Resumo: O presente artigo analisa a relevância do paradigma neoconstitucionalista na atual concepção acerca de direitos humanos e fundamentais. Há estudos acerca das controvérsias acerca de concepções universalistas e de relativismo cultural na globalização atual, a fim de perquirir as interfaces entre direitos humanos e diálogos interculturais. Precipuamente, observa-se a viabilidade da vinculação entre um ideal universalista e um direito que respeite as diversidades culturais e se mostre potencialmente mais justo e eficaz.
Palavras-Chave: Universalização, Direitos Humanos, Multiculturalismo, Direitos Fundamentais, Globalização.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Neoconstitucionalismo e Pós-positivismo 3. Direitos Fundamentais; 3.1 Conceito; 3.2 Distinções entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais; 4. Direitos humanos na história; 4.1 Formação de um Direito Internacional dos Direitos humanos; 4.2 Incorporação de Tratados Internacionais de Direitos Humanos e soberanias Estatais; 5. Diálogos Interculturais e Internacionalização de Direitos Humanos; 5.1Universalismo versus Relativismo; 5.2 Importância de um diálogo intercultural entre os países; 5.3 Multiculturalismo e a emergência de um diálogo intercultural; 6. Considerações finais. 7. Referências bibliográficas
1.Introdução
O presente trabalho científico objetiva analisar de modo crítico as confluências entre os Direitos Humanos e os Direitos Fundamentais e a viabilidade da emergência de um paradigma universalista na conjuntura hodierna. Paralelamente, elucida-se como são delicados o engendramento de um “mínimo ético” realmente universal e o respeito ao pluralismo cultural em voga. Frente aos argumentos convincentes e, por outro lado, às fragilidades de diversos aspectos das correntes universalista e relativista, sobressai-se a necessidade de uma discussão sobre os preceitos que viabilizariam um diálogo intercultural entre os Estados na contemporaneidade.
Inicialmente, tecer-se-ão considerações sobre as teorias pós-positivista e neoconstitucionalista. Ademais, será realizada breve análise acerca dos direitos fundamentais no que toca ao seu conceito, à relevância desses no panorama sociojurídico pós-moderno e quanto à dualidade entre direitos humanos e direitos fundamentais.
Abordar-se-á, também, os conceitos de universalismo, relativismo, a importância do multiculturalismo “emancipatório” e, notadamente, de um diálogo intercultural. Posteriormente, A posteriori ao que fora estudado, delinear-se-ão algumas considerações – nunca definitivas - a partir da correlação entre a linha de pensamento proposta pelo Grupo de Pesquisa “O discurso jusfundamental da dignidade da pessoa humana no Direito Comparado” e a própria (im)possibilidade da universalização dos Direitos Humanos que embasa o presente texto.
2.Neoconstitucionalismo e Pós-Positivismo
A percepção de que o Direito[1] é intrinsecamente uma ciência dogmática, mas que isso não implica que ele seja reducionista[2], motivou a superação do positivismo legalista[3] de Estados de Direito. Dessa forma, a introdução dos princípios com força vinculante e importância normativa, tais como as normas-regra, harmoniza-se com a compreensão de que os valores legalidade, legitimidade e efetividade não se excluem, mas se coadunam para a formação do que contemporaneamente se caracteriza como Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, preleciona Canotilho (1993, p. 148) que:
A dicotomia entre rigidez/flexibilidade não postula necessariamente uma alternativa radical; exige-se, sim, uma articulação ou coordenação das duas dimensões, pois, se, por um lado, o texto constitucional não deve permanecer alheio à mudança, também, por outro lado, há elementos do direito constitucional (princípios estruturantes) que devem permanecer estáveis, sob pena de a constituição deixar de ser uma ordem jurídica fundamental do Estado para se dissolver na dinâmica das forças políticas. Neste sentido se fala da identidade da constituição caracterizada por certos princípios de conteúdo inalterável.
Consoante à preleção de Freire Soares (2010, p. 122) e majoritária doutrina atual, o neoconstitucionalismo representa uma vertente do Pós-Positivismo jurídico. Nascido na Pós-Modernidade, este movimento caracterizou a superação[4] da dicotomia “jusnaturalismo x postivismo jurídico” e uma reaproximação dos campos do Direito e da Moral tendo em vista a busca de um Direito justo e o atendimento às novas demandas sociais.
Sob esse viés, o Pós-Positivismo esteve em consonância com o processo histórico da formação do Estado Democrático de Direito. A transição de um Estado estritamente legalista, em que se privilegiava o aspecto formal, para um Estado que se esforça para assegurar as garantias fundamentais dos indivíduos marcou o nascimento do neoconstitucionalismo. Conforme aponta Marmelstein (2011, p.40), o escopo ético do Estado Democrático de Direito passa a ser a busca do bem comum, e não apenas a satisfação de interesses de uma classe privilegiada.
Para Freire Soares (2011, p. 265), o paradigma pós-moderno suscita o delineamento de um direito “plural, reflexivo, prospectivo, discursivo e relativo.” Nesse sentido, a República de Weimar (1919 - 1932) foi a precursora da conexão entre cultura, valores e direito constitucional. Novamente sob a ótica do referido autor[5] (2010, p. 123), esse processo explicitou a patente “necessidade de abordar o condicionamento cultural e a fundamentação axiológica da Teoria da Constituição”.
Segundo o entendimento de Pozollo e Duarte (2006, p. 90), o neoconstitucionalismo representa que:
(...) a Constituição não exige somente o seu respeito , não é somente um vínculo negativo para o legislador, mas também impõe o seu desenvolvimento ou a sua declinação positiva. As Constituições contemporâneas se caracterizam por uma força permeável intrínseca e geral que, unida a uma concepção prescritiva, implica a adequação do ordenamento (em sentido positivo, não somente de respeito) aos princípios de justiça ali expressos.
Outrossim, consoante doutrina Freire Soares ( 2011, p. 383), no panorama neoconstitucionalista:
O Judiciário pode intervir para invalidar atos legislativos, administrativos, jurisdicionais ou privados quando não houver adequação entre o fim perseguido e o instrumento pregado, a medida normativa não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo menos gravoso para chegar ao mesmo resultado (necessidade de vedação do excesso) e não se manifesta o binômio do custo-benefício, pois o que se perde com a medida normativa é de maior relevo do que aquilo que se ganha (princípio da proporcionalidade/razoabilidade).
3. Direitos Fundamentais
3.1Conceito
Direitos Fundamentais, segundo a perspectiva contemporânea, concernem a direitos e garantias irrenunciáveis postulados nas Constituições Democráticas de Direito. Para Dimoulis e Martins (2008, p.49), eles configuram direitos público-subjetivos de pessoas, presentes em normas constitucionais e que, portanto, limitam o exercício do poder estatal em face da liberdade individual. Nesta senda, também doutrina Marmelstein (2011, p. 20).
Conforme complementa Moraes (2003, p. 39), essas garantias - ou direitos - fundamentais, têm como escopo a formação da personalidade e o respeito à dignidade da pessoa humana. Leciona Da Silva (1997, p. 176), que direitos fundamentais “são aquelas prerrogativas e instituições que o Direito Positivo concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas”.
No mesmo sentido, Perez Luño (1993, p. 46-7) leciona que os Direitos Fundamentais correspondem a um:
Conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, igualdade e liberdade humanas, devendo obrigatoriamente ser reconhecidos no ordenamento jurídico positivo e por este garantidos, em âmbito internacional e nacional, gozando no ordenamento nacional de tutela reforçada em face dos poderes constituídos do Estado.
Vale ressaltar que a principal característica dos Direitos Fundamentais é justamente o fato de estarem positivados nas Constituições dos Estados Democráticos de Direito. Todavia, a recíproca não é verdadeira. Consoante aponta José J. G. Canotilho (1993, p. 528),
Os direitos consagrados e reconhecidos pela constituição designam-se, por vezes, direitos fundamentais formalmente constitucionais, porque eles são enunciados e protegidos por normas com valor constitucional formal (normas que têm a forma constitucional). A Constituição admite (cfr. art. 16.°), porém, outros direitos fundamentais constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional. Em virtude de as normas que os reconhecem e protegem não terem a forma constitucional, estes direitos são chamados direitos materialmente fundamentais. Por outro lado, trata-se de uma «norma defattispecie aberta», de forma a abranger, para além das positivações concretas, todas as possibilidades de«direitos» que se propõem no horizonte da acção humana. Daí que os autores se refiram também aqui ao princípio da não identificação ou da cláusula aberta. Problema é o de saber como distinguir, dentre os direitos sem assento constitucional, aqueles com dignidade suficiente para serem considerados fundamentais.
Paulo Bonavides (2004, p. 561), ilustre mestre de Direito Constitucional, traz a lição de Carl Schimitt, o qual estabeleceu dois critérios formais de caracterização dos direitos fundamentais:
Pelo primeiro, podem ser designados por direitos fundamentais todos os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional. Pelo segundo, tão formal quanto o primeiro, os direitos fundamentais são aqueles que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança; ou são imutáveis (unabanderliche) ou pelo menos de mudança dificultada (erschwert), a saber, direitos unicamente alteráveis mediante lei de emenda à Constituição. Já do ponto de vista material, os direitos fundamentais, segundo Schimitt, variam conforme a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie de valores e princípios que a Constituição consagra. Em suma, cada Estado tem seus direitos fundamentais específicos.
Como características dos direitos fundamentais, a doutrina majoritária aponta: a imprescritibilidade, a inalienabilidade, a inviolabilidade, a irrenunciabilidade, a universalidade, a efetividade, a interdependência, a complementaridade.
Segundo Robert Alexy (2011, p. 543), a irradiação das normas de direitos fundamentais a todos os ramos do direito produz amplas consequências na natureza do sistema jurídico, dentre elas:
A primeira é a limitação dos possíveis conteúdos do direito ordinário. Embora a Constituição, enquanto constituição mista material-procedimental, não determine todo o conteúdo do direito ordinário, os direitos fundamentais excluem alguns conteúdos como constitucionalmente impossíveis e exigem alguns conteúdos como constitucionalmente necessários (...) Assim, em virtude da vigência das normas de direitos fundamentais, o sistema jurídico tem a natureza (...) substancialmente determinada por meio da Constituição.
Sob esse prisma, ainda que perdurem divergências conceituais de juristas e doutrinadores em relação a direitos fundamentais, consoante preceitua Dirley da Cunha Júnior (2010, p. 533), é consensual que o nível de democracia de dado país pode ser mensurado pela ampliação dos direitos fundamentais e sua positivação em juízo.
3.2 Distinções entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
De acordo com o eminente jurista Norberto Bobbio (2004, p. 30), “os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares para finalmente encontrar a plena realização como direitos positivos universais”.
Ainda que muitos autores sinonimizem[6] direitos humanos a direitos fundamentais, vale ressaltar que a diferença principal entre ambos consiste no fato de o primeiro referir-se a garantias no plano constitucional internacional, enquanto que os segundos foram positivados nas Constituições (âmbito interno) dos Estados Democráticos de Direito.
No brilhante entendimento de Canotilho (1993, p. 256),
A consideração do indivíduo como sujeito da autonomia individual, moral e intelectual (essência da filosofia das luzes), justificará a exigência revolucionária da constatação ou declaração dos direitos do homem, existentes a priori. O sentido destas declarações não se reconduzia à reafirmação de uma teoria da tolerância, ou seja, de apelos morais dirigidos ao soberano, tendentes a obter garantias para os súbditos. A tolerância ficava sempre no domínio reservado do soberano e, consequentemente, na sua completa disponibilidade. As declarações dos direitos vão mais longe: os direitos fundamentais constituem uma esfera própria e autónoma dos cidadãos, ficam fora do alcance dos ataques legítimos do poder e contra o poder podiam ser defendidos.
Cotejando as expressões “direitos do homem e direitos fundamentais”, Canotilho[7] (1989, p. 434) esclarece que os direitos do homem possuem caráter inviolável e são “válidos para todos os povos e em todos os tempos” (dimensão jusnaturalista-universalista[8]). Por outro lado, “os direitos fundamentais são os direitos do Homem garantidos e limitados espácio-temporalmente”, seriam, assim, “os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta”.
Conforme assinala Norberto Bobbio (1992, p. 100), “os direitos do homem são direitos históricos nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez, nem de uma vez por todas.”
Ingo Sarlet (2009, p. 31) bebe das fontes intelectuais de Perez Luño para defender, que:
o critério mais adequado para determinar a diferenciação entre ambas as categorias é o da concreção positiva, uma vez que o termo “direitos humanos” se revelou conceito de contornos mais amplos e imprecisos que a noção de direitos fundamentais (...)direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito.
Nesse sentido, doutrina Freire Soares (2011, p. 333),
A partir da internacionalização da dignidade da pessoa humana e dos direitos humanos correlatos, seguiu-se o fenômeno da constitucionalização desses direitos humanos, que passaram a ser denominados, com a positivação constitucional, de direitos fundamentais, ampliando a possibilidade de garantir a sua aplicabilidade nas relações sociais desenvolvidas nos âmbitos dos ordenamentos jurídicos internos.
Vale ressaltar, ainda, que os direitos humanos trazidos por Tratados Internacionais (tal como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948) e os direitos fundamentais positivados por ordenamentos pátrios distintos têm forte semelhança formal, mas, no que concerne ao aspecto material (conteúdo) são divergentes, dado que os Estados privilegiam no rol de garantias fundamentais aqueles direitos que respaldam a ideologia, a cultura e os valores vigentes.
Relevante é a observação de Noberto Bobbio (1992, p. 24-5) de que, independentemente da imprecisão conceitual das garantias fundamentais ou da confusão terminológica entre direitos humanos e direitos fundamentais,
(...) o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento[9], se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.
4. Os Direitos humanos na história
4.1 Formação de um direito Internacional dos Direitos humanos
De acordo com Cançado Trindade[10] (2006, p. 411), a essência do Direito Internacional do Direitos Humanos é “a proteção do ser humano contra todas as formas de dominação ou do poder arbitrário” e sua fonte material é a “consciência jurídica universal”, tendo em vista a evolução de um Direito que prime pela realização da Justiça.
Sob a preleção desse eminente jurista (2006, p. 413), em seu percurso histórico rumo à universalização,
o Direito Internacional dos Direitos Humanos tem-se norteado por princípios básicos, inspiradores de toda sua evolução. São eles os princípios da universalidade, da integralidade e da indivisibilidade dos direitos protegidos, inerentes à pessoa humana e por conseguinte anteriores e superiores ao Estado e demais formas de organização político-social, assim como o princípio da complementaridade dos sistemas e mecanismos de proteção (de base convencional e extraconvencional, de âmbito global e regional). O presente corpus júris de proteção forma, desse modo, um todo harmônico e indivisível. Neste universo conceitual, e por força do disposto nos tratados de direitos humanos, os ordenamentos jurídicos internacional e interno mostram-se em constante interação no propósito comum de salvaguardar os direitos consagrados, prevalecendo a norma - de origem internacional ou interna - que em cada caso melhor proteja o ser humano.
Segundo Jorge Miranda (2000, p. 23-4), pode-se apontar três fases no desenvolvimento desse Direito Internacional de Direitos do Homem.
A primeira fase é a da definição internacional ou da consagração internacional dos direitos do homem. A Declaração Universal, hoje, é considerada, pelo menos em parte, um conjunto de princípios: os pactos internacionais, as grandes convenções, os documentos e os textos especializados das Nações Unidas. A consagração internacional dos direitos rege também a ordem interna dos Estados.
A segunda fase, iniciada com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e passada para a Convenção Interamericana, é a consagração de um direito de queixa, ou de um direito de recurso, ou de comunicação dos cidadãos contra o seu Estado perante as instâncias internacionais, é a necessária sujeição de órgãos do Estado a decisões provenientes de órgãos jurisdicionais internacionais ainda crescentes em tratados pelos mesmos Estados de que são cidadãos os queixosos.
A terceira fase é a criação de uma Justiça Penal Internacional com origem nos Tribunais de Nuremberg e Tóquio, recentemente manifestada nos Tribunais da Iugoslávia e de Ruanda. Com a criação do Tribunal Penal Internacional, o Direito Internacional dos Direitos do Homem desenvolve-se, concretiza-se, enriquece-se, alarga-se cada vez mais.
Para Flávia Piovesan (2007, p. 115), os precedentes históricos ou os marcos do processo de internacionalização dos direitos humanos foram “ o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho.” Conforme aponta Flavia (2007, p. 116-7),
o Direito Humanitário foi a primeira expressão de que, no plano internacional, há limites à liberdade e à autonomia dos Estados, ainda que na hipótese de conflito armado. (...) A Convenção da Liga das Nações, de 1920, continha previsões genéricas relativas aos direitos humanos, destacando-se as voltadas ao (...) sistema das maiorias e aos parâmetros internacionais do direito ao trabalho, pelo qual os Estados se comprometiam a assegurar condições justas e dignas de trabalho para homens, mulheres e crianças.
Vale ressaltar que esses três organismos inauguraram uma nova fase do Direito Internacional, no qual havia recomendações legais não apenas para as relações entre Estados, mas direcionados à salvaguarda dos Direitos Humanos. Ademais, conforme aponta Flavia (2007, p. 120), dessa forma, “rompeu-se a ideia de soberania nacional absoluta, na medida em que são permitidas intervenções pontuais no plano nacional, em prol dos direitos humanos.” Dessa forma, a internacionalização[11] dos direitos humanos configurou como um de seus pressupostos a delimitação da soberania estatal.
Ainda que muitos autores destaquem a natureza directiva[12] (e não coativa) dos direitos humanos em contraponto com a natureza coativa das normas constitucionais, Flavia Piovesan (2007, p. 127) relembra que “o costume internacional tem eficácia erga omnes, aplicando-se a todos os Estados, diversamente dos tratados internacionais, que só se aplicam aos Estados que os tenham ratificado.”
No decurso histórico da internacionalização dos “Direitos Humanos” e das “Liberdades Fundamentais”, a Carta das Nações Unidas, de 1945, foi um importante marco[13], ainda que o conteúdo dessas expressões só tenha sido definido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Conforme Flavia (2007, p. 137) destaca a partir de “International human rights”, de Thomas Buergenthal, “ao aderir a Carta da ONU, que é um tratado multilateral, os Estados signatários perceberam que os direitos humanos não se restringem à jurisdição interna, mas podem ser cobrados por um organismo internacional[14].”
Sob esse prisma, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, consoante Cançado Trindade (2006, p. 412), pode ser entendido como:
(...) o corpus júris de salvaguarda do ser humano, conformado, no plano substantivo, por normas, princípios e conceitos elaborados e definidos em tratados e convenções, e resoluções de organismos internacionais, consagrando direitos e garantias que têm por propósito comum a proteção do ser humano em todas e quaisquer circunstâncias, sobretudo em suas relações com o poder público, e, no plano processual, por mecanismos de proteção dotados de base convencional ou extraconvencional, que operam essencialmente mediante os sistemas de petições, relatórios e investigações, nos planos tanto global como regional. Emanado do Direito Internacional, este corpus júris de proteção adquire autonomia, na medida em que regula relações jurídicas dotadas de especificidade, imbuído de hermenêutica e metodologia próprias.
Ante o exposto, depreende-se que o reconhecimento de que todos os homens são sujeitos de direito cujas garantias são exigíveis e salvaguardadas, inclusive, em plano internacional, representou o maior avanço advindo da configuração de um “Direito Internacional de Direitos Humanos.”
4.2 Incorporação de Tratados Internacionais de Direitos Humanos e limites às Soberanias Estatais
De acordo com Cançado Trindade[15] , os tratados e instrumentos de proteção se desenvolveram como respostas a violações de direitos humanos de vários tipos. Gradativamente, tratados gerais, convenções “setoriais” e procedimentos baseados em resoluções obtiveram sua complementaridade reconhecida e passaram a ser interpretados sob o fulcro da “construção jurisprudencial convergente dos órgãos internacionais de supervisão”[16]. Desse modo, para este autor (2006, p. 418), os tratados e resoluções que consagram os Direitos Humanos:
(...) a par dos princípios gerais, da consuetudo, das construções jurisprudencial e doutrinária, e do juízo de eqüidade, são fontes formais desse novo ordenamento jurídico de proteção. No âmbito deste último, coexistem múltiplos instrumentos internacionais, de conteúdo e efeitos jurídicos variáveis e de distintos alcances geográficos de aplicação, mas interligados por sua identidade primordial de propósito, - a da salvaguarda dos direitos inerentes à pessoa humana em todas e quaisquer circunstâncias, - a qual, ao manifestar-se mediante uma hermenêutica própria, confere unidade e coesão ao Direito Internacional dos Direitos Humanos como um todo.
Segundo Flávia Piovesan (2004, p. 108),
O Direito enunciado no Tratado Internacional poderá: a)coincidir com o direito assegurado pela Constituição(nesse caso a Constituição reproduz preceitos do Direito Internacional dos Direitos Humanos); b) integrar, complementar e ampliar o universo de direitos constitucionalmente previstos; ou c) contrariar preceitos do Direito interno.
Conforme aponta Piovesan (1998, p. 33) em artigo anterior à obra supracitada, a Declaração dos Direitos Humanos[17] de 1948 surgiu como um Código de Ética cujos valores universais transcenderiam a diversidade cultural dos povos. Assim, nasce o cerne do Direito Internacional dos Direitos Humanos e “fortalece-se a ideia de que a proteção dos direitos humanos não se deve reduzir ao domínio reservado do Estado”. Como consequências dessa nova concepção, aparecem:
1) a revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa a sofrer um processo de relativização, na medida em que são admitidas intervenções no plano nacional em prol da proteção dos direitos humanos; 2) a cristalização da ideia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos na esfera internacional, na condição de sujeito de direito.
Frente aos tratados de direitos humanos e aos instrumentos internacionais de alcance específico, na visão de alguns doutrinadores, convenções assinadas voluntariamente por Estados Democráticos de Direito demonstram que a globalização em voga pode estar fomentando um processo de “desterritorialidade”. Sob esse processo, Milton Santos (2010, p. 76-8) ressalva que é “o Estado nacional, em última análise, que detém o monopólio das normas, sem as quais os poderosos fatores externos perdem eficácia.” Os países signatários de Tratados Internacionais possuem políticas diversas de incorporação dessas normas ao Direito Interno de seus Estados. Para Geraldo Eulálio do Nascimento Silva (2000, p. 20), no caso brasileiro[18]:
O País, ao assinar e ratificar uma convenção – e essa ratificação se processa depois da aprovação do Congresso Nacional -, automaticamente, está aceitando o que está naquele tratado internacional. Não há diminuição da soberania, ao contrário, ao ratificar uma convenção, pratica ato de soberania, e o faz de acordo com sua Constituição. Isso pode, por vezes, provocar conflitos mais delicados.
Sobre os avanços brasileiros no tocante à harmonia com os preceitos do Direito Internacional dos Direitos Humanos, Flávia Piovesan[19] (2000, p. 104) discorre que:
no que tange particularmente à tutela, à supervisão e ao monitoramento de direitos por organismos internacionais, merecem destaque dois extraordinários e recentes avanços da política brasileira de direitos humanos referentes ao reconhecimento de instâncias jurisdicionais internacionais de proteção dos direitos humanos.
Em suma, ao analisar o Direito Internacional dos Direitos Humanos na atualidade, Jorge Miranda (2000, p. 23), acusa algumas tendências. Dentre elas, destacar-se-á a universalização e a humanização do Direito Internacional Público. Sobre a humanização, Miranda releva que:
O Direito Internacional torna-se, também, um Direito Internacional dos Direitos do Homem. O Direito Humanitário, vindo desde o século XIX, recebe um grande impulso com as Convenções de Genebra, de 1949, e com os seus protocolos subsequentes, surgindo um Direito(...)distinto do Direito Internacional, que se traduz na ideia de que a pessoa humana pode e deve ser defendida, não só em relação aos estrangeiros – a proteção diplomática -, mas também em relação ao próprio Estado, de que é nacional, de que é cidadão. A soberania do Estado não pode prevalecer contra os direitos fundamentais da pessoa humana.
Em linhas gerais, as observações de Benoni Belli sobre a obra “Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos” de Cançado Trindade sintetizam a ideia que norteia o presente artigo. Belli (1999, p. 183) pontua que, para Cançado Trindade, o pressuposto primaz da própria formação de um Direito Internacional dos Direitos Humanos é o de que o respeito aos direitos humanos constitui a melhor medida do grau de civilização dos países. Os conflitos contemporâneos indicam o quanto ainda se deve caminhar para que se atinja um grau satisfatório de civilização e, paralelamente, revelam a necessidade de um sistema de monitoramento contínuo da observância dos direitos humanos. Para que se cumpra esse intento, é essencial consagrar definitivamente as obrigações erga omnes de proteção, o que representa a superação da visão tradicional da pretensa autonomia da vontade do Estado.
5.Diálogos Interculturais e Internacionalização dos Direitos Humanos
5.1 Universalismo versus Relativismo
Ainda que prepondere um discurso sobre o caráter universal dos Direitos Humanos, o pluralismo cultural contemporâneo urge pela problematização do reconhecimento das peculiaridades das sociedades mesmo em Tratados Internacionais.
Conforme bem observa Isadora Muller[20] (2011, p. 124), a corrente universalista defende a “abertura de um diálogo entre as culturas, com respeito à diversidade e com base no reconhecimento do outro, como ser de direitos e dignidade, primando pela observância do mínimo ético irredutível, alcançado pelo universalismo dos direitos.”
Segundo Flávia Piovesan (2006, p. 18) traz a partir de lição de Bhikhu Parekh[21],
É possível e necessário desenvolver um catálogo de valores universais não etnocêntricos, por meio de um diálogo intercultural aberto, no qual os participantes decidam quais os valores a serem respeitados(...) Essa posição poderia ser classificada como universalismo pluralista.
Sob a intelecção de Piovesan (2006, p. 12), para a corrente universalista, os direitos humanos decorrem da dignidade da pessoa humana, enquanto valor inerente à condição humana. Resguarda-se, nesta perspectiva, o mínimo ético irredutível – ainda que possa se discutir o alcance deste “mínimo ético”.
Versando sobre a adoção do universalismo por parte da Constituição Brasileira de 1988, Flávia Piovesan (2007, p. 37) discorre que a Carta Magna afirma o alcance universal dos direitos humanos e ratifica esta concepção, à medida que realça que os direitos humanos são tema do legítimo interesse da comunidade internacional, transcendendo, por sua universalidade, as fronteiras do Estado.(...). Sob esse olhar, a Constituição de 1988 repudiaria a ideia do relativismo cultural, caso se considere que este busca condicionar o elenco de direitos humanos às especificidades de determinada cultura.
Também é da doutrinadora Piovesan (2007, p. 153) uma abordagem bastante elucidativa acerca do movimento relativista. Além de erguer-se sob a égide do “coletivismo”,
Para os relativistas, a noção de direito está estritamente relacionada ao sistema político, econômico, cultural, social e moral vigente em determinada sociedade. Sob esse prisma, cada cultura possui seu próprio discurso acerca dos direitos fundamentais, que está relacionado às circunstâncias culturais e históricas de cada sociedade. Nesse sentido, acreditam os relativistas, o pluralismo cultural impede a formação de uma moral universal, tornando-se necessário que se respeitem as diferenças culturais apresentadas por cada sociedade, bem como seu peculiar sistema moral. A título de exemplo, bastaria citar as diferenças de padrões morais e culturais entre o islamismo e o hinduísmo e o mundo ocidental, no que tange ao movimento dos direitos humanos.
Defendendo uma postura universalista, Cançado Trindade (2006, p. 418) argui que:
(...) a universalidade dos direitos humanos decorre de sua própria concepção, ou de sua captação pelo espírito humano, como direitos inerentes a todo ser humano, e a ser protegidos em todas e quaisquer circunstâncias. Não se questiona que, para lograr a eficácia dos direitos humanos universais, há que tomar em conta a diversidade cultural, ou seja, o substratum cultural das normas jurídicas; mas isto não se identifica com o chamado relativismo cultural. Muito ao contrário, os chamados "relativistas" se esquecem de que as culturas não são herméticas, mas sim abertas aos valores universais, e tampouco se apercebem de que determinados tratados de proteção dos direitos da pessoa humana já tenham logrado aceitação universal.
Ainda que persista o embate entre universalistas e relativistas sobre quais seriam as melhores concepções, a defesa da interculturalidade emergiu como uma razoável proposta de comunicação entre os Estados tendo em vista a globalização econômica, cultural, informacional, ora em voga.
5.2 Importância de um Diálogo Intercultural entre os países
Interessante é o entendimento de François Jullien de que a Declaração Universal de 1948 representa a imposição europeia de subscrição incondicional a direitos humanos que não são verdadeiramente universais, já que a construção desse padrão ignorou a diversidade cultural dos países. Quando questionado sobre a construção de um novo universalismo capaz de contemplar a diferença, sem se diluir na miragem do relativismo cultural, Jullien[22] (2009) afirma que esse processo efetivar-se-á por meio da interculturalidade. Sobre esse diálogo intercultural e sua relação com os direitos humanos, o autor discorre que:
(...) como instrumento insurrecional, os direitos humanos alcançam uma utilidade mais ampla, abrindo brechas numa totalidade satisfeita, acendendo ou reacendendo nela uma aspiração, dimensão que pode gozar grande utilidade para todas as culturas. Por essa razão, valeria a pena abrir mão da pretensão universal dada em benefício de uma perspectiva universalizante, que sinaliza para a ideia de que o universal está em curso e pode operar como agente promotor, adaptando-se às especificidades culturais.(grifo nosso)
Sob esse prisma, François (2009) leciona que o diálogo intercultural deverá ocorrer sobre o plano cultural, mesmo entre os Estados-nação. Nesse sentido, François elucida que:
A pretensão do Ocidente à universalidade o leva cada vez mais a entrar em conflito com outras civilizações, em particular o Islã e a China. O diálogo emerge aqui como opção e em oposição ao choque. Não se trata, portanto, de afirmar a noção de “identidade cultural” fundada sobre a diferença e, sobretudo, sobre uma concepção simplista e reducionista que caracteriza as culturas com base em seus traços mais óbvios, o que é inevitável fonte de antagonismos, mas de reconhecer a fecundidade dos distanciamentos e das diferenciações culturais como fonte a ser explorada.
5.3 Multiculturalismo e a Emergência de um Diálogo Intercultural
De acordo com o entendimento de Flávia Piovesan (2006, p. 17-8), a partir de lição de Boaventura de Souza Santos[23](1997, p. 112), o multiculturalismo é pré-condição de uma relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política de globalização contra-hegemônica de Direitos Humanos de nosso tempo. Sob essa ótica, Flávia (2006, p. 18) observa que:
Prossegue o autor defendendo a necessidade de superar o debate sobre universalismo e relativismo cultural, a partir da transformação cosmopolita dos direitos humanos. Na medida em que todas culturas possuem concepções distintas de dignidade humana, mas são incompletas, haveria que se aumentar a consciência destas incompletudes culturais mútuas, como pressuposto para um diálogo intercultural. A construção de uma concepção multicultural dos direitos humanos decorreria deste diálogo intercultural.
O presente artigo se coaduna com a lição trazida pelo professor Boaventura Souza Santos sobre a necessidade de um multiculturalismo emancipatório. Quando questionado sobre a distinção desse multiculturalismo em relação ao multiculturalismo colonizador, reacionário ou conservador, Souza Santos afirma que este último sobrepunha os valores, a língua, os hábitos, dominantes a culturas alternativas que ora foram sendo marginalizadas, oram foram sendo suprimidas. Essa perspectiva “monocultural” ressaltava seu caráter eurocêntrico ao versar sobre uma globalização contra-hegemônica, Boaventura defende a necessidade de um multiculturalismo ativo e progressista. Sob essa ótica, o multiculturalismo emancipatório, segundo o autor (2003, p. 13)
(...) é um multiculturalismo decididamente pós-colonial neste sentido amplo. Portanto, assenta fundamentalmente numa política, numa tensão dinâmica, mas complexa entre a política de igualdade e a política da diferença; isso é o que ele tem de novo em relação às lutas da modernidade ocidental do século XX, lutas progressistas, operárias e outras que assentaram muito no princípio da igualdade. (...) E, portanto, o multiculturalismo progressista é o multiculturalismo que procura por numa equação, sem dúvida politicamente, cientificamente, intelectualmente e culturalmente complexa, mas a única que, ao meu entender, merece a pena ser um objeto de luta, esta tensão entre uma política de igualdade e uma política de diferença. Uma política que assenta em dois objetivos, que não devem colidir um com o outro, os objetivos da redistribuição social-econômica e do reconhecimento de diferença cultural. Claro que isto levanta uma série de problemas porque é mais fácil dizer, do que realizar, por um lado. E, por outro lado, porque pode vir a assumir a idéia de homogeneidade das culturas que estão em presença. É fundamental que o multiculturalismo emancipatório, ao contrário, parta do pressuposto que as culturas são todas elas diferenciadas internamente.
Ante o exposto, condena-se uma canibalização cultural mediante um neoimperialismo camuflado sob o arcabouço normativo-jurídico de universalidade dos direitos humanos. Não se vaticina a impossibilidade de a humanidade chegar a um consenso em relação ao “mínimo ético existencial”, apenas observa-se que, hoje, as sociedades diferem em relação ao que concebem como esse núcleo essencial de direitos humanos e que caberá ao permanente processo sociohistórico o momento em que cada uma salvaguardará o que a “Declaração Universal dos Direitos Humanos” assume contemporaneamente como os direitos humanos universais.
6.Considerações finais
As interfaces entre direitos humanos e diálogos interculturais, que ora se enfrenta, instiga a elaboração de modelos teóricos que priorizem a salvaguarda do vetor axiológico do princípio da dignidade da pessoa humana. Sob uma vertente otimista, parte-se da premissa de que grandes mudanças sociais, que versem sobre o espírito das sociedades, devam ocorrer de modo gradual, encadeando pequenos movimentos.
O fortalecimento e a uniformização do entendimento dos Tribunais Constitucionais dos Estados que compõem um mesmo polo jurídico-cultural seria o ponto de partida para uma posterior universalização dos preceitos jurídico-humanistas. Essa confluência normativa deve se processar através da formação de comunidades - regionais, continentais, a exemplo da União Europeia, cuja prioridade seja a salvaguarda da dignidade da pessoa humana.
A efetivação de um diálogo intercultural passará pela interlocução dos Estados. Ainda que a globalização informacional favoreça esse intercâmbio cultural, o respeito às peculiaridades culturais pautar-se-á na necessária condição de paridade entre os países que cotejarão suas visões, e suas limitações, de “Direitos Fundamentais”.
Por outro lado, é com pesar que se constatam os óbices que os Estados – Laicos, Cristãos, Judeus, Islâmicos, Hinduístas – de matizes religiosas distintas têm encontrado quando se deparam com valores sociojurídicos adversos aos seus. Tendo em vista uma proposta universalizante de Direitos Humanos, os países ocidentais – em perceptível acréscimo do rol dos direitos fundamentais – chocam-se e propõem a criminalização de práticas “extremistas” especialmente de países muçulmanos do Magreb Africano e do Oriente Médio.
Mediante a impossibilidade fática da universalização dos direitos humanos na atual conjuntura mundial, defende-se, aqui, a necessidade de preservá-la como ideal, a fim de fomentar no seio de cada cultura - e respectivos ordenamentos jurídicos - a busca incessante pela ética humana e pelo respeito à vida.
Nesse sentido, o diálogo intercultural deve ser amplamente estimulado para que se alcance, tanto quanto possível, a desconstrução de discursos egocêntricos e o respeito ao pluralismo cultural.
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[1] Sobre a ciência jurídica, vale relembrar a lição do eminente jurista Miguel Reale (2oo4, p. 64-5), de que ela tem uma estrutura tridimensional, “um aspecto normativo(o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência); um aspecto fático(o Direito como fato, ou em sua efetividade social e histórica) e um aspecto axiológico(o Direito como valor de Justiça)”. Paralelamente, Reale, comungando com a doutrina majoritária nessa temática, define o Direito como uma experiência histórica e cultural.
[2] Essa distinção permite o entendimento do que ocorre nos regimes democráticos e nos totalitários. Em ambos haverá o respeito aos aspetos formais da Constituição, mas os totalitários (fascismo, nazismo etc) são restritivos e cerceiam as liberdades fundamentais dos indivíduos.
[3] Sobre esse modelo, Canotilho (1993, p. 169) acentua que “um legalismo estrito de regras não permitiria a introdução dos conflitos, das concordâncias, do balanceamento de valores e interesses, de uma sociedade pluralista e aberta. Corresponderia a uma organização política monodimensional (ZAGREBELSKY)”
[4] No mesmo sentido, Luiz Coelho (2003, p. 352) doutrina que “a superação do positivismo implica abandono do modelo em que as regras ocupam o centro do ordenamento jurídico . A dogmática jurídica tradicional é severamente criticada como inapta à resolução de conflitos, tida igualmente como instância ideológica, destinada a viabilizar a manutenção da ordem social, econômica e política em favor dos interesses dos grupos microssociais hegemônicos.
[5] Para Freire (2011, p. 314), o neconstitucionalismo representa a busca da recuperação da fratura entre a democracia e o constitucionalismo das Cartas ocidentais. Com essa finalidade, pressupõe-se uma “teoria da constituição substancialista, ancorada numa prévia ontologia cultural.”
[6] Robert Alexy (1993, p. 48) observa que perdura um dissenso doutrinário em relação a escolha terminológica “direitos humanos” ou “direitos fundamentais”, sendo não raro que diversos autores confundam negligentemente os dois termos.
[7] Sob o respaldo de J. J. G. Canotilho, Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 29) aponta que “(...) o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional(internacional)”.
[8] No mesmo sentido, Paulo Cesar Santos Bezerra (2006, p. 15) aponta que os direitos humanos “enraízam-se em reflexões jusnaturalistas” e são o aspecto universal dos direitos naturais, dado que válidos para todos os povos e tempos, ainda que embasados por princípios individualistas cristãos.
[9] Cabe relevar que grande parte dos doutrinadores contemporâneos aponta a dignidade da pessoa humana como o fundamento dos direitos humanos.
[10] Antônio Augusto Cançado Trindade é referência no tema Direito Internacional dos Direitos Humanos, destacando-se que atuou doze anos como Juiz Titular da Corte Interamericana de Direitos e meia década como Presidente da mesma. Para conferir mais sobre o ponto de vista do autor, buscar as obras “A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991”,"Direito internacional e direito interno: sua interpretação na proteção dos direitos humanos". In: Instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, obra cuja qual o autor prefacia. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1996.” E “Tratado de direito internacional dos direitos humanos, 1.ª ed., vol. I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997”
[11] Seguindo essa linha de intelecção, Piovesan (2007, p. 123) assevera que foi notadamente após a Segunda Guerra Mundial, frente à indignação provocada pelo Holocasuto nazista, que se “impulsionou o processo de internacionalização desses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional”, de modo a possibilitar a responsabilização do Estado no domínio internacional “quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteger os direitos humanos.”
[12] Discordando de Flávia Piovesan no que tange a essa natureza directiva da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, Alexandre Moraes (2003, p. 310), aponta que, ainda em relação aos que assinaram Declarações de Direitos Humanos, não se pode obrigar que todos os Estados sigam esse Tratado, que têm natureza recomendatória – vis directiva, diferentemente dos compromissos internacionais, que têm natureza vinculante/vis coativa. Sob esse prisma, a ingerência de organismos internacionais em países que firam “os bons costumes” assume natureza diversa daqueles casos em que há condenações devido a “crimes de guerra” ou “contra a humanidade”, dado que algumas sociedades podem atentar contra os “direitos humanos” por seus hábitos culturais divergirem dos assumidos pela comunidade internacional.
[13] Vale ressaltar que, desde 2002, vige o Tribunal Penal Internacional, que Julga os indivíduos(não os Estados) por genocídios, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão, o qual constituiu um avanço notável dessa internacionalização dos direitos humanos. É importante diferenciar esse Tribunal da Corte Internacional de Justiça, sita em Haia, a qual dirime conflitos submetidos pelos Estados; elabora parecer jurídico de questões da Assembleia Geral das Nações Unidas e Conselho Geral das Nações Unidas.
[14] Nesse sentido, Alexandre de Moraes (2003, p. 310) assevera que é vital a distinção entre compromissos internacionais e meras recomendações: “os primeiros, desde que devidamente incorporados ao ordenamento jurídico interno, vinculam, enquanto as segundas são meras pautas de orientação. Dessa forma, aqueles preferem a estas. Se, porém, o conflito se der entre compromissos internacionais, devidamente incorporados pelo ordenamento jurídico local, será preciso interpretar-se o sentido preciso das diversas normas existentes em diferentes documentos, ou mesmo eliminar-se o conflito por negociação entre os Estados ou ainda por conciliação arbitral, que deverão aplicar algumas regras.”
[15] Em relação à Conferência de Viena (1993) e ao processo de universalização dos direitos humanos, Cançado Trindade (2006, p. 417) asseverou que “Desta Conferência Mundial de Viena resultou claro o entendimento de que os direitos humanos permeiam todas as áreas da atividade humana, cabendo,
assim, doravante, assegurar sua onipresença, nas dimensões tanto vertical, a partir da incorporação da normativa internacional de proteção no direito interno dos Estados, assim como horizontal, a partir da incorporação da dimensão dos direitos humanos em todos os programas e atividades das Nações Unidas (monitoramento contínuo da situação dos direitos humanos em todo o mundo)”
[16] “Construção jurisprudencial convergente dos órgãos internacionais de supervisão” foi um termo utilizado por Cançado Trindade (2006, p. 416) para ressaltar a “identidade comum de propósito, os valores superiores que perseguia, o caráter objetivo das obrigações neste domínio de proteção, e a necessidade de realização do objeto e propósito dos tratados e instrumentos em questão
Em nada surpreende que esta densa evolução tenha requerido.”
[17] Vale lembrar que, mesmo não assumindo a forma de tratado internacional, a Declaração de 1948 contempla força jurídica obrigatória e vinculante, dado que configura a interpretação da expressão “direitos humanos”, autorizada nos artigos 1º e 55 da Carta das Nações Unidas. (1945)
[18] Nessa senda, Piovesan (2007, p. 37) defende que “Enfatize-se que, enquanto os demais tratados internacionais têm força hierárquica infra-constitucional, nos termos do artigo 102, III, “b” do texto(...) os direitos enunciados em tratados internacionais de proteção dos direitos humanos detêm natureza de norma constitucional. (...) Enquanto estes buscam o equilíbrio e a reciprocidade de relações entre Estados partes, aqueles (...) objetivam prerrogativas dos Estados.”
[19] Em seguida, Flávia (2000, p. 107) afirma que esses ganhos advieram da adesão ao estatuto de criação do Tribunal Internacional Criminal Permanente e do reconhecimento da competência jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Colocar no rodapé (Consagrada pela Convenção Americana de Direitos Humanos(também chamada “Pacto de San José da Costa Rica”)
[20] Isadora foi uma das pesquisadoras do grupo “Construção do Saber Jurídico e Função Política do Direito.”, que norteou a obra “Tutela dos Direitos Humanos e Fundamentais.”(AGOSTINHO & HERRERA. Luis Otávio Vincenzi e Luiz Henrique Martins Herrera(organizadores). Tutela dos direitos humanos e fundamentais: ensaios a partir das linhas de pesquisa: construção do saber jurídico e função política do direito. 1. Ed. – Birigui, SP : Boreal Editora, 2011. – (Coleção UNIVEM))
[21] Vide obra do autor “Non-ethnocentric universalism, in Tim Dunne e Nicholas J. Wheeler, Human rights in global politics, p. 139-140.
[22] Vide a entrevista de François Jullien, na íntegra, em Revista Cult, edição 141, novembro/2009. Disponível no site: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/entrevista-francois-jullien/. Acesso em 05/10/2012.
[23] Para conferir o texto de Boaventura na íntegra, recorrer ao artigo “Uma concepção multicultural de direitos humanos”, Revista Lua Nova, v. 39, São Paulo, 1997, p.112-4, 1997.
Graduada em Direito – Universidade Federal da Bahia. Pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela instituição Verbo Jurídico. Pós graduada em Direito do Trabalho com Ênfase na Reforma Trabalhista pela instituição Verbo Jurídico. Técnica Judiciária do TRT – 5ª Região, exercendo, atualmente, a função de assistente de juiz na 3 Vara do Trabalho de Salvador.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FIDALGO, Luiza Barreto Braga. Interfaces entre direitos humanos e diálogos interculturais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2020, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55582/interfaces-entre-direitos-humanos-e-dilogos-interculturais. Acesso em: 22 nov 2024.
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