Florisvaldo Cavalcante de Almeida [¹]
(Orientador)
RESUMO: A dignidade da pessoa humana ao ser expressa na Constituição Federal de 1988, traz garantias ao ser humano, assegurando em seu texto normativo o direito à saúde. Desta forma, por conta desta dignidade inerente ao ser humano, que diversos institutos têm sido criados e aperfeiçoados, em prol do bem estar da coletividade. Por isso, o presente artigo científico, tem por finalidade demonstrar a relevância da temática, sendo irrefutável a sua importância para a sociedade. Nas linhas que se seguem serão destacados os elementos plausíveis para a efetivação do direito a saúde, sendo demonstrado desde os elementos principiológicos até a norma impositiva na carta constitucional e em seus dispositivos infralegais. Nessa perspectiva, é importante ressaltar a judicialiazação do acesso à saúde, com a observância pela preservação dos núcleos essenciais de proteção do indivíduo. O presente trabalho adotará o método dedutivo, uma vez que será desenvolvido mediante revisão de literatura, é com base nisso, que iremos direcionar a atenção das pesquisas, atentando-se aos dispositivos legais, a jurisprudência e doutrina moderna. Por isso, a atuação criteriosa do poder judiciário, vem promovendo grande relevância social, pois ao analisar os efeitos dessas intervenções, em situações inadiáveis, percebemos de fato a efetivação do direito ao acesso universal e igualitário a saúde, pondo um fim ainda que tardio na omissão estatal.
Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana. Constituição. Judicialização. Saúde.
ABSTRACT: The dignity of the human person when expressed in the Federal Constitution of 1988, brings guarantees to the human being, ensuring in its normative text the right to health. In this way, because of this inherent dignity to the human being, that several institutes have been created and perfected, for the benefit of the community. For this reason, the purpose of this scientific article is to demonstrate the relevance of the theme, its importance for society being irrefutable. In the lines that follow, plausible elements for the realization of the right to health will be highlighted, being demonstrated from the principle elements to the imposing norm in the constitutional charter and in its infra-legal provisions. In this perspective, it is important to highlight the judicialization of access to health care with the observance for the preservation of the essential nuclei of protection of the individual. The present work will adopt the deductive method, since it will be developed through literature review, it is based on this, that we will direct the attention of the researches, paying attention to the legal provisions, the jurisprudence and modern doctrine. Therefore, the judicious performance of the judiciary has been promoting great social relevance, because when analyzing the effects of these interventions, in urgent situations, we realize in fact the realization of the right to universal and equal access to health, putting an end even though late in the process. state omission.
Keywords: Dignity of the human person. Constitution. Judicialization. Health.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. O que são direitos fundamentais; 2.1 Da teoria dos direitos fundamentais; 2.2 Dos direitos civis e políticos; 2.3 Dos direitos econômicos, sociais e culturais. 3. Da dignidade da pessoa humana. 4. Sobre o reconhecimento do direito à saúde no brasil; 4.1 Direito à saúde como um serviço público. 5. O acesso ao direito à saúde por meio da tutela jurisdicional; 5.1 A tutela jurisdicional; 5.2 A reserva do possível; 5.3 Sobre o mínimo existencial. 6. Considerações finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O direito a saúde, foi inserido na Constituição Federal de 1988, enquadrando-se como direito de segunda dimensão, está integrado no rol dos direitos sociais, inerente à qualidade da pessoa humana, importante para o desenvolvimento da nação, pois sem ele, não há que se falar sequer em uma nação digna, diante de ter condições para desenvolvimento. Tema este, de grande relevância para a sociedade, buscando à efetivação de políticas públicas por parte do Poder Público, para assegurar condições mínimas de vida para as pessoas, nestes termos, como preleciona José Afonso da Silva (2014, p. 288-289) ao destacar que os direitos sociais, constituem-se em direitos fundamentais do homem, que são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, a afim de proporcionar melhores condições de vida aos mais necessitados, buscando realizar a igualização de situações sociais desiguais. O pensamento do autor reflete o disposto no artigo 6º da Constituição Federal que prescreve:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988).
Ademais, atualmente, apesar da existência das leis específicas direcionadas para a saúde da coletividade, observamos que a precariedade no atendimento, no que tange ao serviço público de saúde, acaba deixando inúmeras famílias desoladas, não cumprindo com rigor algumas garantias elencadas expressamente pela Constituição Federal de 1988, por exemplo, o acesso universal e igualitário a saúde, é um direito que muitas vezes não é cumprido pelo poder público, a pretexto de não poder promover recursos suficientes para ser ofertado o serviço para todos, deixando o ser humano, sem nenhum amparo assistencial, sendo que este é um dos deveres essenciais do Estado.
A partir dai surge para o poder judiciário, através da provocação da parte interessada com a obrigação de aplicar o direito ao caso concreto, ou seja, intervir no âmbito administrativo do poder executivo, comprovando a capacidade de recursos para atender a determinadas solicitações dos necessitados, assim tornando possíveis as internações em Unidades de Terapia Intensiva, concessões de medicamentos, dentre outros serviços necessários e especializados na área da saúde, constituindo normas limitativas que reclamam prestações materiais e jurídicas do Estado (NOVELINO, 2016).
Dessa forma, a análise da temática trará os principais aspectos da judicialização do acesso à saúde , e seus fundamentos, pois como foi mencionado anteriormente, o direito subjetivo criado por esse direito, tem caráter fundamental, exigindo-se a sua validade plena. Sendo demonstrado a legitimação do poder judiciário, com a devida provocação pela parte interessada, a fim de tornar efetiva essa garantia quando o Poder Público se eximir total ou parcialmente dessa obrigação.
Como ficou demonstrado acima o poder publico não tem efetivado o serviço de saúde alegando a falta de recursos. Todavia, quando provocado, o judiciário tem decidido no sentido de que o executivo deve efetivar o respectivo direito.
Considerando o principio da reserva do possível ate que ponto o poder judiciário poderia intervir obrigando ao Executivo fornecer o serviço de saúde?
Desta maneira, devemos criar a conscientização do assunto exposto dada a sua extrema relevância, como forma de viabilizar os precedentes e meios necessários para a efetivação do direito à saúde, demonstrando com idoneidade a fundamentação feita, deixando claro, a obrigatoriedade do Poder Público, em efetivar essa garantia.
2. O QUE SÃO DIREITOS FUNDAMENTAIS?
2.1 Da teoria dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais ou as mais conhecidas dimensões dos Direitos Fundamentais, marcadas por suas três primeiras iniciais classificações que em princípio tratou dos direitos civis e políticos, objetivando a liberdade da sociedade, consequentemente ocasionando a abstenção do poder público, diante do particular, configurando as prestações negativas por parte do Estado, não podendo intervir na ordem social, sendo o estopim do Estado Liberal, instituindo em uma ordem democrática a igualde formal. Acerca das liberdades negativas Alexy (2008, p. 257), destaca que se trata de uma esfera individual de liberdade, sendo este status negativo por parte do Estado, o status libertatis por parte do indivíduo, deixando claro que a abstenção estatal nesse caso é um ponto benéfico para a sociedade, respeitando os direitos dos cidadãos.
Eis que, com o passar dos anos, surgiu a segunda geração dos direitos humanos, os Direitos econômicos, sociais e culturais, com uma visão inovadora, pois nesta geração, o papel do “Estado” muda, deixa de se abster, passando a ser diretamente o principal provedor dos direitos fundamentais do ser humano, configurando assim, as prestações positivas, visando definitivamente a um Estado de bem estar social, nesta dimensão tratamos das igualdades materiais, e não apenas das igualdades formais, tratando-se de prestações sociais (PIOVESAN, 2013).
Segundo Alexy (2008, p. 264), pode-se afirmar ainda que o status positivo se caracteriza também como os meios jurídicos idôneos para a realização dos direitos que o individuo detém, pleiteando em face do Estado, uma vez que nesse ponto específico as necessidades essenciais do ser humano devem ser providas e promovidas pela instrumentalização do poder público.
Por conseguinte, no teor da temática, nos deparamos fatalmente com a terceira geração dos direitos humanos, qual seja: o direito de Fraternidade ou conhecido também como direito de solidariedade, passando a não só responsabilizar o estado por promover determinadas obrigações, ou melhor, de propiciar exclusivamente a efetivação do direito, a partir dessa geração toda a sociedade é responsável por promover na medida de sua capacidade o bem estar social, nascendo as parcerias públicas privadas (CARVALHO, 2015).
Não obstante, lembrando que o direito é uno e indivisível, assim por estabelecer a historicidade como uma de suas características, deve ficar claro que cada período dessa evolução constitucional, encontra-se estreitamente vinculado, por uma questão lógico-jurídica (LENZA, 2018).
Dessa forma, temos que observar as peculiaridades da evolução de direitos estabelecida na orbita Constitucional, vendo as diversas tentativas de se estabelecer um estado que venha efetivamente aplicar os ditames legais, sendo o instituidor da norma constitucional um dos principais autores que estão diretamente vinculado a ela, sendo a sua observância compulsória, pautando a sua atuação no princípio da legalidade.
2.2 Dos Direitos Civis e Políticos
O marco inicial desses direitos, foram com os ingleses, tendo a ilustração em 1215 com A Magna Carta ou também conhecida como “Grande Carta das Liberdades”, caracterizada por ser um diploma legal que objetivava à limitação do poder central, vinculando as ações do soberano aos dispositivos mencionados na referida carta, esclarecendo DEVINE; HANSEN; WILDE; (2007, p. 28). Não obstante, ao mencionar a referida carta, devemos nos ater que houve uma vinculação do rei João a carta, gerando algumas abstenções, que era a ideia fulcral da carta magna, as liberdades negativas ou a não abusividade do poder estatal.
Com a sequência cronológica dos fatos, na clara exposição de Devine et al. (2007, p. 30), temos em 1628, a Petição de Direitos, que delimitava os poderes da monarquia britânica, almejando sempre ao status negativo do poder central, tendo como sua motivação a Magna Carta, reduzindo ainda mais com os abusos e os privilégios reais que eram bastante comuns aquela época.
Por conseguinte, em 1966 no âmbito internacional tivemos a marco do Pacto internacional dos Direitos Civis e Políticos, com o objetivo de dar um caráter vinculante das disposições estabelecidas anteriormente pela Declaração Universal de Direitos Humanos, pois esta tinha apenas valor informativo, não obrigando os Estados-Partes a seguir os ditames estabelecidos, no entanto, tivemos o tratado internacional dos Direitos Civis e Políticos que veio garantindo os direitos direcionados ao ser humano, passando a impor obrigações legais aos estados-membros que descumprissem os regramentos estabelecidos, isso nos retrata a preocupação sob a ótica internacional, no trato das relações do Estado com os indivíduos, sendo essa geração responsável por criar as obrigações positivas por parte do poder público, na qual o Estado deve estar presente para assegurar a efetividade desses direitos, inerentes ao ser humano, como também as obrigações de caráter negativo, a qual resguarda que o Estado não deve violar os direitos estabelecidos para o povo (LENZA, 2018).
Com isso, podemos depreender que os instrumentos essenciais disponibilizados pelo Estado para o cidadão, devem em última analise, demonstrar idoneidade para sanar de modo eficaz, as necessidades pleiteadas pelo indivíduo, pois a mera disponibilidade de meios para a efetivação de alguns direitos essenciais, não configura absolutamente na sua plena eficácia. Importante destacar que não existe liberdade sem igualdade, assim como não existe igualdade sem liberdade.
2.3 Dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
Os direitos de segunda dimensão, vêm para marcar as prestações positivas estatais, invertendo diretamente a visão anterior, que era de um Estado abstencionista que deveria zelar por prestações negativas, nessa ordem, temos a possibilidade de uma figura de um “Provedor Social” fortificada, pois, para a sociedade que é a figura hipossuficiente passar a ter de fé e fato os seus direitos garantidos, nada melhor que a figura estatal no polo de garantidor dessas prestações (CANOTILHO; MENDES; SARLET; STRECK, 2013).
Cabe mencionar a sua abrangência mundial, tendo destaque de seu conteúdo em diversos textos normativos, como podemos destacar: o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), ficando demonstrado, a sua relevância temática (GOTTI, 2012).
Conforme exposto, nesse período temos uma atmosfera constitucional, voltada para efetivação de garantias fundamentais, desta forma temos um enfoque especial aos direitos sociais, o qual engloba diversas aéreas, como: a saúde, educação, alimentação, o trabalho, dentre outros direitos que fazem parte do núcleo essencial do ser humano. No entanto, existe divergências sobre a aplicabilidade e efetivação que é preconizada por esses dispositivos constitucionais, exigindo muitas vezes a fiscalização para o fiel cumprimento de tais obrigações por parte do poder central (LENZA, 2012).
Acontece que, esses referidos direitos, obedecem a algumas características, dentre elas, iremos fatalmente nos deparar com a Constitucionalização, ou seja, que quando se tratar de direitos fundamentais do ser humano, a norma deve ser positivada em algum ordenamento jurídico com validade constitucional (LENZA, 2012). No entanto, devemos nos atentar que ao estabelecer uma ordem constitucional, dentro de um Estado Democrático, que obrigatoriamente irá nos vincular ao direito, pois, se democrático é o Estado, presume-se que de direito ele é, sendo importando frisar que não podemos pressupor que na estruturação inversa de Estado, não poderíamos estabelecer necessariamente uma democracia, porque nem todo estado de direito é democrático. Nessa perspectiva, leciona Alfredo Copetti Neto:
Nesse sentido, pode-se afirmar que a democracia implica incontestavelmente o direito, na medida em que não pode existir democracia sem direito, embora, admita-se a existência do direito não democrático.
Ainda nesse aspecto, dispõe:
Em outras palavras, é importante ter em mente que a democracia vem afirmada não somente como um conjunto de regras que institucionaliza o poder, conferindo autodeterminação individual e coletiva às pessoas, mas também como um conjunto de regras que impõe limites e vínculos a este mesmo poder, impedindo a sua degradação despótica e garantindo o seu exercício à proteção dos interesses de todos. (NETO, 2013).
Assim sendo, não pode o legislador infraconstitucional, furta-se a uma característica dos direitos fundamentais, que é a inviolabilidade, devendo observância obrigatória aos preceitos que foram estabelecidos constitucionalmente em uma ordem jurídica, sendo que sua desobediência, isto é, a sua discordância por meio de uma norma infraconstitucional, implica necessariamente uma violação ao ordenamento jurídico e aos direitos fundamentais.
3. DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade da pessoa humana será o principal vetor dos questionamentos do presente trabalho acadêmico, pois, como é cediço, sabemos que todo ser humano, independente da sua raça, etnia, religião ou até mesmo a sua nacionalidade, deve ser sujeito de direitos e obrigações, é claro que, essa dicotomia irá ter sempre esteio nas imposições legais positivadas no ordenamento jurídico pátrio, como também nos princípios gerais do direito, tendo por basilar a isonomia, como podemos observar.
Partindo da premissa que todo ser humano é sujeito de direitos e obrigações, vale mencionar um direito que faz parte do núcleo essencial de toda pessoa, qual seja: o direito a uma vida digna, ou melhor, cada um deve ter condições mínimas para prolongar os seus dias na “terra”. Disso, surgem diversos questionamentos, tais como: quem irá prover tais condições de existência; como a família deverá prover toda e qualquer necessidade de seus descendentes ou ascendestes; se a família não tiver condições financeiras; de que forma assegurar a saúde de todos; como a sociedade deve cumprir o papel de ser solidária para com o próximo; ou será que somente o “Estado” deve prover tais condições.
Estamos diante de matéria constitucional, matéria esta que foi inserida em nosso ordenamento jurídico de forma paulatina, com muitas lutas e sacrifícios, respeitando a característica da historicidade do Direito Constitucional como um todo, por estar diretamente relacionado com o assunto. Nesse sentido, como cita Laércio Dias de Moura (2002, p. 78-79):
A noção de dignidade humana está atrelada à concepção de que “cada ser humano tem, pois, um lugar na sociedade humana. Um lugar que lhe é garantido pelo direito, que é a força organizadora da sociedade. Como sujeito de direitos ele não pode ser excluído da sociedade e como sujeito de obrigações ele não pode prescindir de sua pertinência à sociedade, na qual é chamado a exercer um papel positivo.
Outrossim, para solidificar o entendimento, temos como complementação a explanação de José Afonso da Silva (2014, p.107), elencando que a Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida.
Percebe-se a preocupação do legislador constituinte em detalhar, ou melhor, ao menos delimitar de forma concisa que o Estado Brasileiro, irá progressivamente aspirar ao bem estar social, ou seja, deixou consignado na carta maior de forma a serem vislumbrados os objetivos a serem buscados pela República, com a finalidade de demonstrar que a instituição de um Estado democrático veio para garantir a igualdade de direitos ou ao menos ter como um de seus pilares a buscar progressiva para tornar efetiva a atmosfera de um Estado social, livre do temor e da miséria (BRASIL, 1988).
Ainda nessa conjectura lógica, leciona o autor supracitado que o princípio da legalidade é também um princípio basilar do Estado Democrático de Direito. Nessa perspectiva, a lei é efetivamente o ato oficial de maior realce na vida política. Logo, o Estado, deve se sujeitar ao império da lei, na busca pela igualização das condições socialmente desiguais.
Por isso, a dignidade da pessoa humana, topograficamente esta no inicio de toda e qualquer conceituação voltada aos direitos fundamentais, pois a partir dela é que podemos caracterizar os demais segmentos do direito, pelo simples fato do ordenamento jurídico ser instituído por e para o ser humana, colocando-o no centro de todo esse arcabouço de normas, visando a harmonia do convívio e o bem estar social, em um mundo a salvo de qualquer tipo de distinção social.
4 SOBRE O RECONHECIMENTO DO DIREITO Á SAÚDE NO BRASIL
4.1 Direito à Saúde como um Serviço Público
Ao efetuar uma observação do cenário social, no que tange a saúde pública, constatamos de fato a carência da aplicação de recursos nessa área, pois as populações das pequenas e grandes cidades que carecem de recursos financeiras para custear os planos de saúde privados, na grande maioria dos casos, acabam por ter que aceitar a sua condição de miserabilidade e suportar o infortúnio das enfermidades que são contraídas, por não ser ofertadas pelo Estado condições de tratamento adequadas, sendo importante frisar que um dos objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil é combater também a pobreza, para evitar situações calamitosas na sociedade (PAULO; ALEXANDRINO, 2015).
Tendo por base o contexto que a sociedade esta inserida, e fazendo um contraponto com os Direitos de Segunda dimensão, quais sejam: Direitos sociais, econômicos e culturais, com enfoque nos direitos sociais, percebe-se um paradoxo perverso, no qual um direito que é caracterizado de segunda dimensão, configurando as prestações positivas Estatais, ser “esquecido” diante de um panorama caótico, que demonstra constantemente a necessidade que o cidadão tem de efetivamente gozar do referido direito, não por mera vaidade, e sim por uma clara necessidade.
Os programas assistenciais instituídos, tendo por base as políticas públicas, voltadas para a efetivação do direito à saúde, muitas vezes passam despercebidas aos olhos da sociedade, pois estas normas de caráter programático que visam instrumentalizar tais direitos, estão presentes no plano formal; já no plano material, percebemos a ausência de sua aplicabilidade, com a realidade social propriamente dita, expondo a omissão Estatal.
Nesse sentido, após uma simples observação, percebe-se que o problema não é a ausência de normas regulamentadoras, pois, ao analisarmos a nossa legislação vigente, perceberemos que na letra fria da lei os direitos são assegurados de forma prioritária, logo, o questionamento não será a ausência de norma regulamentadora da matéria, e sim a sua aplicabilidade, para que possamos sair de uma utopia constitucional.
Com fundamento no Estado Social, que preconiza as suas funções essenciais precípuas, constatando a inserção do direito à saúde no rol dos direitos fundamentais, e obtendo assim intrínseca relação com a dignidade da pessoa humana, não cabe ao ser humano, vendar os olhos e negar que o direito à saúde tem um manto constitucional para protegê-lo, criando assim um direito público subjetivo para o indivíduo, sendo de aplicabilidade imediata, como dispõe o parágrafo primeiro da Constituição Federal de 1988: as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Dessa forma, com fundamentos idôneos, as prestações positivas por parte do Estado se exteriorizam, com a implementação de políticas públicas para combater os problemas sociais, temos como traço positivo na nossa legislação a Lei nº 8.080/90, que veio regulamentando o Sistema Único de Saúde (SUS). A referida legislação infraconstitucional, novamente vem reafirmando a obrigatoriedade por parte do Estado em prover as condições ao pleno exercício do direito à saúde. Com a seguinte redação expressa na Lei nº 8.080/90:
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
Não obstante, o poder público instituiu, como uma tentativa de implementação progressiva de políticas que visassem a beneficiar a população a Lei nº 8.142/90, que vem dispondo da participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde, viabilizando a publicidade das informações para melhor gerir a aparelhagem estatal, abrindo espaço para o desenvolvimento de novas atividades que venham contribuir de forma positiva para a sociedade, focalizando o preceito da igualde e universalidade no acesso.
Por isso, surge um incessante questionamento a cerca dessa temática, pois, ao mesmo tempo que o Estado faz o papel de garantidor deste referido direito, em contra ponto, ele busca se eximir em determinadas circunstâncias, abrindo espaço para a intervenção do poder judiciário nessa órbita, nesse sentido, José Afonso da Silva, (2014, p. 311), dispõe da seguinte maneira:
É espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida
humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do
homem. E há de informar-se pelo princípio de que o direito igual à
vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de
doença, cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo
com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua
situação econômica; sob pena de não ter muito valor sua consignação
em normas constitucionais.
Dado o exposto, é perceptível que estamos obtendo uma evolução quanto à elaboração de politicas públicas para garantir o acesso à saúde dando um pouco de alento ao povo brasileiro, que constantemente reclama investimentos voltados para a área. Por isso, o poder público tem expandido até mesmo as suas parcerias com a iniciativa privada, como uma forma de “desafogar” o setor, porque como é sabido, o atendimento a saúde tem deixado a desejar, não tendo servidores e muitas vezes nem mesmo instalações adequadas para a concessão do serviço necessário a sociedade, sendo uma inconstitucionalidade por omissão, infligindo o disposto na Constituição Federal de 1988, nos artigos que passo a expor:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.(BRASIL, 1988).
Com parâmetros definidos na carta maior, discorre sobre o assunto Cleyson de Moraes Mello e Thiago Moreira, (2015, p. 557):
O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
Por tudo isso, cabe ao Estado ao invés de apenas garantir o direito à saúde, efetiva-lo, deixando de lado, assim, toda e qualquer fundamentação que objetive inviabilizar esse imprescindível serviço social destinado à população, independentemente de sua cor, sexo, etnia, religião ou procedência nacional, tornando um país de igualdade formal e material.
5. O ACESSO AO DIREITO À SAÚDE POR MEIO DA TUTELA JURISDICIONAL
5.1 A Tutela Jurisdicional
Ao adentrar no tema da judicialização do acesso à saúde, fatalmente teremos que apontar a pertinência para a questão dos elevados índices de ações judiciais que envolvem o direito à saúde no Brasil, pois com passar dos anos, podemos notar, que os números das demandas judiciais só têm aumentado, para a comprovação da ineficiência do Sistema Único de Saúde, mas devendo ser analisado de um ponto de vista técnico para que assim, possamos constatar onde se localiza o problema dessa ingerência, dos bens e serviços públicos, por parte do Estado, destacando a necessidade da instituição de órgãos que fiscalizem essa aplicabilidade das normas no caso concreto (SARLET; MARINONI; MITIDIERO; 2017).
Com esse cenário, as discussões voltadas para o acesso à saúde, vem se consolidando nos tribunais superiores por se tratar de direitos subjetivos, sendo uma característica que cria para o particular, que é o titular desses direitos, a capacidade de exigir tais prestações ao poder concedente pelo meio judicial, não obstante, depararem-se com inúmeros percalços argumentativos por parte do Estado, tentando se eximir das reponsabilidades que a ele foi atribuída legalmente, ficando em destaque a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que esta posto em uma posição de guardião dos direitos fundamentais, garantindo o mínimo devido ao ser humano para uma existência digna, primando pela ordem constitucional (PIOVESAN, 2013).
Explicitamente fica destacada a função do judiciário nessas controvérsias que envolve a aplicabilidade das normas direcionadas ao direito a saúde, qual seja: a tutela do mínimo existencial devido ao ser humano. Porque, dessa maneira, o indivíduo poderá gozar de uma vida digna, sendo essas garantias concebidas como fundamentais para a existência humana. Em uma acepção prática, tendo em vista a classificação objetiva de tais direitos, será observado os princípios e valores constitucionais, por serem vetores a serem perseguidos por toda a sociedade (PIOVESAN, 2013).
Dentre outros aspectos, podemos destacar que de forma originária, poderíamos caracterizar os órgãos prestadores dos serviços públicos, na área da saúde, seriam os principais atores protetores da sociedade, pois, são por meio deles que as leis, juntamente com as políticas públicas deveriam ser consolidadas para a proteção da saúde comunitária, garantindo o acesso a medicamentos, a assistência médica primaria, dentre outras assistências relacionadas com a saúde pública (SARLET; MARINONI; MITIDIERO; 2017).
Então, configura o dever do Estado prover essas garantias originárias da própria Constituição Federal, como também das normas infra ordenadas, caracterizando o direito do particular, exigir do ente político a efetivação dessas previsões dispostas no âmbito legal, mesmo que se deparem com causas impeditivas supervenientes, buscando sempre a aplicação progressiva dos ditames sociais. Nestes termos, cabe ao interessado buscar outros meios para gerar a efetivação de suas garantias, como ilustra Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (2017, p. 677):
A despeito das considerações já referidas na parte geral dos direitos sociais, onde desenvolvemos o tópico de sua eficácia e efetividade, quanto ao direito à saúde e sua exigibilidade pela via judicial, importa frisar que, após uma postura inicial mais contida, mesmo os Tribunais Superiores, com destaque aqui para o STF, passaram a reconhecer a saúde como direito subjetivo (e fundamental) exigível em juízo e não mais como direito enunciado de modo eminentemente programático.
Objetivando a flexibilizar essa judicialização da saúde, em uma das reuniões do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde, com a intenção de equilibrar os orçamentos do poder público que se encontram cada vez mais comprometidos por causa das decisões judiciais, que estão direcionadas para fundamentar as suas ações, vinculando-se diretamente aos serviços de saúde ofertados pelo Sistema Único de Saúde que são reclamados pela via judicial, vem-se buscando uma aproximação do poder executivo e judiciário, para tentar diminuir e até mesmo evitar o ajuizamento de demandas judiciais (BRASIL, 2015).
A temática foi declarada como um problema de grave escala, pois acabou afetando diversas secretarias estaduais de saúde, ficando clara a necessidade de aproximação do sistema de saúde do poder judiciário, diante dessa proposta, membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público estiveram presentes em reuniões para esclarecimentos de determinadas ações, dentre elas, foi destacado o objetivo implantar Núcleos de Apoio Técnico, constituídos de corpo de pessoas especializado, para auxiliar os órgãos do poder judiciário no que tange o direito à saúde (BRASIL, 2015).
Com uma atuação voltada a supervisionar o Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde, a conselheira do Conselho Nacional de Justiça, Deborah Ciocci, vem monitorando as ações judiciais para que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais, sigam as recomendações estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça, e celebrem convênios com profissionais da área de saúde para dar apoio técnico ais magistrados, esclarecendo e fundamentando ainda mais as suas sentenças (BRASIL, 2015).
A conselheira, destaca a importância para que os Estados tenham Núcleos de Apoio Técnico, não apenas para auxiliar a convicção dos magistrados nas tomadas de decisões, como também no estabelecimento de demandas não judiciais, propondo procedimentos administrativos que possam sanear os problemas de igual maneira, tornando-se desnecessário as demandas judiciais, tirando por base a aplicação do instituto em determinados estados e municípios do Brasil (BRASIL, 2015).
Os secretários estaduais vêm apontando como um ponto importante a ser melhorado, a ausência de contato com o judiciário, que pode acarretar inúmeras vezes danos ao orçamento público, aos pacientes, em virtude das decisões jurisdicionais (BRASIL, 2015).
Dessa forma, os órgãos do poder executivo, visam à redução das ações judiciais, de forma a viabilizar a efetividade do direito pela esfera administrativa, deixando para o segundo plano a esfera jurisdicional, sempre ofertando aos membros componentes do poder judiciário elementos necessários para subsidiar as suas ilações probatórias, como por exemplo a exposição de dados dos tratamentos ofertados pelo Sistema Único de Saúde e os requeridos judicialmente, deixando disponíveis informações técnicas para dirimir eventuais conflitos de interesses (BRASIL, 2015).
5.2 A Reserva do Possível
Ao analisar o polo garantidor dos direitos sociais, fatalmente iremos nos deparar com a figura do poder público, e a partir dessa figura, nasce para o ser humano, o direito de exigir a prestação dos direitos sociais, caracterizado como direitos subjetivos, fundamentando assim, o controle jurisdicional das políticas públicas, no entanto, diante desse panorama estabelecido, cabe ao Estado prover as exigências indispensáveis à saúde do indivíduo, analisando criteriosamente cada necessidade apresentadas nos casos concretos (MORAES, 2014). Ocorre que, para que o poder público efetive esses direitos, é imprescindível a existência de recursos financeiros suficientes para a prestação adequada dos serviços, esbarrando dessa forma na chamada “reserva do possível”, sendo de importante relevância a aferição da capacidade econômica do ente que irá promover essas garantias constitucionais (NOVELINO, 2016).
Então ao adentrar na temática que consiste em estabelecer as condições econômicas efetivas para as prestações estatais, percebe-se a relevância de tal observância, pois para que ocorra a distribuição de recursos adequadamente é necessária uma prévia orçamentação que ao menos tenha uma fonte de custeio para assegurar a promoção de tais exigências decorrentes dos direitos prestacionais, neste caso voltado para a área da saúde.
Por isso, devemos estabelecer de forma lógica de modo que para ocorrer a efetivação das prestações materiais, inquestionavelmente, geraria um custo a ser arcado pelo poder público, sendo assim, para que exista a concretude deste direito reclamado, é importante a existência de recursos disponíveis, todavia, temos que destacar a pertinência constitucional do tema que envolve este questionamento, não podendo o Estado, e nem mesmo ser humano dispor desses direitos sociais, no que tange a saúde, o direito a vida, sendo classificado como direitos indisponíveis (LENZA, 2018).
Nesse diapasão, cabe justamente ao próprio “Estado”, por meio do Poder Judiciário, tutelar esse conflito, para delimitar até que ponto deverá ser assegurado tais direitos, sendo caso do manejo de ações judiciais, pois, desta maneira, poderá ser imposta obrigações legais ao ente que não estiver adimplindo com suas obrigações, consistindo essa imposição na consecução apenas das normas que já foram destacadas pelo próprio poder público (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017).
Ainda nessa perspectiva, quando mencionamos a reserva do possível, temos que ter a devida cautela com a interpretação desse princípio, para que uma interpretação errônea, não acabe afetando o âmbito dos direitos que derivam das prestações, vinculando diretamente ao fornecimento de bens e serviços que constarem no ditames estabelecidos por políticas públicas, como exemplo podemos elencar a universalidade do acesso aos serviços de saúde ofertados pelo Sistema Único de Saúde (NOVELINO, 2016).
Ao observar essas previsões legais que destacam o direito subjetivo do particular, constata-se a sua previsibilidade objetiva de forma adequada, ficando todas as prestações expressas na lei, contudo, é difícil entender que as prestações asseguradas pela lei, poderá diante de algumas motivações por parte do Estado, ser reduzidas ou até mesmo interrompidas, por exemplo na alegação da indisponibilidade de recursos financeiros e bens para a consecução das normas previstas nas leis e em políticas sociais em prol da saúde, sendo incoerente cercear o uso e gozo de determinados bens e serviços, por ser de natureza essencial (LENZA, 2018).
A delimitação do que é a “reserva do possível” para o direito compactua com diversos aspectos, em uma primeira análise iremos nos deparar com a ausência de recursos econômicos que irá ser a principal alegação do poder estatal para não ofertar a todos os serviços de saúde previstos em lei, como também fundamenta a sua omissão na ausência de recursos humanos e técnicos, sendo de extrema necessidade a solução dos problemas da gestão e a delimitação das prioridades no âmbito dos gastos públicos, por ser matéria atinente aos direitos fundamentais que merece uma atenção especial por parte do Estado (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017).
5.3 Sobre o Mínimo Existencial
A existência de imposições limitativas para as garantias por parte do poder público teve atenção especial ao tratar do princípio da reserva do possível, visando à atenuar ou até mesmo eximir o Estado do dever de implementar determinadas politicas públicas desenvolvidas para assegurar determinados direitos sociais. No entanto, não cabe ao poder público fundamentar a sua omissão, buscando esteio nos princípios constitucionais, a fim de mitigar o dever de garantir o núcleo essencial para a vida do ser humano, qual seja: o mínimo existencial (PIOVESAN, 2013).
Como se depreende do pensamento acima, não há argumentação valida por parte do Estado para obstar o acesso a esses direitos fundamentais, sob a alegação de conflitos, uma vez que quando o poder público alega garantir a capacidade de gozo de determinado direito, não necessariamente este direito pode estar sendo efetivado no dia a dia. É imprescindível que o Estado viabilize os meios idôneos para que as pessoas possam efetiva-lo, buscando progressivamente fazer implementações no ordenamento jurídico, a fim de assegurar a igualdade material, e não apenas a formal (NOVELINO, 2016).
Seguindo essa linha de raciocínio, conforme a nobre fundamentação lógica jurídica do autor que foi mencionado é possível ter a visibilidade da obrigatoriedade da ação por parte do Poder Público, objetivando a progressão dos recursos nas áreas prioritárias para a população, firmando essa prestação devida pelo Estado.
A importância em esclarecer até que ponto o Estado esta sendo efetivo para com as suas obrigações é merecedora de uma atenção especial, porque essa identificação solucionará os problemas decorrentes de tal ingerência, que em muitos casos acabam refletindo de forma negativa para a sociedade, esquecendo em alguns casos de conceder o alento necessário ao povo, que apenas aguarda o que é de direito, não exigindo mais que o necessário para sua existência. Nessa linha os autores expõem o seguinte teor:
No que diz com a assim chamada reserva do possível, que vinha sendo considerada, no mais das vezes, como mero entrave burocrático, a evolução mais recente tende a reverter este quadro, admitindo-se que os direitos sociais encontram-se submetidos a limites fáticos e jurídicos, mas ao mesmo tempo se afirmando que a impossibilidade de atendimento da demanda (de fornecimento das prestações) deve ser demonstrada pelo Poder Público, a quem incumbe o ônus da prova. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017, p. 656).
Ao entender essa sistemática explicativa, passamos a pontuar de forma criteriosa os aspectos necessários a serem ponderados, visto que não temos mais dúvidas em relação aos deveres que são impostos pelo legislador ao Poder Público, nascendo o liame, ou melhor, o perfeito enquadramento no direito subjetivo do particular para pleitear o referido direito. Tais imposições prescrevem claramente que há determinados bens jurídicos tutelados pelo ser humano, que fazem parte de um núcleo intangível, essencial para o desenvolvimento da humanidade, de forma que a não proteção desse núcleo possa causar justamente o efeito oposto, que é a desfragmentação da humanidade, criando um cenário de caos, criando espaço para o retrocesso social, atingindo diretamente toda a órbita do Direito Constitucional (MORAES, 2014).
Possibilitando uma melhor compreensão desse meu entendimento, preleciona Matheus Carvalho, (2015, p. 337):
É cediço que, atualmente, a prestação do serviço público tem um padrão considerado normal, baseado no Princípio da Reserva do Possível, ou seja, tem que haver compatibilidade com o orçamento público e sua estruturação na prestação dos serviços. Se este está sendo realizado dentro do padrão normal esperado, não há que se falar em responsabilizar o Estado. Este, por sua vez não pode eximir-se de suas obrigações em oferecer o mínimo existencial de sobrevivência para os administrados, utilizando-se do princípio da reserva do possível. Neste contexto, para que haja responsabilização do Estado, deve-se analisar se seria possível
ao ente estatal impedir a ocorrência do dano, dentro de suas possibilidades orçamentárias.
Diante do exposto, é de se suscitar a necessidade da inversão do ônus da prova no caso do particular pleitear o referido direito diante da omissão Estatal, ou seja, na inviabilidade de determinada garantia pelo poder público no que tange os direitos fundamentais (sociais), cabe à administração pública fundamentar o motivo da inviabilidade, sob pena de ser responsabilizada, consequentemente sendo obrigada efetivar a obrigação.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar a contextualização da saúde no cenário brasileiro, é perceptível que a ordem jurídica demonstrou especial atenção à temática, pois primeiramente temos o direito à saúde consagrado na nossa carta maior, qual seja, a Constituição Federal, e posteriormente temos legislações infraconstitucionais regulamentando a matéria, com destaque para as políticas públicas desenvolvidas para progressivamente implementar e aperfeiçoar a prestação do serviço a saúde, como foi demonstrado em capítulos anteriores que abordaram detalhadamente essas peculiaridades.
Dessas informações podemos depreender que o problema da saúde pública no Brasil não é decorrente da ausência de normas que regulamentem a matéria, muito pelo contrário, em nosso ordenamento jurídico temos diversas previsibilidades legais que regulamentam toda a temática. Demonstrando a causa dessa problemática que é o não cumprimento das normas, configurando a ingerência estatal e a sua consequente omissão.
A solução posta para essa omissão do Estado foi a judicialização do acesso à saúde, como podemos ter como exemplo o questionamento da atuação do poder público por meio da arguição de descumprimento de preceito fundamental de número 45, onde foi questionada a atuação do poder judiciário, tentando opor a sua ação uma qualidade abusiva, porque estaria invadindo outra esfera de poder que não seria a sua, violando uma garantia constitucional que é a independência dos poderes, sendo assim, a argumentação consistia que o poder judiciário estaria invadindo a esfera do Poder Executivo, no entanto, entendeu-se de forma diversa, como ficou comprovado na mencionada ação judicial acima, objeto desse questionamento (BRASIL, 2004).
Dessa maneira, o poder executivo federal, deveria desenvolver instrumentos para verificar a eficácia das medidas previstas em lei, efetuando constantes monitoramentos, para aferir a efetividade das normas, expondo periodicamente relatórios que comprovem tais dados.
Assim, nasce para o poder judiciário, a legitimidade constitucional de controlar e intervir nas ações de políticas públicas, quando configurar situação de omissão ou abuso do governo, desde que provocado pela parte interessada, para que assim fique resguardado o núcleo essencial do indivíduo. Dessa forma, ficou definido que o poder público deverá resguardar recursos financeiros mínimos para ser destinados a implementações de serviços públicos de saúde, direcionados as populações que não gozem de condições suficientes para promover o custeio de tratamentos privados de saúde (BRASIL, 2000).
A obediência à norma constitucional deve ser prioritária, visto que com a publicação da emenda constitucional de número 29, tivemos de forma expressa a consolidação dessa argumentação supra mencionada, observemos: “ aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde” (BRASIL, 2000).
Nessa perspectiva, é importante ressaltar que não é um caso de usurpação de poder por parte do judiciário, sendo incabível tal argumentação, pois é sabido que os poderes do estado, Executivo, Legislativo e judiciário, são independentes e harmônicos entre si, no entanto, caberá um controle reciproco, denominado de sistema de freios e contrapesos, para garantir que não ocorra a abusividade de determinado poder, tendo como exemplo o caso em comento, destacando que na ausência de ações do poder executivo, tendo posterior provocação do poder judiciário, caberá este intervir para fazer valer o direito garantido pela Constituição (SILVA, 2014).
Diante dos pontos apresentados, há quem discorde dessa intervenção do judiciário, diversos doutrinadores e juízes dispõem de forma contraria, alegando a não legitimidade por parte do poder judiciário em adentrar essa esfera de atribuição de outro poder, estando a imposição feita ao Estado inviabilizada por exigir que o mesmo diretamente a efetive cada direito pleiteado, infligindo a separação dos poderes, fundamentando a discordância na alegação de que o judiciário estaria adentrando a oportunidade e conveniência do poder concedente, ficando demonstrado a inadequação da medida (BRASIL, 2004).
A prática mostra que a viabilidade das ações judiciais para a efetividade dos direitos sociais são potenciais, sendo o meio pelo qual a população tem utilizado para a efetivação de suas necessidades fundamentais que foram esquecidas ou até mesmo ignoradas pelo poder público, o que foi objeto do presente trabalho acadêmico, ficando demostrado o instrumento de viabilidade pelo qual o ser humano irá se valer para a consecução de seus direitos, enaltecendo cada vez mais o papel do poder judiciário como o principal garantidor de tutelas individuais, trazendo a aplicabilidade do direito ao caso concreto, avaliando sempre as suas peculiaridades.
Não obstante, o Conselho Nacional de Justiça, pela resolução número 71, destacou a existência dos plantões judiciários em primeiro e segundo graus de justiça, enaltecendo a sua responsabilidade para o funcionamento adequado do poder judiciário, dispondo acerca das meterias a serem tratadas em tutela de urgência nos plantões nos tribunais (BRASIL, 2009).
O Conselho Nacional de Justiça, deixou claro que a função precípua dos plantões, dentro dos ditames da oportunidade e conveniência é a sua atuação com objetividade e clareza nas decisões emanadas em sede de urgência, padronizando assim, as matérias passíveis de análise (BRASIL, 2009).
Na presente resolução, de forma explícita, em seu artigo 1º, expõe que o plantão judiciário, tanto em primeiro, como também em segundo grau, adequando-se conforme cada regimento dos respectivos tribunais ou juízos, conhecer de determinadas materiais que seguem nas alíneas e parágrafos do presente artigo, sendo de relevância para nossa temática analisar essas matérias, porque, também pelos plantões judiciais será possível pleitear a tutela do acesso à saúde, por se tratar de um direito fundamental que comprova a necessidade satisfativa e a comprava urgência da efetivação do direito reclamado (BRASIL, 2009).
Destarte, a fim de solucionar esse raciocínio, para que o direito a saúde seja exercido em sua plenitude, faz-se necessário a presença de órgão internos na administração publica, vigiando a aplicabilidade das normas, assim, em conformidade com a garantia constitucional, o direito a saúde será ofertado e promovido da maneira correta.
REFERÊNCIAS
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Advogado; Bacharel em Direito pela Faculdade de Ilhéus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVES, Kevin Tavares. A dignidade da pessoa humana por meio da judicialização do acesso à saúde frente à reserva do possível. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2020, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55679/a-dignidade-da-pessoa-humana-por-meio-da-judicializao-do-acesso-sade-frente-reserva-do-possvel. Acesso em: 22 nov 2024.
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