RESUMO: O presente trabalho visa a analisar aspectos do trabalho escravo contemporâneo, especialmente sua conceituação e os instrumentos postos pelo nosso ordenamento jurídico para o combate a tão famigerada prática sob o viés do Direito do Trabalho.
Palavras-chave: Trabalho indigno. Trabalho escravo contemporâneo. Conceituação. Formas de combate. Direito do Trabalho.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Conceituação de trabalho escravo contemporâneo; 3. Meios e instrumentos de atuação no combate ao trabalho em condições análogas à de escravo; 4. Conclusão e 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Dentre as diversas formas de trabalho indigno, nenhuma outra é tão repugnante como a sujeição de outro semelhante a condições análogas à de escravo.
É nesse sentido a lição de José Cláudio Monteiro de Brito Filho:
De todas as formas de superexploração do trabalho, com certeza, o trabalho em condição análoga à de escravo, ou, como é mais conhecido, o trabalho escravo, é a mais grave.
Propor sua análise é, com certeza, enveredar por seara onde a dignidade, a igualdade, a liberdade e a legalidade são princípios ignorados, esquecidos. Mais, é tratar do mais alto grau de exploração da miséria e das necessidades do ser humano.[1]
Nessa senda, o presente trabalho visa abordar as principais formas de ocorrência do trabalho escravo contemporâneo, sua caracterização, o instrumental legislativo posto para combate a tão grave chaga social, a análise da legislação e das condições que propiciam o combate do trabalho escravo contemporâneo, tal como a tutela coletiva dos direitos lesionados.
Nesse ponto, ressalta Raimundo Simão de Melo que:
a grande pergunta que se faz é se tais disposições são realidade no dia-a-dia do povo e, especialmente, do trabalhador brasileiro. A resposta, em grande parte das situações, é negativa, principalmente nos momentos de crise que vivemos, quando o trabalhador, premido pela extrema necessidade do emprego, submete-se às mais degradantes condições de trabalho e não se anima a reclamar seus direitos individualmente. É exatamente isso que nos anima a incentivar a utilização mais contundente da jurisdição coletiva no processo do trabalho, pelo Ministério Público do Trabalho, que vem procurando cumprir a sua parte.[2]
Há se ressaltar que não se pode mais ser pensado o trabalho escravo contemporâneo como aquele existente somente nos diversos rincões do país, em fazendas no interior.
É que a atuação dos órgãos repressivos tem demonstrado o aparecimento do trabalho em condições análogas à de escravo no centro de grandes metrópoles brasileiras, com a utilização de trabalhadores estrangeiros, sendo aproveitado o temor ocasionado pela permanência irregular no país.
Contudo, por mais horripilante que se pareça, alguns imploram pelo retorno ao país de origem, mesmo que seja para ver falecido o sonho de prosperar em solos brasileiros. A gravidade do tratamento concedido, anos após anos, não deixa outra opção.
Pretende-se, outrossim, demonstrar a evolução histórica do trabalho escravo e sua permanência, mesmo que contraditória ao momento histórico em que vivemos no Brasil.
Ademais, sem a pretensão de esgotar todas as nuances existentes, será realizada uma abordagem sistemática da atuação de instituições, tais como a Fiscalização do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, no combate ao trabalho escravo.
2. CONCEITUAÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO
De início, acerca do tema, imperioso reconhecer que a proteção ao trabalhador, sobretudo o combate ao trabalho escravo ou, no conceito contemporâneo, em condições análogas à de escravo, sofreu forte evolução no direito internacional e brasileiro.
Nesse sentido, no plano internacional, incumbe, em primeiro, transcrever a Convenção da ONU sobre Escravatura de 1926 (Decreto 58.563/66) que contém o conceito clássico de trabalho forçado:
Art. 1º Para fins da presente Convenção fica entendido que:
1º A escravidão é o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de propriedade;
2º O tráfico de escravos compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão de um indivíduo com o propósito de escravizá-lo; todo ato de aquisição de um escravo com o propósito de vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão, por meio de venda ou troca, de um escravo adquirido para ser vendido ou trocado; assim como, em geral, todo ato de comércio ou de transporte de escravos.
Outrossim, a Convenção da ONU Suplementar sobre Abolição da Escravatura de 1956 (promulgada pelo mesmo Decreto 58.563/66) prescreve:
Artigo 1º Cada um dos Estados Membros à presente Convenção tomará todas as medidas (...) que sejam viáveis e necessárias, para obter progressivamente e logo que possível a abolição completa ou o abandono das instituições e práticas seguintes (...)
§1. A servidão por dívidas, isto é, o estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for eqüitativamente avaliado no ato da liquidação da dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida.
§2. A servidão, isto é, a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por um acordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa, contra remuneração ou gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua condição.
Vale frisar que o Supremo Tribunal Federal já elucidou que:
a escravidão é um estado de direito pelo qual o homem perde, por lei, sua personalidade. O ordenamento jurídico pátrio não reconhece tal estado, por isso não há escravidão no Brasil e nem crime que reduza a condição de escravo, mas a condição análoga à de escravo, ou seja, a algo semelhante[3].
Nessa senda, observa-se que o conceito de trabalho escravo deixa o enfoque meramente na liberdade do trabalhador para se centralizar no princípio da dignidade da pessoa humana, já que se denota que não constitui somente trabalho em condições análogas à de escravo, consoante o direito contemporâneo, o trabalho forçado ou obrigatório característico e predominante de tempos passados, sendo que o conceito restou ampliado com enfoque na proteção da dignidade da pessoa do trabalhador.
Nesse passo, incumbe reconhecer que são espécies do trabalho em condições análogas à de escravo, especialmente, aquelas previstas na nova redação do artigo 149 do Código Penal Brasileiro:
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I - contra criança ou adolescente;
II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Neste sentido, seriam espécies da famigerada prática o trabalho forçado ou obrigatório, o trabalho em jornadas exaustivas, o trabalho em condições degradantes, a servidão contemporânea, bem como o trabalho com imposição ao trabalhador de retenção compulsória no local de trabalho.
Nessa senda, incumbe destacar, em primeiro, que a melhor definição para o trabalho forçado ou obrigatório se encontra na Convenção 29 da OIT de 1930, promulgada no país pelo Decreto 41.721/57, que prevê no item 1 do seu artigo 1º ser o trabalho forçado ou obrigatório “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade”.
Vale frisar que o item 2 do mencionado artigo prevê excludentes à hipótese do item 1, sendo que não constitui trabalho forçado ou obrigatório o serviço militar obrigatório, trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais dos cidadãos, trabalhos em benefício da coletividade, o trabalho ou serviço exigido de um indivíduo como consequência de condenação pronunciada por decisão judiciária, dentre outros.
Incumbe rememorar, ademais, que a proteção e combate ao trabalho escravo ou em condições análogas à de escravo, consoante visto, sofreu forte atenção no direito internacional, com especial enfoque da Convenção nº105 da OIT que, por seu turno, ressaltou o compromisso firmado anteriormente pelos países membros da OIT na Convenção 29:
Artigo 1º
Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a abolir toda forma de trabalho forçado ou obrigatório e dele não fazer uso:
a) como medida de coerção ou de educação política ou como punição por ter ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos ao sistema político, social e econômico vigente;
b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico;
c) como meio de disciplinar a mão-de-obra;
d) como punição por participação em greves;
e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.
Do mesmo modo, a Declaração da OIT sobre os Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho elencou como uma das “core obligations” a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório.
De outra banda, a servidão, consoante dispõe a Convenção Suplementar da ONU sobre abolição da escravatura de 1956, seria a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume, por um acordo ou em razão de dívidas contraídas com o tomador de seus serviços, a viver e trabalhar numa terra a este pertencente ou a fornecer-lhe, contra remuneração ou gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua condição.
Nesse norte, vale frisar que a Convenção 95 da OIT, promulgada pelo Decreto 41.721/57, prevê em seu artigo 7º importante instrumento de combate ao “truck system”, dispondo que:
quando em uma empresa forem instaladas lojas para vender mercadorias aos trabalhadores ou serviços a eles ligados e destinados a fazer-lhes fornecimentos, nenhuma pressão será exercida sobre os trabalhadores interessados para que eles façam uso dessas lojas ou serviços.
O item 2 do mesmo artigo dispõe que:
quando o acesso a outras lojas ou serviços não for possível, a autoridade competente tomará medidas apropriadas no sentido de obter que as mercadorias sejam fornecidas a preços justos e razoáveis, ou que as obras ou serviços estabelecidos pelo empregador não sejam explorados com fins lucrativos, mas sim no interesse dos trabalhadores.
Nessa esteira, dispõe a Consolidação das Leis do Trabalho que:
Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.
§ 1º - Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.
§ 2º - É vedado à empresa que mantiver armazém para venda de mercadorias aos empregados ou serviços estimados a proporcionar-lhes prestações " in natura " exercer qualquer coação ou induzimento no sentido de que os empregados se utilizem do armazém ou dos serviços.
§ 3º - Sempre que não for possível o acesso dos empregados a armazéns ou serviços não mantidos pela Empresa, é lícito à autoridade competente determinar a adoção de medidas adequadas, visando a que as mercadorias sejam vendidas e os serviços prestados a preços razoáveis, sem intuito de lucro e sempre em benefício das empregados.
§ 4º - Observado o disposto neste Capítulo, é vedado às empresas limitar, por qualquer forma, a liberdade dos empregados de dispor do seu salário.
As jornadas exaustivas, ademais, não se assemelham a meras horas extras, mas sim a jornadas que violam a dignidade da pessoa do trabalhador, tratando-se de jornadas extenuantes que propiciam riscos expressivos à saúde do ser humano, acentuando, muitas vezes, a possibilidade de ocorrência de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.
Nessa senda, parece mais apropriado o conceito previsto na Orientação nº03 da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo- CONAETE do Ministério Público do Trabalho:
Orientação 03. “Jornada de trabalho exaustiva é a que, por circunstâncias de intensidade, frequência, desgaste ou outras, cause prejuízos à saúde física ou mental do trabalhador, agredindo sua dignidade, e decorra de situação de sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a sua vontade”.
Nessa esteira, a título meramente exemplificativo, é a que se dá nas extenuantes jornadas dos cortadores de cana, sendo conhecidos casos em que trabalhadores chegaram a falecer em decorrência do trabalho por jornadas em que o trabalhador, pela mísera retribuição, tenta, ao máximo, aumentar sua produtividade, perdendo a noção do tempo e do esforço despendido, as quais, juntadas ao calor excessivo, podem ocasionar um triste fim.[4]
Do mesmo modo, as jornadas em condições degradantes são aquelas que coisificam o trabalhador, oferecendo condições deploráveis sem garantir o mínimo necessário e digno ao trabalhador.
Frise-se que o trabalho em condições degradantes é o que impõe maior dificuldade em ser caracterizado, especialmente no âmbito do direito penal, visto que há certa celeuma em torno de que fatos concretos caracterizariam o tipo penal, fazendo com que a má compreensão do instituto, por vezes, ocasione a absolvição de muitos réus.
São comuns, nesse passo, as referências ao trabalhador rural que bebe água não potável nas mesmas condições de seu patrão, ou mesmo que tem as mesmas condições de moradia, sendo, para ambos, precárias.
Contudo, não obstante as mencionadas alegações, é certo que a alocação de trabalhadores em moradias que não propiciam o mínimo de segurança, com barracões abertos, a falta de fornecimento de água potável, fazendo com que o trabalhador beba da mesma água que utiliza para o banho ou para lavar sua louça e cozinhar, dentre outros fatos que caracterizam condições de trabalho deletérias, são afrontosas à dignidade da pessoa do trabalhador, caracterizando o trabalho em condições degradantes.
A Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo- CONAETE do Ministério Público do Trabalho caracteriza esta modalidade de trabalho em condições análogas à de escravo nos seguintes termos:
Orientação 04. “Condições degradantes de trabalho são as que configuram desprezo à dignidade da pessoa humana, pelo descumprimento dos direitos fundamentais do trabalhador, em especial os referentes a higiene, saúde, segurança, moradia, repouso, alimentação ou outros relacionados a direitos da personalidade, decorrentes de situação de sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a vontade do trabalhador”.
Luís Antônio Camargo de Melo, também, destaca algumas das formas de trabalho degradante:
Estaremos diante de uma das formas degradantes de trabalho, dentre as quais destacamos as seguintes:
1 — utilização de trabalhadores, através de intermediação de mão-de-obra pelos chamados “gatos”;
2 — utilização de trabalhadores, através de intermediação de mão-de-obra pelas chamadas “fraudoperativas” (designação dada àquelas cooperativas de trabalho fraudulentas);
3 — utilização de trabalhadores, aliciados em outros Municípios e Estados, pelos chamados “gatos”; submissão às condições precárias de trabalho pela falta ou inadequado fornecimento de boa alimentação e água potável;
4 — alojamentos sem as mínimas condições de habitação e falta de instalações sanitárias;
5 — falta de fornecimento gratuito de instrumentos para a prestação de serviços;
6 — falta de fornecimento gratuito de equipamentos de proteção individual (chapéu, botas, luvas, caneleiras etc...);
7 — falta de fornecimento de materiais de primeiros socorros;
8 — não utilização de transporte seguro e adequado aos trabalhadores;
9 — não cumprimento da legislação trabalhista, desde o registro do contrato na CTPS, passando pela ...
10 — falta de exames médicos admissionais e demissionais, até a remuneração ao empregado[5].
Nessa vereda, José Carlos Souza Azevedo aponta que:
Na prática, quais repercussões causam lesões ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, a ponto de ser vilipendiada de forma a caracterizar o trabalho escravo?
Entendemos que o labor degradante deve ser identificado pelo conjunto de indícios presentes; se alguns elementos do trabalho degradante estiverem presentes não haverá mera irregularidade, mas trabalho escravo, identificando-se os elementos nas situações nas quais o trabalho não reúne as condições mínimas necessárias para garantir a dignidade do trabalhador.
Haverá aviltamento da dignidade humana nas situações mais graves em que o núcleo essencial da individualidade da pessoa humana for violado. Em outras palavras, quando o núcleo essencial dos direitos humanos for descumprido, qual seja, os direitos da personalidade do trabalhador.
O ser humano não pode ser protegido apenas em seu patrimônio, mas mormente na essência que os distingue dos demais e o individualiza na condição de homem. A previsão legal dos direitos da personalidade dignifica o homem, A título de exemplo, o direito ao décimo terceiro salário, segundo nosso entendimento, é um direito fundamental e direito humano, mas não assegura, por si só, nenhum dos direitos da personalidade, logo não se pode afirmar que ele integra o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana[6].
Nessa senda, vislumbra-se, portanto, que o trabalho em condições degradantes é o que mais frequentemente pode ocorrer, restando imprescindível a visualização de afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana a fim de que possa restar caracterizado, sendo alvo, então, das sanções cabíveis.
De outra banda, o trabalho com imposição ao trabalhador de retenção compulsória no local de trabalho pode ser externado pelo empregador por três formas: cerceamento do uso de meio de transporte; vigilância ostensiva ou retenção de documentos ou objetos pessoais.
Envolve, tal como o trabalho forçado, a coação física, psicológica e moral.
Expostas as principais hipóteses de trabalho em condições análogas á de escravo, relevante transcrever a síntese de Raimundo Simão de Melo:
São características do trabalho em condição análoga à de escravo: entre outras:
a)trabalho forçado;
b)jornada exaustiva;
c)condições degradantes de vida e de trabalho;
d)vulnerabilidade social do trabalhador(pobreza, falta de informação e organização);
e) aliciamento por uma pessoa contratada pelo tomador de serviços;
f) pagamento do aluguel de uma pensão pelo “gato” ou patrão, onde inicialmente se acomodam os trabalhadores;
g) deslocamento até o local de trabalho, onde passa o trabalhador a morar, normalmente em regiões distantes e de difícil acesso;
h) processo de acumulação de dívidas pelo trabalhador, pela aquisição de equipamentos de trabalho e de alimentos;
i) não recebimento do pagamento de salários em dinheiro;
j) restrição, por qualquer meio, de locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto;
k) violência física e/ou moral[7].
De qualquer forma, necessário frisar a importância do parâmetro trazido pelo artigo 149 do Código Penal e sua alteração para caracterização do trabalho escravo contemporâneo, especialmente em razão do Direito Penal guardar os valores mais caros para a sociedade.
Nesse passo, leciona José Carlos Souza Azevedo que:
No Brasil, no tocante à legislação penal, nota-se que a modificação promovida no art.149 do Código Penal brasileiro contribuiu para o aperfeiçoamento dos instrumentos de combate ao trabalho escravo. Na redação revogada o citado preceito legal estabelecia: “reduzir alguém à condição análoga à de escravo”.
Notória a imprecisão do comando legal ao não levar em consideração todas as nuances que congregam o trabalho escravo contemporâneo. Ao enfatizar, somente a restrição de liberdade, significava franquear a escravidão moderna, não mais aquela dos grilhões e das correntes, mas a da subjugação da vontade, nem sempre pela força, mas pela fraude, pela imposição do poder econômico, aproveitando-se da miséria alheia[8].
Entretanto, nada obstante o importante parâmetro trazido pelo Código Penal, importa reconhecer que, para fins trabalhistas, a caracterização do trabalho em condições análogas à de escravo não está limitada às referências criminais, nem mesmo depende de eventual condenação criminal.
Nesse sentido, o entendimento exposto por Luiz Fabre, para quem:
É importante ter presente que a noção de trabalho escravo, para fins justrabalhistas, é um topoi, um lugar-comum: sabe-se o que é, mas evita-se uma definição estrita a fim de não se comprometer, pelos lindes inerente aos conceitos estáticos, a amplitude necessária da tutela. Assim, prescinde--se de uma tipificação exata do trabalho escravo nos moldes da legislação penal, ao mesmo tempo que se independe de uma sentença penal condenatória transitada em julgado para fazer-se presente o trabalho em condições análogas às de escravo, avultando-se um sentido plurívoco e amplo[9].
No mesmo sentido, José Carlos Souza Azevedo leciona que:
Tal fato não impede, pela ótica civil e trabalhista, autuação do infrator pela fiscalização do trabalho (auditores-fiscais) e da responsabilidade coletiva perante o Ministério Público do Trabalho, pois as lesões, ainda que para o mais legalista magistrado possa não ser considerado como trabalho escravo, não deixaram de afrontar preceitos legais trabalhistas, que embasam a atuação do TEM ou dão ensejo à repercussão coletiva; que fundamentam os pedidos do MPT de adequação de conduta, reparação do dano, compensação do dano e indenização por dano moral coletivo[10].
Portanto, ultrapassada a conceituação das principais formas em que se caracteriza o trabalho em condições análogas à de escravo, passemos a análise dos meios e instrumentos de atuação no combate ao trabalho em condições análogas à de escravo.
3. MEIOS E INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO NO COMBATE AO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO
O Brasil, no ano de 1995, reconheceu a existência do trabalho escravo no país, sendo este um importante passo para o enfrentamento do problema em território brasileiro.
É que de nada adianta esconder que o trabalho ocorre nessas condições, visto que, o esquecimento, ou sugerir que o mesmo não ocorre, é abandonar aqueles que sofrem com tal prática, beneficiando, outrossim, os infratores em detrimento dos que cumprem a legislação, lesionando a sociedade.
Como forma de eliminar a mencionada chaga social, o Governo Brasileiro adotou diversas posições a fim de manter um combate direto aos que mantem tal prática, reforçando instituições e propagando mudanças legislativas que serão vistas a seguir.
3.1- Planos Nacionais de Erradicação do Trabalho Escravo.
Em 2003, foi lançado o Primeiro Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, elaborado pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, sendo que, em julho do mesmo ano, foi criada a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE).
O Segundo Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, por seu turno, foi elaborado, em 2008, pela própria CONATRAE[11].
Os mencionados planos preveem ações gerais, de enfrentamento, de reinserção e prevenção, de informação e capacitação, assim como de repressão econômica a fim de abolir, em definitivo, o trabalho escravo em solo brasileiro.
As medidas são tomadas em conjunto por diversas instituições e algumas serão mais aprofundadas em seguir, visto que envolvem, também, o fortalecimento de instituições, medidas de combate e ações repressivas, sendo necessário reconhecer sua importância como norte orientador do trabalho escravo contemporâneo.
3.2- A Fiscalização do Trabalho e Emprego: Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores (CDTT) e “Lista Suja do Trabalho Escravo”.
Nesse passo, outra medida do Governo para o enfrentamento do trabalho em condições análogas à de escravo foi a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) no ano de 1995.
O mencionado Grupo, como dito alhures, tem como fundamento legal o artigo 6º do Decreto nº4.552/2002, que aprova o Regulamento da Inspeção do Trabalho, dispõe que:
Art.1o O Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, a cargo do Ministério do Trabalho e Emprego, tem por finalidade assegurar, em todo o território nacional, a aplicação das disposições legais, incluindo as convenções internacionais ratificadas, os atos e decisões das autoridades competentes e as convenções, acordos e contratos coletivos de trabalho, no que concerne à proteção dos trabalhadores no exercício da atividade laboral.
(...)
Art.6º Atendendo às peculiaridades ou circunstâncias locais ou, ainda, a programas especiais de fiscalização, poderá a autoridade nacional competente em matéria de inspeção do trabalho alterar os critérios fixados nos arts. 4º e 5º para estabelecer a fiscalização móvel, independentemente de circunscrição ou áreas de inspeção, definindo as normas para sua realização.
A IN nº76/2009 da Secretaria de Inspeção do Trabalho, já mencionada anteriormente, dispõe acerca da fiscalização rural do MTE:
Art. 19. As ações fiscais para erradicação do trabalho análogo ao de escravo serão coordenadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, que poderá realizá-las diretamente, por intermédio das equipes do grupo especial de fiscalização móvel ou por intermédio de grupos/equipes especiais de fiscalização rural, organizados no âmbito das SRTE.
Art. 20. Sempre que a SRTE receber denúncia que relate a existência de trabalhadores reduzidos à condição análoga à de escravo e decidir pela realização de ação fiscal local para a apuração dos fatos, esta deverá ser precedida da devida comunicação à Secretaria de Inspeção do Trabalho.
Art. 21. As ações fiscais deverão contar com a participação de representante da Polícia Federal, ou da Policia Rodoviária Federal, ou da Policia Militar ou da Policia Civil.
§1º O Superintendente Regional do Trabalho e Emprego ou a chefia de fiscalização deverá providenciar a participação de membros de um dos órgãos mencionados no caput, bem como enviar ao Ministério Público do Trabalho e à Advocacia Geral da União - (AGU) comunicação sobre a operação, para que estas instituições avaliem a conveniência de integrá-la.
§2º A constatação inequívoca de trabalho análogo ao de escravo ensejará a adoção dos procedimentos previstos no artigo 2º-C, §§ 1º e 2º, da Lei n.º 7.998, de 11 de janeiro de 1990, dando causa à rescisão indireta dos contratos de trabalho.
§3º O coordenador do grupo/equipe especial notificará o empregador para que providencie a imediata paralisação das atividades; a regularização dos contratos; a anotação nas Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS); as rescisões contratuais; o pagamento dos créditos trabalhistas; o recolhimento do FGTS; bem como para que tome as providências para o retorno dos trabalhadores aos locais de origem.
§4º Caberá ao coordenador, devidamente credenciado, o correto preenchimento, sob pena de responsabilidade, dos Requerimentos do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, entregando a via própria ao interessado e outra à chefia imediata juntamente com o relatório a ser encaminhado à SIT.
Art. 22. No prazo de cinco (5) dias úteis após o encerramento da ação fiscal, o coordenador de grupo e/ou equipe deverá elaborar relatório na forma dos manuais e orientações da SIT e encaminhá-lo à chefia da fiscalização, que o encaminhará à SIT no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis a contar da data de seu recebimento.
Consoante o Manual de Combate ao Trabalho em Condições análogas às de escravo do MTE:
O Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) é composto por equipes que atuam, precipuamente, no atendimento de denúncias que apresentem indícios de trabalhadores em condição análoga à de escravos. As denúncias são recebidas diretamente pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, pelas Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego ou pelas diversas instituições parceiras: Comissão Pastoral da Terra, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Departamento de Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal.
O Ministério do Trabalho e Emprego, a partir de 2008, envida esforços para executar um maior número de ações mediante planejamento baseado em diagnóstico prévio (painel de indicadores com informações sobre os estabelecimentos rurais, perfil e origem dos trabalhadores, sazonalidade do processo produtivo, denúncias anteriores, entre outros dados). Essas e outras informações disponíveis dão consistência ao planejamento de ações fiscais, de forma a reduzir a dependência de recebimento de denúncias.
O MTE tem procurado também uniformizar a atuação dos auditores-fiscais em face de condutas que caracterizam a submissão de trabalhador à condição análoga a de escravo. Periodicamente, são realizadas reuniões técnicas interinstitucionais com o intuito de debater situações concretas e aspectos legais da intervenção. São medidas que contribuem para revestir as ações de máxima segurança jurídica, de modo a evitar questionamentos judiciais.
À ação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM se soma a atuação dos grupos especiais de fiscalização das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTE). A iniciativa reforçou a presença da Inspeção do Trabalho nas atividades em que se verifica maior incidência de irregularidades indicadoras de prática de trabalho análogo ao de escravo. A intensificação da fiscalização nessas atividades estimula o cumprimento voluntário da legislação trabalhista e contribui para inibir a prática de reduzir trabalhadores à condição análoga à de escravo.
Os anos de atuação demonstraram que, de forma concomitante ao desenvolvimento da economia, à expansão das fronteiras agrícolas, e à liberação do trânsito de cidadãos entre países, houve significativas alterações nas formas de redução de pessoas à condição análoga à de escravo bem como nos mecanismos utilizados para mascarar tal prática[12].
A atuação da Fiscalização do Trabalho sempre foi de especial relevância na temática, visto que seus servidores chegam a arriscar, por vezes, sua segurança a fim de cumprir seu mister.
Destarte, hodiernamente, a atuação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel é de suma importância no combate ao trabalho escravo contemporâneo e no resgate de trabalhadores, especialmente nos rincões do país, regiões longínquas de difícil acesso e amparo dos trabalhadores.
Outro importante instrumento fiscalizado no âmbito do MTE é a Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores (CDTT), prevista na mesma Instrução Normativa nº76/2009 da Secretaria de Inspeção do Trabalho:
Art. 23. Para o transporte de trabalhadores recrutados para trabalhar em localidade diversa da sua origem é necessária a comunicação do fato às SRTE por intermédio da Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores (CDTT).
Parágrafo único. O aliciamento e transporte de trabalhadores para localidade diversa de sua origem constitui, em tese, crime previsto no art. 207 do Código Penal.
A mencionada certidão deve ser preenchida consoante disposto na Instrução Normativa[13] a fim de verificar a regularidade de transporte de trabalhadores, evitando-se a atuação dos “gatos”, os quais constituem intermediários de trabalhadores a serviço dos escravocratas contemporâneos.
Visa-se asseguram a incolumidade dos mesmos, o resguardo dos seus direitos, assim como o controle estatal, visto que o transporte deve ser comunicado à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, atuando na prevenção da ocorrência do trabalho em condições análogas à de escravo.
Por fim, não há como não mencionar nesse trabalho a “Lista Suja do Trabalho Escravo”.
A mencionada lista tem sido um dos mais importantes instrumentos de combate ao trabalho escravo contemporâneo.
É que o combate ao trabalho escravo contemporâneo, a despeito da relevância da tutela penal, tem se mostrado muito mais eficiente quando atinge o patrimônio dos que cometem os ilícitos.
A Justiça Federal, competente para julgar o crime de redução à condição análoga à de trabalho escravo previsto no artigo 149 do Código Penal[14], tem se mostrado morosa em demasia, aumentando a sensação de impunidade par aos acusados pelo mencionado crime.
Nesse passo, é válida a expressão e o reconhecimento que os escravocratas modernos estão aprendendo com a “dor no bolso”.
A Lista Suja, além de afetar a imagem dos produtores e seus artigos de comércio, permite que ocorra restrição de créditos pelo Governo, prejudicando a própria produção, sinalizando aos produtores que sujeitar trabalhadores a condições análogas à de escravo não é um caminho escorreito, tampouco lucrativo ou eficiente.
A realidade tem mostrado, pelo contrário, que, quando descoberto, o infrator paga caro, sendo a penalidade econômica, atualmente, a principal conduta de repressão.
A “Lista Suja do Trabalho Escravo” está disciplinada atualmente na Portaria Interministerial nº2, de 12 de maio de 2011[15], subscrita pelo Ministro de Estado do Trabalho e Emprego e pela Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, sendo que esta revogou a antiga Portaria MTE nº540/2004.
A lista consiste, portanto, no cadastro de empregadores que tenham submetidos trabalhadores a condições análogas à de escravo, sendo as informações, além de divulgadas ao público, comunicadas a diversas instituições, dentre elas o Banco Central do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, o Banco do Brasil S/A e a Caixa Econômica Federal, a fim de que imponham as devidas restrições no âmbito que lhes caibam.
3.3-Seguro-Desemprego, Trabalho Escravo como infração à ordem econômica e propostas legislativas
Para o amparo dos trabalhadores resgatados em condições de trabalho análogas à de escravo, a legislação prevê o direito subjetivo ao recebimento de percepção de três parcelas de seguro-desemprego no valor de um salário mínimo cada.
Nesse sentido, a lei nº 7.998/1990 dispõe que:
Art. 2º O Programa de Seguro-Desemprego tem por finalidade:
I- prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo;
II- auxiliar os trabalhadores na busca ou preservação do emprego, promovendo, para tanto, ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional.
(...)
Art.2o-C O trabalhador que vier a ser identificado como submetido a regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo, em decorrência de ação de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, será dessa situação resgatado e terá direito à percepção de três parcelas de seguro-desemprego no valor de um salário mínimo cada, conforme o disposto no § 2o deste artigo.
§ 1o O trabalhador resgatado nos termos do caput deste artigo será encaminhado, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, para qualificação profissional e recolocação no mercado de trabalho, por meio do Sistema Nacional de Emprego - SINE, na forma estabelecida pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - CODEFAT.
§ 2o Caberá ao CODEFAT, por proposta do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, estabelecer os procedimentos necessários ao recebimento do benefício previsto no caput deste artigo, observados os respectivos limites de comprometimento dos recursos do FAT, ficando vedado ao mesmo trabalhador o recebimento do benefício, em circunstâncias similares, nos doze meses seguintes à percepção da última parcela.
A medida, inegavelmente, tem muita importância para servir de amparo aos trabalhadores egressos do trabalho escravo, servindo, o valor, para a facilitação da reinserção dos trabalhadores no mercado de trabalho, ajudando-o, por algum tempo, a manter seu sustento.
Medidas como estas são importantes, pois visam dar assistência ao trabalhador resgatado, mas, por si só, não são suficientes para dar fim à prática da submissão de trabalhadores a condições análogas à de escravo.
Neste sentido, como ressaltado, é penalizando os infratores no aspecto econômico que o combate ao trabalho escravo contemporâneo tem se mostrado mais eficiente.
O Procurador do Trabalho Rafael Araújo Gomes leciona que a utilização do trabalho em condições análogas à de escravo seria uma espécie de “dumping social”, caracterizando infração à ordem econômica, visto que, além de submeter trabalhadores a condições subumanas e lesionar a sociedade, os infratores se beneficiam do menor custo de produção em detrimento de seus concorrentes.
Não há como negar que a ocorrência de submissão de trabalhadores em condições análogas à de escravo está enraizada em grandes cadeias produtivas, razão pela qual a prática, sem dúvidas, afeta a economia nacional.
Leciona o ilustre Procurador do Trabalho que:
Não se deve imaginar que, por serem atrasadas (na medida em que remontam a práticas laborais de séculos atrás), as atividades desenvolvidas com a exploração do trabalho escravo são marginais à economia brasileira, e desprovidas de expressão econômica.
A realidade está justamente no oposto disso: a esmagadora maioria das situações de trabalho escravo detectadas anualmente no Brasil, há mais de uma década, estão firmemente enraizadas em modernas e importantes cadeias produtivas, que movimentas bilhões de reais, no topo dos quais encontraremos em presas de grande poder econômico, comumente grandes exportadoras.
Assim, encontramos o trabalho escravo nas cadeias da carne, do etanol e do açúcar, do aço, do feijão, da confecção e da construção civil, para citarmos alguns dos exemplos mais comuns. De modo que parte da carne que adquirimos nos supermercados ou é exportada, parte do combustível que abastece nossos carros, parte do aço que sai das siderúrgicas, parte das roupas de marcas badaladas que se compra em shoppings, parte dos imóveis que são construídos nas cidades, etc., foram produzidos com o aproveitamento, em algum momento da cadeia de produção, do trabalho escravo, especialmente do trabalho em condições degradantes, incompatíveis com a dignidade humana[16].
Rafael Araújo Gomes esclarece, ademais, que:
Assim sendo, as agressões extraordinariamente graves ao valor social do trabalho, como é o caso do trabalho escravo, inclusive na modalidade de trabalho degradante, não podem senão serem vistas como exemplos de atos praticados contra a ordem econômica e financeira, a exigir a necessária punição e inibição de novas infrações.
(...)
Ou seja, não se pode consideram compatível com a ordem econômica brasileira a atuação de um agente econômico que tenda à nulificação do valor social do trabalho, através de violações em larga escala e prejuízos à dignidade da pessoa humana, sendo tanto mais grave que tal conduta venha, pelas circunstâncias fáticas, a implicar ao mesmo tempo em contaminação do ambiente concorrencial.
Haverá, enfim, incompatibilidade entre o bom funcionamento do mercado, que é o que pretende a ordem econômica constitucionalmente instituída, e uma conjuntura na qual os direitos trabalhistas e a dignidade da pessoa humana sejam aviltados por um agente econômico de forma amplíssima, sistemática e diária. A conduta de tal agente não importará em agressão apenas aos trabalhadores, mas a todo o mercado, perturbado em seus valores e princípios fundamentais, conformadores da atividade econômica e financeira[17].
O renomado Procurador do Trabalho, ademais, ressalta a existência do projeto de lei nº 2.130/96 que visava alterar a já revogada Lei nº 8.884/94 para incluir inciso específico no artigo 21 no sentido de caracterizar como infração à ordem econômica a exploração na forma do trabalho escravo contemporâneo.
Nesse sentido, Rafael de Araújo Gomes ressalta que o próprio CADE já reconhecia que a exploração do trabalho escravo já estava incluída nas hipóteses previstas nos outros incisos do revogado artigo 21.
Nessa vereda, ressalta que:
Irretorquíveis os entendimentos expostos pelo Conselho nesse caso, com o reconhecimento de que, em existindo efeito negativo sobre a concorrência, a hipótese a que se referia o projeto de lei (utilização de mecanismos ilegais para redução dos custos de produção, tais como supressão de direitos trabalhistas e exploração do trabalho escravo) já está contemplada genericamente no caput do art.21 da Lei n. 8.884/94, sendo dispensável, embora não impossível, o acréscimo de mais um inciso a um rol que é meramente exemplificativo.
O projeto de lei em questão acabou sendo posteriormente arquivado, não obstante a aprovação em todas as comissões, por não ter sido incluído em pauta para votação até o final da legislatura. Permanecem válidos, não obstante isso, todos os argumentos acima transcritos, e em particular o posicionamento do CADE.
De modo que se conclui ser perfeitamente possível, em abstrato, que a supressão de direitos trabalhistas em larga escala, e a exploração do trabalho escravo em particular, venham a caracterizar infração à ordem econômica e abuso do poder econômico, em sendo obtido com isso prejuízo à concorrência e perturbação ao mercado. Mostrar-se-ão aptos a incidir, no caso, tanto o inc.I(“limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa”) quanto o III(“aumentar arbitrariamente os lucros”) do art.36 da nova lei. A existência concreta de infração punível dependerá, é claro, da prova de que a lesão trabalhista e o prejuízo à concorrência (atual ou iminente) efetivamente existem[18].
A Lei nº12529/2011, que revogou a Lei nº 8.884/94, mantém a previsão dos supracitados incisos:
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
(...)
III - aumentar arbitrariamente os lucros; (...).
Portanto, a caracterização da redução de trabalhadores a condições análogas à de escravo é mais um instrumento de combate a este mal social, visto que impõe aos infratores penalidades previstas na lei[19].
Nesse passo, repise-se que no campo do direito penal os infratores não vem sendo condenados como deveriam, beneficiando-se dos meios existentes a fim de garantir a impunidade.
Dessarte, como dito, é no aspecto econômico que a repressão e o caráter pedagógico das condenações tem se mostrado mais eficiente.
Frise-se, nesse passo, que outra medida de relevância ímpar que foi muito discutida no cenário nacional foi a Proposta de Emenda à Constituição nº 438/2001(numeração na Câmara dos Deputados) ou PEC 57A/1999, na numeração do Senado Federal.
A mencionada PEC foi inicialmente proposta pelo Senador Ademir Andrade, sendo que, submetida à deliberação dos membros da Câmara dos Deputados, foi aprovada com o texto da emenda aglutinativa do deputado Tarcísio Zimmermann (PT-RS), acolhendo duas emendas oferecidas em comissão especial.
O Substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados previa modificação do artigo 243 da CF/88 e determina que as propriedades rurais e urbanas de qualquer região do país onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.
Alteraria, ainda, o parágrafo único do mesmo artigo para dispor que todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com a destinação específica, na forma da lei.
De fato, após muita espera e comoção, a Emenda Constitucional nº81, de 5 de junho de 2014, alterou a redação do artigo 243 da Constituição Federal de 1988, o qual passou a constar com a seguinte redação:
"Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei."
A Proposta garante a expropriação compulsória, sem direito de indenização, de áreas de terra e propriedades urbanas em que encontrado trabalhadores sujeito a condições análogas à de escravo.
Importa destacar a grande resistência de setores da economia nacional, em especial dos produtores rurais quanto ao texto da PEC. Contudo, inequívoco reconhecer que no Estado Democrático de Direito em que nos encontramos, fundado no princípio da dignidade da pessoa humana, a resistência não merece guarida, não devendo, os que cumprem o ordenamento jurídico com observância da função social da propriedade e forte no primado do valor social do trabalho, temer qualquer consequência.
Pelo contrário, a posição radical adotada só dá respaldo à necessidade da proposta, em especial por ser insustentável qualquer temor ao repúdio social de uma prática que não é permitida em território brasileiro há mais de 120 anos.
A “PEC do Trabalho Escravo”, outrossim, não é e não foi a única proposta legislativa que encontrou resistência no Congresso Nacional.
Nessa esteira, o Projeto de Lei nº5016/2005, que tem como apensos o PL nº2667/2003, o PL nº3283/2004 , o PL nº2668/2003, o PL nº3842/2012 , o PL nº3500/2004, o PL nº3524/2004, o PL nº8015/2010, o PL nº1302/2011, o PL nº3107/2012 , o PL nº4017/2012 e o PL nº5209/2013 e que estabelece penalidades para o trabalho escravo, altera dispositivos do Código Penal e da lei que regula o trabalho rural, teve recente parecer desfavorável do Deputado Reinaldo Azambuja apresentado na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, sendo o parecer pela rejeição do projeto e das demais proposições apensadas, sob várias alegações.
A proposta prevê em seu artigo 1º que:
Art. 1ºO trabalho escravo, ou em condição análoga, será punido nos termos desta Lei e caracteriza-se pela sujeição do trabalhador a empregador, tomador dos serviços ou preposto, independentemente de consentimento, a relação mediante fraude, violência, ameaça ou coação de quaisquer espécies.
Parágrafo único. Para a caracterização do trabalho escravo, ou em condição análoga, é irrelevante o tipo de trabalho e o local onde ele é prestado, bem como a natureza temporária ou permanente do trabalho.
A medida, outrossim, prevê restrições creditícias, impossibilidade de participar de processo licitatório com a Administração Pública, nova alteração no Código Penal, dentre outras medidas.
O Deputado Reinaldo Azambuja, de forma insensível à causa, justificou a rejeição, em suma, por existir a Proposta de Emenda à Constituição do Trabalho Escravo, que prevê a expropriação de terras urbanas e rurais de empresas ou pessoas que abrigarem trabalhadores nessa situação, aprovada pela Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado Federal; em virtude de o Código Penal já tratar de maneira pormenorizada sobre o crime de redução à condição análoga à de escravo e outras infrações penais relacionadas ao tema; assim como em virtude de a Auditoria Fiscal do Trabalho estar armado de inúmeras normas legais e administrativas para fiscalizar, punir e erradicar o trabalho análogo ao de escravo, de forma satisfatória.
Nesse sentido, visualiza-se que a causa do combate ao trabalho escravo contemporâneo, como ressaltado, enfrenta forte resistência de setores influentes da economia nacional, razão pela qual a necessidade pela busca de novos e reforçados instrumentos de combate devem ser sempre priorizados pelas instituições diretamente envolvidas no combate a essas irregularidades, assim como ser prestigiada como foco da opinião pública.
3.4 - Ministério Público do Trabalho: atuação judicial e extrajudicial no combate ao trabalho escravo contemporâneo.
Não seria leviano afirmar que a Fiscalização do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho são as instituições que tem papel mais destacado no combate ao trabalho escravo contemporâneo.
Todo o exposto no presente trabalho está estritamente relacionado à atuação do MPT.
A breve exposição que seguirá visa somente traçar, resumidamente, acerca das formas de atuação do MPT no combate ao trabalho escravo contemporâneo.
Frise-se que o combate a esta prática é tão relevante para o Parquet Trabalhista que foi criada a Comissão, em 12 de setembro de 2002, por meio da portaria nº231/2002, a atualmente denominada Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo.
A CONAETE integra e protagoniza ações de repressão, interinstitucionais e próprias, vem implementando medidas que atacam o tráfico de pessoas configurado na origem do problema e projetos que visam inserir os trabalhadores em cursos de qualificação profissional e, consequentemente, no mercado de trabalho, para evitar a reincidência e transformar a anterior realidade do trabalhador escravizado, propiciando um melhor futuro ao trabalhador.
Atualmente, existem três projetos no âmbito do Ministério Público do Trabalho denominados Resgatando a Cidadania, Caminhos para a Liberdade e Repressão ao Trabalho Escravo.
O atual Procurador-Geral do Trabalho, Luís Antônio Camargo de Melo, leciona que:
Para ampliar a rede de proteção, que deve ir além da repressão, o Ministério Público do Trabalho iniciou o projeto Resgatando a Cidadania, que visa promover e garantir política de qualificação e reinserção social e profissional aos trabalhadores egressos do trabalho escravo e/ou em situação de vulnerabilidade, conforme previsto nos itens 6.3.4/6.3.4.1 e 6.3.4.2 do Planejamento Estratégico do Ministério Público do Trabalho[20].
Em relação ao Projeto Caminhos para a Liberdade ressalta que:
O projeto tem por finalidade implementar e coordenar ações, de âmbito nacional, que promovam políticas públicas de prevenção a escravidão contemporânea, combatendo o aliciamento e o tráfico de pessoas, bem como o transporte irregular e inseguro de trabalhadores. Atuação justificada em razão dos danos causados pela ação do `intermediador profissional´ ou aliciador da mão de obra(gato ou falsas pessoas jurídicas), que facilitam e mantêm o ciclo de exploração do trabalhador, contratados à margem da lei, submetidos a jornadas exaustivas de labor, constante exploração e maus-tratos(alojamentos precários, alimentação inadequada, inexistência de EPI´s, dívidas impagáveis e outras formas de humilhação)[21].
Por fim, quanto ao projeto Repressão ao Trabalho Escravo, o renomado PGT leciona que:
A finalidade do projeto é a realização de forças tarefas para a fiscalização de situações de submissão de trabalhadores a condições análogas à de escravos e gerenciamento das operações realizadas pelo Grupo Especial Interinstitucional de Fiscalização Móvel[22].
Nessa vereda, ressalta-se que incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis(caput do artigo 127 da CF/88).
São funções institucionais do Ministério Público do Trabalho, outrossim, promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos(inciso III do artigo 129 da CF/88).
A atuação do MPT de forma extrajudicial se dá por meio, especialmente, da instauração de inquérito civil e de procedimentos administrativos correlatos, na expedição de recomendações, na realização de audiências públicas e no firmamento de Termo de Ajuste de Conduta com os infratores.
O Termo de Ajuste de Conduta tem revelado importante papel na resolução de conflitos extrajudicialmente, visto que este instrumento, previsto no §6º do artigo 5º da Lei nº7.347/85 e no artigo 876 da CLT, propõe a adequação das condutas do infrator às exigências legais, sob pena, em caso de descumprimento, de incidência de multa a ser cominada(astreintes).
O TAC pode conter obrigações de fazer, não fazer e de dar, servindo tanto como tutela inibitória, na prevenção do ilícito, como reparatória, podendo prever, inclusive, indenização por dano moral coletivo.
Outrossim, é vedado ao membro do Parquet dispor do direito metaindividual lesionado, visto que não detém sua titularidade, sendo o TAC, portanto, espécie de transação especial, podendo, entretanto, ser negociado a forma, tempo e lugar de cumprimento do acordado.
O TAC assinado e efetivamente cumprido torna despiciendo o ajuizamento da ação civil pública em defesas dos direitos metaindividuais lesionados.
Assim é o ensinamento de Raimundo Simão de Melo:
A necessidade, no caso, consubstancia-se no recurso ao Judiciário na busca de obtenção de um bem da vida tutelado na ordem jurídica (no processo do trabalho, não somente por disposição expressa de lei, mas de acordo com a jurisprudência, os usos e costumes, a analogia, a equidade, os princípios gerais de direito, o direito comparado e as normas decorrentes de convenções coletivas e sentenças normativas da Justiça do Trabalho), desde que não se tenha chegado a uma solução consensual para a pendência, que por meio da negociação coletiva entre as partes da relação capital-trabalho ou através do importante instrumento do termo de ajuste de conduta tomado pelos legitimados de que tratam o art. 5º, § 6º da Lei n. 7347/85. Assim, a ida ao Poder Judiciário deve ocorrer somente quando não houver qualquer forma de solução extrajudicial capaz de atender à tutela dos interesses metaindividuais.[23]
A atuação judicial do MPT no combate ao trabalho escravo contemporâneo se dá principalmente com o ajuizamento de ações civis públicas.
Assim, acolhendo o conceito de Carlos Henrique Bezerra Leite, segundo o qual:
a ação civil pública é o meio constitucionalmente assegurado ao Ministério Público, ao Estado ou a outros entes coletivos autorizados por lei, para promover a defesa judicial dos interesses ou direitos metaindividuais[24].
A ação civil pública, tal como o TAC, pode prever a condenação em obrigações de fazer, não fazer e de dar/pagar, razão pela qual tem sido inestimável sua importância na responsabilização dos escravocratas modernos, sem olvidar seu caráter pedagógico.
Como dito acerca do TAC, a ACP tem também caráter preventivo na ocorrência, repetição e continuação do ilícito, e não só caráter reparatório. Nesse sentido, esclarece Carlos Henrique Bezerra Leite:
a ação civil pública foi guindada à categoria de garantia fundamental dos direitos ou interesses metaindividuais. Esse seu novo perfil leva em conta não apenas a “reparação”, mas, acima de tudo a “proteção” daqueles importantes interesses[25].
Além do pleito de condenação em “astreintes” em caso de descumprimento, é requerido, em geral, a condenação em dano moral coletivo, esta que tem se mostrado a maior forma de repressão aos que submetem trabalhadores a condições análogas à de escravo, em especial em virtude dos altos valores das condenações.
Acerca do dano moral coletivo, Xisto Tiago de Medeiros Neto enfatiza que:
Elencam-se, em arremate, os seguintes elementos que caracterizam o dano moral coletivo e revelam o seu conceito:
(1) a conduta antijurídica (ação ou omissão) do agente, pessoa física ou jurídica;
(2) a ofensa significativa e intolerável a interesses extrapatrimoniais, identificados no caso concreto, reconhecidos e inequivocadamente compartilhados por uma determinada coletividade (comunidade, grupo, categoria ou classe de pessoas titular de tais interesses protegidos pela ordem jurídica);
(3) a percepção do dano causado, correspondente aos efeitos que, ipso facto, emergem coletivamente, traduzidos pela sensação de desvalor, de indignação, de menosprezo, de repulsa, de inferioridade, de descrédito, de desesperança, de aflição, de humilhação, de angústia ou respeitante a qualquer outra consequência de apreciável conteúdo negativo;
(4) o nexo causal observado entre a conduta ofensiva e a lesão socialmente apreendida e repudiada[26].
O mesmo Xisto Tiago de Medeiros Neto assevera que:
Pode-se dizer, assim, que no interregno verificado entre a data da vigência da referida Lei n. 7347/85 (LACP) e a da Constituição Federal (1988), a possibilidade de tutela ao dano moral coletivo, por via da ação civil pública, era restrita à lesão impingida ao meio ambiente, ao consumidor e ao patrimônio cultural (bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico). Entretanto, com a nova ordem constitucional, de acordo com o mencionado art. 129, inciso III (ressaltada a iniciativa qualificada do Ministério Público, sem exclusão de outras entidades legitimadas - art. 5º da LACO), a proteção foi aberta, repise-se, a qualquer interesse coletivo ou difuso, eliminando-se a restrição antes imposta[27].
Nesse sentido, entendendo a relevância da repressão e o caráter pedagógico das condenações postuladas pelo Ministério Público do Trabalho, vem julgando os tribunais trabalhistas pátrios[28]:
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. Tendo sido o reclamante resgatado de condição análoga de escravo, há motivo suficientemente forte para autorizar o reconhecimento da lesão de ordem moral praticada pela ré, notadamente por violação à dignidade da pessoa humana do trabalhador, sendo inadmissível que nos dias de hoje existam reminiscências de práticas voltadas a reduzir gastos com mão de obra por meio da escravidão, motivo pelo qual deve suportar a reclamada a indenização por lesão moral arbitrada na origem, inclusive pelo caráter didático da medida, no intuito de inibir a repetição de conduta semelhante.” (TRT da 2ª Região. RO 01612-2003-443-02-00-0; Ac. 2009/0923213; Décima Segunda Turma; Rel. Des. Fed. Adalberto Martins; DOESP 06/11/2009; Pág. 150).
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVO. TRABALHO ANÁLOGO A DE ESCRAVO. A indenização por danos morais coletivo é uma das formas eficazes de tolher o abuso cometido contra os trabalhadores, sobretudo quando há ofensa crassa à dignidade humana. Portanto, se incontroverso que a fiscalização do Ministério do Trabalho e emprego flagrou as condições degradantes vividas pelos trabalhadores das fazendas do reclamado, a decisão que impôs o pagamento de indenização por danos morais coletivos, além das imposições quanto à regularização dos empregados, sobretudo quanto às condições de higiene e segurança do trabalho deve ser mantida integralmente.” (TRT da 8ª Região. RO 00595-2007-116-08-00-8; Primeira Turma; Rel. Des. Fed. Georgenor de Sousa Franco Filho; DJEPA 16/10/2009; Pág.5)[29]
DANO MORAL. TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO. Além de justa a reparação do dano moral requerida, bem como da procedência das verbas rescisórias trabalhistas reivindicadas em consequência do aludido dano, também justificador da extinção das relações empregatícias, torna-se impostergável um indispensável e inadiável "Basta!. “à intolerável e nefasta ofensa social e retorno urgente à decência das relações humanas de trabalho. Torna-se, portanto, urgente a extirpação desse cancro do trabalho forçado análogo à de escravo que infeccionou as relações normais de trabalho, sob condições repulsivas da prestação de serviços tão ofensivas à reputação do cidadão brasileiro com negativa imagem do país, perante o mundo civilizado. (TRT da 10ª Região. RO 00073-2002-811-10-00-6; Segunda Turma; Rel. Juiz José Ribamar O. Lima Junior; Julg. 07/05/2003; DJU 07/05/2003).
Por outro lado, ressalta-se que não são todas as vezes que os juízes tem atuado com a sensibilidade necessária, sendo que muitos dos problemas relacionadas ao fracasso de eventuais ações judiciais, seja na esfera criminal ou trabalhista, no combate ao trabalho em condições análogas à de escravo estão relacionados a ausência dos magistrados nas fiscalizações em localidades longínquas e na dificuldade de localizar, posteriormente, os trabalhadores para testemunharem em Juízo.
A fim de solucionar a celeuma acima enunciada, Gustavo Luís Teixeira das Chagas defende o uso da cautelar ad perpetuam rei memoriam com fulcro nos artigos 846 a 850 do CPC.
Nesse passo, esclarece que:
É sabido que na dinâmica do processo e dos procedimentos, a prova é um conjunto de atividades de verificação e demonstração, mediante as quais se procura chegar à verdade quanto aos fatos relevantes para o julgamento.
Tendo em vista as peculiaridades do trabalho em condições análogas à de escravo, nossa proposição é a utilização da ação cautelar ad perpetuam rei memoriam com intuito de provocar os juízes do trabalho a adotarem a inspeção judicial para a verificação da prática de trabalho escravo, obtendo provas decisivas para o bom deslinde do processo, aproximando, assim, o Poder Judiciário da escravidão contemporânea. O magistrado vai ao local, observa o ambiente de trabalho, inquire testemunhas, enfim pratica atos sensoriais que lhe auxiliarão no futuro julgamento[30].
Portanto, em breve síntese, esses são os breves apontamento acerca do relevante papel de atuação do MPT, ressaltando, como dito, que todo o exposto no presente trabalho está intrinsicamente ligado ao trabalho dos Procuradores do Trabalho.
Neste trabalho, verificaram-se os institutos, instrumentos e as atuações que visam propiciar o fim do trabalho em condições análogas à de escravo em nosso país.
Nessa senda, como se constatou, a escravidão vem perdurando por milênios, desde a antiguidade, sendo que nem mesmo em Estados Democráticos de Direito, tal chaga chegou a cessar.
A nova ordem mundial surgida após a Segunda Guerra Mundial, marcada pela internacionalização dos direitos humanos, fundamentada na dignidade da pessoa humana, pautada na reaproximação do direito com a ética e o foco no ser humano como fundamento do direito e da atividade estatal, não foi o bastante para por fim a tão repugnante prática.
Nessa esteira, denota-se que o conceito de trabalho escravo sofre nova remodelação, deixa a ligação estrita com o direito da liberdade e passa a se albergar, também, na dignidade da pessoa humana.
Nessa vereda, em tempos modernos, a escravidão é caracterizada, tanto pelo trabalho forçado e pela servidão por dívidas, como pelo trabalho em condições degradantes e jornadas exaustivas, ou como a retenção da liberdade dos trabalhadores por vigilância armada, retenção de documentos, dentre outras modalidades.
O Brasil reconheceu, em 1995, que ainda há escravidão em seu território, passando a centralizar ações, fortalecer instituições e propagar mudanças legislativas a fim de erradicar o trabalho escravo em nosso país.
Nessa senda, verificou-se que há uma ampla legislação acerca do tema, tanto no direito internacional como na ordem interna.
Os meios de combate, outrossim, tem evoluído, buscando fortalecer tanto a prevenção, a repressão e a realocação dos egressos do trabalho em condições análogas à de escravo no mercado de trabalho a fim de que não sejam obrigados a retornar ao trabalho nessas condições.
Como meios preventivos, vemos que o Governo Federal tem buscado planejar ações, elaborando Planos Nacionais de Erradicação ao Trabalho Escravo, propiciando a implementação de políticas públicas e inibindo o aliciamento de trabalhadores para o tráfico para outras regiões do país.
Na repressão, vemos a atuação dos Grupos Móveis de Fiscalização, alterações no Código Penal, ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho, Termos de Ajuste de Conduta, a elaboração de uma “Lista Suja do Trabalho Escravo”, a restrição de créditos aos escravocratas, dentre tantas outras medidas.
Após o resgate de trabalhadores, também, foram criadas políticas públicas visando à reinserção de trabalhadores no mercado de trabalho e o auxílio temporário, tal como o fornecimento de parcelas do seguro-desemprego.
Entretanto, a despeito do trabalho hercúleo de instituições, do empenho da opinião pública e da imprensa, observa-se certa resistência de setores econômicos, os quais respondem por importantes cadeias produtivas, no combate ao trabalho escravo contemporâneo.
Nesse sentido, o empenho de congressistas ligados aos mencionados setores econômicos contra a aprovação da “PEC do Trabalho Escravo” e de outros tantos projetos legislativos que visam reforçar penalidade e meios para a erradicação de tal prática.
Ademais, vislumbra-se que, cada vez mais, a exploração do homem para seus semelhantes se torna mais horripilante.
No Brasil, quando todos pensavam que tais práticas se limitavam ao interior, em fazendas em rincões, constatou-se o tráfico de estrangeiros para o trabalho em condições análogas à de escravo inunda grandes metrópoles, atingindo com veemência a coletividade, envergonhando a todos, tal como ocorre com os estranegeiros no centro de grandes metrópoles brasileiras.
Nada obstante tais ponderações, constatou-se que, para a erradicação do trabalho escravo, tem se mostrado mais eficiente a responsabilização de empresas de grande escalão, para as quais é movimentada toda a cadeia produtiva dos setores em que estão envolvidas.
Nessa esteira, todas as teorias e a legislação apontam que essas devem se responsabilizar pelos produtos que adquirem, já que se beneficiam do trabalho dos que os produzem.
Como ressaltado, no campo da aplicação da lei penal, infelizmente, os infratores não tem sido punidos como deveriam, razão pela qual vem evoluindo formas de responsabilização cível dos exploradores de trabalho em condições análogas à de escravo, sendo que este parece ser o caminho, seja expropriando terras, condenando em elevadas quantias ou veiculando as condutas ao produto produzido a fim de conscientizar a população de onde advém o que consomem, para que seja erradicado, em definitivo, o trabalho escravo.
É que, como preconiza a máxima popular, a melhor punição tem sido no aspecto econômico, literalmente no bolso dos grandes empresários.
BRASIL. Manual de Combate ao Trabalho em Condições análogas às de escravo. Brasília: MTE, 2011.
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[1] BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da exploração, trabalho escravo e outras formas de trabalho indigno. 2. ed, São Paulo: LTr, 2010. p.61.
[2] MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na justiça do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 25.
[4] Conferir reportagem em http://www.wsws.org/pt/2007/may2007/por1-m30.shtml , acesso em 13/05/13, às 11:15 horas.
[5] MELO, Luís Antônio Camargo de. Premissas para um eficaz combate ao trabalho escravo. Revista do Ministério Público do Trabalho, São Paulo, LTr, n.26, set.2003.p.15.
[6]AZEVEDO, José Carlos Souza. Trabalho escravo: atuação do Ministério Público do Trabalho nas regiões sul e sudeste do estado do Pará. Direitos fundamentais do trabalho na visão de procuradores do trabalho, São Paulo: LTr, 2012.p.45.
[7] MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na justiça do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 369.
[8]AZEVEDO, José Carlos Souza . Trabalho escravo: atuação do ministério público do trabalho nas regiões sul e sudeste do estado do Pará. Direitos fundamentais do trabalho na visão de procuradores do trabalho, São Paulo: LTr, 2012. p.39
[9] FABRE, Luiz. Novos institutos relacionados ao tráfico de pessoas no setor têxtil: o princípio do non-refoulement e a teoria da cegueira deliberada. Revista do Ministério Público do Trabalho, São Paulo, LTr, n.44, set.2012. p.51-52.
[10]AZEVEDO, José Carlos Souza . Trabalho escravo: atuação do ministério público do trabalho nas regiões sul e sudeste do estado do Pará. Direitos fundamentais do trabalho na visão de procuradores do trabalho, São Paulo: LTr, 2012, 41.
[11]BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. II Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo / Secretaria Especial dos Direitos Humanos. – Brasília : SEDH, 2008.
[12]BRASIL. Manual de Combate ao Trabalho em Condições análogas às de escravo. Brasília: MTE, 2011.
[13]Art. 24. A CDTT será preenchida em modelo próprio, conforme Anexo I, nela constando:
I) A identificação da razão social e o CNPJ da empresa contratante ou nome do empregador e seu CEI e CPF;
II) O endereço completo da sede do contratante e a indicação precisa do local de prestação dos serviços;
III) Os fins e a razão do transporte dos trabalhadores;
IV) O número total de trabalhadores recrutados;
V) As condições pactuadas de alojamento, alimentação e retorno à localidade de origem do trabalhador;
VI) O salário contratado;
VII) A data de embarque e o destino;
VIII) A identificação da empresa transportadora e dos condutores dos veículos;
IX) A assinatura do empregador ou seu preposto.
§1º. O empregador poderá optar por realizar os exames médicos admissionais na localidade onde será prestado o serviço, caso não haja serviço médico adequado no local da contratação, desde que tal providência ocorra antes do início da atividade laboral.
§2º Na hipótese de o trabalhador não ser considerado apto para o trabalho, o empregador será responsável pelo custeio das despesas de transporte até o local de origem, bem como pelo pagamento das verbas salariais decorrentes do encerramento antecipado do contrato de trabalho.
Art. 25. A CDTT deverá ser devidamente preenchida e entregue nas unidades descentralizadas do MTE (Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego ou Gerências Regionais do Trabalho e Emprego) da circunscrição dos trabalhadores recrutados, acompanhada de:
I) Cópia da inscrição no CNPJ ou CEI e CPF do empregador;
II) Procuração original ou cópia autenticada, concedendo poderes ao procurador para recrutar, contratar trabalhadores e proceder ao encaminhamento da CDTT junto à SRTE;
III) Cópia do contrato social do empregador, quando se tratar de pessoa jurídica;
IV) Cópias do documento de identidade do procurador e das habilitações dos condutores dos veículos;
V) Cópias dos contratos individuais de trabalho,
VI) Cópia do certificado de registro para fretamento da empresa transportadora, emitido pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT);
VII) Relação nominal dos trabalhadores recrutados, com os números da CTPS e do PIS.
Parágrafo único. A CDTT poderá, excepcionalmente, ser protocolada fora das dependências da unidade do MTE, desde que em local definido pela chefia da fiscalização e por servidor especialmente designado para esse fim.
Art. 26. Estando a documentação completa, a SRTE receberá uma via da CDTT, devolvendo outra via ao empregador, devidamente protocolada.
§1º A SRTE formará processo a partir do recebimento da documentação, conferindo a regularidade do CNPJ na página da Secretaria da Receita Federal, encaminhando-o à SRTE da circunscrição onde ocorrerá a prestação dos serviços para que a situação seja analisada e ocorra, quando necessário, o devido acompanhamento "in loco" das condições de trabalho.
§2º A guarda da CDTT, documento de valor primário, deverá ser feita em arquivos intermediários por pelo menos um ano.
§ 3º A SRTE de origem dos trabalhadores enviará cópia da CDTT ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, acompanhada da relação nominal dos trabalhadores recrutados, e a entidade, se assim entender, dará ciência ao sindicato da localidade de destino.
§4º A SRTE encaminhará trimestralmente à SIT dados estatísticos referentes ao número de CDTT recebidas, atividades econômicas dos empregadores, número de trabalhadores transportados, municípios de recrutamento e destino dos trabalhadores.
Art. 27. O empregador, ou seu preposto, deverá, durante a viagem, manter no veículo de transporte dos trabalhadores a cópia da CDTT e, posteriormente, no local da prestação de serviços à disposição da fiscalização, juntamente com a cópia da relação nominal dos trabalhadores recrutados.
§1º Identificado o transporte de trabalhadores sem a CDTT, o auditor fiscal do trabalho comunicará o fato imediatamente à Polícia Rodoviária Federal, diretamente ou através de sua chefia imediata, ao tempo em que adotará as medidas legais cabíveis e providenciará relatório contendo a identificação do empregador, dos trabalhadores e demais dados relativos aos fatos apurados.
§2º A Chefia da fiscalização encaminhará o relatório ao Ministério Público Federal para as providencias aplicáveis ao aliciamento e transporte irregular de trabalhadores.
[14] EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO Á CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. TRABALHO ESCRAVO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. CRIME CONTRA A COLETIVIDADE DOS TRABALHADORES. ART. 109, VI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. A Constituição de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa à proteção e efetivação dos direitos fundamentais do ser humano. A existência de trabalhadores a laborar sob escolta, alguns acorrentados, em situação de total violação da liberdade e da autodeterminação de cada um, configura crime contra a organização do trabalho. Quaisquer condutas que possam ser tidas como violadoras não somente do sistema de órgãos e instituições com atribuições para proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios trabalhadores, atingindo-os em esferas que lhes são mais caras, em que a Constituição lhes confere proteção máxima, são enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto das relações de trabalho. Nesses casos, a prática do crime prevista no art. 149 do Código Penal (Redução à condição análoga a de escravo) se caracteriza como crime contra a organização do trabalho, de modo a atrair a competência da Justiça federal (art. 109, VI da Constituição) para processá-lo e julgá-lo. Recurso extraordinário conhecido e provido(STF. RE 398.041. Plenário. Rel. Ministro Joaquim Barbosa. Julgado em 30/11/2006, disponível em: www.stf.gov.br).
[15]Art. 1º Manter, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, originalmente instituído pelas Portarias n.ºs 1.234/2003/MTE e 540/2004/MTE.
Art. 2º A inclusão do nome do infrator no Cadastro ocorrerá após decisão administrativa final relativa ao auto de infração, lavrado em decorrência de ação fiscal, em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo.
Art. 3º O MTE atualizará, semestralmente, o Cadastro a que se refere o art. 1º e dele dará conhecimento aos seguintes órgãos:
I - Ministério do Meio Ambiente (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
II - Ministério do Desenvolvimento Agrário (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
III - Ministério da Integração Nacional (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
IV - Ministério da Fazenda (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
V - Ministério Público do Trabalho (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
VI - Ministério Público Federal (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
VII - Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
VIII - Banco Central do Brasil (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);
IX - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE);
X - Banco do Brasil S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE);
XI - Caixa Econômica Federal (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE);
XII - Banco da Amazônia S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE); e
XIII - Banco do Nordeste do Brasil S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE).
§ 1º Os órgãos de que tratam os incisos I a XIII deste artigo poderão solicitar informações complementares ou cópias de documentos relacionados à ação fiscal que deu origem à inclusão do infrator no Cadastro (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE).
§ 2º À Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República competirá acompanhar, por intermédio da CONATRAE, os procedimentos para inclusão e exclusão de nomes do cadastro de empregadores, bem como fornecer informações à Advocacia-Geral da União nas ações referentes ao cadastro.
Art. 4º A Fiscalização do Trabalho realizará monitoramento pelo período de 2 (dois) anos da data da inclusão do nome do infrator no Cadastro, a fim de verificar a regularidade das condições de trabalho.
§ 1º Uma vez expirado o lapso previsto no caput, e não ocorrendo reincidência, a Fiscalização do Trabalho procederá à exclusão do nome do infrator do Cadastro.
§ 2º A exclusão ficará condicionada ao pagamento das multas resultantes da ação fiscal, bem como da comprovação da quitação de eventuais débitos trabalhistas e previdenciários.
§ 3º A exclusão do nome do infrator do Cadastro previsto no art. 1º será comunicada aos órgãos arrolados nos incisos do art. 3º “.
[16]GOMES, Rafael de Araújo. Trabalho escravo e abuso do poder econômico: da ofensa trabalhista à lesão ao direito de concorrência. Estudos aprofundados do MPT-Ministério Público do Trabalho. Salvador: JusPODIVM, 2012.p.249-250.
[17]Idem, p.255.
[18]Ibidem, p.261.
[19] Art. 37. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:
I - no caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação;
II - no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais);
III - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando comprovada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à empresa, no caso previsto no inciso I do caput deste artigo, ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos previstos no inciso II do caput deste artigo.
§ 1o Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro.
§ 2o No cálculo do valor da multa de que trata o inciso I do caput deste artigo, o Cade poderá considerar o faturamento total da empresa ou grupo de empresas, quando não dispuser do valor do faturamento no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, definido pelo Cade, ou quando este for apresentado de forma incompleta e/ou não demonstrado de forma inequívoca e idônea.
Art. 38. Sem prejuízo das penas cominadas no art. 37 desta Lei, quando assim exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente:
I - a publicação, em meia página e a expensas do infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da decisão condenatória, por 2 (dois) dias seguidos, de 1 (uma) a 3 (três) semanas consecutivas;
II - a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, na administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como em entidades da administração indireta, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos;
III - a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor;
IV - a recomendação aos órgãos públicos competentes para que:
a) seja concedida licença compulsória de direito de propriedade intelectual de titularidade do infrator, quando a infração estiver relacionada ao uso desse direito;
b) não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele devidos ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos;
V - a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos ou cessação parcial de atividade;
VI - a proibição de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica, pelo prazo de até 5 (cinco) anos; e
VII - qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica. (...)”.
[20] MELO, Luís Antônio Camargo de. Uma visão do Ministério Público do Trabalho. Estudos aprofundados do MPT-Ministério Público do Trabalho. Salvador: JusPODIVM, 2012.p.30.
[21] Idem,p.35.
[22] Ibidem, p.35.
[23] MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na justiça do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 150-151.
[24] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ação civil pública na perspectiva dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 102.
[25] Idem, p. 108.
[26] MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. São Paulo. LTr, 2004. p. 137-138.
[27] Idem, p. 147.
[28]Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=0B44466C0B79CF10352A3C9D1554A670.node2?codteor=1003405&filename=Avulso+-PL+4017/2012, Acesso em: 22/05/13
[29]Disponível em: http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/brasil/documentos/acordao_trt10.pdf, Acesso em: 22/05/2013.
[30]CHAGAS, Gustavo Luís Teixeira das. A utilização da cautelar ad perpetuam rei memoriam no combate ao trabalho em condições análogas à de escravo. Direitos fundamentais do trabalho na visão de procuradores do trabalho, São Paulo: LTr, 2012. p.76
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso. Pós-graduado em Direito Material e Processual do Trabalho, em Direito Constitucional e em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Analista Judiciário do TRT da 23ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELOS, Danilo Nunes. Trabalho escravo contemporâneo – conceituação e formas de combate sob o viés do Direito do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2020, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55575/trabalho-escravo-contemporneo-conceituao-e-formas-de-combate-sob-o-vis-do-direito-do-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
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