres, que sequer, conhecem seus direitos, o que consequentemente geram mais casos impunes. Desse modo, surge os seguintes questionamentos: qual a Responsabilidade Jurídica no âmbito civil e penal nos casos em que envolvam a violência obstétrica? Quais os direitos fundamentais violados na hora do parto?
No âmbito civil dispõe-se sobre danos morais pelas ações dos profissionais de medicina e enfermagem para com as mulheres em tratamento obstétrico.
No âmbito penal existem previsões sobre violência obstétrica, quais sejam, o artigo 146 que aborda o constrangimento ilegal, o qual dependendo da forma exercida pode-se considerar prática violenta; o artigo 61, inciso II, alínea h, que diz “são circunstâncias que sempre agravam a pena quando constituam ou qualifiquem o crime: [...] contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida’’; e, o artigo 129 em seu parágrafo 1º, inciso IV “lesão corporal de natureza grave: Acelerar o parto.”
Entende-se por violência obstétrica qualquer ato exercido por profissionais da saúde no que cerne ao corpo e aos processos reprodutivos das mulheres, exprimido através de uma atenção desumanizada, abuso de ações intervencionistas, medicalização e a transformação patológica dos processos de parturição fisiológicos (JUAREZ et al., 2012).
Dos direitos fundamentais violados destacam-se: a dignidade da pessoa humana; e o direito a Saúde. O estudo é relevante tanto para a sociedade quanto para os operadores do Direito, pois trata-se de uma realidade que ocorre cotidianamente na vida de milhares de mulheres, e assim, por consequência, tem-se o interesse de saber se há a possibilidade de responsabilizar juridicamente no âmbito civil e penal àqueles que cometem a violência obstétrica, ou seja, os profissionais de enfermagem, de medicina, ou o próprio Estado, nos atendimentos realizados no SUS.
A pesquisa permitirá analisar inteligentemente as decisões judiciais a respeito dos casos que envolvam a violência obstétrica, sendo possível denotar de que forma as ferramentas jurídicas são utilizadas na busca incessantemente para sejam inibidas situações como estas.
2. A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA HORA DO PARTO
Sabe-se que a nossa Constituição atual, conhecida nacionalmente como a Constituição cidadã dispõe um rol de forma taxativa que é possível identificar perfeitamente quais os direitos e garantias de todos os brasileiros e cidadãos deste país. Assim, por óbvio também, nota-se que existem garantias e direitos direcionados as mulheres que perpassaram por um trabalho obstétrico, dentre as quais, cabe destacar nessa pesquisa o direito à dignidade da pessoa humana, bem como o direito a saúde.
Este está interligado ao direito à vida e a dignidade, também como um direito fundamental no Brasil, é considerado uma garantia para todo e qualquer cidadão, bem como é obrigação do Estado, sendo plenamente assegurado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º:
Art. 6 - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
O Direito a Saúde também se encontra consubstanciado nos artigos 196 ao artigo 200 da Constituição Federal. O artigo 196 dispõe:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Inegavelmente, o parto é um momento único e inesquecível na vida da mulher, quando o cuidado despendido pelos profissionais deveria ser singular e pautado no protagonismo da mulher, tornando-o mais natural e humano possível. (Andrade; Aggio,2014, p 2). Distintamente de outros acontecimentos que necessitam de cuidados hospitalares, o processo de parturição é fisiológico, normal, necessitando, na maioria das vezes, apenas de apoio, acolhimento, atenção, e o mais importe, humanização.
Delgado (2010, p. 39) afirma que o princípio da dignidade da pessoa humana, como princípio fundamental da Carta Magna, é considerado o núcleo tanto do sistema jurídico, social e política, como também, o núcleo do sistema constitucional.
Acerca da importância do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana para o ordenamento jurídico, Ingo Wolfgang Sarlet, sustenta:
Consagrado expressamente, no título dos Direitos Fundamentais, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático (e social) de Direito (art. 1º, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1998 – a exemplo do que ocorreu, entre outros países, na Alemanha –, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal (2018, p. 64).
Para Maria Berenice Dias, o princípio da dignidade da pessoa humana é um macroprincípio, “identificado como sendo o princípio de manifestações dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções” (2020, p. 59).
Ao identificar o conteúdo do direito fundamental da dignidade da pessoa humana, Wilson Steinmetz salienta:
Agora, então, já no plano da interpretação constitucional – opera-se, aqui, uma transposição-adequação de conteúdos da filosofia prática para o campo do direito constitucional, uma constitucionalização de conteúdos morais de um determinado conceito-, pode-se dizer que o princípio constitucional fundamental da dignidade da pessoa ordena: (i) o respeito a pessoa como ser autônomo, livre e valioso em si mesmo; (ii) o reconhecimento de cada pessoa, independentemente das particularidades (traços ou características) e vicissitudes pessoais e sociais, como ser singular, único e irrepetível; (iii) o reconhecimento de cada pessoa como uma manifestação concreta da humanidade; (iv) a criação de condições, oportunidades e instrumentos para o livre desenvolvimento da pessoa. Em contrapartida, o princípio constitucional da dignidade da pessoa proíbe: (i) a “coisificação” ou a “objetualização” da pessoa; (ii) a “funcionalização” (política, social, econômica, religiosa, científica e ética) da pessoa; (iii) a privação, da pessoa, de condições e de meios para a sobrevivência livre, autônoma e decente; (iv) humilhações ou vexações da pessoa; (v) a submissão da pessoa a uma posição servil; (vi) a eliminação total da vontade e da possibilidade de livre escolha da pessoa (2004, p. 116).
O princípio da dignidade da pessoa humana é a própria história da luta pelo reconhecimento dos direitos fundamentais do homem. A importância da dignidade da pessoa humana reside no fundamental papel que possui para a concretização dos direitos fundamentais, progressivamente incorporados pelas constituições de diversos países, na busca de um direito justo.
A Sagrada Escritura cita que as dores durante o parto são punições que a mulher deve sentir por ter cometido o pecado original, interferindo em seus sentimento e percepções a cerca deste momento, substituindo o sentimento de prazer durante a concepção pelo castigo. A replicação deste pensamento no arcabouço histórico e cultural da sociedade leiga e de profissionais de saúde expõe a mulher à violência obstétrica e de gênero, sendo a dor inerente à experiência da maternidade (BEZERRA & CARDOSO, 2006). As mulheres que venham a sofrer violência obstétrica, por certo tem seu direito resguardado, visto que, é entendido que todos detêm a dignidade, ou seja, assim todos que convivem numa mesma sociedade, certamente tem identicamente a mesma dignidade.
Art. 1º. A presente Lei tem por objeto a adoção de medidas de proteção contra a violência obstétrica e divulgação de boas práticas para a atenção à gravidez, parto, nascimento, abortamento e puerpério (LEI N.º 7.867, DE 2017).
Nota-se que a dignidade quanto a sua conceituação depende estritamente de que forma são observados os valores da sociedade, considerando o local, época e cultura. Assim, o tempo vai passando e o entendimento sobre a dignidade vai se adequando e readequando de acordo com a fase à época vivida.
A mulher e seu corpo têm sido vistos como máquina, onde o engenheiro é o profissional médico que detém todo o saber sobre ela, negligenciando informações, emoções, sentimentos, percepções e direitos da mesma no gestar e parir, sendo impedidas de ter a presença de acompanhante, de decidir a posição que querem ter seus bebês e de expressar suas emoções e sentimentos, contrariando a Política Nacional de Humanização e mudando o foco da mulher para o procedimento, deixando-as mais vulneráveis à violência, silenciada pelos profissionais e pela própria parturiente. Porém, a amarga vivência e o trauma acompanham a mulher porta a fora da instituição (ANDRADE; AGGIO,2014, p 2).
O Estado obrigatoriamente deve tecer formas que possibilite proteger e resguardar a dignidade humana, por meio de ações concretas. Sendo, portanto, um precursor deste princípio tão importante. Interessante notar que, implicitamente o conceito deste princípio encontra-se a vedação de tratamentos ora desumanos.
Observa-se na Carta Magna a disposição do artigo 1º:
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana.
Sobre o Direito à saúde percebe-se que esta está inteiramente ligada a questão do direito à vida e a dignidade, sendo, evidentemente, um direito fundamental no nosso país. É assegurado pela Constituição Federal em seu artigo 6º, a qual o Estado tem por obrigação, garantir a todo e qualquer cidadão: “Art. 6 - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Outros artigos encontrados na Carta Magna, consubstanciam esse tema, do artigo 196 ao artigo 200. O artigo 196 dispõe que: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Nesse artigo, tem-se uma acepção intrínseca no sentido de reafirmar que todos têm direito à saúde, sem que haja qualquer distinção ou preconceito. E que o serviço prestado pelo Estado efetivamente possa atender toda a população.
Nesse liame, tem-se o artigo 197 da Constituição, a qual alude que:
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Portanto, se uma mulher vier a sofrer violência obstétrica, cabe à Estado garantir que seja coibido esse tipo de acometimento. Nota-se que situações em que as mulheres se tornam vítimas a esse tipo de violência pode vir a sofrer, como consequência sérios danos de cunho traumático. Sabe-se que parir certamente é para as mulheres um ato que traz muito desgaste e dor, carregando consigo ainda, emoções fortíssimas durante a gravidez, devendo necessariamente ser realizado com dignidade. Portanto, dar à luz com dignidade é um direito e não uma excepcionalidade. A seguir, será debatido o teor característico da violência obstétrica, para em seguida, apresentar dados que apontam a gravidade desse problema no Brasil.
Observa- se que a violência obstétrica pode ser decorrente dentre várias formas, como erro médico, várias modalidades de ofensas, agressões verbais ou físicas, e também psicológicas, resumidamente, toda e qualquer ação ou até mesmo omissão que esteja sendo praticada diretamente à mulher durante o pré natal, parto, pós parto, puerpério, que chegue a causar dor, dano ou qualquer sofrimento que seja desnecessário á ela em dado momento, praticada muitas vezes também procedimentos brutos que podem lhe trazer sérias consequências das quais a mesma além de desconhecer, não tem o mínimo de conhecimento ou poder sobre o seu próprio corpo, sem qualquer autonomia, e os praticantes de tais atos, englobam-se em todos os prestadores de serviço de saúde além do médico em si (OLIVEIRA,2019).
3. CARACTERIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
No Brasil, não há uma lei especifica que trate especificamente sobre a violência obstétrica, mas no Congresso Nacional, tem-se o projeto de Lei 7.633/2014 apresentado por Jean Willys, que está em tramitação. Esse projeto permite que seja priorizado nos hospitais a assistência humanizada às mulheres e aos recém-nascidos, devendo ser respeitado a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) que dispõe o limite de 15% de cesárias. Isso, por óbvio, possibilitaria que houvesse uma diminuição significativa nos casos em que houvesse esse problema.
A violência obstétrica é ainda pouco reconhecida enquanto um ato violento, pois no mesmo momento que ela ocorre, as mulheres estão vivenciando marcantes emoções, que as fazem se calar, sendo necessário abordar os direitos da mulher durante a gestação, parto e pós-parto, especialmente nas consultas de pré-natais, onde tem-se a oportunidade de abordar os variados assuntos e, instrumentaliza-la para à tomada de decisões no que se refere ao seu corpo e a sua parturição , e que ela possa argumentar e denunciar situações de desrespeito (ANDRADE ; AGGIO,2014,p 7).
A violência obstétrica é caracterizada pelas intervenções impostas pelos hospitais, que prejudicam à integridade tanto psicologicamente quanto fisicamente às mulheres parturientes. Então, tal violência é caracterizada por diversas maneiras, dentre as quais, destacam-se: o impedimento do acompanhante escolhido pela mulher; cesárias eletivas; a recusa em admissão em hospital, a qual gera consequentemente a peregrinação por leito; manobra de Krirteller; aplicação de ocitocina para acelerar o parto entre outros.
Pelo fato de no Brasil, haver uma ausência quanto a uma legislação que trate especificamente a respeito da temática, foi criado um dossiê para o CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) da violência contra as mulheres, a qual foi inteligentemente aduzidos definições a respeito da violência obstétrica de caráter físico, sexual, institucional, mediático e psicológico. De caráter físico, a violência obstétrica com esse teor característico é considerado um ato praticado em poder do corpo da mulher, ocasionando dores e danos. Tendo como exemplos: uso rotineiro de ocitocina, privação de alimentos, cesariana eletiva entre outros.
Os procedimentos que foram identificados como formas de violência obstétrica são aqueles impostos às mulheres como rotina (sem qualquer fundamento científico) e sem consentimento informado. Isso inclui partos e episiotomias desnecessários de cesarianas, revisão manual das cavidades uterinas das mulheres sem alívio da dor, inserção de mecanismos de controle da natalidade a longo prazo diretamente após o nascimento, exames vaginais coletivos para fins de treinamento, restrição das mulheres à mesa de parto e esterilizações forçadas ou coagidas (PICKLES,2017).
Como conceito psicológico, os atos são proferidos e realizados através de atitudes verbais trazendo para a mulher um sentimento de vulnerabilidade, abandono, inferioridade entre outras. Observa-se essa situação através das chantagens, chacotas, ofensas e etc. no que tange ao conceito sexual, os atos atingem diretamente o íntimo e pudor da mulher. Exemplo desse tipo de violência: a episiotomia, a ruptura de membranas, além também de exames que acabam por ser realizados com toque de maneira excessiva e invasiva. Em relação ao caráter mediático, a violência é imposta através da demonização do parto normal pelas redes de telecomunicações, além da motivação e defesa de práticas científicas contra indicadas.
Nesse liame, Duarte (2017) observa como um crime:
Fazer uma mulher acreditar que ela precisa de uma cesariana quando ela não precisa, utilizando de riscos imaginários ou hipotéticos não comprovados (o bebê é grande, a bacia é pequena, o cordão está enrolado); submeter a mulher a uma cesariana desnecessária, sem a devida explicação sobre os riscos que ela e o bebê estão correndo (complicações das cesárea, da gravidez subsequente, risco de prematuridade, complicação para médio e longo prazo para mãe e bebê).
Ciello (2012), inteligente aborda que a violência obstétrica de cunho material são:
[...] ações e condutas ativas e passivas com o fim de obter recursos financeiros de mulheres em processos reprodutivos, violando seus direitos já garantidos por lei, em benefício de pessoa física ou jurídica. Exemplos: cobranças indevidas por planos e profissionais de saúde, indução à contratação de plano de saúde na modalidade privativa, sob argumentação de ser a única alternativa que viabilize o acompanhante.
Desse modo, por tudo que fora observado no decorrer desse item, é considerado violência obstétrica tudo aquilo que a mulher não escolher qual procedimento a ser realizado durante a gravidez e no parto.
4. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO BRASIL
A violência obstétrica constitui uma grave violação à autonomia das mulheres, aos seus direitos humanos e aos seus direitos sexuais e reprodutivos (PICKLES,2017). Assim caracterizam a violência obstétrica atos como: violência exercida com gritos; os procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, e a falta de analgesia e negligência; recusa à admissão ao hospital (Lei 11.634/2007); impedimento de entrada de acompanhante (Lei 11.108/2005); violência psicológica (tratamento agressivo, discriminatório, grosseiro, zombeteiro, inclusive em razão de sua cor, etnia, raça, religião, estado civil, orientação sexual e número de filhos); impedimento de contato com o bebê; o impedimento ao aleitamento materno; a cesariana desnecessária e sem consentimento; realização de episiotomia de modo indiscriminado; o uso de ocitocina sem consentimento da mulher; a manobra de Kristeller (pressão sobre a barriga da gestante para empurrar o bebê); a proibição de a mulher se alimentar ou de se hidratar e obrigar a mulher a permanecer deitada( PAES,2018).
Mesmo sendo um problema grave que afligem milhares de mulheres cotidianamente no Brasil, não há tanta preocupação por parte dos pesquisadores em pesquisar sobre a temática, tanto é, que os dados estatísticos são muito escassos. Existe uma visível e grande dificuldade para realizar pesquisa sobre os indicadores de violência obstétrica pelos motivos de que existe muito poucos pesquisadores que se interessam pelo presente tema, o que torna escasso os materiais utilizados para estudos estatísticos, além do que muitas mulheres pelas quais já passaram ou passam por tais situações têm vergonha de expor o que já sofreram passando por situação de violência obstétrica, ou até mesmo desconhecem o fator ‘’violência’’ por trás de atitudes médicas como as citadas anteriormente, acreditando ser conduta médica comum, vendo com normalidade tais comportamentos (OLIVEIRA,2019).
Além disso, outro fato que inviabiliza ainda mais esse tipo de pesquisa é o fato das mulheres terem vergonha em relatar esse tipo de violência, ou ainda, não conseguirem decifrar concretamente se estão sendo violentadas ou não pelas atitudes médicas. Ou seja, acreditam veemente que estão perpassando por um procedimento correto e comum. Sena (2012), realizou uma pesquisa cientifica na construção do seu artigo intitulado, a qual denotou entre os partos normais tanto na rede de hospital público ou privado, o seguinte:
Tabela de descrição de analise quanto a violência obstétrica.
DESCRIÇÃO |
PORCENTAGEM |
SOFRERAM ALGUM TIPO DE VIOLENCIA NO ATENDIMENTO AO PARTO |
25% |
FEZ EXAME DE TOQUE DE FORMA DOLOROSA |
10% |
NEGOU OU DEIXOU DE OFERECER ALGUM TIPO DE ALÍVIO PARA DOR |
10% |
O PROFISSIONAL GRITOU COM A MULHER |
9% |
NÃO INFORMOU SOBRE O PROCEDIMENTO QUE ESTAVA REALIZANDO |
9% |
O PROFISSIONAL HUMILHOU OU XINGOU |
7% |
O PROFISSIONAL EMPURROU |
1% |
O PROFISSIONAL BATEU NA PACIENTE |
1% |
O PROFISSIONAL ASSEDIOU SEXUALMENTE |
1% |
Fonte: SENA (2012)
Pelo que se observa nos dados mencionados acima, evidentemente trata-se de uma porcentagem alta quanto a violência obstétrica. Entende-se, porquanto, estas porcentagens serem muito maiores quando analisados outros tipos de partos. E também, pelo fato, de muitas mulheres não se sentirem à vontade em conversar sobre o assunto.
Jerônimo (2017, p. 50) afirma que ao abordar que às mulheres devem ter o direito de escolher o local do seu parto como um resgate de sua autonomia, a parteira anteriormente mencionada, narra essa mudança de paradigma: um corpo que sempre funcionou, mas que nesse momento parecia que não funciona mais. Precisava de alguém para poder exercer a sua função fisiológica.
Se queremos melhorar a saúde materna, temos que combinar uma legislação moderna, com boas práticas obstétricas e com políticas públicas sérias. As mulheres brasileiras agradecem e têm esse direito, pois a violência obstétrica caracteriza-se por ser uma grave violação aos direitos humanos, sexuais e reprodutivos das mulheres, ainda sem resposta adequada (PAES,2018).
5. RESPONSABILIDADE JURÍDICA
Nesse item, discutiremos a respeito da possibilidade de responsabilizar tanto penalmente quanto civil àqueles que venham a causar a violência obstétrica nas mulheres. Assim, denotou-se artigos que se enquadram nesse tipo de violência. Além de, jurisprudências e julgadores que discutem sobre a temática.
A questão da violência obstétrica não passou despercebida. Prestadores de serviços de saúde, acadêmicos, ativistas e organizações do setor de saúde reprodutiva são os principais comentadores sobre cuidados desrespeitosos e abusivos.
5.1 AMBITO PENAL
No âmbito penal há algumas penalizações aos que praticam a violência obstétrica contra as mulheres. No Código Penal tem-se o artigo 146:
Artigo 146. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
O dispositivo supramencionado denota a questão do constrangimento ilegal, que do modo a qual é praticada pode ser observada como uma prática de cunho violento. Nesses casos, a pena é de detenção que passa a ser de 03 meses a 01 ano. Tem-se também, o artigo 61, inciso II, alínea H do mesmo Código:
Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Nota-se que de acordo com o dispositivo, quando algum crime é praticado contra a mulher grávida, se tem sempre um agravamento na pena. O artigo 129, §1º do mesmo Código aponta que:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Lesão corporal de natureza grave
§ 1º Se resulta:
[...]
IV - Aceleração de parto:
Portanto, quando em decorrência da violência se resulta no aceleramento do parto, tal lesão se configura de modo grave. Portanto, o Direito Penal dá o tratamento aos casos que envolvem a violência obstétrica como uma forma de agravar as penas.
De forma a corroborar o entendimento dessa discussão, tem-se abaixo um julgado do Supremo Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. PENAL. ROUBO. SUJEITO PASSIVO. PROPRIETÁRIO, POSSUIDOR OU PESSOA QUE SOFRE VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. TUTELA DO PATRIMÔNIO, BEM COMO DA LIBERDADE E DA INTEGRIDADE FÍSICA. INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE GENÉRICA PREVISTA NO ARTIGO 61, ALÍNEA H, DO CÓDIGO PENAL. CRIME PRATICADO CONTRA MULHER GRÁVIDA. APLICAÇÃO DA AGRAVANTE DO ARTIGO 157, § 2º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. TRANSPORTE DO BEM SUBTRAÍDO (VEÍCULO AUTOMOTOR) ENTRE ESTADOS DA FEDERAÇÃO. 1. Não apenas o proprietário ou o possuidor da coisa subtraída é sujeito passivo do delito de roubo, mas também aquele que sofre a violência, direta ou indireta, ou a grave ameaça, considerando que o objeto jurídico protegido não é apenas o patrimônio, mas também a liberdade e a integridade física da vítima. Incidência da agravante genérica prevista no artigo 61, alínea h, do Código Penal, pois o crime foi praticado contra mulher grávida que sofrera grave ameaça. 2. Tendo sido o veículo automotor subtraído no Distrito Federal e, após transportado para o Estado de Goiás, encaminhado para o Estado de Tocantins, de rigor a aplicação da qualificadora de que trata o artigo 157, § 2º, inciso IV, do Código Penal. 3. Recurso especial improvido. (STJ - REsp: 1248800 DF 2011/0090944-0, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 17/12/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/02/2014).
Nesse julgado supramencionado, demonstra-se que houve um agravamento da pena, visto que os ministros do STJ ponderaram que além do roubo, uma mulher grávida foi violentada fisicamente.
Ressalte-se que no Código Penal não há especificamente um tratamento direcionado a conduta dos profissionais de saúde quanto ao procedimento obstétrico. Porém observa-se que são utilizados dispositivos específicos que atuam como majorante de pena, para casos que envolvam vítimas fatais em decorrência dos procedimentos não serem utilizados da forma correto pelos agentes de saúde. Como bem é denotado no julgado abaixo no procedimento da episiotomia nos partos:
APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO. Parto normal com episiotomia. ART. 121, § 3º, DO cp. INCIDÊNCIA DA MAJORANTE DO § 4º DO MESMO DISPOSITIVO LEGAL. (inobservância de regra técnica de profissão). Pena que não merece redimensionamento. Demonstrado que o réu agiu com negligência, imprudência e imperícia, e que dita conduta levou a paciente a óbito, pois, após o parto com episiotomia, deixou de realizar procedimento de revisão do reto, o que propiciou a comunicação do conteúdo fecal com o canal vaginal, culminando com infecção generalizada, que evoluiu com a morte da vítima, mostrase correta a sua condenação pela prática do delito de homicídio culposo. Aplicabilidade da causa de aumento de pena prevista no § 4º do art. 121 do CP, por inobservância de regra técnica de profissão. Pena definitiva de dois anos de detenção, substituída por duas restritivas de direito, consistentes na prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, que se mostra adequada ao caso, não ensejando redimensionamento. APELAÇÃO DESPROVIDA.(TJ/RS, Apelação crime nº: 70053392767, Relatora: DES.ªLizeteAndreisSebben, 2ª Câmara Criminal, julgado em 14/11/2013).
Observa-se claramente que o médico que agiu culposamente por ter uma atitude negligente, imprudente e imperito, visto que não foi realizado uma revisão do toque retal após a episiotomia. Caso houvesse realizado tal procedimento, observaria a tempo a lesão, tempo a possibilidade de reparar.
5.2 ÂMBITO CIVEL
No âmbito civil, os profissionais de saúde podem responder civilmente por atos que resultem em violência contra as mulheres durante o tratamento obstétrico. Essas indenizações se dão por dano moral tanto pelos erros médicos quanto pela responsabilidade ética.
A utilização do termo violência obstétrica faz parte do conceito histórico do parto, e surgiu por conta de movimentos feministas que lutam pela humanização das vias de nascimento e que acreditam acima de tudo na medicina embasada em evidências científicas que não empregam o uso da força, respeitando a autonomia da mulher. Em suma, esse tipo de violência não é apenas marcado por situações que abalam o psicológico da mulher, mas também por procedimentos que deixam marcas de violência física, como é o caso da episiotomia. De modo geral, a violência pode ocorrer durante toda a assistência prestada durante a gestação, parto e pós-parto, e não ocorre só por conta dos procedimentos médicos, mas também, quando a autonomia da mulher é desrespeitada (MARIANI; NASCIMENTO NETO, 2016, p. 51- 53).
A violência obstétrica, por se constituir uma forma de violência de gênero dispõe de pouca legislação em esfera federal que aborde o tema, podendo ser citada como maior exemplo a “Convenção de Belém do Pará” do ano 1995, a qual prevê que a mulher tem o direito de viver livre da violência. Porém, tal dispositivo está distante de ser suficiente para eliminar tal tipo de violência, necessitando que as mulheres passem a conhecer a existência desse crime, observar se foram vítimas, e, principalmente denunciar os agressores, com o intuito de ajudar outras mulheres a não passar por ocorrências da mesma natureza, e banir essa ideia patriarcal, preconceituosa e violenta do futuro das próximas gerações (MANFRINI, 2017, p. 115-117).
Quando não cumprido suas obrigações acertadamente durante o exercício de sua profissão, os profissionais de medicina e enfermeiro devem reparar o dano moral.
Maria Helena Diniz (2007, p.153) afirma que
O fundamento primário da reparação está no erro de conduta do agente, no seu procedimento contrário à pré-determinação da norma, que atine com a própria noção de culpa ou dolo. Se o agente procede em termos contrários ao direito, desfere o primeiro impulso, no rumo do estabelecimento do dever de reparar, que poderá ser excepcionalmente ilidido, mas que, em princípio, constitui o primeiro momento da satisfação de perdas e interesses. Esse direito lesado, na perspectiva médico-legal, consiste no dano corporal (dano pessoal) que aponta para duas categorias jurídicas: O dano patrimonial ou econômico e dano extrapatrimonial ou não econômico.
Além disso, conforme preleciona a autora acima, tem-se também a possibilidade dos profissionais responderem por dano material, visto que, a violência obstétrica pode resultar em incapacidade ou sequelas, e isso, evidentemente, necessita de despesas médicas.
Abaixo segue uma decisão a respeito:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. LUCROS CESSANTES. PARTO NORMAL. EPISIOTOMIA. LASCERAÇÃO PERINAL DE 4º GRAU. SUTURA DESCONTROLE NA ELIMINAÇÃO DE DEJETOS. INSUCESSO NA TENTATIVA DE CORREÇÃO. DANOS EVIDENTES. ERRO GROSSEIRO. IMPERÍCIA. NEGLIGÊNCIA. NEXO CAUSAL. CULPA RECONHECIDA. DEVER DE INDENIZAR. 1. Responsabilidade do médico: A relação de causalidade é verificada em toda ação do requerido, evidente o desencadeamento entre o parto, a alta premature e os danos físicos e morais, causando situação deplorável à apelante, originada de dilaceração perinal de 4º grau. Configurado erro grosseiro, injustificável, com resultado nefasto, o qual teve por causa a imprudência e negligência do requerido. Dever de indenizar.2. Danos morais: evidentes, procedimento realizado de forma a técnica, causando sofrimento físico e moral, constrangimento, humilhação, angústia, impossibilidade de levar uma vida normal, desemprego, alto estresse familiar. Procedência. 3. Danos materiais: comprovados através de recibos e notas fiscais. Procedência. 4. APensionamento\: paralisação da atividade produtiva da vítima, enquanto perdurou o tratamento para reconstrução do períneo. Parcial procedência. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (STF - AI: 810354 RS, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 15/12/2010, Data de Publicação: DJe-001 DIVULG 04/01/2011 PUBLIC 01/02/2011)
Nesse caso acima, observou-se que houve uma laceração perinal, sendo considerada uma violência obstétrica, por trazer desconforto significativo a mulher, desencadeando um desequilíbrio social, emocional e psicológico do parturiente. A aplicação de pressões no fundo uterino é chamado de Manobra de Kriteller, prática considerada prejudicial e desnecessário, sendo, inclusive contrárias as normas ditadas pelo Ministério da Saúde. Abaixo mais um julgado que alude a respeito dessa prática:
Ação de indenização por danos materiais e morais – Responsabilidade solidária dos requeridos – Hospital e Administradora de Plano de Saúde – Conduta culposa do médico anestesista caracterizada – Realização de manobra com empurrão da barriga da parturiente sem orientação ou solicitação do médico obstetra – Manobra desnecessária – Consequências para a parturiente representada por lesões que extrapolam aquelas aceitáveis e previstas para o parto natural – Procedimentos de reparação – Sofrimento que extrapola o mero dissabor – Danos morais caracterizados – Fixação do valor de indenização em atendimento aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade – Danos materiais – Não caracterização – Inexistência de sequelas incapacitantes – Não demonstração de impossibilidade de exercício de atividade laboral por período superior àquele que seria dispensado aos cuidados com o filho recém-nascido – Acolhimento parcial do pedido inicial – Partilha dos ônus de sucumbência – Recurso parcialmente provido.(TJ-SP - APL: 00086400820138260011 SP 0008640-08.2013.8.26.0011s, Relator: Marcia Dalla Déa Barone, Data de Julgamento: 27/09/2016, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/09/2016).
A violência obstétrica é um problema que afeta milhares de mulheres parturientes. Hoje em dia, como bem observado acima, os julgados têm condenado os profissionais de saúde que cometem esse tipo de violência a indenizarem as vítimas. Portanto, é possível sim que se entre na justiça, e comprovado o dano, seja a vítima indenizada por todo dano moral e material que vier a sofrer em decorrência da violência obstétrica.
O acesso das mulheres ao meio digital tem sido uma ferramenta importante para o empoderamento feminino, questão central para a promoção da saúde. E esse empoderamento está relacionado ao aumento das possibilidades que os indivíduos e as comunidades têm de exercer controle sobre sua própria saúde. E o acesso à informação sobre os diferentes elementos que interferem em sua saúde é estratégia fundamental para que os indivíduos adquiram maior controle e poder de decisão sobre tais fatores (SENA; TESSER, 2017, p. 213).
Ao longo dos anos, a maternidade passou por diversas transformações em seu discurso. Na sua grande maioria, falas patriarcais defendiam que esse era o papel natural e principal a ser seguido por todas as mulheres; mulheres essas que deveriam abrir mão de si próprias e de seus planos para dar o melhor aos frutos de seus relacionamentos, como alimentação, educação e amor, idealizando que, com isso, fossem atingir seu ideal máximo de satisfação pessoal e serviço à sociedade (Patias, 2012, p. 305). Ainda hoje, essas representações estão presentes em discursos sociais que dominam e constituem as identidades femininas.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A pesquisa atendeu rigorosamente seus objetivos traçados inicialmente. Denotou-se a violência obstétrica como um problema que apesar do pouco estudo estatístico, deve-se ter uma preocupação maior por parte dos pesquisadores e do Poder Público, haja vista resultar em milhares de vítimas cotidianamente. Observamos também, que é fundamental implementar políticas públicas, como por exemplo: palestras e informativos desenvolvido pelo Ministério da Saúde para que façam com que as mulheres conheçam os seus direitos e saibam efetivamente diferenciar entre o que é um procedimento normal e o que é um procedimento incorreto e prejudicial à saúde e ao bem-estar.
Foi possível abordar o tema no Brasil a partir do momento em que se passou a debater as mudanças essenciais a serem feitas para democratização do país, as quais ocorreram com a consolidação da Carta Magna, essa que acolheu grande parte dos anseios almejados pelas feministas, incluindo os que dizem respeito aos direitos reprodutivos. É possível então eleger o ano de 1988 como o momento em que a legislação brasileira positivou os princípios de direitos humanos (VENTURA, 2011, p. 213-214).
Ademais, considerando o atual sistema de atendimento e assistencialismo para mulheres gestantes e parturientes, busca-se entender em qual oportunidade elas de fato exercem sua autonomia, se é que conseguem exercê-la. Isso porque, de modo geral, por conta de uma construção social, a mulher acata a decisão médica sem buscar maiores informações, acreditando que o imposto é o ideal para ela e o bebê. Ainda, em alguns casos é acolhida pelo médico apenas quando o mesmo simpatizar com a vontade da paciente, sendo que, quando busca por algo novo, é convidada a encontrar outro profissional da área da saúde. (PALHARINI, 2017, p. 22-24).
Demonstramos ainda, nesta pesquisa, que àqueles que sofrem com esse tipo de violência podem procurar a tutela jurisdicional com o intuito de fazer com que os causadores sejam responsabilizados juridicamente tanto no âmbito penal como no âmbito civil. No âmbito penal, hoje é visto como uma agravante de penas. No âmbito civil tem-se a possibilidade de fazer com que os causadores indenizem por dano moral e dano material as vítimas parturientes.
Portanto, sendo um problema sério enfrentado cotidianamente por milhares de parturientes, faz-se necessário desenvolver políticas públicas que permitam diminuir de forma significativa esse tipo específico de violência. No mais, que esta pesquisa sirva como exemplo para que os operadores do Direito debatam ainda mais a respeito do tema. E, que o Poder Público dialogue junto a sociedade, buscando incansavelmente alternativas jurídicas, para que seja enfrentado eficientemente essa situação.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA - Manaus/AM
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREIRE, Gabriela Pinho Icavino Souza. Violência Obstétrica: Responsabilidade Jurídica no âmbito Civil e Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 nov 2020, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55545/violncia-obsttrica-responsabilidade-jurdica-no-mbito-civil-e-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
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