ROSILENE TEREZINHA DE PAIVA[1]
(orientadora)
Resumo: O presente artigo tem como finalidade investigar o fenômeno da constitucionalização do direito civil, por meio do método documental, situando-o historicamente e apontando suas principais consequências no ordenamento jurídico brasileiro. De modo mais detido, analisa-se a chamada interpretação-constitucional, contrastando-a com os métodos tradicionais da hermenêutica jurídica, na tentativa de tornar mais claro o lugar por ela ocupado no plano de aplicação do direito.
Palavras-chave: Constitucionalização; Direito civil; Evolução histórica; Obrigações; Hermenêutica.
Abstract: This article discusses the phenomena of the constitutionalization of the civil law, employing documentary research, looking into its historical roots, as well as the main consequences it has brought to the Brazilian legal system. It further investigates the constitutional legal interpretation, thus establishing relations and distinctions between the latter and the traditional legal hermeneutics, as an attempt to elucidate its current position in the application of law.
Keywords: Constitutionalization; Private/civil law; Historical development; Obligations; Hermeneutics.
Sumário: 1. Introdução. 2. A Constitucionalização e o Direito Civil Brasileiro. 3. A Constitucionalização e os Novos Paradigmas do Direito Obrigacional. 4. Efeitos da Constitucionalização na Interpretação Normativa. 5. Conclusão.
I.Introdução
A constitucionalização do direito civil é um fenômeno relativamente recente, que deita raízes no início do século XX e ganha desenvolvimento mais robusto ao final daquele século e início do século XXI. Com o surgimento da figura do Estado garantidor passou-se a cogitar acerca da intersecção entre direito público e privado, tendo em vista a função de interventor, regulador e planejador que o Estado passou a assumir a partir de então.
A tendência de constitucionalização deixa-se entrever, ainda em gérmen, no período entreguerras, quando o Estado Alemão passou a intervir diretamente na economia e as tensões sociais, econômicas e políticas abalavam a República de Weimar (HARMATHY, 1998, on-line). Naquele período, uma constituição foi adotada que refletia os compromissos assumidos pelos diferentes grupos políticos e que continha, na parte que versa sobre economia, regras de caráter liberal, socialista e social-democrata. Mencione-se, exemplificativamente, que a Constituição de Weimar garantiu direitos fundamentais, dentre eles, o direito à propriedade, mas enfatizou que esse direito tinha delimitações e que a socialização da propriedade também era planejada.[2]
O caráter incerto da Constituição de Weimar assim influenciou o papel do direito civil, chegando até a modificar suas atribuições. O Código alemão, possuidor de regras abstratas e neutras, poderia servir a fins diferentes, ou seja, tanto às exigências do livre-mercado quanto como instrumento da intervenção do Estado. Nesse aspecto, os quadros gerais do sistema, as regras constitucionais, passaram a exercer um papel decisivo na escolha (HARMATHY, 1998, on-line).
Após a Segunda Guerra Mundial, propagou-se pela Alemanha a teoria de economia social de mercado (Soziale Marktwirtschaft), originária das ideias de Franz Böhm e Walter Eucken, de acordo com a qual o Estado deveria ser um ente forte, responsável pela salvaguarda das liberdades individuais, pela seguridade social e por tolher o poderio de grupos corporativos. Pretendia-se, com isso, afastar-se da sombra do nacional-socialismo e, ao mesmo tempo, criar um sistema aceitável pelos Aliados.
Na década de 1960, durante crise econômica vivenciada pela Alemanha, a teoria da economia social do mercado recebeu muitas críticas, pois a figura de um Estado Social parecia incerta. Entendiam os críticos que essa teoria havia surgido apenas como conjunto de ideias de orientação para a constituição, durante seus trabalhos preparatórios, como espécie de reação à história, acentuando as diferenças entre o novo Estado Alemão e o regime nazista. Sua noção exata deveria ser, portanto, apurada pelo legislador. A Corte Constitucional Alemã declarara, em 1954, que a Soziale Marktwirtschaft não estava prevista na Constituição (HARMATHY, 1998, on-line).
Aconteceu, contudo, que na ausência de uma direção constitucional as leis especiais decidiram as reais linhas de atuação do Estado, de acordo com a política econômica e social vigente na época. Era patente, no entanto, que o Estado Alemão tinha uma política de intervenção extensa e não se limitava à manutenção da ordem.
Desde a promulgação da Lei Fundamental da Alemanha, e particularmente após a publicação de um estudo de Dürig, em 1956, demais questões passaram a ser discutidas no âmbito da relação entre direito civil e direito constitucional. Admitiu-se que os princípios constitucionais deveriam ser levados em consideração pelo legislador, na elaboração das regras de direito civil. Do mesmo modo, reconheceu-se que a doutrina complexa e antiga do direito civil era rica em instituições que serviam a objetivos similares aos constitucionalmente estabelecidos. Tornou-se premente a necessidade de harmonização entre Código Civil e Constituição (HARMATHY, 1998, on-line).
O exemplo alemão traça as linhas gerais do que veio a acontecer no Brasil de décadas mais tarde: a ausência de uma direção do Código Civil de 1916 para lidar com a complexidade crescente de matérias pertencentes ao direito privado, embora ali não previstas, bem como a necessidade de atualização de outros assuntos já previstos no Código à luz da Constituição de 1998, tornou necessário que deles se ocupasse o legislador em leis especiais, a exemplo da Lei nº 8.245/91, que dispõe acerca das locações dos imóveis urbanos, da Lei nº 9.514/97, que institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e até mesmo da lei nº 8.078/90, instituidora do CDC, as quais levaram, ao fim e ao cabo, à derrogação do antigo diploma.
É a partir desse contexto, portanto, que se analisa a constitucionalização do direito civil no direito brasileiro, destacando as principais mudanças estruturais e interpretativas.
II. A Constitucionalização e o direito civil brasileiro
A partir da Constituição de 1988 a dignidade da pessoa humana veio a constituir pressuposto básico de todo o ordenamento. O Art. 5º da Constituição sagrou ainda outros preceitos civis fundamentais como a liberdade de associação, a reparação por dano moral, a inviolabilidade da vida privada e da imagem das pessoas, a função social da propriedade; o art. 226, por sua vez, dispôs acerca dos princípios constitutivos da instituição da família.
Tais valores e preceitos levam crer que o direito civil brasileiro se encontra em aprimorada fase de constitucionalização. O próprio Código Civil de 2002, ao deixar de cuidar somente de matéria de direito privado, afastando-se de conceituações estanques acerca do que é público ou privado em Direito, adotou uma compreensão do Direito tanto em termos jurídicos quanto metajurídicos, o que se infere dos princípios de eticidade e sociabilidade, segundo Reale:
Daí a conseqüência de novo entendimento do que seja “sujeito de direito”, não mais concebido como um indivíduo “in abstrato”, em uma igualdade formal, mas sim em razão do indivíduo situado concretamente no complexo de suas circunstâncias éticas e sócio-econômicas. (REALE, 2003, on-line)
Como reflexo dessa mudança de perspectiva, pode-se mencionar a alteração realizada nos artigos iniciais do Código Civil de 2002. Ao contrário do código revogado, que declarava “todo homem” capaz de direitos e obrigações, o atual diploma passou a utilizar a expressão “toda pessoa”, complementando que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida” (REALE, 2003, on-line).
Ao falar sobre invariantes axiológicas, definidas como valores fundamentais e fundantes que orientam os homens ou que lhes servem como referência ao longo de sua existência no mundo, o ilustre jurista situa como a principal dentre elas a ideia de pessoa humana, ressaltando o sentido de complementariedade que explicaria a gradual convergência entre Direito Público e Direito Privado.
Sob essa ótica, não haveria razão para se afirmar o primado de um ramo sobre o outro, porque ambos comporiam o processo dialético de tudo o que passa a integrar o ordenamento jurídico-positivo ao longo da história, “(...) obedecendo às diretrizes emergentes dos valores eminentes que caracterizam cada civilização, e que formam (...) invariantes axiológicas.” (REALE, 1991, p. 131-144).
A principal dessas invariantes seria a ideia de pessoa humana, que Reale apresenta como “valor fonte de todos os valores.” E não seria de impressionar, assim, essa ideia constitua o valor básico de todo o ordenamento jurídico, mormente o civil.
O que afirma Reale demonstra a supremacia do princípio constitucional sobre toda a ordem jurídica estabelecida. Decorre dessa superioridade do comando constitucional a unidade do sistema jurídico, o que nos permite dizer que ainda que se diversifiquem as fontes[3] e normas jurídicas, o ordenamento, assentado em valores constitucionais, permanecerá unitário.
Foi necessário que as novas leis que regulamentam o direito civil, sejam esparsas, seja o próprio Código de 2002, estivessem em harmonia com o filtro axiológico da CF/88 que, em virtude de seu caráter social[4], tratou de temas antes vinculados apenas ao direito privado, como propriedade, família e contratos.
Essas transformações se deram por meio de um processo gradual. Como assinala MONTEIRO FILHO (2008, p. 264), um primeiro momento, as leis extraordinárias gravitavam ao redor do Código de 1916, mas sem ainda o retirar da posição central que ocupava no ordenamento (fase da excepcionalidade). Conforme essas leis foram se tornando cada vez mais robustas, a subtraíram do velho código matérias inteiras (fase de especialização). Por último, chegou-se à fase dos estatutos, a contemplar diferentes microssistemas que teriam critérios interpretativos próprios.
A Constituição de 1988, por seu turno, reunifica o sistema e chama para seu conjunto de valores e princípios democráticos o antigo ponto de centralidade antes ocupado pelo Código; ela é que passa a ser o centro do ordenamento, ao alçar a dignidade da pessoa humana a um papel fundamental.
III. A Constitucionalização e os novos paradigmas do direito obrigacional
No início do século XXI diversas críticas apontaram para a existência de diferentes paradigmas de contrato entre a Constituição de 1988 e o Código Civil de 1916. O princípio da obrigatoriedade, por exemplo, de acordo com o qual tudo o que as partes estipularem e aceitaram deve ser cumprido sob pena de execução patrimonial (pacta sunt servanda), prevalecia. A única exceção admitida era a do caso fortuito. O Código contemplaria a igualdade formal dos contratantes, realizando uma função individual.
Não seria fora de propósito dizer que os autores de direito civil mencionam que jamais houve, no direito brasileiro, uma época em que a autonomia da vontade tivesse reinado absoluta, sem qualquer subordinação a princípios de ordem pública. Não se pode atribuir essa característica ao período de vigência do Código Civil de 1916. Do mesmo modo, nunca se concebeu o direito de propriedade como senhoria absoluta e ilimitada, desvinculada de limitações de ordem pública e privada aos poderes do proprietário (DANTAS, 1953, p. 17).
Lembre-se, oportunamente, que já após a 1ª Guerra Mundial e a Grande Depressão de 1929, doutrina era desenvolvida no sentido de que uma alteração substancial das condições gerais de cumprimento dos contratos poderia autorizar o devedor a pedir revisão ou extinção da obrigação firmada (DANTAS, 1953, p. 15), e isso mesmo se a prestação não tivesse se tornado objetivamente impossível.
Em um primeiro momento, tentou-se explicar essa doutrina pela suposição de uma vontade tácita de as partes desobrigarem-se, caso houvesse mudança radical nas condições do contrato no momento da execução (cláusula rebus sic stantibus).
Acerca desse ponto, cumpre esclarecer que não se sabe exatamente em que período da história teria surgido a cláusula rebus sic stantibus. Pode-se afirmar, contudo, que desde o Império Romano já se aceitava a vulnerabilidade do princípio da obrigatoriedade do contrato (pacta sunt servanda) (DI PIETRO, 2002, p.268).
Registra MELLO (2010, p. 646) que em Sêneca e Cícero, nas Decretais de Graciano, nas obras de Juan de Andréa e Bartolomeu de Brescia já se encontrava a enunciação do princípio. Atribui-se a Bartolomeu de Brescia a sua enunciação definitiva, nos termos: “contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futura rebus sic statibus intelliguntur”. De acordo com essa fórmula, nos contratos de trato sucessivo ou a termo, o vínculo obrigacional ficaria subordinado ao prolongamento do estado em que as coisas se encontravam no momento da celebração.
Antes de ser positivada como regra jurídica, essa cláusula foi regra moral adotada pelo cristianismo. Durante a Idade Média, foi considerada cláusula implícita dos contratos de prestações sucessivas, pois não seria justo obrigar a parte prejudicada a cumprir o encargo assumido, visto que ela não teria contratado se tivesse sido capaz de prever as alterações que o tornariam excessivamente oneroso (DI PIETRO, 2002, p.268)
A rebus sic stantibus teria entrado em declínio durante o século XVIII, em virtude do individualismo característico do período. O advento da 1ª Guerra Mundial, por sua vez, fez com que esse velho preceito renascesse, sob a nova roupagem de teoria da imprevisão (MELLO, 2010, p. 647), como será mencionado a seguir.
Já no século XIX, explica SAN TIAGO DANTAS, autores como WINDSCHEID passaram a justificar a possibilidade de revisão obrigacional sob a afirmação de que a manutenção das condições gerais no curso do contrato, desde que é firmado até seu cumprimento, constituiria pressuposto objetivo da vontade das partes, tenham elas tido ou não consciência de sua existência no negócio jurídico (DANTAS, 1953, p. 20).
Aparentam-se a essas teorias a opinião dos que fundam a revisão do contrato no princípio da boa-fé, em que se baseia não a teoria dos contratos, mas a dos atos jurídicos em geral. Esse conjunto doutrinário recebeu formulação diversa na França, onde passou a ser chamada de teoria da imprevisão. Afirmou o Conselho de Estado Francês, durante a 1º Guerra Mundial, que as obrigações tornadas excessivamente onerosas em virtude de circunstâncias gerais imprevisíveis, não podiam ser exigidas sem revisão. Esse entendimento foi consagrado na chamada Lei Faillot, de 21 de maio de 1918. (DANTAS, 1953, p.13)
Isto não obstante, os movimentos doutrinários que se desenvolveram ao longo do século XX com vistas à possibilidade revisão ou extinção dos contratos firmados tinham como pressuposto em comum a imprevisibilidade do fenômeno superveniente, que viesse a tornar a prestação excessivamente gravosa para uma das partes.
A Constituição de 1988, por seu turno, quando versa sobre a Ordem Econômica e Financeira, proclama que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social. A ordem econômica realiza-se precipuamente mediante contratos, firmados para atender às necessidades humanas e sociais, e disso se infere que a Constituição somente admitirá o contrato que realiza a sua função social.
Essa exigência constitucional foi reproduzida no Código Civil de 2002 que, em seu art. 421 consagra a liberdade contratual, mas a submete à função social do contrato e à boa-fé dos contratantes. O art. 317, por sua vez, consagra a possibilidade de revisão judicial dos contratos, se por motivos imprevisíveis sobrevier manifesta desproporção entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução. Já o art. 478 traz consigo a possibilidade de resolução, nos contratos de execução continuada e diferida, se em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com vantagem extrema para a outra.
Esse desenvolvimento constitucional em matéria de contratos deveu-se muito ao princípio da equivalência material das prestações, que vinha ganhando espaço no ordenamento pátrio mesmo antes do novo Código de 2002. Tal princípio segue na mesma direção dos fundamentos constitucionais que se lhe aplicam, e busca, como afirma Villaça Azevedo (2008, p. 27), manter equacionado o equilíbrio contratual, tanto para preservar as condições iniciais quanto para corrigir posteriores assimetrias, tendo agora pouca importância se a alteração das circunstâncias pudessem ou não ser previstas pelas partes.
Em seu bojo estão albergados a boa-fé objetiva, a cláusula rebus sic stantibus, a invalidade de cláusulas abusivas, a figura do adimplemento substancial, a possibilidade de reparação por dano extrapatrimonial por ocasião do descumprimento do contrato, dentre outros desdobramentos.
Uma observação que se faz a respeito do art. 421, do Código Civil diz respeito a sua natureza de cláusula geral (típica do fenômeno constitucionalizante), aberta em certa medida, para que seu conteúdo seja preenchido pelo intérprete, a depender das circunstâncias do caso concreto. Constitui-se com base na função social do contrato, cuja eficácia interna se evidencia no Enunciado n. 360 da IV Jornada de Direito Civil.[5] Sua eficácia externa expressa-se pelo entendimento firmado na I Jornada de Direito Civil, Enunciado 21: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito. A tutela externa do crédito também encontra previsão no art. 608, do Código Civil, que responsabiliza o terceiro aliciador que desrespeita a existência de contrato prévio entre as partes.
De maneira mais detalhada, pode-se dizer que a eficácia interna da função social dos contratos possui cinco aspectos principais: proteção dos vulneráveis (a exemplo do art. 424, que prevê a nulidade de cláusulas contratuais que implicam renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio); vedação da onerosidade excessiva; proteção à dignidade humana e dos direitos da personalidade (expressa, por exemplo, nos Enunciados nº 23[6] e 542 da VI Jornada de Direito Civil[7]); nulidade de cláusulas antissociais (vide Súmula 302, do STJ, que dispõe ser abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado); e a tendência de conservação contratual, sendo a extinção ultima ratio (orientação adotada no Enunciado nº 22, da I Jornada de Direito Civil: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.” (SANTOS, 2019, on-line).
Já no âmbito externo, situa-se a proteção dos direitos difusos e coletivos, o que se chama de a função socioambiental do contrato. É dizer, o contrato não poderá produzir efeitos prejudiciais à sociedade ou ao meio-ambiente. Menciona-se, a esse respeito, que o Enunciado nº 23, da I JDC, também prevê a atenuação do princípio da autonomia contratual quando presentes interesses metaindividuais.
Sancionada a 20 de setembro de 2019, a Lei 13.874 (proveniente da Medida Provisória nº 881) alterou a redação do referido dispositivo (bem como a de alguns outros do Código Civil), acrescentando em parágrafo único que nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
Também foi acrescentado o art. 421-A, de acordo com o qual os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
De acordo com TARTUCE (on-line, 2019), a alteração, também orientada a um fim desburocratizante, destoa um tanto do chamado eixo eticizante do Código Civil, erigido sob os princípios da socialidade, eticidade e operabilidade e consubstanciado em demais artigos, a exemplo do 113, 187 e 422. Certo é que tais dispositivos, por decorrerem da mesma linhagem ideológica do art. 421, mereceriam igual atenção do legislador, ao menos para se evitar confusões interpretativas. Da mesma maneira, um conceito como “intervenção mínima”, adicionado pela nova lei, necessita de melhor elucidação, para que se lhe fossem definidos os contornos e possibilidades de aplicação.
Especialmente no que toca ao novo parágrafo único do art. 421, verifica-se que diversos julgados STJ já vinham valorizando, nas relações paritárias, a força do contrato, admitindo apenas excepcionalmente a limitação pela função social. Isso demonstraria que, ao menos no plano da eficácia interna da função social, a nova redação do dispositivo não parece trazer mudanças a um entendimento jurisprudencial já consolidado (BOGARELLI, 2019, on-line).
Disso se infere que mesmo antes da referida alteração legal, a lei ordenava que todos os contratos firmados em território nacional fossem celebrados “em razão de” sua função social. As cortes de justiça, contudo, diante do caso concreto, restringiam a incidência do preceito, aplicando em regra a noção limitativa externa da função social. Pode-se dizer, dessa forma, que os tribunais jamais exigiram que os contratos fossem firmados “em razão de” sua função social (aliás, eles são naturalmente firmados em razão da vontade das partes), mas que, em situações excepcionais, havendo a prática de atividades abusivas que produzam danos, sua força vinculativa deve ser atenuada, para que volte a atender a função social.
Esse é um entendimento que não destoa do que afirmou REALE (2005. p.267), ao ensinar que o imperativo da função social estatui que o contrato não poderá ser transformado em instrumento para a prática de atividades abusivas, causando dano à outra parte ou a terceiros.
IV. Efeitos da Constitucionalização na interpretação normativa
Consequência preponderante da constitucionalização, como já aduzido, é a releitura do ordenamento jurídico sob a ótica dos princípios constitucionais. Esta não parece, no entanto, uma questão bem esclarecida, visto que os termos “interpretação constitucional” ou “interpretação à luz da Constituição”, por si mesmos, não explicam o funcionamento desse modo de interpretação.
Os métodos clássicos de interpretação da lei subdividem-se em: gramatical ou filológico: caracterizado pela busca da intenção original do legislador, por meio da análise sintática da lei, tomada isoladamente, congregado o estudo da significação dos vocábulos, seu posicionamento na frase, o uso de partículas, cláusulas e expressões sinônimas (PEREIRA, 2018, p. 165); lógico-sistemático: definido pela observância das leis inseridas organicamente em um sistema, não de maneira isolada, mas em dependência com outras normas que compõem o ordenamento; histórico: definido pela busca das circunstâncias histórico-culturais que orientaram a elaboração das leis e as aspirações a que corresponderam; comparativo: que parte do cotejamento de diversos ordenamentos, posto que enfrentam problemas análogos.
Parte-se da premissa de que o ordenamento jurídico, como sistema, não apresenta lacunas e que sempre haverá, dentro dele, regras (ainda que não expressas) para disciplinar cada situação conflituosa que se faça possível. O mesmo não se pode dizer acerca da lei. Esta, por sua vez, esgota mais facilmente suas possibilidades de aplicação, ainda mais se levarmos em conta a velocidade com que acontecem as transformações sociais.
Quando a lei, em sua previsão hipotética, deixa de alcançar situações peculiares, por lhe serem novas ou estranhas, falamos em lacunas. A atividade por meio da qual se procura preencher tais lacunas chama-se integração.
Por meio da integração, busca-se formular a norma jurídica pertinente a uma situação que não foi prevista pelo legislador; trata-se, assim como a interpretação, de um processo criativo, que pode se dar sob a forma de analogia, critério de equidade ou aplicação dos princípios gerais de direito.[8]
Sem grandes pormenores, entende-se que a integração ocorre apenas quando autorizada pela lei, em caso de obscuridade ou lacuna; a interpretação, por sua vez, acontecerá sempre.
Caio Mário ensina que toda lei deve ser interpretada, de vez que sua aplicação só se torna possível mediante a anterior compreensão do texto escrito, que é fruto do trabalho interpretativo. Seria inexato, portanto, sustentar que descabe interpretação quando a regra é clara. Sob esse prisma, haveria sempre a necessidade de investigar a essência da vontade do legislador, esta entendida não apenas como exteriorização verbal, mas naquilo que representaria sua força interior e o poder de seu comando (PEREIRA, 2018, p. 162).
Assim também expressa o jurista italiano Piero Perlingieri, não deixando dúvidas quanto ao caráter lógico-sistemático e axiológico assumido pela interpretação constitucional.
Como explica Perlingieri, a interpretação sistemática exige uma análise do ordenamento em sua unidade. O parâmetro axiológico, por sua vez, implica que valores constitucionais, comunitários e até mesmo internacionais possam tornar mais vívidas e atuais as normas individuais ou os complexos normativos que têm de ser lidos e interpretados (ainda que pareçam claros).
Percebe-se que é feita referência aos controles obrigatórios de legitimidade constitucional e comunitária de qualquer disposição legal, seja recente ou antiga, aplicável pelo juiz no caso concreto. Assim, a clareza da norma seria “(...) um eventual posterius, não um prius da interpretação. A norma, clara ou não, deve ser conforme aos princípios e aos valores do ordenamento” (PERLINGIERI, 2008, p. 596-597). Essa conformidade só poderia ser atingida por meio de um processo argumentativo, adequado de maneira lógica e axiológica às escolhas do ordenamento.
Assim, sustenta-se a ruína do brocardo in claris non fit interpretatio, visto que somente por meio da interpretação é que se poderia atingir a clareza da regra. Ainda, portanto, que a regra seja clara, pode ser manifestamente afrontosa aos valores e princípios constitucionais e, nesse caso, à luz de tais princípios, consistirá numa nulidade jurídica. Isso para além do fato de que a norma jurídica, se considerada isoladamente do sistema em que se encontra inserida e que a sustenta, nada pode dizer.
Ao longo da história, as leis de determinado ordenamento jamais deixaram de guardar entre si implicações mútuas, e por isso devem ser confrontadas umas com as outras, a fim de verificar sua coerência constitucional. Consequentemente, a literalidade do texto perde importância, ante sua compreensão sistemática e axiológica, tendo a Constituição assumido o centro desse sistema.
A inovação hermenêutica, ao que parece, trata-se de um encontro entre as técnicas de hermenêutica tradicionais (teoria da interpretação) e o elemento de unidade do ordenamento, representado pela Constituição.
Não obstante, muito se debate acerca dos problemas relacionados à aplicação da lei no caso concreto, o que evidencia a dificuldade enfrentada pelos operadores do direito na tarefa de interpretação constitucional, sobretudo no que diz respeito à aplicação dos princípios constitucionais ao caso concreto.
Como assevera Maria Celina Bodin de Moraes, (2008, p. 41), é comum que os magistrados interpretem os princípios como expressões meramente valorativas, e passam a utilizá-las de maneira arbitrária, independentemente de qualquer delimitação dogmática.
O fenômeno assemelha-se ao que ocorreu no campo da interpretação literária, em que se chegou a sustentar que o texto é como um piquenique, em que o autor fornece as palavras e o leitor o sentido. Teme-se que algo parecido ocorra com a interpretação dos princípios constitucionais, se deixada a cargo única e exclusivamente da consciência do juiz, ou da jurisprudência, sem que a doutrina, por sua vez, exerça o primordial papel de conferir cientificidade aos conceitos jurídicos, contidos eles em princípios ou regras, quer expressem ou não valores fundamentais. De outra banda, se os intérpretes, isto é, se os juízes exagerarem, o direito correria o risco de ser substituído pelo puro arbítrio. (MORAES, 2008, p. 41).
Os princípios servem como pilares de sustentação das leis, constituindo normas de maior grau de generalidade e menor especificidade. Não se discute que, em determinados casos, deve-se aquebrantar a rigidez da lei, para deixá-la conforme aos princípios que a orientam.
Contudo, desde o Direito Romano já são conhecidas formas de se atenuar a rigidez da lei para que se atinja a justiça “concreta” em determinadas situações. Foi a partir da aequitas que se desenvolveram os critérios de integração normativa, calcados na equidade e nos princípios gerais de direito, e reservados para situações não alcançadas pelos comandos legais (PEREIRA, 2019, p.64). Sob esse aspecto, de integração, somente estaríamos autorizados a desconsiderar a lei, retornando aos princípios, em caso de obscuridade ou lacunas.
No caso da simples interpretação, à qual se submetem todas as normas legais, não sendo o caso de inconstitucionalidade (situação que é sujeita aos controles concreto ou difuso), a interpretação constitucional, por meio de critérios lógico-sistemáticos, serviria apenas para ratificar o sentido da própria lei, corroborando sua coerência com o sistema constitucional. Não se pode permitir a atribuição de sentido estranho ao texto legal pela interpretação arbitrária de critérios ou pelo uso indiscriminado de princípios jurídicos, tal como fossem juízos de moral.
Por essas razões é que autores como MORAES, (2008, p.42) defendem a importância novas pesquisas doutrinárias que examinem com cuidado as decisões tomadas tendo por base princípios, que por vezes colocam em risco o próprio dever de fundamentação (Art. 93, inc. IX, da Constituição Federal).
No mesmo sentido escreve Bruno de Ávilla Borgarelli (2019, on-line), que enxerga pouca novidade na flexibilização interpretativa trazida pelo constitucionalismo, estabelecendo laços de identidade irretorquíveis entre a instrumentalização legislativa da República de Weimar e nossas atuais cláusulas abertas. Assim, uso desordenado desses mecanismos poria em risco o exercício de subsunção e a segurança jurídica.
Observe-se que, para Borgarelli, o momento seria o de buscar uma revitalização doutrinária, no sentido de se obter maior vinculatividade normativa e preservar o raciocínio por subsunção. Do contrário, as regras continuariam a ser “(...) manipuladas ao sabor de princípios de baixa densidade, inspirados em discursos de moralidade controvertidos (...)” (BORGARELLI, 2019, on-line).
Recentes alterações na LINDB parecem refletir uma preocupação nesse sentido, visto que o Decreto 9.830/19 inseriu modificações na referida lei, desde o art. 20 ao 30, fortalecendo a ideia de que decisões embasadas em valores jurídicos abstratos deve observar níveis mínimos de motivação (demonstrada necessidade e adequação ao contexto de aplicação da norma), bem como levar em consideração as consequências práticas da decisão.
Caso o fenômeno da constitucionalização, no que toca à hermenêutica, tivesse como finalidade unicamente facilitar a identificação de situações sujeitas ao controle de constitucionalidade difuso ou concentrado, nada haveria de extraordinário. Ocorre que neste plano ele se revela como um processo permanente e obrigatório de controle da legitimidade constitucional de qualquer disposição legal, pelo juiz, diante do caso concreto, ainda que aparente a subsunção.
Para Fernando Leal, esta “onipresença” do controle jurisdicional demonstra, sob dois aspectos, desrespeito ao trabalho do legislador:
Primeiro, o direito civil constitucional atribui ao juiz o papel decisivo de, por meio da concretização de valores constitucionais, determinar a resposta constitucionalmente adequada para cada caso concreto. Isso porque, como afirma Perlingieri, “[a] solução do problema concreto é procurada necessariamente na totalidade do ordenamento jurídico”. Segundo, ele torna as disposições legislativas referências facilmente derrotáveis à luz de considerações constitucionais sustentadas por princípios. Protagonismo judicial e ausência de textualismo, sínteses dos dois aspectos problemáticos apontados, aliados ao particularismo decisório incentivado pelo movimento, à carência metodológica e à banalização da dignidade humana tendem a criar um contexto institucional em que o Legislador tem pouco espaço de atuação e no qual as suas decisões só são aplicadas quando convergem com uma análise global de fatos e normas constitucionais levados adiante pelo juiz em casos concretos. (LEAL, 2015, p. 148)
Seguindo o mesmo raciocínio, se as normas jurídicas adquirem caráter vinculante na medida em que exteriorizam o que o magistrado entende ser a melhor solução constitucional para o problema, se lhe é atribuído tal poder, então a compreensão de direitos fundamentais como mandamentos de otimização conduziria a uma espécie de Estado judiciário constitucional, em vez de legislativo e parlamentar. Conforme explica Alexy (1986, p. 578), “O legislador parlamentar perderia toda a sua autonomia. Sua atividade esgotar-se-ia na mera constatação daquilo que já foi decidido pela constituição.” Como consequência, haveria prejuízos para o exercício político da democracia, de vez que o trabalho legislativo do Parlamento perderia força frente à atividade de um Estado judiciário, a quem caberia dizer o verdadeiro significado das normas e princípios constitucionais.
Fernando Leal prossegue, vindo a identificar nos trabalhos de Perlingieri a crença de que as palavras não seriam dotadas de um sentido intrínseco, e o sentido não seria nada mais, nada menos, que a relação entre o texto e um objeto a que se refere. Segundo Leal, é necessário distinguir entre interpretar e compreender.
Ao contrário do que pareceria supor Perlingieri, a compreensão do texto da lei não implica, necessariamente, um esforço interpretativo. Entender do que falam as regras, por meio das palavras escolhidas pelo legislador, seria a chave para que tais disposições desfrutassem de real força vinculante; o que, de certo modo, limitaria a atividade judicial. Unicamente a partir da noção de que entender e interpretar são coisas distintas é que se poderia reconhecer quando alguém está, de fato, seguindo uma regra (LEAL, 2015, p. 153).
Admitir a necessidade de compreensão de um texto normativo já pressupõe a existência de um sentido na norma. Tal a razão de a semântica ocupar espaço central na atividade hermenêutica. Não é o mesmo que dizer que a compreensão de uma regra legal e suas possibilidades de aplicação independem de elementos exteriores ao texto.
Como em todo texto, há na lei signo, significado e referente.[9] O signo é o elemento material escrito (palavra), que designa um referente ou objeto (elemento do mundo real, v. g, pessoa, situação, fato ou conduta). Já o significado reúne os diversos elementos descritivos (outras palavras, frases e termos), de modo a tornar possível a indicação do objeto a que o signo se refere. Por exemplo, o significado pode ser aquilo que, na mente de quem lê ou interpreta a lei, representaria o referente. Como outro exemplo de significado, pode ser citado o verbete de um dicionário. O referente, por sua vez, como componente do mundo real, encontra-se para além do plano meramente linguístico. Para compreendê-lo, é necessário transcender a esfera do raciocínio verbal, e entrar, ou na percepção sensível, ou no mundo da imaginação, esta entendida como força de conhecimento.
Esse esforço para transcender a esfera do raciocínio verbal, e procurar por elementos do mundo real, é bem demonstrada pelo autor da Semiótica, ao explicar em que consiste a observação colateral. De acordo com Charles Peirce (2000, p. 161), se o signo for uma sentença que diz que Hamlet era louco, para que se possa compreender o que isso significa, antes é preciso saber que, ocasionalmente, os homens ficam nesse estado estranho; é preciso ter visto homens loucos ou ao menos lido sobre eles. Por fim, será melhor se se souber especificamente (sem a necessidade de presumir) qual era a noção que tinha o próprio Shakespeare acerca da loucura (PEIRCE, 2000, p. 161).
Essa reunião dos diferentes elementos que o signo denota é a principal força do sujeito interpretante. Por conseguinte, só é possível obter uma noção clara do objeto ou referente designado pela norma a partir da relação tensional entre ela e os elementos do mundo real que ela indica. Esse é um motivo a mais para que o intérprete tenha cautela no manejo de princípios. Isso porque, a interpretação da lei, mesmo que possua caráter lógico-sistemático e axiológico, se é limitada ao plano do significado, não ultrapassa a esfera meramente verbal. Então, o trabalho hermenêutico corre o risco de se transformar em uma análise comparativa de textos.
A generalidade e abstração própria aos princípios jurídicos sobreleva a necessidade de cuidado ao manejá-los, haja vista a maior dificuldade em se identificar seu objeto ou referente, aplicação e alcance.
Ademais, considerar que a interpretação constitucional (sistemática e axiológica) é sempre necessária para que se aplique qualquer regra, por exemplo, do Código Civil (até mesmo as mais simples), é como afirmar que os juízes sempre criam regras ao exercer sua função jurisdicional (LEAL, 2015, p. 154).
Não parece razoável acreditar que o magistrado, por si e em cada situação, desenvolveria a regra para o caso concreto melhor do que o fez o próprio legislador. Também é equívoco esperar resultados eficientes do trabalho do aplicador do direito, se este é obrigado a levar em conta princípios vários, de elevado grau de abstração, até mesmo para a solução das questões mais singelas.
Enquanto de um lado se afirma que in claris ou não, semper fit interpretatio, bem assim que a própria clareza da norma se trata de um posterius em vez de um prius, só atingível por meio de prévia interpretação; por outro lado, é importante não perder de vista a impossibilidade de se interpretar aquilo que nem sequer se poderia, a princípio, compreender.
V. Conclusão
O Estado interveniente, aliado às políticas de bem-estar social e o período da chamada reconstitucionalização foram responsáveis por elevar a Constituição a uma posição de centralidade, como núcleo axiológico do ordenamento. Princípios constitucionais ganharam força e eficácia nas relações antes reservadas ao direito privado, sendo que estas últimas, na medida em que se incorporaram ao cerne da Constituição, nela receberam a chancela e o status da constitucionalidade, naquilo a que se chamou a reunificação do sistema.
O cenário da constitucionalização contribuiu para revitalizar princípios de direito privado que sempre estiveram de acordo com os valores constitucionais vigentes. Do mesmo modo, possibilitou o desenvolvimento de outros mecanismos capazes de garantir o equilíbrio contratual e a equivalência material das prestações. Ademais, o direito civil-constitucional amadureceu a ideia de que todas as relações de direito civil deveriam ser interpretadas por um conjunto uniforme de valores e princípios, sejam elas regidas pelo Código Civil de 2002 ou por leis especiais.
Funcionalmente, contudo, é de se reconhecer que a situação permanece um tanto problemática, devido às imprecisões de ordem hermenêutica, que se estendem desde o conhecimento insuficiente dos critérios de interpretação até o manejo arbitrário de princípios. Na ausência critérios funcionais claros e compreensíveis, acaba-se abrindo espaço para juízos morais, preferências individuais ou de grupo, o que prejudica o exercício da subsunção e pode colocar em risco o próprio dever de fundamentação das decisões judiciais.
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[1] Mestre em Direito (1999) e doutora em Educação (2016), pela Universidade Estadual de Maringá. Atualmente é professora adjunta da referida instituição.
[2] Há críticas contundentes quanto à ideia social-democrata de socialização da propriedade, ligada à planificação da economia. Quanto à última, o economista Friedrich Hayek (da Escola Austríaca) considera-a perigosa do ponto de vista da democracia e da liberdade.
[3] “(...) não é dado confundir a pluralidade normativa com os denominados microssistemas. Como se sabe, a doutrina que defende a existência de microssistemas acredita que o ordenamento se constitui de centros de gravidade autônomos, fragmentados, cada qual com sua lógica e principiologia própria. Tal concepção, contudo, não se mostra suficiente para explicar a dinâmica do ordenamento, porque a pluralidade de fontes normativas deve conviver com uma unidade axiológica, conferida pelas normas constitucionais.” (TEPEDINO, Gustavo. O direito civil-constitucional e suas perspectivas atuais. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo: Atlas, 2008. Cap. 25. p. 356-371. p. 362.)
[4] O Estado social, no plano do direito, é todo aquele que tem incluída na Constituição a regulação da ordem econômica e social. Além da limitação do poder político, limita-se o poder econômico e projeta-se para além dos indivíduos a tutela dos direitos, incluindo o trabalho, a educação, a cultura, a saúde, a seguridade social, o meio ambiente, todos com inegáveis reflexos nas dimensões materiais do direito civil.” (LÔBO, P. L. N. Constitucionalização do direito civil. Revista de Informação Legislativa, Brasília, jan./mar. 1999. p.99-108. p.102)
[5] O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes.
[6] A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.
[7] A recusa de renovação das apólices de seguro de vida pelas seguradoras em razão da idade do segurado é discriminatória e atenta contra a função social do contrato.
[8] Diz a LINDB, em seu art. 4º, que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”
[9] Os três conceitos ora aplicados, criados pelo filósofo e linguista Charles Sanders Pierce, passaram a ser conhecidos como “pirâmide de Pierce”.
Aluno de graduação do 5º ano do curso de Direito, na Universidade Estadual de Maringá/PR.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALEXANDRE, Lucas Pessôa. Constitucionalização do Direito Civil: considerações históricas, o manejo dos princípios e o sentido das normas no trabalho interpretativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2020, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55585/constitucionalizao-do-direito-civil-consideraes-histricas-o-manejo-dos-princpios-e-o-sentido-das-normas-no-trabalho-interpretativo. Acesso em: 22 nov 2024.
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