RESUMO: O presente artigo visa analisar a redução da alienação parental no contexto familiar a partir da aplicabilidade da guarda compartilhada. Dados estatísticos do Registro Civil demonstram um aumento significativo de divórcios no Brasil, em especial, os de natureza não consensual. Geralmente essas uniões são dissolvidas em ritmos de disputas, discórdias, mágoas e angústias, fatores estes que contribuem para a alienação parental. Diante desta conjuntura, o tema torna-se de grande relevância social e jurídica, ao buscar alternativas no ordenamento jurídico brasileiro capaz de reduzir esta problemática no ambiente familiar. Este estudo propõe-se a responder a seguinte questão norteadora: A alienação parental no meio familiar pode ser reduzida com a aplicabilidade do instituto da guarda compartilhada? A metodologia utilizada baseou-se na abordagem qualitativa, utilizando-se quanto aos objetivos a pesquisa exploratória e em relação aos procedimentos técnicos metodológicos a pesquisa bibliográfica. Concluiu-se que a guarda compartilhada é um importante instrumento na redução da alienação parental no ambiente familiar, a partir do momento em que a norma jurídica garante à convivência igualitária e equilibrada dos pais separados com os filhos. A cogestão na autoridade parental e a pluralização de responsabilidades funcionam como freio a uma guarda individual nociva, exigindo assim, um cooperativismo familiar.
PALAVRAS-CHAVE: Alienação Parental. Família. Guarda Compartilhada.
ABSTRACT: This article aims to analyze the reduction of parental alienation in the family context based on the applicability of shared custody. Statistical data from the Civil Registry show a significant increase in divorces in Brazil, especially those of a non-consensual nature. Usually these unions are dissolved in rhythms of disputes, disagreements, sorrows and anxieties, factors that contribute to parental alienation. In view of this conjuncture, the theme becomes of great social and legal relevance, when seeking alternatives in the Brazilian legal system capable of reducing this problem in the family environment. This study aims to answer the following guide question: Can parental alienation in the family environment be reduced with the applicability of the shared custody institute? The methodology used was based on the qualitative approach, using exploratory research and in relation to methodological technical procedures the bibliographic research. It was concluded that shared custody is an important instrument in reducing parental alienation in the family environment, from the moment the legal norm guarantees the egalitarian and balanced coexistence of separated parents with their children. Co-management in parental authority and the pluralization of responsibilities act as a brake on harmful individual custody, thus requiring family cooperativism.
KEYWORDS: Parental Alienation. Family. Shared Guard.
Sumário: 1. Introdução – 2. Alienação parental e suas implicações no contexto familiar; 2.1 Família: evolução jurídica e social; 2.2 Alienação parental e o ordenamento jurídico brasileiro; 2.3 Alienação parental e a síndrome da alienação parental: diferenças, causas e consequências sobre o menor alienado; 3. Guarda compartilhada e o ordenamento jurídico; 3.1 O instituto da guarda compartilhada e suas modalidades; 3.1.1 Guarda unilateral; 3.1.2 Guarda compartilhada; 3.2 Guarda compartilhada: desafios e possibilidades; 4. Guarda compartilhada: uma alternativa para reduzir a alienação no contexto familiar; 5. Conclusão; 6. Referências
1.INTRODUÇÃO
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que cerca de 80% dos filhos de pais separados foram ou são vítimas de atos de alienação parental, mesmo o Brasil sendo o primeiro país a tipificar esses atos em lei.
Em 2013, de acordo com a Estatística do Registro Civil o país registrou 139.627 casos de divórcios concedidos, destes 87.065 foram de natureza não consensual, geralmente dissolvidas em clima de conflitos e sentimentos negativos, fatores que contribuem para o desencadeamento da alienação parental no ambiente familiar. Diante deste cenário, torna-se importante enquanto pesquisador e futuro operador do Direito, buscar alternativas para reduzir essa prática, pois a perpetuação deste instituto, retira do menor o conhecimento sobre suas conjecturas afetivas, psicológicas e familiares, tornando-o um mero fantoche de um litígio que nunca lhe pertenceu.
Analisando os dados do Registro Civil, em relação aos responsáveis pela guarda dos filhos obtém-se os seguintes resultados: 7.224 ficaram com o marido, 120.464 ficaram com a mulher, 9.560 com ambos os cônjuges, 1.419 com outros e 960 sem declaração. Essas estatísticas demonstram que a maioria dos menores ficam sobre a responsabilidade da mulher.
Ressalta-se que é assegurado pela Constituição Federal de 1988, o direito da criança e do adolescente de ser criado e educado no seio de sua família. O relacionamento destes com os pais de forma concomitante é de fundamental importância para o seu pleno desenvolvimento. Por estes motivos, foram sancionadas no Brasil, as Leis nº 12.318/10 e nº 13.058/14, que dispõem sobre o instituto jurídico da Guarda Compartilhada.
O presente trabalho tem por objetivo geral analisar a redução da alienação parental no contexto familiar a partir da aplicabilidade da guarda compartilhada. E tem como objetivos específicos: a) Estudar o instituto família e sua evolução jurídica e social; b) Identificar as causas que contribuem para a alienação parental no meio familiar e as consequências para o menor alienado; c) Pesquisar os institutos da alienação parental e guarda compartilhada a partir das legislações previstas no ordenamento jurídico brasileiro e nas doutrinas; d) Verificar os instrumentos jurídicos disponíveis para inibir ou reduzir os efeitos da alienação parental no contexto familiar.
A metodologia utilizada neste estudo baseou-se na abordagem qualitativa, quanto aos objetivos empregou-se a pesquisa exploratória e em relação aos procedimentos técnicos metodológicos a pesquisa bibliográfica. Ressalta-se que este artigo dialoga com os doutrinadores: ALMEIDA JÚNIOR (2010), AKEL (2018), BARBOZA (1997), CARBONERA (2000), CARVALHO (2015), DAMASCENO (2018), DINIZ (2011), FONTES (2008), MADALENO (2018), RAMOS (2005), SILVA (2011), TEPEDINO (1999), QUINTAS (2009), dentre outros. E com as legislações vigentes previstas no ordenamento jurídico brasileiro referente aos institutos da Alienação Parental e Guarda Compartilhada.
2.ALIENAÇÃO PARENTAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO CONTEXTO FAMILIAR
2.1 FAMÍLIA: EVOLUÇÃO JURÍDICA E SOCIAL
No sentido técnico, para Diniz (2011, p. 31) “família é o grupo fechado de pessoas, composto dos pais e filhos, e, para efeitos limitados, de outros parentes, unidos pela convivência e afeto numa mesma economia e sob mesma direção”. Para Ramos (2005, p. 25) família “é a célula mater da sociedade, sendo fundamental para a sobrevivência da espécie humana, caracterizando-se pela união de pessoas vinculadas por laços de afeto (real ou presumido) num contexto de conjugalidade ou parentalidade”.
Todavia, antes da Constituição Federal de 1988 o instituto família estava juridicamente restrito aos laços matrimoniais. O Código Civil de 1916, afirmava que o matrimônio era o assento básico da família, de modo que o direito deveria ocupar-se basicamente das relações familiares que compreendiam o casamento e o pátrio poder. Esse entendimento jurídico alcançou níveis constitucionais, estando presente nas Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967, as quais asseguravam que a família legítima era constituída por meio do casamento e o matrimônio era indissolúvel (BARBOZA, 1997, p. 16).
A promulgação da Carta Magna de 1988, rompeu com a referida concepção, o conceito de família estendeu-se para além do matrimônio, reconhecendo também como família a união estável e as monoparentais, conforme expresso em seu art. 226:
A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (BRASIL, 2019, p. 178).
A Constituição Federal de 1988 trouxe inúmeras inovações na estrutura familiar. A proteção da instituição familiar, como centro de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, deu lugar à tutela jurídica da família como núcleo de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de promoção da dignidade de seus membros (TEPEDINO, 1999, p. 87).
O ser humano passa a ser o preâmbulo da discussão jurídica, em detrimento do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. A implementação deste princípio no ordenamento jurídico brasileiro, resguardou a família o direito da não obrigatoriedade de seguir um modelo padronizado, sendo vedada qualquer tipo de discriminação em virtude da origem da filiação.
A Constituição Federal de 1988 impôs ao Estado o dever de assegurar proteção à família na pessoa de cada um dos membros que a integram, criando mecanismos para coibir a violência doméstica (art. 226, § 8º).
2.2 ALIENAÇÃO PARENTAL E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Para Oliveira (2015, p. 9) a alienação parental é “uma forma de induzir ou promover o afastamento da criança ou do adolescente da convivência com o outro genitor causando prejuízo na manutenção dos vínculos com este, como interferindo negativamente na formação psicológica da criança ou do adolescente”.
Para Almeida Júnior (2010, p. 8) “a alienação parental funciona como uma campanha de desmoralização feita por um dos genitores em relação ao outro ou por alguém que possua a guarda da criança”. Esse instituto jurídico consiste em uma técnica de tortura psicológica realizada junto ao menor para que o mesmo passe a odiar e desprezar o outro genitor, afastando-se do mesmo.
Geralmente a alienação parental ocorre no processo de separações dos pais, quando estes passam a denegrir a imagem um do outro, fazendo com que o menor tenha uma imagem inversa do pai ou da mãe.
No intuito de amenizar os atos de alienação parental foi sancionada a Lei nº 12.318, no dia 26 de agosto de 2010. De acordo com seu art. 2º, considera-se ato de alienação parental:
(...) a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este (BRASIL, 2010, p. 1).
Este dispositivo jurídico, conferiu maiores poderes aos juízes, a fim de preservar os direitos fundamentais da criança e do adolescente, vítimas de abusos causados por seus responsáveis, punindo ou inibindo eventuais descumprimentos dos deveres inerentes à autoridade dos pais ou decorrente da tutela ou guarda do menor.
Segundo o art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 12.318/2010 são formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós (BRASIL, 2010, p. 1).
De acordo com o art. 6º da supracitada lei, ao ser caracterizado os atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III - estipular multa ao alienador;
IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII - declarar a suspensão da autoridade parental (BRASIL, 2010, p. 2).
A prática de atos de alienação parental acarreta consequências para ambas às partes, tanto para o alienador como para as vítimas e, por conseguinte, para toda a família dos entes envolvidos. Em meio a esse cenário conflituoso de disputas, rancores, mágoas e dissabores, o menor é o mais prejudicado por não contar com uma estrutura emocional adequada para entender o que está se passando.
2.3 ALIENAÇÃO PARENTAL E A SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL: DIFERENÇAS, CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS SOBRE O MENOR ALIENADO
A Alienação Parental é a fase que precede a Síndrome da Alienação Parental (SAP), “quando ainda não está introjetado na mente das crianças o aborrecimento do pai alienador em desfavor do alienado, é a fase centrada no comportamento parental” (MADALENO; MADALENO, 2018, p. 43).
Segundo Madaleno e Madaleno (2018, p. 42) a lei brasileira não adota a conotação de síndrome em virtude de não constar na Classificação Internacional das Doenças (CID) e por se referir ao conjunto dos sintomas provocados pela alienação parental ou alijamento da prole em desfavor de um genitor ou mesmo da família estendida. A legislação pátria apenas trata desta exclusão proposital e não de seus sintomas e consequências. Contudo, ressalta-se que não se pode falar da Alienação Parental dissociando-se de seus efeitos nefastos e rede de atuação, aqui denominados de Síndrome da Alienação Parental (SAP).
A SAP é um distúrbio da infância caracterizado pela doutrinação do menor, usualmente por parte do genitor guardião, a fim de alienar o outro progenitor da vida da criança. Essa síndrome se inicia com uma campanha que visa denegrir a imagem do pai ou da mãe, geralmente aquele que não possui a guarda, até que o infante possa contribuir espontaneamente como os insultos, que, por sua vez, são injustificados ou exacerbados. O genitor que sofre a alienação passa a ser visto como um estranho, que fará mal a seu filho (MADALENO; MADALENO, 2018, p.45).
De acordo com Carvalho (2015, p. 32) os principais sintomas da Síndrome da Alienação Parental são: a) Campanha denegritória contra o genitor alienado; b) Racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para a depreciação; c) Falta de ambivalência (existência de sentimentos antagônicos, por exemplo, amor e ódio); d) O fenômeno do pensador independente; e) Ausência de culpa sobre a crueldade e/ou a exploração contra o genitor alienado; f) Apoio automático ao genitor alienado no conflito parental e; g) Presença de encenações encomendadas.
Com base nos estudos realizados por especialistas da área, Madaleno e Madaleno (2018) descrevem três estágios da Síndrome da Alienação Parental:
a) O tipo ligeiro ou estágio I leve: a visitação ocorre quase sem problemas, com alguma dificuldade apenas quando se dá a troca entre os genitores. O menor mostra-se afetivo com o progenitor alienado. (...) Na ausência do genitor alienante, porém, o menor o defende e o apoia pontualmente, sendo também baixa a presença de encenações e situações emprestadas.
b) O tipo moderado ou estágio II médio: o motivo ou tema das agressões torna-se consistente e reúne os sentimentos e desejos do menor e do genitor alienante, criando uma relação particular entre eles, que os torna cúmplices. Os conflitos na entrega do menor antes ou após as visitas são habituais, e a campanha de difamação é intensificada, atingindo esferas que antes não atingia. O vínculo afetivo começa a se deteriorar, há o distanciamento qualitativo, não apenas com relação ao progenitor, mas também em relação à sua família.
c) O tipo grave ou estágio III grave: os menores encontram-se extremamente perturbados, por isso as visitas são muito difíceis ou não ocorrem. Caso ainda haja visitação, ela é repleta de ódio, difamações, provocações ou, ao contrário, as crianças emudecem, ficam como entorpecidas ou até mesmo tentam fugir. O habitual é que o pânico, as crises de choro, explosões de violência e gritos do menor impeçam a continuidade do regime de visita (Madaleno e Madaleno, 2018, p. 47).
Trindade (2007, p. 18) corrobora que os conflitos entre os genitores podem aparecer na criança sob forma de ansiedade, medo e insegurança, isolamento, tristeza e depressão, comportamento hostil, falta de organização, dificuldades escolares, baixa tolerância à frustração, irritabilidade, enurese, transtorno de identidade ou imagem, sentimento de desprezo, culpa dupla personalidade, inclinação ao álcool e as drogas, e, em casos mais extremos, ideias ou comportamentos suicidas.
Para Silva (2002, p. 54), sem o tratamento adequado a Síndrome da Alienação Parental produzir sequelas sobre o menor, capazes de permanecer durante toda a vida. Os comportamentos abusivos sobre o infante instaura vínculos patológicos, promovendo convivência contraditória da relação entre o pai e a mãe, criando imagens distorcidas das figuras paternas e maternas, provocando um olhar destrutivo e maligno sobre as relações amorosas como um todo.
Ressalta-se que a prática da Alienação Parental fere de forma direta os princípios básicos das pessoas regidos e protegidos pela Constituição Federal de 1988.
3. GUARDA COMPARTILHADA E O ORDENAMENTO JURÍDICO
3.1 O INSTITUTO DA GUARDA E SUAS MODALIDADES
Para Carbonera (2000, p. 64) a guarda é um instituto jurídico através do qual “se atribui a uma pessoa, o guardião, um complexo de direitos e deveres a serem exercidos com o objetivo de proteger e prover as necessidades de desenvolvimento de outra que dele necessite”, colocada sob sua responsabilidade em virtude de lei ou decisão judicial.
Madaleno e Madaleno (2018, p. 35) compartilham do pensamento que a guarda é “um dos aspectos mais importantes dos efeitos do divórcio de um casal, uma vez que decide questões relativas às pessoas emocionalmente mais vulneráveis da relação, por não possuírem sua capacidade de discernimento totalmente formada”.
No ordenamento jurídico brasileiro a guarda está regulamentada no Código Civil de 2002, nos arts. 1.583 a 1.590 e 1.643, II; no Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos 33 a 35, os quais falam da guarda propriamente dita, com base nos princípios constitucionais dispostos nos arts. 227 e 229 da Constituição Federal de 1988; na Lei nº 11.698/2008 e na Lei nº 13.058/2014.
O atual Código Civil regula as modalidades de guarda unilateral e compartilhada, conforme definições a seguir.
3.1.1 Guarda Unilateral
Conhecida também como guarda exclusiva, é aquela atribuída somente a um dos genitores ou a alguém que o substitua, estando prevista no art. 1.583, § 1º, do Código Civil de 2002. Para Silva (2008, p. 122), nesta modalidade “o genitor que tem a guarda do filho exercerá sua autoridade parental em toda a extensão, por estar de fato vinculado ao filho. O outro sofre o enfraquecimento de seus poderes paternos. Pode-se dizer que, na realidade, os direitos se tornam desiguais”.
Ressalta-se que até a entrada em vigor da Lei nº 11.698/08, no Brasil, a guarda exclusiva do menor era quase sempre atribuída a um dos genitores que estivesse em melhores condições de exercê-la, e ao outro cônjuge, era atribuído o direito de visita, podendo no entanto, ser acordado entre as partes o modelo de guarda desejado (art. 1.584, CC).
Segundo Oliveira (2015, p. 8) esse panorama foi modificado com a inserção da guarda compartilhada no ordenamento jurídico brasileiro com a Lei nº 11.698/08 de 13 de junho de 2008, que alterou os arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil.
3.1.2 Guarda Compartilhada
A guarda compartilhada decorre do direito constitucional à convivência familiar, direito fundamental e constitucionalmente assegurado e previsto no art. 227 da Carta Magna:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 2019, p. 132).
A Lei nº 11.698/2008, inseriu expressamente em nossa legislação, a guarda compartilhada, a qual era indeferida por alguns magistrados, que alegavam não haver uma lei que regulamentasse tal pedido. Para Fontes (2008, p. 1), “este dispositivo jurídico veio apenas regularizar um direito já existente de forma implícita em nosso país”.
Todavia, em 22 de dezembro de 2014, novas mudanças legislativas em relação ao instituto Guarda Compartilhada ocorreriam. Nesta data foi sancionada a Lei nº 13.058/2014, chamada de Lei da Igualdade Parental, que buscava aprimorar os avanços obtidos com a lei anterior. A nova lei definiu a expressão “guarda compartilhada” e dispôs sobre a aplicação desse instituto jurídico, alterando os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil Brasileiro.
O novo dispositivo trouxe a consolidação da igualdade parental entre os genitores com a efetiva corresponsabilização dos pais, como também o tempo igualitário de convivência com os filhos e, ainda, a utilização desse modelo de guarda legal mesmo nas hipóteses de divergências e litígio entre as partes (AKEL, 2018, p. 38).
Com a “nova” guarda compartilhada em nosso ordenamento jurídico como modelo legal vigente, todas as questões referentes aos filhos deverão necessariamente ser resolvidas por ambos os genitores, deixando, assim, de existir por parte de um dos genitores o exercício de “posse” sobre o filho e a possiblidade de limitação no exercício do poder familiar, que é inerente de ambos os pais.
De acordo com Grisard Filho (2002) apud Oliveira (2015) a guarda compartilhada tem como objetivo dar continuidade ao exercício da autoridade parental, sendo entendida como:
(...) um plano de guarda onde ambos os genitores dividem a responsabilidade legal pela tomada de decisões importantes relativas aos filhos menores, conjunta e igualitariamente. Significa que ambos os pais possuem exatamente os mesmos direitos e as mesmas obrigações em relação aos filhos menores. Por outro lado, é um tipo de guarda no qual os filhos do divórcio recebem dos tribunais o direito de terem ambos os pais, dividindo de forma mais equitativa possível, as responsabilidades de criarem e cuidarem os filhos. (GRISARD, 2002 apud OLIVEIRA, 2015, p.13).
Este intuito tem por objetivo garantir o princípio do melhor interesse do menor, bem como a igualdade entre os genitores, tornando possível aos pais que não detém a guarda dos filhos a manutenção do vínculo afetivo.
Por meio da guarda compartilhada, mesmo havendo ruptura da relação conjugal a corresponsabilidade dos genitores continuará em condições de igualdade.
3.2 GUARDA COMPARTILHADA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
No Brasil, inicialmente, embora os tribunais tenham sido muito cautelosos com relação à aplicação da guarda compartilhada, esta passou a ser vista como uma das melhores possibilidades para diminuir os sofrimentos dos filhos após a ruptura do vínculo conjugal (OLIVEIRA, 2015, p. 28).
Para Kroth e Sarreta (2016, p. 508) “a guarda compartilhada pode vir a ser um mecanismo para evitar a alienação parental, eis que esta tende a se manifestar, em sua maioria, em situações em que a criança tem um convívio muito mais próximo com um dos genitores em relação ao outro”. Entretanto, alguns autores não compartilham deste pensamento, dentre os quais, Ana Akel (2018, p.39) que apesar de defender a guarda conjunta e acreditar que a mesma é a ideal e mais benéfica para a criança, discorda com o texto da lei, quando este estabelece que a guarda compartilhada poderá ser aplicada também diante de litígio entre os pais, conforme transcrição do art. 1.584, § 2º, da Lei nº 13.058/14:
§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor (BRASIL, 2014, p. 1).
Para autora, tal posição contraria o interesse do menor, garantido constitucionalmente:
Os pais não precisam ser amigos, no entanto, é descabido, a meu ver, pensar em efetivo exercício da guarda compartilhada numa relação de litígio, sentimento de ódio e beligerância entre os genitores, em que as crianças serão obrigadas a conviver diuturnamente com brigas e conflitos de naturezas diversas. Entendo que tal situação não trará consequências positivas, benéficas nem tampouco estabilidade emocional aos menores, desnaturando o verdadeiro sentido da guarda compartilhada (AKEL, 2018, p. 39).
A Lei nº 13.058/14, divide opiniões entre doutrinadores e operadores do Direito, alguns acreditam que a guarda compartilhada enaltece o direito do menor em conviver com seus pais, independentemente dos conflitos existentes entre seus genitores. Nota-se que o ordenamento busca garantir à criança e ao adolescente o acesso constante aos pais, reconhecendo os genitores como igualmente essenciais para o pleno desenvolvimento dos filhos em comum.
Todavia, existe os que condenam, por compartilharem do pensamento que as desavenças conjugais irão refletir (in)diretamente no infante. Para outros, o texto é infeliz, pois permite interpretações distintas, gerando confusão entre guarda compartilhada e alternada, bem como em relação ao parâmetro de fixação do domicílio da criança, como ilustra o fragmento extraído do art. 1.583, § 2º e § 3º da Lei nº 13.058/14:
§2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
§3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos (BRASIL, 2014, p. 1).
Neste mesmo sentido, colaboram Coltro e Delgado (2018, p. 10) ao afirmar que “a lei não contribuiu para uma correta compreensão do instituto pelos operadores do Direito, pois confunde a guarda compartilhada com a guarda alternada”. Segundo os autores a primeira implica, basicamente, o compartilhamento de decisões e responsabilidades. A segunda compreende, normalmente, a alternância de residências.
4 GUARDA COMPARTILHADA: UMA ALTERNATIVA PARA REDUZIR A ALIENAÇÃO PARENTAL NO CONTEXTO FAMILIAR
A guarda compartilhada como anteriormente exposto, foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com a intenção de proporcionar ao infante a oportunidade de relacionar-se tanto com o pai como com a mãe, reconhecendo que ambos tem responsabilidade sobre ele, embora possa conviver com um dos genitores maior parte do tempo.
Este instituto permite a efetiva e plena coparticipação na vida e desenvolvimento do menor. Partindo desta premissa, apresenta-se a seguir a guarda compartilhada como uma alternativa para reduzir à alienação parental no ambiente familiar.
Para Quintas (2009, p. 89) a “colocação da guarda compartilhada como regra na ruptura do relacionamento conjugal, desestimula o uso de mecanismos agressivos para garantir a decisão judicial favorável aos interesses de um dos pais”. O receio de perder a criança, por vezes, revela-se capaz de cegar um genitor inseguro, que passa a perceber artimanhas como aceitáveis no contexto da disputa pela guarda desta. Entretanto, quando a guarda é compartilhada, o contato com o genitor não-residente, em teoria, é constante, tornando o filho menos suscetível a acreditar em acusações levianas e sem fundamento.
Para a autora, a guarda compartilhada “é uma lembrança constante para os pais de que o fim da relação entre eles não nega a relação com os filhos” (QUINTAS, 2009, p. 90).
Damasceno (2018, p. 12) “afirma que a guarda compartilhada não funciona como um antídoto à Alienação Parental, mas como um instrumento de combate à atuação mononuclear de um dos pais em relação a prole”. Trata-se de uma alternativa para romper o monopólio e o poder de uma referência familiar sobre a outra, procurando a coexistência dos mais plurais e distintos modelos parentais e familiares no desenvolvimento do infante, no sentido de tentar garantir um ajuste emocional e uma convivência familiar plena. Para autora, ao possibilitar o convívio com outro parente, busca-se resgatar no infante a compreensão e amplitude da família, significa acima de tudo, devolvê-lo a um núcleo familiar e, principalmente, dotá-lo de uma identidade familiar.
Silva (2011, p. 16) ressalta que “a alienação parental é instalada através da obstrução de visitas, sendo a distância temporal dos contatos fator essencial na campanha de difamação”. Ciente do aspecto referido, a modalidade compartilhada possui toda uma estrutura voltada a garantir a convivência contínua entre os genitores e a prole, não restringida aos finais de semanas impostos pelo judiciário.
Para Brandão e Lima (2016, p. 8), a guarda compartilhada “possibilita uma criação e uma educação mais participativa para os genitores, dificultando a alienação parental, uma vez que o contato familiar são mantidos da forma mais semelhante possível àquela relação existente antes do rompimento conjugal”.
Considerado o interesse prioritário dos filhos, a constante convivência dificulta a propagação de comportamentos alienadores, além de a divisão de todas as responsabilidades, e não apenas a financeira, minimizar possíveis ressentimentos e evitar a sobrecarga em cima de um dos genitores (SILVA, 2008, p. 23).
Assim sendo, a aplicação da guarda compartilhada surge como possível instrumento de redução da alienação parental, enquanto forma de superação das limitações da guarda unilateral, protegendo a criança e ao adolescente dos enormes prejuízos psicológicos advindos do ressentimento contra um dos pais e da vazia sensação de abandono.
A ampla convivência garante a permanência dos vínculos afetivos e a influência de ambos os genitores na formação e educação dos filhos.
5 CONCLUSÃO
As doutrinas e os dispositivos legais que regulamentam a Guarda Compartilhada, entendem que esta modalidade, apresenta-se mais saudável e viável do que a guarda unilateral, pois a assistência dos pais em iguais condições, permite um equilíbrio emocional aos filhos.
Ressalta-se que os objetivos deste estudo foram alcançados, bem como a questão norteadora respondida, ao constatar que a guarda compartilhada apresenta-se como alternativa para a redução da alienação parental no âmbito familiar, ao atender e garantir os direitos fundamentais de proteção integral à criança e ao adolescente assegurado pela Constituição Federal de 1988.
A Guarda Compartilhada possibilita aos genitores uma coparticipação nas decisões relacionadas ao bem estar do menor, diminuindo a incidência da alienação parental, pois o contato e a convivência familiar são mantidos da forma que antes do rompimento conjugal. A ampla convivência entre o menor e ambos os genitores garantem a permanência dos vínculos afetivos.
Este instituto jurídico tem como escopo manter entre pais e filhos uma convivência estreita, contínua, cotidiana e harmoniosa, não havendo lugar para brigas, discórdia, injúria e difamação entre os genitores. Evitando assim, uma incubadora para a alienação parental.
A aplicação conjunta e dialética, dos dispositivos legais das Leis nº 12.318/10 e nº 13.058/14, traz um mecanismo esperançoso e eficaz àqueles que são vítimas desta prática tão perversa, propulsora de tantos prejuízos à sociedade, que é a Alienação Parental.
Observa-se que a aplicação da guarda compartilhada como mecanismo de combate à alienação parental, reafirma a igualdade parental desejada pela Constituição Federal, levando em consideração o melhor interesse das crianças e adolescentes. Trazendo como vantagem principal a possibilidade de uma boa administração das funções parentais, diante da quebra do vínculo conjugal, bem como um relacionamento familiar harmonioso e saudável.
Para que a guarda compartilhada possa contribuir de maneira satisfatória na criação do menor, faz-se necessário uma comunicação eficaz e respeitosa entre os genitores, além de disponibilidade para atender as necessidades dos filhos, para que os mesmos se sintam protegidos e não objeto de disputa.
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Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário CEUNI-FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, tiago pinto. Redução da alienação parental no contexto familiar: a partir da aplicabilidade da guarda compartilhada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2020, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55593/reduo-da-alienao-parental-no-contexto-familiar-a-partir-da-aplicabilidade-da-guarda-compartilhada. Acesso em: 22 nov 2024.
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