RESUMO: O artigo visa a conceituar a dispensa por justa causa, demonstrando as suas mais variadas feições, explicitar quais os elementos exigidos pela doutrina para a sua configuração e, especialmente, investigar os principais aspectos que devem ser considerados pelo empregador na aplicação da penalidade em questão, em detrimento de outras mais brandas existentes no âmbito juslaboral.
Palavras-chave: Influências. Novo Código de Processo Civil. Processo Coletivo. Acesso à Justiça.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Conceito doutrinário e aspectos gerais; 3. Consequências práticas advindas da aplicação da dispensa por justa causa ao trabalhador; 4. A justa causa sob o enfoque histórico; 5. Evolução legislativa do instituto no Brasil; 6. Abordagem da justa causa pela Convenção n. 158 da OIT; 7. Aspectos gerais relativos à aplicabilidade da medida punitiva; 8. Conclusão e 9. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A dispensa por justa causa é costumeiramente aplicada aos empregados, nas hipóteses em que se verifica o cometimento de faltas graves em decorrência das quais ocorre a quebra da fidúcia e da boa-fé inerentes à manutenção do contrato de trabalho.
É sabido que o término de uma relação de emprego acarreta, além de prejuízos materiais, graves danos psicológicos e, porque não dizer, morais, traduzidos pela frustração, pela desorganização da vida familiar, pelo rompimento do contato com os colegas de trabalho, além da insegurança pela tentativa de ingresso em um novo posto de trabalho.
É por essa razão e tendo em vista o princípio da função social do contrato e da função social da empresa, que o empregador deve agir de maneira extremamente ponderada e equilibrada antes de fazer uso da medida em questão, analisando de modo ponderado, quais são as condutas aptas a caracterizar uma falta suficientemente grave que deva necessária e inevitavelmente conduzir ao término do pacto laboral.
As principais hipóteses de aplicação da justa causa aos empregados estão elencadas no art. 482 da CLT, podendo, entretanto, ser encontradas também em legislação esparsa. Embora costumeiramente a resolução do contrato esteja vinculada à idéia de inexecução contratual ou de execução ineficiente ou ineficaz deste, as hipóteses de justa causa elencadas pelo diploma celetista e pela legislação esparsa nem sempre representam uma inexecução contratual. Em muitos casos retratam a prática de condutas indesejadas e prejudiciais ao empregador e ao empreendimento, se analisado globalmente.
O estudo acerca dos aspectos que devem ser levados em conta para a aplicabilidade da medida punitiva em questão é de extrema importância, uma vez que um simples descuido quanto à análise da conduta do trabalhador, da falta cometida, bem como da reincidência ou não na prática do ato faltoso, podem levar à aplicação injusta da medida sancionatória sob exame.
O objetivo deste trabalho é conceituar a dispensa por justa causa, demonstrando as suas mais variadas feições, explicitar quais os elementos exigidos pela doutrina para a sua configuração e, especialmente, investigar os principais aspectos que devem ser considerados pelo empregador na aplicação da penalidade em questão, em detrimento de outras mais brandas existentes no âmbito juslaboral.
Inicialmente será feita uma abordagem histórica do instituto em estudo, com o objetivo de demonstrar de que maneira a evolução do pensamento humano colaborou para que a continuidade na relação de emprego passasse a ser vista não só como um objetivo, mas como uma garantia, sempre que o ato cometido pelo empregado pudesse ser repreendido de modo mais suave.
Posteriormente partiremos para a análise de alguns conceitos relevantes para o entendimento da matéria, quando prosseguiremos para os requisitos de aplicação da medida e, finalmente, para o estudo conjunto das modalidades de justa causa aplicáveis ao empregado, previstas no texto celetista e os aspectos relevantes a cada uma delas.
Dentro desse contexto, será feita uma abordagem legal, doutrinária e jurisprudencial acerca do tema, de maneira a tratar de forma completa e rica a justa causa como forma de extinção do contrato de trabalho, quando aplicada pelo empregador.
2. CONCEITO DOUTRINÁRIO E ASPECTOS GERAIS
Sabe-se que, no Direito do Trabalho, assim como no direito comum, o inadimplemento voluntário de uma obrigação por qualquer das partes, induz à resolução desta. Ocorre, no entanto que, na seara do Direito Laboral, para que ocorra a quebra do contrato pactuado entre as partes (costumeiramente empregado e empregador), é indispensável que alguma delas tenha praticado ato faltoso, que torne indesejável para a outra, a continuidade da relação[1], ensejando, assim, a denominada “justa causa”.
A dispensa por justa causa é, portanto, uma conseqüência sofrida pelo empregado ou empregador que pratica ato de gravidade tal a ponto de quebrar completamente a fidúcia que é inerente à continuidade do vínculo jurídico mantido entre as partes.
Nos dizeres de Evaristo de Moraes, a justa causa é “todo ato doloso ou culposamente grave, que faça desaparecer a confiança e boa-fé existentes entre as partes, tornando, assim, impossível o prosseguimento da relação”.[2]
Wagner D. Giglio, por sua vez, conceitua o instituto como “(...) todo ato faltoso grave, praticado por uma das partes, que autorize a outra a rescindir o contrato, sem ônus para o denunciante.” E completa ressaltando que “nem toda infração ou ato faltoso, entretanto, configura justa causa para a rescisão, pois é necessário que esse ato se revista de gravidade (...)”. Partindo-se deste conceito, tem-se a premissa de que, para que um determinado ato seja considerado falta grave, é necessário que alguns aspectos objetivos e subjetivos sejam cuidadosamente analisados, pois nem sempre a afronta a uma norma geral imposta pelo empregador, ou mesmo a prática de um ato faltoso socialmente reprovável, representa falta grave punível no âmbito do Direito do Trabalho.
Também merece destaque o conceito traçado, de maneira restritiva – no que concerne à delimitação da expressão “justa causa” para se referir apenas ao empregado como sujeito praticante do ato faltoso – por Sérgio Pinto Martins, para quem: “Justa causa é a forma de dispensa decorrente de ato grave praticado pelo empregado que implica a cessação do contrato de trabalho por motivo devidamente evidenciado, de acordo com as hipóteses previstas em lei. Utiliza-se a expressão justa causa para a falta praticada pelo empregado. Quando a falta é praticada pelo empregador, que dá causa à cessação do contrato de trabalho por justo motivo, emprega-se, na prática, a expressão rescisão indireta, de acordo com as hipóteses descritas no artigo 483 da CLT”.[3]
Por fim, partindo de uma abordagem mais clara, objetiva e prática, Valentim Carrion trata da justa causa como o “efeito emanado de ato ilícito do empregado que, violando alguma obrigação legal ou contratual, explícita ou implícita, permita ao empregador a rescisão do contrato sem ônus (pagamento de indenizações ou percentual sobre os depósitos do FGTS, 13º salário e férias, estes dois proporcionais).”[4]
Analisando os conceitos supramencionados, conclui-se que a justa causa decorre da adoção por uma das partes do contrato de trabalho (ou de emprego, acaso se considere aquele regido pelas normas celetistas), de um comportamento reprovável e/ou da prática de um ato faltoso considerado grave[5], do qual decorre a quebra da boa-fé, da confiança e da diligência, inviabilizando, assim, a continuidade do vínculo jurídico existente entre os contratantes. No caso específico da aplicação da dispensa por justa causa ao empregado, o contrato de trabalho deixa ser útil ao empregador, a partir do momento em que este vê aniquilada a confiança por ele depositada no empregado.
É, portanto, um ato representativo do poder potestativo[6] do empregador que, diante da verificação da prática de ato que macula a confiança inerente ao contrato de trabalho, opta por dispensar o empregado, por entender que a continuidade do vínculo causaria ainda mais prejuízos.
Não cabe ao empregado se insurgir contra a justa causa no momento da aplicação desta. O momento adequado para insurgência é por meio do ajuizamento de ação trabalhista, oportunidade em que pode pleitear a reversão da medida para que esta seja convertida em dispensa injustificada ou, até mesmo a reintegração no emprego, quando entender que a dispensa foi arbitrária.
2.1 NATUREZA JURÍDICA DA RESCISÃO POR JUSTA CAUSA
Pode-se dizer que há cizânia doutrinária quando o assunto é a natureza jurídica da dispensa por justa causa. A doutrina se divide em três vertentes[7] bastante interessantes. A primeira delas considera a dispensa por justa causa como mera punição ao empregado por agir de modo divorciado dos interesses e determinações emanadas pela empresa. A segunda trata do instituto como mera conseqüência da inexecução contratual do empregado (condição resolutiva) e, por fim, a terceira atribui natureza jurídica mista à justa causa e se atém ao disposto no art. 482 da CLT, considerando que algumas das condutas nele descritas representam casos de punição do empregado por condutas praticadas fora da empresa (prática de jogos de azar, por exemplo) enquanto outras denotam hipóteses de inexecução contratual (desídia, por exemplo).
É pertinente destacar que, ainda que parte da doutrina considere algumas hipóteses de aplicabilidade da dispensa por justa causa como punição por conduta praticada fora do local e horário de trabalho, o empregado somente pode ser punido por este tipo de ato quando a sua prática inevitavelmente afetar de modo prejudicial o contrato de trabalho regularmente mantido com o empregador, pois a este não é dado o direito de interferir na vida particular do empregado.
Como bem afirmou Aldacy Rachid Coutinho em obra[8] citada por José Affonso Dallegrave Neto e Cláudia Salles Vilela Vianna: “Ao contratar, aceita o empregado que a sua força de trabalho seja dirigida; mas não a sua pessoa. Aceita a direção, mas não a punição.”
Brilhante observação a esse respeito foi feita também pela ilustre jurista Alice Monteiro de Barros que explica com categoria que “(...) outro aspecto do poder diretivo diz respeito aos limites do controle exercido pelo empregador sobre a conduta extralaboral do empregado, devendo aquele ser prudente na adoção de medidas disciplinares em relação a estes comportamentos. Quando o preceito constitucional veda a discriminação no ato da admissão do empregado e considera invioláveis sua intimidade e sua vida privada, está protegendo uma série de direitos e liberdades individuais. E, em conseqüência, estabelece um limite ao poder empresarial de questionar sobre os modos pelos quais o empregado conduz sua vida privada, dentre eles, fatos ligados à liberdade pessoal.”[9]
Além disso, em que pese a multiplicidade de entendimentos acerca da natureza jurídica da dispensa por justa causa, pensamos que, para que a justa alcance o seu real significado, deve ser tratada como conseqüência da inexecução contratual (ou mesmo da sua ineficiente execução ou, ainda, da prática de comportamento indesejado pelo empregador), ou seja, como uma penalidade disciplinar, pois o texto celetista deixa claro que ao praticar determinado tipo de conduta, seja ela lesiva aos interesses do empregador e/ou determinações da empresa ou que denote um comportamento prejudicial à relação de trabalho, o empregado deve arcar com as conseqüências da sua ação ou omissão (em casos de desídia e abandono de emprego, por exemplo).
Ou seja, o empregado age de acordo com a sua própria vontade, tem total ciência das conseqüências (penalidade de justa causa e perda de algumas verbas rescisórias) às quais poderá ser eventualmente submetido, caso aja de maneira conflitante com as disposições pactuadas no momento da sua contratação e, é claro, dos usos e costumes, ética profissional, honra e boa fama que devem permear o contrato de trabalho, assim como qualquer relação jurídica.
Trata-se, por assim dizer, da possibilidade conferida ao empregador que, insatisfeito com o comportamento adotado por seu empregado – em uma determinada situação ou de modo recorrente –, deseja rescindir o vínculo mantido com este, penalizando-o pela prática de conduta imprópria, para, então, substituí-lo por um empregado que se amolde aos interesses da empresa, bem como à sua expectativa enquanto detentor dos meios de produção.
Para que se adote a vertente que trata da dispensa por justa causa como uma forma de punição é preciso tomar alguns cuidados, pois se considerada a evolução histórica do direito do trabalho, é de fácil percepção que as relações de emprego passaram a ser tratadas como obrigacionais ao invés de relações acobertadas pelo direito real (nas quais o empregado era considerado um objeto do empregador).
Atualmente, é inadmissível que o empregado seja considerado mero objeto do poder sancionador do seu empregador, com vistas a assegurar apenas e tão-somente os objetivos perseguidos pelo empreendimento, deixando de lado a autonomia da vontade, hoje imperativa no âmbito das relações contratuais, mormente nas relações de emprego.
É preciso que não se perca de vista a autonomia que o empregado detém no âmbito da relação de trabalho, sob pena de se restringir a análise dos contratos de trabalho a uma relação na qual o empregador tem total domínio do empregado e do comportamento por ele adotado, podendo dispensá-lo por razões ligadas, inclusive, à esfera íntima do obreiro.
Deve-se considerar a dispensa por justa causa como uma penalidade disciplinar, sem perder de vista que a sua aplicabilidade deve se restringir àquelas hipóteses em que a lei, os princípios gerais de direito, os usos e costumes e a ética profissional apontem as condutas adotadas pelo empregado como atentatórias à manutenção do pacto laboral e à prestação de serviços de modo saudável, probo e condizente com a função social do contrato.
Por fim, cumpre destacar que a teoria que melhor explica a dispensa por justa causa enquanto penalidade disciplinar foi encabeçada por Durand e Jaussaud[10], que circunscrevem o poder disciplinar não como uma delegação do direito de castigar ou punir, mas como uma qualidade inerente ao empregador, que atuaria como complemento necessário ao poder regulamentar e ao direito de direção, inclusive porque esta modalidade de poder (disciplinar) se forma de modo espontâneo em qualquer organização social, sejam elas de caráter público ou privado.
2.2 Elementos indispensáveis à caracterização do ato faltoso
Dois elementos são essenciais à caracterização do ato faltoso praticado pelo empregado com a finalidade de causar prejuízo na órbita moral e/ou patrimonial do empregador, sendo um material e o outro volitivo[11].
O elemento material reside na ação ou omissão praticada pelo empregado e aferível no mundo sensível. O elemento volitivo, por sua vez, reside na esfera psicológica do agente, pois consiste na vontade, intenção e resolução mental do empregado ao praticar o ato considerado grave.
Não se há falar em ato faltoso se inexistentes quaisquer desses elementos. A tão só prática do ato material sem a intenção volitiva de causar prejuízo ao empregador, não enseja, por si só, a responsabilização do empregado. Também a mera intenção de ocasionar o prejuízo não é passível de responsabilização sem que haja a prática consumada de ato material, sensível à verificação no mundo dos fatos.
Assim, para que se possa chegar a uma conclusão efetiva acerca das condutas que ensejam a dispensa por justa causa, deve-se partir, inicialmente, para a investigação acerca daquilo que a doutrina considera “falta grave” ou, mais precisamente, “ato faltoso”, bem como quanto à possibilidade de se utilizar destas expressões como sinônimos, como faz boa parte dos operadores jurídicos.
Conquanto a doutrina e a jurisprudência utilizem, costumeiramente, as expressões “justa causa” e “falta grave” como sinônimos, alguns autores defendem a existência de determinadas peculiaridades que, se forem cuidadosamente esmiuçadas, demonstram as diferenças entre os dois conceitos.
Sirvo-me da definição dada por Mauricio Godinho Delgado para do instituto da justa causa a fim de traçar a distinção supracitada: “justa causa é o motivo relevante, previsto legalmente, que autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa do sujeito comitente da infração – no caso, o empregado. Trata-se, pois, da conduta tipificada em lei que autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa do trabalhador.”[12]
A falta grave, por sua vez, tem seu conceito traçado pela própria CLT, no capítulo que trata da estabilidade no contrato de emprego, no art. 493, in verbis:
“Constitui falta grave a prática de qualquer dos fatos a que se refere o art. 482, quando por sua repetição ou natureza representem séria violação dos deveres e obrigações do empregado.”
Do conceito legal em tela, extrai-se a conclusão de que a falta grave somente diz respeito ao trabalhador agraciado com a estabilidade no emprego, enquanto a justa causa guarda relação com o empregado que não faz jus a garantia semelhante. O mesmo se repete quando da redação do artigo 543, § 3º da consolidação, quando explicita que a estabilidade provisória conferida ao dirigente sindical autoriza o seu afastamento apenas se o empregado protegido incorrer na prática de “falta grave” nos termos da lei.
Nesse sentido é o entendimento esposado por Wagner D. Giglio, que embora admita que, na prática forense, justa causa e falta grave são utilizadas indiscriminadamente como expressões sinônimas, perfilha entendimento no sentido de que distinção legal impõe ao intérprete a diferenciação os conceitos: falta grave é a justa causa que, por sua natureza ou repetição, autoriza o despedimento do empregado estável (CLT, art. 493).
Disso também não diverge José Martins Catharino[13], que conclui que a CLT deixa clara a diferença de grau ou intensidade entre justa causa e falta grave, servindo aquela como razão para a despedida do empregado instável e esta para a resolução do contrato de trabalho havido com o empregado estável.
Logo, observa-se uma diferenciação quanto à incidência dos institutos, podendo-se afirmar que a justa causa incide propriamente sobre os contratos de emprego pactuados com empregados não estáveis enquanto a falta grave é passível de incidência nos contratos entabulados com empregados protegidos pela estabilidade no emprego, nos termos da norma celetista[14].
Por outro norte, em que pese a distinção formal observada entre os institutos, a análise da questão nos permite concluir em resumidas linhas que, se analisadas sobre a ótica do contrato de emprego como um todo, justa causa e falta grave traduzem o grau de reprovabilidade pelo empregador, da conduta levada a efeito pelo empregado, seja ele estável ou não, deixando transparecer a quebra dos elementos essenciais à manutenção do vínculo jurídico entre os contratantes (boa-fé, obediência, confiança, observância das normas legais e contratuais) e, consequentemente, conduzindo ao o término do pacto laboral.
Nesse sentido, são elucidativos os ensinamentos de José Afonso Dallegrave Neto e Cláudia Salles Vilela Vianna, para quem: “É inadmissível imaginar que a falta caracterizadora da resolução do contrato do empregado estável tenha que ser mais grave do que a falta praticada pelo empregado que não goza de estabilidade. O ato considerado faltoso ao ponto de justificar a resolução é exatamente o mesmo para o empregado estável ou não estável. Logos, o ato de indisciplina ou os atos que configuram desídia serão exatamente os mesmos para autorizar a rescisão por justa causa do estável e do não estável. Não há qualquer gradação ou graduação. A gravidade e proporcionalidade são exatamente as mesmas. Destarte, não há justificativa para asseverar que a expressão falta grave pressupõe a necessidade de inquérito judicial, ao contrário da justa causa que subentende indispensável o inquérito.”[15]
3. CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS ADVINDAS DA APLICAÇÃO DA DISPENSA POR JUSTA CAUSA AO TRABALHADOR
A principal consequência prática decorrente da aplicação de dispensa por justa causa ao empregado é a perda dos direitos das verbas indenizatórias, nos termos do que preconiza a Súmula nº 73 do TST[16].
Assim, aplicada a dispensa por justa causa ao empregado, este perderá o direito à percepção das seguintes verbas rescisórias: férias proporcionais, aviso prévio, 13º salário proporcional. Além disso, não poderá sacar o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), não terá direito a multa de 40% e não poderá usufruir do seguro desemprego.
4. A JUSTA CAUSA SOB O ENFOQUE HISTÓRICO
Nos mesmos moldes do que se observa com relação a tantos outros institutos jurídicos inerentes ao Direito do Trabalho, a justa causa começou a ser objeto de preocupação da sociedade e dos operadores do direito a partir da revolução francesa ocorrida em 1760, que foi a partir de quando passo-se a observar um cenário de intensa exploração e rotatividade de mão-de-obra[17].
Foi nesse contexto que começaram a surgir as primeiras preocupações com os direitos do trabalhador, ensejando uma intensa participação do Estado na ordem econômico-social, assim como o surgimento de uma legislação protecionista.
No século XX, o reflexo dessa realidade cada vez mais crescente se fez presente na teoria geral dos contratos, chegando a dar lentos passos em direção à especificação do que mais tarde se denominaria de “contrato de trabalho”.
Foi então que surgiu, também no cenário europeu, a denominada “teoria institucional da empresa”, da autoria de Paul Durand[18], segundo a qual a empresa deveria ser considerada como uma verdadeira comunidade de trabalho, na qual prevaleceria a figura do empregador como dirigente da prestação pessoal de serviços, estando, por isso, investido de prerrogativas de um poder legislativo e também disciplinar.
De acordo com Paul Durand, a estabilidade deveria ter vestes de propriedade do empregado, sendo que, sob o seu ponto de vista, o correto seria o trabalhador permanecer no emprego desde a data da sua admissão, até a aposentadoria, com a única exceção no caso de o empregador vir a cometer falta grave apta a justificar a despedida.
Em que pesem as brilhantes proposições de Paul Durand e de outros juslaboristas europeus, estas sequer chegaram a ter repercussão no cenário europeu, haja vista que foram brutalmente obstaculizadas pela classe patronal, tendo sido vencidas pela concepção neocapitalista de domínio absoluto da classe empregadora.
Ressalte-se que, embora fracassadas na prática, as ideologias protecionistas ensejaram o surgimento de institutos hoje relevantes para o cenário da tratativa laboral, tais como a indenização por tempo de serviço e a suspensão do contrato de trabalho.
A partir da 2ª Guerra Mundial, as preocupações com a garantia de emprego foram se acentuando gradativamente, até atingirem à concepção moderna de valorização da estabilidade no emprego enquanto garantia dos trabalhadores, firmada com base no princípio da continuidade da relação de emprego[19].
Passaram a surgir, assim, em vários países não só do continente europeu, como de todo o mundo, leis com o objetivo de garantir a vedação à dispensa arbitrária, com a exceção da possibilidade de dispensa do empregado em caso de configurada justa causa.
No cenário nacional, a primeira tentativa de concessão de estabilidade foi inserida no ordenamento jurídico por meio de uma emenda apresentada a um projeto legislativo que visava impedir a despedida de operários após 5 anos de prestação de serviços, a menos que houvesse a comprovação da prática, por este, de infração grave para a qual houvesse previsão de dispensa.
Ao legislador ordinário foi determinada a elaboração de dispositivos legais que garantissem estabilidade aos empregados de empresas jornalísticas, bem como aos trabalhadores dos estabelecimentos de ensino particular, sendo que, após a edição de inúmeras leis acerca da estabilidade e demais garantias estendidas aos trabalhadores, foi aprovado o Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943, no qual foi inserido capítulo especial tratando da estabilidade (capítulo VII do Título IV, arts. 492 a 500).
5. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO INSTITUTO NO BRASIL
A dispensa por justa causa enquanto penalidade aplicável aos trabalhadores foi tratada pelo ordenamento jurídico pátrio inicialmente como uma preocupação inerente ao Direito Civil e Comercial, no trato de contratos em geral, sem que houvesse uma explanação maior e mais detalhada dos contratos no âmbito das relações de trabalho e/ou de emprego.
O Código Civil de 1916 foi suma importância para a matéria em questão, pois era o diploma aplicável quando se verificavam, no caso concreto, hipóteses autorizadoras da dispensa por justa causa, que se resolviam com embasamento nas disposições acerca das obrigações em geral.
Conforme ensina Sérgio Pinto Martins[20], o artigo 5º da Lei nº 62, de 5 de junho de 1935 foi o antecedente legislativo da CLT quanto à enumeração das hipóteses de justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador.
Atualmente, o artigo 482 da CLT traz em seu bojo as principais hipóteses de atos considerados graves a ponto de ensejar a justa causa, quais sejam: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem e l) prática constante de jogos de azar.
Em 27 de janeiro de 1966, foi acrescido ao artigo 482 da CLT, por meio do Decreto-Lei nº 3, um parágrafo único que elencou como hipóteses ensejadoras da rescisão do contrato de trabalho por justa causa, além das já previstas nos incisos do caput do artigo, a prática devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios contra a segurança nacional, sendo que, atualmente, apenas a primeira delas tem aplicação prática.
É cabível mencionar ainda, outras hipóteses[21] consagradas pela doutrina e, não elencadas no dispositivo legal supra que, igualmente, ensejam a rescisão do contrato de trabalho por justa causa e serão estudadas de modo mais detalhado em capítulo posterior. São elas: a) a não observância das normas de segurança e medicina do trabalho e o não uso dos EPIS (art. 158, parágrafo único da CLT); b) recusa do empregado, sem causa justificada e, em casos de urgência ou de acidente na estrada de ferro, à execução de serviço extraordinário (art. 240, parágrafo único da CLT); c) falta reiterada do pagamento de dívidas, aplicável exclusivamente ao bancário (art. 508 da CLT); d) movimento grevista deflagrado sem observância às disposições contidas na Lei nº 7.783/89; e) declaração falsa sobre o percurso abrangido pelo vale-transporte ou o seu uso indevido (art. 7º, § 3º, do Decreto nº 95.247/87) e f) desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz ou na ausência injustificada deste à escola, desde que implique na perda do ano letivo (art. 433, I e II, da CLT).
6. ABORDAGEM DA JUSTA CAUSA PELA CONVENÇÃO Nº 158 DA OIT
O art. 4º da Convenção nº 158 da OIT traz interessantes disposição acerca da aplicabilidade nos contratos de trabalho. A norma em questão dispõe que:
“Não se porá fim à relação de trabalho de um trabalhador, a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou sua conduta ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”
A norma de âmbito internacional contemplou, expressamente, como motivos válidos e juridicamente aceitáveis para o término do contrato de trabalho, a presença de causas que, devidamente justificadas, demonstrassem, a incapacidade[22] do trabalhador para o exercício das atribuições inerentes ao cargo ocupado, a adoção por ele de uma conduta inadequada e/ou não aceita pelo empregador para a permanência do empregado na empresa ou, ainda, causas de ordem econômica, tecnológica, estrutural, ou similares.
Cumpre destacar que, especificamente no que concerne à conduta do trabalhador, a norma em questão pretendeu dar destaque àquelas faltas praticadas pelo empregado em flagrante violação da disciplina, podendo ser, inclusive, fracionadas, em duas modalidades[23], quais sejam: a) as que compreendem um descumprimento inadequado das tarefas ajustadas e b) as que se referem a um comportamento inapropriado e descabido no ambiente de trabalho, de modo que possa acarretar perturbação da ordem nos trabalhos, prejudicando, assim, o cumprimento das tarefas pelos demais empregados.
Interessante destacar a previsão contida no art. 7º da mesma Convenção, que traz em seu bojo a possibilidade de ampla defesa por parte do empregado, sempre que lhe for imputada uma das modalidades de aplicação da justa causa, pois prevê que a despedida do trabalhador, motivada por sua conduta ou deficiente rendimento não deve ser efetivada antes que lhe seja oferecida oportunidade para se defender das acusações formuladas pelo empregador, a menos que não seja razoável pedir-se ao empregador que lhe conceda esta possibilidade. [24]
Também consta na Convenção em destaque a incumbência ao empregador, quanto ao ônus de provar a existência de uma causa justa para a aplicação da penalidade de rescisão do contrato ao empregado, conforme o definido pelo art. 4º da Convenção.
A Convenção nº 158 foi ratificada pelo Brasil em 4 de janeiro de 1995, após a aprovação desta pelo Congresso Nacional, sendo que, sua eficácia somente ocorreu com a publicação oficial do texto normativo por meio do Decreto de promulgação nº 1.855 de 10/04/1996.
7. ASPECTOS GERAIS RELATIVOS À APLICABILIDADE DA MEDIDA PUNITIVA
A maior parte da doutrina deixa claro que, para que fique configurada a rescisão do contrato de trabalho por justa causa obreira, basta que o empregador profira declaração de vontade dando ciência disto ao empregado[25]. Não há, portanto, a exigência de que o ato da dispensa seja levado a efeito com a observância de qualquer formalidade específica. A única ressalva legal nesse sentido, diz respeito à dispensa por justa causa operada em razão do cometimento de falta grave pelo empregado estável, hipótese em que a CLT exige a apuração do ato faltoso através de inquérito judicial, na forma do art. 494, caput, in fine e arts. 853 a 855, todos da CLT.
Amauri Mascaro Nascimento[26] dá ênfase ao fato de que da CTPS constará apenas a baixa do contrato de trabalho, sem a menção do motivo que ensejou o término do vínculo, uma vez que a CLT no parágrafo 4º do art. 29, veda expressamente a existência de anotações desabonadoras da conduta dos trabalhadores no referido docmento, sob pena de causar sérios transtornos ao titular, uma vez que a possibilidade de fazer prova quanto à justiça das anotações seria praticamente inexistente.
7.2 Local e momento de prática do ato faltoso
É sabido que a formação de vínculo empregatício pode ocorrer tanto para o exercício da atividade laboral no âmbito do estabelecimento do empregador, como fora dele (nos casos de teletrabalho, trabalho realizado no domicílio do prestador, trabalho externo, etc.).
A fim de delimitar o espaço físico ou, o ambiente a ser considerado como local sob a incidência do poder diretivo do empregador, a doutrina trabalhista passou a considerar o fenômeno da “irradiação da empresa”[27], segundo o qual, o empregador lançaria mão do poder diretivo não somente nas localidades onde a prestação laboral é exercida, como naqueles em que eventualmente pudesse ser constatada falta relacionada à prestação do trabalho e passível de punição (zona de influência[28]).
Por essa vertente, não basta que o empregado se afaste fisicamente do local de prestação de serviços para que esteja imune à aplicação de eventual penalidade pelo empregador. Deve-se observar se, além de estar fora do local e horário de prestação de serviços, o ato praticado pelo empregador teve causa fundada em acontecimentos ligados ao trabalho, pois, em caso positivo, deve haver uma relativização na análise dos efeitos da conduta faltosa, de modo que se possa perquirir quanto à possibilidade de interferência no posto de trabalho, ou mesmo, de prejuízo ao empregador ou empresa. Nesse sentido é a jurisprudência do TST, verbis:
“O ambiente de trabalho não termina ex abrupto, uma vez transposto o portão da fábrica. Dá-se como uma “irradiação” daquele ambiente que, evidentemente, não pode ter fixada a priori em metros ou centímetros, e cuja apreciação fica entregue ao prudente arbítrio do juiz. Toda vez que a conduta do empregado seja capaz de destruir os pressupostos fiduciários da relação de emprego, tornando impôs
ível a continuação do contrato, não pode o juiz ignorá-la. Ora, no caso, a agressão, covarde e injustificada, à saída do serviço e por motivos ligados à prestação de trabalho, havia de repercutir, necessariamente na relação contratual.” [29]
Costumeiramente, o critério a ser observado para a adequação ou não de determinado local sob a insurgência do poder diretivo do empregador é dado pelo juiz, no momento de apreciação dos pedidos que têm como causa principal a dispensa por justa causa.
Wagner Giglio, em obra[30] que trata da justa causa, propõe o seguinte critério: “a influência do estabelecimento deverá ir até onde uma hipotética terceira pessoa, postada nas cercanias do estabelecimento e desconhecida das partes, observando o trabalhador, reconheça nele um empregado daquela determinada firma, sem grande esforço mental.”
O mesmo autor ressalta que, quando se trata de empregado que exerce suas funções em ambiente externo e com a obrigatoriedade de comparecimento na empresa no início e fim do expediente, deve-se entender que estes estão a serviço do empregador no interregno entre os horários estipulados para comparecimento na sede da empresa.[31]
Com relação àqueles que prestam serviços externamente, porém, sem a obrigatoriedade de comparecimento na empresa, deve-se considerar como de efetiva prestação de serviços apenas o período em que o obreiro estiver no estrito exercício das suas atribuições, aplicando-se o mesmo ao trabalhador que presta serviços no seu próprio domicílio.[32]
No que toca ao horário de trabalho, a doutrina tem entendido que, considera-se ato faltoso, aquele praticado não só durante o horário regularmente estipulado para a prestação do serviço, mas aquele ocorrido durante a prorrogação de horário. Ou seja, prevalece a noção de serviço efetivo e não o conceito de jornada normal de trabalho.
Questão curiosa é a da incidência do poder diretivo nos horários em que a prestação dos serviços é interrompida, quando o autor usufrui do intervalo para descanso no mesmo recinto em que são prestados os serviços[33]. Nesse lapso temporal, Wagner Giglio[34] destaca a necessidade de se considerar a existência de um meio termo no que toca à subordinação do empregado às ordens do empregador e vice-versa. Na situação exposta, não é dado ao empregador o direito de proferir ordens afetas à prestação laboral em si, podendo, no entanto, expedir determinações de caráter genérico, afetas ao local onde será usufruído o descanso, tais como a proibição do cigarro, de algazarras possam atrapalhar o descanso dos outros colegas, entre outras.
Merece destaque um julgamento interessante no qual um conflito de direitos – entre o direito à vida e o direito do reclamante de usufruir do seu intervalo intrajornada – resultou na manutenção da dispensa por justa causa aplicada pelo empregador, verbis:
“DISPENSA POR JUSTA CAUSA PAUTADA EM CONDUTA DESIDIOSA. GRAVIDADE CONFIGURADA. A dispensa com justa causa operária é medida extrema tomada pelo empregador para a extinção do contrato de trabalho, imputando ao trabalhador restrições financeiras e qualitativas. A terminação ocorre com a quebra da qualidade essencial desse tipo contratual, qual seja, a colaboração. Como contrato de colaboração onde o elemento fiducial é sua característica inerente, necessário que efetivamente o ato perpetrado torne insubsistente o vínculo de emprego. As medidas punitivas disponíveis pelo empregador são a advertência, a suspensão e a dispensa. Ainda que doutrina e jurisprudência acenem pela possibilidade de dispensa sem que haja anteriormente advertido ou suspenso o empregado, imprescindível que, de fato, a comprovação seja plena e incisiva sobre o ato perpetrado e que tal ato torne insubsistente o contrato de trabalho. Desse modo, para que haja a dispensa do trabalhador baseada em conduta desidiosa, necessário que as provas sejam contundentes acerca do ato praticado pelo trabalhador e, ainda, que a gravidade retire toda a qualidade de colaboração do contrato de trabalho. No caso dos autos, o Reclamante laborava para uma fundação de saúde comunitária e, mesmo diante de uma situação emergencial, envolvendo a saúde de um recém-nascido, recusou-se a fazer uma pausa em seu horário de almoço para prestar o atendimento necessário àquela eventualidade. Logo, por ter agido em manifesta desídia quanto ao exercício das suas atribuições normais ainda que fora do horário regular de trabalho transgredindo, inclusive, o direito do paciente à vida, para salvaguardar um direito seu, de equivalência inferior, o Autor provocou a quebra total da fidúcia entre ele e o empregador, o que tornou insubsistente o contrato de trabalho.”[35]
No caso em tela, ficou evidenciado o conflito entre o direito à vida da criança que necessitava com urgência de um medicamento e o direito do reclamante de usufruir do seu intervalo intrajornada.
Ao proferir o julgamento, o Tribunal entendeu por bem sopesar os direitos em conflito, sem deixar de lado a situação emergencial que embasou o acontecimento, e decidiu manter a justa causa aplicada ao reclamante, sob o fundamento de que, ao deixar de fornecer o medicamento necessário para o salvamento da saúde do recém nascido, o obreiro quebrou totalmente a fidúcia inerente ao contrato de trabalho, pois naquele instante, levando-se em conta o local de trabalho (um hospital, no qual a luta pela vida é uma batalha diária), a situação emergencial (recém nascido em risco de morte) a conduta ideal a ser tomada pelo empregado seria a de dar uma breve pausa em seu almoço para fornecer o medicamento e, feito isso, retornar ao gozo do seu descanso que poderia, inclusive ser elastecido pelos minutos gastos com o fornecimento do remédio.
A decisão em questão demonstra que nas demandas em que se discute a plausibilidade da aplicação da justa causa, deve-se ater não só aos aspectos objetivos e subjetivos traçados pela doutrina, como aos meandros da situação fática em que estão inseridas as partes, bem como à medida de razoabilidade utilizada por estas pela forma como agiram no caso concreto.
Analisando conjuntamente os artigos 818 da CLT e 333, II, do CPC, aplicáveis subsidiariamente ao processo trabalhista por força do art. 769 da CLT, extrai-se que, na hipótese do autor ajuizar reclamação trabalhista, pleiteando, entre outros direitos, a sua reintegração ao quadro de empregados da empresa ou, a reversão da dispensa por justa causa que lhe foi aplicada para dispensa sem justa causa, incumbirá ao empregador, o ônus de produzir provas quanto à prática pelo autor, de ato suficientemente grave, apto a ensejar a dispensa deste por justo motivo, enquadrando-se a conduta deste num dos tipos legais previstos no art. 482 da CLT ou nas faltas graves descritas em outros artigos do texto celetista ou, ainda, em outros diplomas legais.
A Súmula nº 212 do TST esclarece que o princípio da continuidade da relação de emprego, constitui uma presunção favorável ao empregado, cabendo ao empregador fazer prova da forma como se deu o término do contrato de trabalho.
A jurisprudência pátria tem evoluído no sentido de que determinados privilégios conferidos ao empregado pelo direito material do trabalho, passaram a ser aplicados também no âmbito do direito processual, através do instituto da “inversão do ônus da prova”, difundido com notável intensidade a partir da vigência do Código de Defesa do Consumidor, que garantiu a inversão do ônus da prova ao hipossuficiente. [36]
Evaristo de Moraes[37] em pertinente observação aduz que, na hipótese de dispensa por justa causa o ônus da prova compete ao empregador, pois além da prática do ato faltoso ter sido por ele alegada, este se encontra em posição mais cômoda para a produção da prova, se considerado em face do empregado (parte dependente/hipossuficiente da relação de emprego).
É muito usual que dispensas desse tipo sejam anuladas judicialmente, especialmente por falta de provas, pois a manutenção da dispensa por justa causa pelo Poder Judiciário enseja prova robusta do cometimento de falta grave pelo trabalhador.
Logo, conclui-se que ao Magistrado compete, levando em conta, além do entendimento consolidado acerca do ônus da prova aplicável aos casos em que a demanda gira em torno da justa causa, valorar cuidadosamente as provas produzidas pelas partes, com vistas a proferir uma decisão que se aproxime do ideal de justiça e do esperado pelo legislador pátrio.
Muitas são as conclusões às quais se pode chegar após toda a exposição sobre o tema objeto desta pesquisa. Em primeiro lugar, analisando o histórico da aplicação da dispensa por justa causa ao empregado, é facilmente notável a evolução do pensamento do homem em relação ao tema. A evolução do pensamento humano nesse contexto foi marcada pela substituição da figura do empregador, antes visto como predominante em relação ao empregado, pela prevalência do trabalhador, enquanto pólo passivo da relação de trabalho, a quem foi conferido, ainda que gradativamente o direito à estabilidade no emprego, tendo a falta grave como exceção.
Embora esse pensamento tenha evoluído, ainda hoje nos deparamos com demonstrações diárias de despedidas impostas injustamente aos empregados, sob o manto da justa causa, por meio das quais o empregador busca se eximir da quitação dos direitos trabalhistas.
É por essa razão que o presente estudo traz à tona a conclusão de que o empregador deve se servir de todo o embasamento fático que estiver ao seu alcance e, em especial de uma considerável dose de razoabilidade, no momento da aplicação da dispensa por justa causa ao empregado, analisando cuidadosamente se restaram atendidos os requisitos essenciais à caracterização da falta grave, tais como: gravidade do ato faltoso, imediatidade ou atualidade, proporcionalidade entre o ato faltoso e a punição aplicada, tipicidade, entre outros.
Outra acepção importante, e incansavelmente abordada neste estudo, é a de que para cada uma das modalidades de dispensa por justa causa previstas no ordenamento jurídico (seja na CLT ou na legislação esparsa), competirá ao empregador observar outros aspectos inerentes ao caso concreto, tais como, local e momento da prática do ato faltoso, conduta antecedente do empregado, nexo entre a falta praticada e o prejuízo causado ao trabalho, etc.
Somente mediante uma cuidadosa análise de cada caso concreto, levando-se em conta a intenção do legislador em ver banidas do cenário juslaboral determinadas condutas e a gravidade efetiva de cada uma das modalidades de dispensa por justa causa perante o contrato de trabalho em questão, é que se poderá atingir o nível de cuidado que deve permear a dispensa em questão.
Conclui-se ainda, que ainda que constem na CLT ou mesmo em algumas leis esparsas, há inúmeras modalidades de dispensa sem justa causa que não mais se aplicam à era contemporânea, seja por questões de evolução comportamental ou legislativa, o que deve ser cuidadosamente observado pelo empregador sempre que este recorra à lei como embasamento para a aplicação da dispensa. A jurisprudência e a doutrina representam os mais importantes meios de constatação desta realidade inovadora e porque não dizer, progressista.
Quanto às hipóteses de dispensa por justa causa aplicáveis ao empregado, previstas no art. 482 da CLT, a mais importante conclusão a que se chega é a de que, em que pese a objetividade das condutas nele previstas, o mundo real dos fatos não só permite, como demonstra a variedade de situações em que podem ser aplicadas, bem como a necessidade de cuidado quanto à capitulação, já que muitas delas se confundem.
Ainda, com relação ao principal dispositivo legal sobre o tema deste trabalho, é indispensável que se registre que a caracterização das condutas nele descritas exige, na maioria dos casos a repetição do cometimento da falta, tratando-se dispensa abusiva, aquela operada mediante a prática de apenas uma falta grave, situação passível de ocorrência em casos extremamente isolados.
É, também, forçoso concluir que, diversamente do que pensa a maioria das pessoas, o papel do magistrado na análise da dispensa por justa causa se restringe à verificação quanto à correta aplicação desta modalidade de dispensa, análise que se faz pelo enquadramento do fato ocorrido no mundo sensível, com uma das modalidades legalmente tipificadas. Não compete ao magistrado a escolha da penalidade a ser aplicada ao empregado, pois caso assim fosse, se estaria conferindo ao juiz a possibilidade de fazer uso do poder disciplinar que é restrito ao empregador, como uma das vertentes do poder empregatício.
Por fim, destaca-se como a principal conclusão deste estudo, a necessidade de que os magistrados, quando do julgamento das causas trabalhistas que tratam de hipóteses de dispensa por justa causa, assim como ao empregador, tenham a necessária sensibilidade para, seguindo os ditames da lei, agirem pautados na ponderação e na razoabilidade, analisando cuidadosa e detalhadamente a situação de cada empregado de acordo com os meandros da situação fática que envolve as partes, passível de redundar na aplicação da dispensa por justa causa, sob qualquer que seja o fundamento.
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TRT 23ª Região. Órgão Julgador: 1ª Turma. Processo nº 00017.2009.036.23.00-8. Relator: Desembargador Edson Bueno. Publicado em: 30/09/2009. Extraído do sítio do TRT da 23ª Região.
TST. Órgão Julgador: 1ª Turma. Processo nº 1.624/57. Relator: Ministro Délio Maranhão. Publicado em: 14/02/1958. Extraído da obra: A justa causa na rescisão do contrato de trabalho.
[1] SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de direito do trabalho. 22ª ed. São Paulo: LTr, 2005, vol. I, p. 573.
[2] A justa causa no contrato de trabalho. 3ª ed. (fac-similada) São Paulo: LTr, 1996, p. 56.
[3] Manual da justa causa. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 28.
[4] Comentários à consolidação das leis do trabalho. 34ª ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 379.
[5] Por ato grave, nesta hipótese entende-se aquele que, levados em conta as circunstâncias em que foi praticado, o meio utilizado para tanto e, em especial a natureza da prestação dos serviços, está eivado de gravidade suficiente para que a outra parte se convença pela impossibilidade de dar continuidade à relação jurídica.
[6] Ibidem, p. 30-31.
[7] NETO, José Afonso Dallegrave; VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Rescisão do contrato de trabalho. Doutrina e prática. São Paulo: LTr, 2001, p.43.
[8] Poder punitivo trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. P. 202 apud NETO, José Afonso Dallegrave; VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Rescisão do contrato de trabalho. Doutrina e prática. São Paulo: LTr, 2001, p.44.
[9] Proteção à intimidade do empregado. São Paulo: LTr, 1997, p. 118.
[10] RODRIGUES, Manoel Cândido. A justa causa no direito do trabalho. apud BARROS, Alice Monteiro de (coord.). Curso de direito do trabalho. Estudos em memória de Célio Goyatá, vol. II, São Paulo: LTr, 1997, p.432.
[11] LAMARCA, Antonio. Contrato individual de trabalho. São Paulo: Editora RT, 1969. p. 372.
[12] Curso de direito do trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 1089.
[13] BARROS, Alice Monteiro de (coord.). Compêndio universitário de direito do trabalho, vol. II, São Paulo: Ed. Jurídica e Universitária, 1972, p. 768 apud Curso de direito do trabalho. Estudos em memória de Célio Goyatá, vol. II, São Paulo: LTr, 1997, p. 425.
[14] Ibidem, p. 1090.
[15] Rescisão do contrato de trabalho. Doutrina e prática. São Paulo: LTr, 2001, p.48.
[16] A ocorrência de justa causa, salvo a de abandono de emprego, no decurso do prazo do aviso prévio dado pelo empregador, retira do empregado qualquer direito às verbas rescisórias de natureza indenizatória.
[17] Curso de direito do trabalho. Estudos em memória de Célio Goyatá, vol. II, São Paulo: LTr, 1997, p. 428.
[18] Ibidem, p. 429.
[19] Ibidem, p. 430.
[20] Ibidem, p. 26.
[21] SARAIVA, Renato. Direito do trabalho. Série Concursos. 9ª ed. São Paulo: Editora Método, p. 252.
[22] Arnaldo Sussekind deixa claro na obra Direito Constitucional do Trabalho (2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 133), que a incapacidade tratada pela Convenção refere-se tanto à carência de qualificações/especialização por parte do trabalhador, quanto à incapacidade decorrente de alguma deficiência física ou mental contraída pelo trabalhador, que o tenha tornado inapto para o exercício das atribuições inerentes à função a ser ocupada.
[23] Ibidem, mesma página.
[24] Ibidem, p. 138.
[25] CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do trabalho. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2008. p. 1069.
[26] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 29ª ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 477.
[27] GIGLIO, Wagner D., Justa Causa. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000, p. 33.
[28] Entende-se como zona de influência, todo e qualquer local em que o empregado possa ser encontrado praticando ato apto a influenciar na prestação laboral e/ou na manutenção do pacto laboral. Assim podem ser considerados como zona de influência: os estabelecimentos próximos da empresa, uma reunião informal onde estejam reunidos vários empregados, o meio de transporte utilizado no trajeto para o trabalho, entre outros.
[29] Órgão Julgador: 1ª Turma. Processo nº 1.624/57. Relator: Ministro Délio Maranhão. Publicado em: 14/02/1958, p. 750. Extraído da obra: A justa causa na rescisão do contrato de trabalho.
[30] Ibidem, p. 33.
[31] Ibidem, mesma página.
[32] Ibidem, mesma página.
[33] Esta ressalva foi feita, pois é de clara conclusão que, acaso usufrua fora do local de trabalho, do descanso que lhe é conferido pelo empregador, o empregado estará isento de quaisquer ordens e/ou determinações inerentes à prestação laboral, uma vez que se desvincula da empresa, ainda que em caráter temporário, sendo que, as eventuais infrações cometidas por ele nesse interregno não poderão ser consideradas como faltas cometidas “em serviço”.
[34] Ibidem, p. 36.
[35] TRT 23ª Região. Órgão Julgador: 1ª Turma. Processo nº 00017.2009.036.23.00-8. Relator: Desembargador Edson Bueno. Publicado em: 30/09/2009. Extraído do sítio do TRT da 23ª Região.
[36] PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Súmulas do TST comentadas. 10ª ed. São Paulo: LTr, p. 191-192.
[37] Ibidem, p. 234.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso. Pós-graduado em Direito Material e Processual do Trabalho, em Direito Constitucional e em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Analista Judiciário do TRT da 23ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELOS, Danilo Nunes. Justa causa: definição e aspectos doutrinários e legais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2020, 04:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55595/justa-causa-definio-e-aspectos-doutrinrios-e-legais. Acesso em: 22 nov 2024.
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