Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Direito de Direito da FIPAR – Faculdades Integradas de Paranaíba como requisito necessário para obtenção de título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof. Me. CHRISTIANE LACERDA BEJAS
RESUMO: O presente artigo relata alguns elementos históricos e construtivos da paternidade baseada no vínculo afetivo, e tem o intuito de demonstrar as novas construções afetivas e familiares no contexto atual, alterando a maneira conservadora na constituição da família, ou seja, pai, mãe e filhos na constância do casamento, trazendo atualmente o afeto como forma indiscutível de reconhecimento de vínculo familiar, sendo esse tratado de forma isonômica aos laços sanguíneos, que é a forma mais antiga na constituição das famílias.
Palavras-chave: Afeto. Vínculo. Família. Pais. Filhos.
ABSTRACT: This article presents the historical and constructive elements of paternity based on the affective bond, and aims to demonstrate the new affective and family constructions in the current context, changing the conservative way in the formation of the family, that is, father, mother and children and in marriage, currently bringing affection as an indisputable form of recognition of family bond, this being treated in an isonomic way as blood ties, which is the oldest form in the constitution of families.
Keywords: Affection. Link. Family. Parents. Children.
SUMÁRIO: 1- INTRODUÇÃO. 2- HISTÓRICO. 3- O CONCEITO DE FAMÍLIA EM UMA VISÃO MODERNA. 4- O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE NO DIREITO FAMILIAR. 5- A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS FILHOS. 6- NOVOS MODELOS DE ARRANJOS FAMILIARES. 6.1- A FAMÍLIA MONOPARENTAL, RECONSTITUÍDA E HOMOAFETIVA. 7- A MULTIPARENTALIDADE E A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA NOS TRIBUNAIS. 8- CONSIDERAÇÕES FINAIS. 9- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1-INTRODUÇÃO
Após a realização de estudos bibliográficos, em artigos científicos e doutrinas atuais de Direito Civil, especialmente em Direito de Família, podemos analisar que a conceituação de família se transformou ao longo dos tempos, acompanhando as mudanças da sociedade nas questões afetivas e buscando de forma incessante a plena realização pessoal dos seus indivíduos. Atualmente não falamos mais sobre o modelo patriarcal e restrito relacionado à família e podemos observar uma notável flexibilização acerca desse tema, que hoje se ramifica em diversos modelos de arranjos familiares.
A diversificação do conceito de família tem seus desdobramentos nas famílias homoafetivas, monoparentais, anaparentais e demais modelos que serão citados ao longo deste trabalho, assim como a união estável, que é um dos institutos mais utilizados atualmente como forma de constituição familiar, explicitando a construção da socioafetividade desde o período anterior a Cristo, onde temos as primeiras disposições de regras pelo Código de Hamurabi e onde esse instituto era perfeitamente utilizado e depois reforçado pelo Código Napoleônico, passando pela pausa que sofreu baseada nas regras da Igreja Católica e pelo conceito da procriação, e resgatando seu uso nos dias atuais, onde esse instituto recebe plena proteção estatal e se desdobra e enriquece a respeito dos novos arranjos familiares, que não mais se limitam em pai, mãe e filhos, tendo o afeto como a fonte principal da constituição familiar.
2- HISTÓRICO
O primeiro momento histórico que retrata a filiação afetiva é citada no Código de Hamurabi, o qual vigorou no período de 1.700 antes de Cristo, na Babilônia, disciplinando em seu texto normativo que se uma pessoa viesse a dar o seu nome para uma criança e passasse a criá-la como sendo um filho seu, essa pessoa não poderia mais ser reclamada por outros, conforme expressamente previsto no art. 185, dessa codificação. Portanto, diante dessa perspectiva, fica claro que desde os primórdios, já era possível verificar o desejo das pessoas em ter filhos, ainda que não fossem descendentes consanguíneos.
Com base nesses termos, o período seguinte da história que relata alguns aspectos da filiação socioafetiva pode ser encontrado na Idade Média, no qual houve uma diminuição das construções afetivas em relação à filiação, tendo em vista que nessa época a igreja católica impunha às famílias o conceito da procriação e segundo Santo Agostinho, influenciado pela filosofia de Platão, disseminava a ideia de que o desejo sexual desenfreado era sinal de rebelião contra Deus e este só se tornava honrado no contexto do casamento e da geração de filhos.
Em 1792, o Código Francês, também conhecido como a corrente napoleônica, tornou esse instituto mais sólido, evidenciando a sua importância, sendo ele devidamente aplicado nesse período. Assim, com o progresso das disposições normativas pactuadas no íntimo do ordenamento jurídico, afastou-se nesse período as semelhanças que existiam em relação ao instituto da adoção e o da filiação socioafetiva.
Diante dessa construção memoriosa, a filiação socioafetiva destacou-se no ordenamento jurídico brasileiro, na Constituição Federal de 1988, na medida em que seus dispositivos estabeleceram consideráveis transformações nas relações pessoais e no direito de família, evidenciando e valorizando cada vez mais a questão do afeto, e resgatando elementos históricos dos códigos anteriormente mencionados, como no de Hamurabi, que foi reconhecido como um dos mais antigos documentos jurídicos relacionado aos direitos humanos.
Dessa forma, é possível perceber que o afeto, recebeu a sua considerável relevância dentro do contexto familiar, como também no que diz respeito à questão da filiação, tendo em vista que promoveu uma importante alteração na questão do vínculo afetivo, na medida em que as relações socioafetivas baseadas nos laços de afeto, amor e respeito, passaram a ter a mesma e em algumas vezes até uma maior relevância do que aquelas estabelecidas por meio de laços consanguíneos.
Ao analisar essa nova modalidade de filiação dentro do ordenamento jurídico brasileiro, é possível identificar que a mesma foi expressamente positivada no Código Civil de 2002, ao prever em seu art. 1.597, o qual dispõe sobre a presunção e concepção dos filhos na constância do casamento, incluindo os concebidos de maneira artificial.
Ainda no contexto de disposições normativas, seria possível determinar que o art. 1.603 do Código Civil, traz em seu bojo, que será considerado o pai da criança, aquele consubstanciado na própria certidão de nascimento desta, não exigindo expressamente a necessidade do mesmo ser o pai biológico.
Já em relação ao disposto no art. 1.605, em seu inciso II, do Código Civil de 2002, ao disciplinar que diante da falta da relação que traz o termo de nascimento da criança, a comprovação da filiação poderá ser realizada mediante as presunções trazidas pelos fatos considerados como sendo certos.
Por fim, dentro ainda dessa perspectiva da filiação socioafetiva consubstanciada nas disposições normativas do Código Civil de 2002, pode-se verificar o que está disposto no art. 1.593, ao determinar que a questão do parentesco pode ocorrer tanto em relação da consanguinidade, como também por meio de outra modalidade, como é o caso da socioafetividade, por exemplo.
3-O CONCEITO DE FAMÍLIA EM UMA VISÃO MODERNA
Com o desenvolvimento social, o modelo familiar foi se alterando ao longo dos tempos, estabelecendo outras construções sociais e diversos arranjos familiares, influenciados pela ideia da democracia, do ideal de igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Segundo um estudo de Luis Fernando Augusto - Sócio-Proprietário de Tavares & Augusto Advogados (2018), sobre a transformação da ideia e do conceito de famílias, relata que as famílias se tornaram mais igualitárias, o modelo patriarcal foi substituído, sendo empregado um padrão democrático, onde todos os membros devem ter suas necessidades atendidas e a busca da felicidade de cada indivíduo passou a ser essencial no ambiente familiar, amparado pela Constituição Federal vemos diversos artigos dispondo sobre obrigações de maneira isonômica, como citado no artigo quinto, que traz que os direitos e deveres são exercidos igualmente pelos cônjuges.
Um questionamento válido é se seria possível limitar o conceito de família, e nesse estudo podemos observar que é ainda é uma dificuldade existente, visto que esse estudo está em constante construção, como enriqueceu em suas palavras, RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, 2006 “[...] A partir do momento em que a família deixou de ser o núcleo econômico e de reprodução para ser o espaço do afeto e do amor, surgiram novas e várias representações sociais para ela”.
É notável que atualmente não é necessário se valer do casamento como base da constituição familiar, pois é o afeto que vincula os indivíduos, tendo como base a vontade de constituir planos e metas de vida, um exemplo claro são as uniões estáveis, as famílias homoafetivas e monoparentais tendo como base o íntimo querer dos partícipes.
Segundo Stolze (2018), a família a partir das novas construções sociais passou a ser vista como um núcleo existencial integrado por pessoas unidas por um vínculo socioafetivo, teologicamente direcionada a permitir a realização plena de seus integrantes. Essa mudança filosófica e institucional ainda não está completamente difundida na sociedade atual, porém encontra-se em crescente consolidação.
O elemento constitutivo de família se altera necessariamente para valer-se do princípio da dignidade da pessoa humana, pois atualmente existe uma proteção maior à pessoa, à sua felicidade e aos seus direitos individuais. Diante disso, temos que a ideia de família já avançou consideravelmente, e é claro que ainda há partes de um conceito embasado na igreja e no Estado na sociedade atual, afinal, não tratamos de um conceito delimitado e sim de um gênero, que elenca diversas modalidades de relações sociais, totalmente volátil e em constante transformação.
4-O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE NO DIREITO FAMILIAR
De acordo com as doutrinas e jurisprudências atuais, a afetividade tornou-se um preceito que direciona as relações familiares, passando a ter um notável valor jurídico a ser abraçado pelo Direito de Família, já que não dispõe somente sobre a ligação entre os seus membros, mas também em relação à qualidade dos vínculos construídos.
Este princípio fundamenta-se na busca plena da dignidade da pessoa humana e na igualdade entre os filhos, nele o afeto é compreendido como a relação de amor no convívio das famílias e a sua ruptura, em casos extremos, é capaz de gerar dano moral, principalmente quando restar demonstrado o descumprimento do dever de convivência e participação ativa no desenvolvimento dos filhos. Diante dessa disposição normativa, observamos que as famílias atuais não se limitam apenas às biológicas.
O princípio da afetividade apesar de não estar expresso na legislação, pode ser observado na Constituição Federal, no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente, e adquire grande relevância sob o aspecto jurídico, tornando-se um princípio imprescindível, o qual tem repercutido, principalmente na jurisprudência pátria.
Segundo Stolze (2018), toda a evolução no Direito de Família se baseia na afetividade, porém, não há como definir o amor, nem se fossemos filósofos, cientistas ou qualquer outro estudioso, porém, não podemos ignorar essa situação, simplesmente por não podermos delineá-la.
Pondera ainda, a juspsicanalista Giselle Câmara Groeninga (2008) que “o papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerente às relações. Cada vez mais se dá importância ao afeto na construção das relações familiares; aliás, um outro princípio do Direito de Família é o da afetividade”.
Aliás, como já foi esmiuçado antes, o próprio conceito de família, que é um dos elementos mais importantes deste estudo encontra na sua própria raiz a afetividade, e vale dizer que uma família será formada pelo liame socioafetivo que os vincula sem suprimir suas particularidades.
Ontem como hoje, por mais complexas que se apresentem, nutrem-se todas elas de substancias triviais e disponíveis a quem elas queiram tomar afeto, perdão, solidariedade, paciência, dedicação, compreensão, e enfim, tudo aquilo que de um modo ou de outro possa ser reconduzido à arte e à virtude do viver em comum.
5-A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS FILHOS
Um dos mais importantes princípios constitucionais é o da igualdade, que tem uma grande especificidade na seara do Direito de Família e nas relações familiares.
Com efeito, em relação a esta análise, a premissa básica de qualquer discussão que deve nortear este estudo é o princípio e a igualdade dos filhos, contemplado pelo artigo 227, §6, da Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
(...)
“§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
Com a constante transformação e pautando-se no texto constitucional brasileiro, nota-se que não mais há espaço para a distinção entre família legítima e ilegítima, que ainda vigorava nos textos anteriores, excluindo também qualquer expressão que deprecie ou estabeleça tratamento diferenciado entre os filhos e demais membros de uma família.
Fazer parte de uma família independe de vinculo conjugal, sendo ele concubinato, união estável e até mesmo relacionamento amoroso adulterino, devendo todos os filhos ser tratados de forma igualitária para todos os devidos fins.
6- NOVOS MODELOS DE ARRANJOS FAMILIARES
A legislação brasileira não define ao certo o conceito sobre união estável, por esta razão, ficou a cargo da doutrina e jurisprudência a função de conceituá-la.
Complementada pela posição de Francisco Eduardo Orciole Pires e Albuquerque Pizzolante (1999), que diz ser um meio legítimo de constituição de entidade familiar, havida, nos termos estudados, por aqueles que não tenham impedimentos referentes à sua união, com efeito de constituição de família.
Uma discussão constante para definição deste conceito é no tocante de haver ou não a necessidade de convivência sob o mesmo teto por parte dos companheiros e para solucionar esta questão, o Supremo Tribunal Federal, através da edição da Súmula nº 382 de 03/04/1962, declarou não ser indispensável ao concubinato, à época entendido como sinônimo de união estável à vida more uxório, ou seja, não era necessário que os companheiros habitassem sob o mesmo teto. Em contrapartida, teceram-se alguns requisitos que passaram a se tornar fundamentais, os quais salientavam a continuidade, a constância nas relações e a fidelidade.
Do ponto de vista prático, a posição adotada pelo STF parece ser a mais sensata, uma vez que dada as grandes transformações a que se submeteu o mundo moderno, várias são as situações em que pessoas legalmente casadas não convivem sob o mesmo teto pelos mais variados motivos, e isto não faz com que esteja descaracterizado o casamento. Como a união estável é considerada entidade familiar pela Constituição Federal (art. 226, § 3º) e Código Civil (art. 1.723), não seria correto discriminá-la nesse ponto em relação ao casamento civil, e negar a sua existência pelo simples fato de não existir coabitação entre os companheiros.
Das mais variadas construções familiares, podemos elencar a família anaparental, seu termo que advém de origem grega, do prefixo "ana", que indica falta, nesse caso, caracteriza o arranjo familiar que não tem a presença dos pais. Ela se constitui essencialmente pela a coabitação de pessoas e familiares, tendo eles ou não vínculos parentais, e que convivem por algum motivo em um mesmo lar, possuindo rotina e a afinidades intimamente sociais, econômicas ou outra qualquer que os aproximem, como é o caso das repúblicas estudantis, que abrigam alunos universitários de diversos lugares diferentes, e todos em busca de seus objetivos de vida, ali unidos pelo afeto e na maioria das vezes sem nenhum parentesco consanguíneo.
Já a família eudemonista, tem seu termo derivado do grego “eudaimonia”, que remete sobre felicidade, que é o foco da vida e das relações humanas. Segundo um nobre estudo de Ferreira (1988) “é a doutrina que possibilita que a felicidade íntima ou coletiva seja a base das relações humanas”. Quanto ao caráter eudemonista baseia-se na busca de uma vida construída na ética, no afeto e com a mutualidade dos sentimentos, visando a realização plena de todos os familiares, sem sujeitar-se do vínculo consanguíneo. Portanto, podemos dizer que a existência de uma família está diretamente construída pela afetividade.
O poliamor, decorrente das famílias poliafetivas, é a participação de duas ou mais pessoas nas relações afetivas paralelas, onde seus integrantes se conhecem e aceitam-se uns aos outros em uma relação múltipla e aberta, e segundo estudos, é a aceitação da natureza humana, pois o amor é um recurso infinito.
A família deixa de ser o núcleo econômico e de reprodução para ser o espaço do afeto e do amor, surgindo novas e várias representações sociais para ela. As relações familiares são funcionalizadas em razão da dignidade de cada partícipe, as pessoas passaram a viver em uma sociedade mais tolerante e com mais liberdade, buscando realizar o sonho de serem felizes sem se sentirem premiadas a ficarem inseridas em estruturas preestabelecidas e engessadoras.
Atualmente existe um cenário de luta constante daqueles que não se encaixam no padrão conservador de família, visando que o respeito mútuo e a liberdade individual sejam preservados, pois a todos é garantido pela nossa Carta Magna e fundamentado pelo princípio da isonomia, que dispõe que todos são iguais perante a lei sem qualquer distinção.
A concepção de família é criativa. A família padronizada, categorizada e dominada pelo patriarcado, que era derivada por homem e mulher unidos pelo matrimônio para cuidar dos filhos, vem se modificando ao longo dos anos e passando por intensas transformações. Atualmente o afeto prepondera a busca da felicidade, do amor e do companheirismo, e diante disso, se constrói diariamente o novo conceito de família, usando o plural e não mais na condição singular.
A vastidão de modificações políticas, sociais, econômicas e especialmente culturais produziram reflexos nas relações jurídico-familiares. Os atuais contornos da família estão desafiando outra conceituação: novos arranjos familiares, os quais podem ser conceituados de diversas formas.
6.1-A FAMÍLIA MONOPARENTAL, RECONSTITUÍDA E HOMOAFETIVA
A família monoparental é aquela constituída por uma pessoa, independente do sexo, que se encontra sem companheiro, porém vive com um ou mais filhos e geralmente se originam de adoções, viuvez e por fim de casamentos.
Sobre esse instituto, é a lição de Leite (2003): “Na realidade o instituto da monoparentalidade sempre existiu, se observarmos o grande número de mães solteiras, mulheres e crianças abandonadas. Mas o fenômeno não era percebido como uma categoria específica, o que explica a sua marginalidade no mundo jurídico."
No tocante a sua constituição, pode ela ser classificada como superveniente ou originária, na primeira situação, decorre da fragmentação de um núcleo familiar originalmente composto por duas pessoas, mas que sofre os efeitos da morte, causando a viuvez, e também das separações de fato e divórcios. Já em sua forma originária, a família já se constitui monoparental, e tem como um exemplo comum, a situação de mãe solteira.
Vale ressaltar que a monoparentalidade originária pode decorrer de múltiplos fatores, desde a gravidez decorrente de relações casuais, passando pelo relacionamento estável que não resiste ao estado gravídico por abandono do parceiro ou até mesmo por consenso, e também pela produção independente ou adoção por indivíduos solteiros.
Por sua vez, família reconstituída, também chamada de família recomposta ou pluriparental, é aquela estrutura familiar originada do casamento ou união estável de um casal, na qual um ou ambos de seus membros têm um ou vários filhos de relações anteriores e surge então a chance de formação de uma nova família, abrangendo todos os familiares do novo casal.
Já a família homoafetiva é aquela derivada do vínculo que une pessoas do mesmo sexo, que foi reconhecida pelo STF em 2011 após árduos anos de luta. O julgamento ocorreu visando efetivar o disposto no artigo 1.723 do Código Civil, e embasado na Carta Magna, buscando afastar qualquer significado que impeça o reconhecimento de união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como um núcleo familiar, entendendo esta como um sinônimo íntegro de família, preservando a dignidade da pessoa humana e recebendo plena proteção estatal.
7-A MULTIPARENTALIDADE E A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA NOS TRIBUNAIS
O direito de família tem procurado acompanhar as constantes inovações trazidas pela sociedade, renovando os seus conceitos e alterando os seus institutos, evidenciando a premissa de verdadeira desconstrução que acontece no caso do conceito de família, ou então a respeito da paternidade ou maternidade, bem como também nos aspectos da filiação e do parentesco.
Nas sábias palavras de José Bernardo Ramos Boeira (1999; p.54):
A posse do estado de filho revela a constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe, não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de elementos que somente estão presentes, frutos de uma convivência afetiva.
Dessa maneira, o fenômeno da multiparentalidade acaba por consubstanciar juridicamente todos os efeitos atinentes ao reconhecimento de duas filiações, tanto a biológica, como também a socioafetiva, das crianças, podendo as duas coexistirem ao mesmo tempo.
A respeito desse reconhecimento, é possível explanar sobre o entendimento apresentado pelos julgados dos tribunais, como se verifica no presente Agravo de Instrumento nº 20140020302082, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, proferido pela 4ª Turma Cível, que teve como sendo o Relator o Desembargador Arnoldo Camanho de Assis, estabelecendo que:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. MULTIPARENTALIDADE. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO SOCIOAFETIVO. INCLUSÃO DE NOMES À FILIAÇÃO NO REGISTRO DE NASCIMENTO DO PRETENSO ADOTADO. COMPETÊNCIA. JUIZO DE FAMÍLIA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. 1. É competente o juízo de uma das Varas de Família do Distrito Federal para processar e julgar matéria sobre o reconhecimento do vínculo socioafetivo, em demanda na qual os autores pretendem a inclusão de seus nomes como pais no registro de nascimento do pretenso adotado, segundo o art. 27, inciso III, da Lei nº 11.697/08, por não se tratar de adoção em sua modalidade pura, de competência absoluta da Vara da Infância e da Juventude. 2. Agravo não provido.
Com isso, pode-se estabelecer que o instituto da multiparentalidade, apesar de ainda não existir nenhuma referência expressa nas disposições normativas do ordenamento jurídico brasileiro, vem sendo devidamente aplicado por meio da jurisprudência, de maneira a alterar o registro de nascimento da criança, para conter as duas filiações, tanto a biológica, como também a socioafetiva.
A filiação socioafetiva ainda não foi plenamente difundida na rotina dos Tribunais, e até o momento não obteve o merecido reconhecimento, pois as decisões que essa temática disciplina resultam na participação indireta em outras ações, como nos casos de adoção ou ação negatória de paternidade, ela ainda não ostenta os exigências na legislação para testemunhar o seu cumprimento aos casos concretos, e mesmo diante de tudo isso, já é difundida e respeitada nas doutrinas e na jurisprudência.
Assim, pode-se começar a estabelecer algumas decisões judiciais a respeito da filiação socioafetiva, como acontece no caso do Recurso Especial de nº 1.189.663 – RS 2010/0067046-9, proferido pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, possuindo como Relatora a Min. Nancy Andrighi, passando a estabelecer a seguinte ementa:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. POSSIBILIDADE. DEMONSTRAÇÃO. 1. A paternidade ou maternidade socioafetiva é concepção jurisprudencial e doutrinária recente, ainda não abraçada, expressamente, pela legislação vigente, mas à qual se aplica, de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica. 2. A norma princípio estabelecida no art. 27, in fine, do ECA afasta as restrições à busca do reconhecimento de filiação e, quando conjugada com a possibilidade de filiação socioafetiva, acaba por reorientar, de forma ampliativa, os restritivos comando legais hoje existentes, para assegurar ao que procura o reconhecimento do vínculo de filiação socioafetiva, trânsito desimpedido de sua pretensão. 3. Nessa senda, não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva, na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação de paternidade, a priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico. 4. Não demonstrada à chamada posse do estado de filho, torna-se inviável a pretensão. 5. Recurso não provido.
Apoiado nessa percepção salientada pela jurisprudência do STJ, nota-se que é viável firmar que existe a possibilidade de se realizar o reconhecimento da filiação socioafetiva mesmo que sua ocorrência provenha de ação de investigação de paternidade.
Entretanto, o ideal mesmo seria que o reconhecimento da filiação socioafetiva fosse devidamente realizado por meio da ação declaratória, na medida em que, se está declarando essa paternidade, e não investigando, pois esse procedimento normalmente é utilizado para descobrir a filiação biológica. Portanto, apesar desse entendimento, não existe nenhuma previsão normativa a esse respeito, podendo ser reconhecida a filiação socioafetiva em qualquer uma dessas ações processuais.
Assim, o STJ analisou em sua ementa que para a ocorrência do reconhecimento da filiação socioafetiva, inicialmente deve ser comprovado a questão da posse de estado de filho para fazer o devido reconhecimento desse instituto.
8-CONSIDERAÇÕES FINAIS
É evidente que desde os primórdios observamos que existe o conceito de família, nota-se que não se assemelha com o leque de conceitos atuais, que hoje não se resume apenas aos pais e filhos, mas sim ao que os une e se designa na principal característica, a afetividade e que independe dos laços consanguíneos, visando sim uma boa relação que vincula pessoas que buscam um interesse em comum, ser feliz e progredir com seus parceiros de vida.
O conceito de família na contemporaneidade não se limita mais, sendo um tema trabalhado em abstrato, pois pode variar de acordo com a formação do vínculo afetivo, onde esmiuçamos os conceitos dos novos moldes de arranjos familiares, sejam eles homoafetivos, multiparentais, pluriparentais, e demais acima elencados.
O presente trabalho se limita somente no fato de esclarecer sobre as evidentes mudanças ocorridas nas construções familiares, juntamente com a transformação do conceito de família na sociedade, trazendo ao âmbito jurídico novos termos a serem trabalhados, e mesmo quando ainda não haja lei especifica criada para a resolução de situações que se assemelham a temas relacionados a este estudo, já desfrutamos de entendimentos jurisprudenciais e de várias doutrinas que tratam desta construção social em um lapso temporal extenso, pois podemos apreciar estudos de 1999 até aos dias atuais.
É notável que mesmo com toda a construção que se realiza diariamente, os conceitos de família, agora no plural, ainda tem muito a enriquecer e melhorar a rotina de muitas pessoas que não se limitam mais a velha caracterização de família, buscando seus objetivos e se fazendo valer de direitos públicos e privados para exercerem suas vontades e sua livre manifestação de interesses.
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Bacharelando do curso de Direito da FIPAR- Faculdades Integradas de Paranaíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, LUCAS ASSIS SILVA. Construção da socioafetividade e os novos arranjos familiares Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2020, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55604/construo-da-socioafetividade-e-os-novos-arranjos-familiares. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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