EDY CÉSAR DOS PASSOS JÚNIOR[1]
(orientador)
RESUMO: A saúde é um direito social fundamental, e está ligada à garantia do mínimo existencial. O direito à saúde, garantido pela Constituição de 1988, é um dos principais obstáculos do Brasil para execução dos direitos sociais. A reserva do possível, tem sido o maior percalço para a implantação desse direito. Esse fato agrava-se ainda mais para as pessoas vulneráveis de baixa renda, que são os assistidos da Defensoria Pública da União, que é o órgão responsável por defender os direitos das pessoas em condições de extrema vulnerabilidade. No presente artigo vai ser analisado os aspectos sociais e jurídicos que ocorrem na defesa do direito à saúde dos assistidos da DPU. Em seguida vai ser analisado como se dá a atuação da DPU frente ao direito a saúde na aplicação fática limitada que o Estado fornece em virtude da reserva do possível. O presente artigo, baseia-se em uma pesquisa bibliográfica de caráter exploratório que parte de um ponto em que caracteriza um material já elaborado, constituído principalmente de artigos científicos, livros, julgados de tribunais e outras publicações sobre o título. Compreende-se que o direito à saúde não pode ser negado por falta de recursos financeiros pelo Estado, deve ser buscado um diálogo administrativo e célere que beneficie ambas as instituições responsáveis pela defesa e concessão do direito.
Palavras-chave: defensoria; direito; saúde; reserva; possível.
ABSTRACT: Health is a fundamental social right, and it is linked to guaranteeing the existential minimum. The right to health, guaranteed by the 1988 Constitution, is one of Brazil's principles for the enforcement of social rights. The reserve of the possible, has been the biggest obstacle to the implementation of this right. This fact is even worse for vulnerable low-income people, who are assisted by the Federal Public Defender's Office, which is the body responsible for defending the rights of people in conditions of extreme vulnerability. In this article we will analyze the social and legal aspects that occur in the defense of the right to health of DPU beneficiaries. Next, it will be analyzed how the DPU works in relation to the right to health in the limited factual application that the State provides by virtue of the reserve of the possible. The present article is based on an exploratory bibliographic research that starts from a point in which it notes material already prepared, consisting mainly of scientific articles, books, judged by courts and other publications on the title. It is understood that the right to health cannot be denied due to lack of financial resources by the State, an administrative and swift dialogue that benefits both institutions responsible for the defense and concession of the right must be sought.
KEY-WORDS: advocacy; right; health; reservation; possible.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Histórico do direito à saúde no Brasil. 3. O direito à saúde: 3.1. Noções gerais do direito à saúde; 3.2. Aspectos sociais do direito à saúde; 3.3. O mínimo existencial. 4. Atuação da Defensoria Pública da União na garantia do direito à saúde: 4.1. Dos julgados no Estado do Tocantins no que tange à saúde; 4.2. Da necessária proteção ao direito à vida e sua consequente judicialização; 4.3 Da importância do SUS. 5. Da reserva do possível: 5.1. Aplicação da cláusula da reserva do possível. 6. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A saúde está prevista no rol dos direitos sociais instituídos pela Carta Magna de 1988. Trata-se de um direito público subjetivo constituindo dessa forma uma garantia constitucional que o Estado assegura para os cidadãos. Entretanto, trata-se de um dispositivo com de eficácia limitada, no qual é necessária uma série de medidas do poder público para que realmente seja efetivada. Nesta ótica, o respectivo direito configura-se como um dos principais obstáculos da saúde brasileira, para a execução dos direitos sociais. Essa condição se agrava ainda mais para os assistidos da Defensoria Pública da União, que é o órgão responsável por defender os direitos das pessoas em condições de extrema vulnerabilidade.
Em contraponto a isto, a cláusula de reserva do possível é usada como argumento do Poder Executivo, na sua função de típica de administrar, para alegar que o Estado deve garantir o que está dentro de suas possibilidades e garantir o mínimo existencial de cada cidadão, cujo principal fundamento é a dignidade humana, ou seja, somente poderá fazer, o que esteja dentro do orçamento, de forma em não haja prejuízo aos cofres públicos. Porém, os direitos sociais, como bem elencados na nossa constituição, a depender do caso em específico, sobrepõe-se a este princípio a fim de estabelecer uma vida digna ao ser humano.
Os órgãos governamentais, tendem a manter-se em inércia, e em consequência disto, por muitas vezes, os assistidos da DPU, ingressam no poder judiciário a fim de fazer com que o Estado cumpra a obrigação desejada. Neste cenário, o judiciário possui a tendência de deferir os pedidos, visto que o direito à vida possui maior relevância perante a capacidade orçamentária do Estado, e desta maneira, dá-se a início todo um processo delicado em que há a ponderação de dois princípios basilares da nossa constituição, a fim de que seja tomada a melhor e correta decisão.
Neste artigo vai ser analisado os aspectos sociais e jurídicos que ocorrem na defesa do direito à saúde dos assistidos da DPU e os impactos que podem ser causados nas garantias desses direitos. Em seguida vai ser analisado como se dá a atuação da DPU frente ao direito a saúde na aplicação fática limitada que o Estado fornece em virtude da reserva do possível. Ademais, será exposto ainda, julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, bem como dos Tribunais Superiores, quando são instados a julgar matérias semelhantes.
O presente artigo, baseia-se em uma pesquisa bibliográfica de caráter exploratório que parte de um ponto em que caracteriza um material já elaborado, constituído principalmente de artigos científicos, livros, julgados de tribunais e outras publicações sobre o título. As informações serão apresentadas sob a forma de texto descritivo, após a leitura e análise, na medida que os autores consultados serão citados no texto, segundo as normas da ABNT.
De uma forma geral e sintética, busca o presente artigo relevar e expor os argumentos de ambas as instituições pertencentes à União na defesa dos interesses dos assistidos no tocante à saúde, e na defesa da União no que se refere ao utilizar somente o necessário no que dispõe de seus limites para tratar dos direitos das pessoas que necessitam.
2. HISTÓRICO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL
O exercício do direito à saúde, elencado na legislação infraconstitucional e constitucional, deve ser pensado de forma que a história do direito à saúde constitui todas as relações históricas sociais, políticas e econômicas que giram em torno do homem, bem como a saúde na determinada época que reflete sobre as compreensões atuais da saúde na sociedade.
Por essa razão, o histórico do direito à saúde torna-se relevante para a sua atual conjuntura, pois os direitos sociais, fazem parte da vasta gama dos direitos fundamentais, que antes mesmo da CF/88, já possuía dispositivos legais que buscavam assegurar uma melhor organização para o Estado. Sendo assim, é nítido que o dever do Estado para com os direitos sociais, já existida antes mesmo da nossa constituição.
Ainda nesse sentir, quis introduzir o legislador constituinte, no capítulo destinado a seguridade social, a inclusão de uma estrutura organizacional responsável pela efetivação dos serviços públicos de saúde, de forma que seja universalizado o atendimento à população, a saber:
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. (BRASIL, 1988).
Nota-se dessa forma, a grande relevância do tema no qual mostrou-se necessário incluí-la na CF/88, a fim de que essas conquistas, não sejam abolidas, nem suprimidas de qualquer forma, visto que se trata inegavelmente de cláusula pétrea.
Para Balestra (2007) as primeiras ações relacionadas à saúde chegaram nas cortes superiores por volta da década de 1990 e versavam na maior parte de fornecimento de medicamentos pelo poder público. Tão grande foi a procura a partir dos anos 2000 a procura se tornou maior ainda.
A antiga e já revogada Lei nº 6.229, de 1975, instituiu à época o Sistema Nacional de Saúde, e posteriormente o Decreto nº 94.657 de 20 de julho de 1987, criou a os Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde nos Estados, no qual pretendia passar as atribuições relacionadas a saúde para os Estados e Municípios.
A constituição de 1988 tratou da saúde, como espécie da Seguridade Social, nos arts, 196 a 200. O inciso II do art. 23 da Lei Magna atribui a competência comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para cuidar da saúde e assistência pública. O inciso XII do art. 24 da Constituição estabelece, competência concorrente à União, aos Estados, e ao Distrito Federal sobre proteção e defesa da saúde. A União irá estabelecer normas gerais (§ 1º do art. 24 da Lei Maior). (MARTINS, 2004, p. 515).
O que se nota é que durante o passar dos anos o Poder Público sempre tentara desvencilhar-se a saúde de apenas sua titularidade, tentando dessa forma dividir as responsabilidades com os demais entes da federação, não atoa, a Lei 8.689 de julho de 1993 extinguiu o instituto nacional de assistência médica da previdência social.
De acordo com professor Martins (2004, p. 515) com a extinção do Inamps, a União, por meio do Orçamento da Seguridade Social, obriga-se a garantir ao Sistema Único de Saúde, permanente e sem prejuízo da participação dos recursos do Orçamento Fiscal, o aporte anual de recursos financeiros equivalente, no mínimo, à média dos gastos da autarquia nos últimos cinco exercícios fiscais.
Nesse sentindo, nota-se que legislador constituinte expandiu os direitos sociais de forma que pudesse não deixar desamparados as pessoas que dele necessitem, mas também não quis deixar apenas sob a responsabilidade da União a integração do direito à saúde.
3. O DIRETO À SAÚDE
A saúde é direito inerente a qualquer ser humano, estando intrinsicamente ligado ao uso dos direitos fundamentais e dos direitos humanos. Neste óbice, essa respectiva garantia possui respaldo no cotidiano social do amplo exercício da dignidade da pessoa humana. Corolário a isto, dispõe da seguinte forma o texto constitucional:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988).
Tem-se por certo, que ao incluir esse respectivo artigo supracitado, o legislador constituinte quis resguardar o bem estar da população, a fim de usufruir de todos os direitos positivados na legislação constitucional e infraconstitucional, bem como zelar pelo controle das políticas públicas.
Nesta seara, decidiu a Desembargadora Federal Daniele Maranhão Costa do TRF 1ª Região:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. MEDICAMENTO NÃO CONSTANTE DAS LISTAS DO SUS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA RESERVA DO POSSÍVEL E DA SEPARAÇÃO DOS PODERES: AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. CONDENAÇÃO DE ENTE PÚBLICO FEDERAL. CABIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Os três entes federados são solidariamente responsáveis pelo dever de prestar assistência à saúde (Tema 793 - RE 855.178/SE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe -050 16/03/2015). Assim, em casos como o presente não se cogita da ilegitimidade passiva de nenhum deles para responder à pretensão. Ilegitimidade passiva da União afastada. 2. Incumbe ao Estado a garantia do direito à saúde, assegurado constitucionalmente, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção e proteção desse direito (art. 196 da Constituição Federal de 1988). 3. Conforme consolidada jurisprudência do STJ e do STF, a intervenção do Judiciário voltada para garantir a prestação de direitos sociais, como a tutela do direito à saúde com a determinação de distribuição de medicamentos, não viola o princípio da separação dos poderes, sem prejuízo da constatação de que a atuação do Estado-juiz deve ser pautada pela prudência e moderação, limitando-se a garantir a implementação de um direito fundamental posto em risco em decorrência da omissão ou ineficiência estatal. 4. A cláusula da reserva do possível não pode ser invocada como justificativa para a inércia governamental no adimplemento de uma prestação positiva imposta ao poder público pela Constituição Federal, como é o caso do fornecimento de fármacos, sob pena de se comprometer a própria eficácia da norma constitucional. Na mesma linha, a cláusula da reserva do possível se ressente de higidez diante da necessidade de atendimento de direitos inerentes ao chamado mínimo existencial, ao que se agrega sua insubsistência nas hipóteses em que o poder público não comprovar a impossibilidade orçamentária de cumprir com sua obrigação. Precedentes do STF. 5. O STJ apreciou a questão do fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (art. 19-M, I, da Lei nº 8.080/90), em sede de recurso repetitivo (Tema 106, REsp 1.657.156/RJ, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe 04/05/2018), admitindo o fornecimento de fármacos não constante das listas do SUS em caráter excepcional, desde que atendidos os seguintes requisitos: 1) demonstração da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento do tratamento e da ineficácia dos fármacos fornecidos pelo SUS para o tratamento da doença, o que será aferido por meio de laudo médico circunstanciado e fundamentado expedido pelo médico que assiste o paciente; 2) comprovação da hipossuficiência do requerente para a aquisição do medicamento sem que isso comprometa sua subsistência e 3) que o medicamento pretendido já tenha sido aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa. Requisitos atendidos no caso dos autos. 6. A existência de laudo médico indicando a doença da qual a parte autora é portadora e demonstrando a necessidade do medicamento requerido, bem como a ineficácia dos fármacos fornecidos pelo SUS para o tratamento da doença, e a hipossuficiência do requerente, impõem a manutenção da sentença. 7. Possibilidade de condenação da União em honorários advocatícios a favor da Defensoria Pública da União após a EC 80/2014, tendo em vista a autonomia funcional, administrativa e orçamentária da DPU. Precedentes do STF e deste Tribunal. 8. Apelação a que se nega provimento. (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO, 2019).
Em que pese ser determinado pela constituição a harmonia e independência dos poderes, percebe-se que a partir do julgado que o Poder Executivo na sua incumbência constitucional de administrar e executar políticas públicas, poderá ter em sua esfera de atuação, a intervenção do judiciário para assegurar os direitos sociais, sem que isso configure ingerência de um Poder sobre o outro.
3.1. Noções gerais do direito à saúde.
A dignidade humana é pedra angular norteadora de grande parte dos outros princípios da legislação vigente. Não à toa, é instruído o art. 5º, caput, da CF/88 de forma que seja assegurado o direito à vida. Nesse diapasão, é que se mostra essencial o fornecimento de toda medicação ou ajuda médica necessária a toda pessoa que dela necessite.
De acordo com Lenza (2006, p. 06), o Direito à vida, de forma genérica previsto no art. 5º. caput, da Constituição Federal, abrange tanto o direito de não ser morto, privado da vida, portanto o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna.
Nesse diapasão, é função essencial do Estado regular as políticas públicas a serem adotadas para assegurar este direito fundamental. A Lei 8.080 de 1990 passou a dispor sobre a incumbência do Estado da seguinte maneira:
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. (BRASIL, 1990).
É possível notar dessa forma, que por ser um direito fundamental, deve ser tratado como requisito essencial para o cotidiano do ser humano. Nesse sentir, ingressar no judiciário buscando a tutela jurisdicional, é perfeitamente adequado para manter as condições inerentes a dignidade humana.
3.2. Aspecto sociais do direito à saúde.
É notório que para a maioria das pessoas, o protagonismo do judiciário na saúde acaba afetando e até em algumas ocasiões inviabilizando as políticas públicas dessa respectiva área e o próprio SUS em si, entretanto, faz-se necessário destacar que o chamado ativismo judicial se relaciona por diversas vezes com o direito à vida inerente ao ser humano, sem o qual não é possível sobreviver.
O que se observa é que a execução das políticas públicas no que tange a área de saúde não acompanhou a evolução dessa garantia fundamental e continua muito aquém das necessidades da população, deixando-os desamparados em um dos momentos mais caóticos de todos os tempos.
De acordo com o professor BARROSO (2008) as políticas públicas de saúde devem seguir a diretriz de reduzir as desigualdades econômicas e sociais. Contudo, quando o Judiciário assume o papel de protagonista na implementação dessas políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado à Justiça, seja por conhecerem seus direitos, seja por poderem arcar com os custos do processo judicial. Por isso, a possibilidade de o Judiciário determinar a entrega gratuita de medicamentos mais serviria à classe média que aos pobres.
Desta feita, o judiciário começou a atuar mais ativamente nas questões relacionadas aos direitos sociais, o que por si só, gerou uma onda de decisões judiciais dispondo da obrigação de realização de determinados a fim de garantir o bem estar do seu humano, isso é tratado como a judicialização da saúde. Esse fenômeno, oportuniza as pessoas necessitadas, um atendimento respectivo aos serviços de saúde, tutelado nessa hipótese, pelo poder judiciário.
Na opinião de muitos, o efetivo acesso à saúde só se concretiza com o amplo acesso à justiça, e deve ser assegurado por ela, diante da omissão dos outros poderes. Ainda que o SUS, seja reconhecido como um dos sistemas de saúde mais abrangentes e evoluídos do mundo, ainda possui vários defeitos, podendo ser considerado falho.
É importante destacar também, que o Ministério da Saúde elabora anualmente a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, em que é elencada e divulgada as prioridades nacionais da saúde, destacando nesse sentido, a segurança e eficácia do medicamento para com as enfermidades.
Esta relação de medicamentos serve de documento guia para a elaboração das listas municipais e estaduais conforme suas próprias situações epidemiológicas, para a orientação das prescrições a serem feitas de acordo com o próprio abastecimento do SUS.
3.3 O mínimo existencial
O mínimo existencial ou mínimo social, garante que o princípio da reserva possível não seja usado como forma de escusa para que não seja assegurado o exercício dos direitos fundamentais mínimos a pessoa humana. Sendo assim, deve ser compreendido e interpretado da forma que melhor se adequar ao indivíduo que dele necessite, a fim de que haja a execução do direito à saúde.
Dessa maneira, não se pode confundir o mínimo existencial com o mínimo vital ou mínimo de sobrevivência, pois este é um corolário do direito à vida (art. 5o, caput, da Constituição Federal). Não permitir que alguém morra de fome, embora seja o primeiro e mais básico aspecto do mínimo existencial, com ele não se confunde. O mínimo existencial é um conjunto de garantias materiais para uma vida condigna, que implica deveres de abstenção e ação por parte do Estado. Confundir o mínimo existencial com o mínimo vital (de sobrevivência física) é reduzir o mínimo existencial ao direito à vida. (NUNES, 2019, p. 973)
A verdadeira efetivação da teoria do mínimo existencial, encontra-se na junção com o princípio da dignidade humana que nada mais é, propiciar aos menos desfavorecidos o direito à vida, à igualdade e à liberdade, que só encontra o fim com bem estar social.
A teoria dos freios e contrapesos, deve sempre nortear o ordenamento jurídico, porém, o Poder Judiciário não só pode, como deve, exigir dos entes federativos o cumprimento de deveres constitucionalmente previstos, sem receio de invadir a atribuições constitucionais que os outros Poderes possuem. Consequentemente, genéricas alegações de cunho orçamentário não podem legitimar o descumprimento de um dever constitucional.
Além disso, na ponderação entre os princípios do mínimo social e o da reserva do possível, possui o entendimento a Suprema Corte que, no que diz respeito à saúde, é essencial a atuação do Poder Judiciário a fim de determinar o cumprimento da obrigação a ser realizada pelo ente federativo responsável da demanda. Nesse sentido, a Segunda Turma do STF entende da seguinte forma:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) – MANUTENÇÃO DE REDE DEASSISTÊNCIA À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – DEVER ESTATAL RESULTANTEDE NORMA CONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DEOMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO – DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃOPROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ183/818-819) – COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDEA AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796) – A QUESTÃO DARESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE AINVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICAO MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197) – O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NAIMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃOEFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NAPERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUAINVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DEPRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO – A TEORIA DA“RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) – CARÁTERCOGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DECONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS,ESPECIALMENTE NA ÁREA DA SAÚDE (CF, ARTS. 6º, 196 E 197) – A QUESTÃO DAS “ESCOLHASTRÁGICAS” – A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADEINSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS EDE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO – CONTROLEJURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO PODER PÚBLICO: ATIVIDADE DEFISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DECERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃOAO MÍNIMO EXISTENCIAL,VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DEEXCESSO) – DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DEIMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA(RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220) – EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DERELEVANTE INTERESSE SOCIAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2014).
Nessa perspectiva, à título de exemplo, durante um tratamento médico, subtendia-se que estaria o magistrado a invadir a esfera privativa do gestor, em clara afronta ao princípio da separação dos poderes, o que por diversas vezes era rebatido pelo judiciário a fim de demostrar o acesso universal à saúde.
4. ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA GARANTIA DO DIREITO À SAÚDE
Em se tratando da atuação da Defensoria Pública da União na sua função institucional de assegurar o perfeito cumprimento das leis que regem a CF/88, a Lei Complementar nº 80, de janeiro de 1994 dispõe o seguinte:
Art. 3º-A. São objetivos da Defensoria Pública:
I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais;
II – a afirmação do Estado Democrático de Direito;
III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e
IV – a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. (BRASIL, 1994).
Dessa forma, depreende-se que a DPU, na sua função institucional, há de sempre lutar pela garantia do direito à vida face a cláusula da reserva do possível. Ademais, a DPU conta com um baixo orçamento destinado pela União, e atende diversas matérias, dentre elas, os direitos socias são um dos principais procedimentos que requerem maior cautela. Não raro, é expedido ofício aos órgãos responsáveis para obter uma satisfação extrajudicial e célere.
Para Martins (2004, p. 516) verifica-se que a saúde é um direito público subjetivo, que pode ser exigido do Estado, que, por contrapartida, tem o dever de prestá-lo. Está, assim, entre os direitos fundamentais do ser humano.
Porém, o que é possível observar é que na maioria dos casos, a resposta não é imediata, e nesse sentir, é necessário ajuizar as demandas para garantir a efetividade do direito à vida da pessoa atendida, do contrário, a não efetivação do direito poderá ocasionar a perda de uma vida.
4.1 Dos julgados no Estado do Tocantins no que tange à saúde
Tem se por certo que os problemas relacionados à saúde, como falta de leitos em UTI, escassez de medicamentos e insumos para pacientes e profissionais da área é de escala nacional. No Estado do Tocantins não é diferente, a realidade alarmante. São diários a divulgação de notícias de pessoas que morrem à espera de consultas ou da falta de medicamentos. Em que pese a falta de ações do poder público ser constante para a solução do problema, a via de judicialização da saúde é inevitável.
Nesse sentido, vejamos o seguinte julgado pelo TJ-TO:
REEXAME NECESSÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. MEDICAMENTO. DEVER DO ESTADO E MUNICÍPIO. SOLIDARIEDADE PASSIVA. FISCALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. RESERVA DO POSSÍVEL. TESE IMPERTINENTE. REEXAME IMPROVIDO. 1- Uma vez comprovadas a necessidade do tratamento médico prescrito ao paciente e sua impossibilidade de custeá-lo por conta própria, incumbe ao Poder Público fornecer o tratamento, em observância ao direito fundamental à saúde encartado no art. 196 do CF/88; 2 - A União, o Estado, o Distrito Federal e o Município são partes legítimas para figurar no polo passivo nas demandas cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde de pessoa carente, podendo a ação ser proposta em face de quaisquer deles, ou de ambos, nos moldes do art. 198 da CF, c/c art. 11, § 2º da Lei 8.069/90 e art. 30, VII, da CF; 3 - A não efetivação, pelo Poder Executivo, de políticas públicas estabelecidas na Constituição abre espaço para o papel fiscalizador do Poder Judiciário, garantindo a cada pessoa necessitada a efetiva tutela ao seu direito fundamental à saúde, sem que isso configure ingerência de um Poder no outro, sob pena de se viabilizar o retrocesso social e de se conferir proteção insuficiente a direito constitucional; 4 - Não há que se falar em reserva do possível a obstar o dever de o Estado salvaguardar o direito à saúde quando, sequer, resta demonstrado a alegada insuficiência orçamentária, mormente quando em jogo a tutela de direito inserido no núcleo essencial que qualifica o mínimo existencial. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO TOCANTINS, 2017).
Do mesmo modo:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. COMPROVADA NECESSIDADE DO USO DO FÁRMACO. SUPREMACIA DO DIREITO À SAÚDE E À VIDA. RECURSO PROVIDO. 1. A saúde é direito social fundamental (arts. 6º, caput, e 196, CF), inserindo no conceito de mínimo existencial, razão pela qual é dever do Estado garantir a todos uma vida digna, incluindo-se, aí, o fornecimento de medicamento. 2. Comprovada a necessidade do medicamento, a urgência e a carência financeira para adquiri-los, é dever do ente público o fornecimento, garantindo as condições de saúde e sobrevivência digna, com amparo nos artigos 196 e 197 da Constituição Federal. 3. O relatório médico apresentado é robusto em afirmar acerca da necessidade do medicamento indicado, em razão de ser o agravante portador de psoríase. 4. Agravo de instrumento conhecido e provido. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO TOCANTINS, 2018).
Em ambos os julgados, o Egrégio Tribunal manifestou-se pelo acolhimento dos pedidos dos pacientes, pois as políticas públicas são insuficientes para tutelar o direito fundamental das pessoas carentes, o que resulta em um judiciário e ativo e protagonista na garantia dos direitos.
4.2 Da necessária proteção ao direito à vida e sua consequente judicialização
Vale destacar ainda que o Estado possui a obrigação de seguir os parâmetros definidos na Carta Política de 1988, quais sejam, os princípios do mínimo existencial, da dignidade humana e os definidos nos direitos sociais, bem como os dispostos na legislação infraconstitucional.
O não funcionamento da máquina pública na garantia do direito a uma vida digna em que haja sempre uma progressão na saúde, abre brechas para a judicialização desses direitos. Considerando que em muitos casos é necessário ingressar no judiciário para pleitear tal direito, é até certo ponto compreensível a morosidade do Poder Executivo em cumprir tais determinações.
De acordo com Lima (2020, p. 81), a positivação da saúde é fruto da operação fechada do direito, a resultar em decisão contingente que escolheu determinado sentido, mas poderia ter escolhido outro igualmente válido. Por isso mesmo, é muito provável que decisões futuras cheguem a considerar outro conteúdo como certo. Errar faz parte do risco sistêmico; é inevitável. Os erros são corrigidos após a sua percepção e uma das principais formas de detectá-los é abrir-se à heterorreferência com outros sistemas parciais.
Seguindo essa perspectiva supracitada, a materialidade da judicialização da saúde trata-se na verdade de uma complexa comunicação entre os órgãos. Outrossim, o desempenho falho, principalmente do poder executivo, na tomada das decisões relacionadas as políticas públicas, constitui a razão para o surgimento de um judiciário ativista.
4.3 Da importância do SUS
O SUS é objeto de bastante discussão social, é bastante criticado por sua capacidade e morosidade no atendimento, mas também é elogiado pela sua abrangência em prestação de serviço públicos, visto que está inserido em todas as esferas do poder público em geral.
De acordo com Martins (2004, p. 520), o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas e federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde - SUS.
Com efeito, o SUS, embora ramificado, não perde sua unicidade, de tal sorte que qualquer dos seus gestores fica responsável por atender às exigências alusivas às ações e serviços indispensáveis à saúde pública. Além disso, a jurisprudência nacional baseada no artigo 196 da CF/88 tem entendido que a responsabilidade dos entes federados envolvidos nas matérias da saúde do cidadão pelo SUS, é solidária, sendo assim, mostra-se mais do que necessário o fornecimento de medicamentos para pessoas de baixa renda, de forma que seja garantindo o acesso aos medicamentos necessários para tratar mazelas das pessoas vulneráveis.
Nesse sentido, confira-se o entendimento jurisprudencial do STJ quando tratado sobre a responsabilidade entre os entes da federação:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE DO ESTADO DE RORAIMA.ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 333 DO CPC. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO DO TRIBUNALDE ORIGEM QUE, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS, CONCLUIU PELA COMPROVAÇÃO DANECESSIDADE DO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SÚMULA 7/STJ.RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES DO STJ.ACÓRDÃO BASEADO EM FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL ÀSAÚDE, PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DAMATÉRIA, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL, SOB PENA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIADO STF. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (...) II. Conforme a jurisprudência do STJ, “o funcionamento do Sistema Único de Saúde – SUS é de responsabilidade solidária da União, estados-membros e municípios, de modo que qualquer destas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros". (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2013, grifos nossos).
Ademais, há de se observar que a responsabilidade do Sistema Único de Saúde - SUS, é objetiva, conforme estabelece o art. 927 do Código Civil, que todo aquele que causar dano, deve repará-lo, dessa forma, fica nítido a responsabilidade do Estado em reparar os danos que vierem a serem ocasionados pela morosidade em tratar da saúde daqueles que necessitam.
5. DA RESERVA DO POSSÍVEL
Por certo, o princípio da reserva do possível, dispõe que as necessidades dos seres humanos são infinitas, porém o Estado seguirá sua capacidade orçamentária e financeira de prover as necessidades da população. Nesse liame, subentende-se que por inúmeras situações, o Estado tentará esquivar-se da aplicação de recursos os quais julga ser necessário ser aplicado a determinado caso específico.
Nesse liame, o Desembargador João Rigo Guimarães do TJ-TO manifestou da seguinte forma:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DEVER SOLIDÁRIO DOS ENTES FEDERADOS. FISCALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. RESERVA DO POSSÍVEL. TESE IMPERTINENTE. MEDICAMENTO NÃO CONSTANTE NA LISTA DO SUS - RENAME - DEVER DE PRESTAR O MEDICAMENTO QUE PERMANECE - PRECEDENTE. RECURSO VOLUNTÁRIO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. A União, o Estado, o Distrito Federal e o Município são partes legítimas para figurar no pólo passivo nas demandas cuja pretensão é o tratamento imprescindível à saúde de pessoa carente, podendo a ação ser proposta em face de quaisquer deles, ou de ambos, nos moldes do art. 198 da CF, c/c art. 11, caput e § 2º da Lei 8.069/90 e art. 30, VII, da CF. 2. Uma vez comprovadas a necessidade do tratamento médico prescrito ao paciente e sua impossibilidade de custeá-lo por conta própria, incumbe ao Poder Público fornecer o tratamento, em observância ao direito fundamental à saúde encartado no art. 196 do CF/88. 3. A não efetivação, pelo Poder Executivo, de políticas públicas estabelecidas na Constituição abre espaço para o papel fiscalizador do Poder Judiciário, garantindo a cada pessoa necessitada a efetiva tutela ao seu direito fundamental à saúde, sem que isso configure ingerência de um Poder no outro, sob pena de se viabilizar o retrocesso social e de se conferir proteção insuficiente a direito constitucional. 4. Não há que se falar em reserva do possível a obstar o dever de o Estado salvaguardar o direito à saúde quando, sequer, resta demonstrado a alegada insuficiência orçamentária, mormente quando em jogo a tutela de direito inserido no núcleo essencial que qualifica o mínimo existencial. 5. A saúde do paciente não pode ficar condicionada a previsão de medicamento em lista do SUS, comprovada a necessidade do tratamento e este, não tendo condições de arcar com os custos, é dever de o Estado fornecer o medicamento devido a quem precisa. O direito fundamental à saúde não pode ficar condicionado à previsão do medicamento necessário em lista elaborada pelo Poder Público (RESME - Relação Estadual de Medicamentos Essenciais), uma vez comprovada a imprescindibilidade de seu uso e a hipossuficiência econômica do paciente a impossibilitar o custeio particular do tratamento. O fato de o medicamento solicitado não constar em lista do SUS e/ou RENAME, não desonera o Estado de seu dever de proporcionar o tratamento mais adequado e eficaz aos que dele necessitam. 6. Recurso voluntário conhecido, porém, NÃO PROVIDO. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO TOCANTINS, 2018).
É bem verdade, que o Estado deve usar dos recursos necessários para gerenciar as demais áreas da sociedade, porém, quando não se há uma comprovação específica do impacto no orçamento, perante a vida de uma pessoa, necessário faz-se o afastamento da reserva do possível para que haja a verdadeira efetivação da equidade e da universalização de acesso à saúde.
5.1 Aplicação da cláusula da reserva do possível
Com efeito o Estado possui discricionariedade para poder eleger as metas do da administração bem como suas políticas públicas, porém o dinheiro público é definido pela Lei Orçamentária Anual e as demandas sociais são infinitas. Destarte, assim como há a separação dos poderes, há também a separação de funções e áreas de atuação e competência de acordo com o caso a ser tratado. Pois, nesse tema, enfrenta-se também os repasses de verbas feitas pela União aos demais entes da federação.
Nesta seara, Nunes (2019, p. 951) ensina que na concepção original (alemã), a reserva do possível refere-se àquilo que é razoavelmente concebido como prestação social devida, em decorrência da interpretação dos direitos fundamentais sociais, eliminando as demandas irrazoáveis, desproporcionais e excessivas.
Dessa forma, não raro, o judiciário é alertado sobre a intromissão indevida na esfera administrativa no que tange a judicialização da saúde. A alegação sobre a possível paralização da máquina pública para cumprir-se as determinações do judiciário, é a mais utilizada para cumprir o orçamento já engessado do Poder Público. Assim, a reserva do possível situa-se no plano jurídico como um alegado obstáculo para a efetivação dos direitos sociais elencados na Carta Política de 1988.
Outrossim, o STF, na pessoa do Ministro Celso de Mello, manifestou-se da seguinte forma na ADPF nº 45-9/DF:
EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO). (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2004).
Destarte, como bem observado pelo Ministro Celso de Mello, a saúde é muito valiosa para o ser humano, e por esse motivo, merece a proteção do Estado, pois trata-se verdadeiramente de um requisito do ser humano disposto no ramo dos direitos sociais. E apesar da reserva do possível ser um dos princípios mais basilares do Estado, merece ser ponderada em determinados caso a fim de fazer valer o bem-estar social e os direitos fundamentais assegurados no texto constitucional.
6. CONCLUSÃO
Compreende-se que durante o passar dos anos, o direito à saúde, tem sido objeto alta discussão nos tribunais brasileiros. Destaca-se também, que os cenários gerados a partir deste direito fundamental, tem impacto direto no gerenciamento dos gastos públicos. Porém, como abordado durante todo o artigo, é possível notar que o direito à saúde, que por ser um direito fundamental, deve ser tratado como requisito essencial para a vida, no qual é necessário exigir do Estado todo e qualquer recurso financeiro para manter os cidadãos com dignidade e zelo.
A ideia da democracia, pressupõe a existência de direitos para todos, ganha-se destaque nesta conjuntura a equidade e o acesso universal às pessoas, sobretudo as de baixa renda. Nesse contexto, a DPU encaixa-se perfeitamente, visto que presta serviços de assistência jurídica gratuita em todas as instâncias. Mas o resultado só é alcançado muitas vezes por decisão judicial, e em alguns casos, nem isso é suficiente para manter uma pessoa com vida.
A teoria da reserva do possível é louvável, pois busca impor limites de gastos para o poder público de acordo com sua capacidade. Entretanto, na análise e ponderação de ambos os princípios pelo judiciário brasileiro, tem prevalecido o entendimento que o direito ao mínimo existencial, que é os meios necessários e suficientes para o ser humano subsistir, não podem ser restringidos em prol dos recursos financeiros públicos.
Faz necessário ressaltar que, os órgãos governamentais devem estar atentos as outras áreas, como a educação, previdência social, dentre outras, que conjuntamente, demanda grande espaço do orçamento público. Porém, por tratar-se de requisito intrínseco sob o qual recai-se grande parte do exercício dos outros direitos decorrentes dele, a saúde merece atenção especial.
Vale destacar que no Brasil, devido à ingerência sobre os sistemas de saúde, fica claro que o número de ações judiciais na área da saúde está crescendo cada vez mais. Neste compasso, a busca pela tutela jurisdicional é a única forma de obter assistência médica adequada. Todavia, enfrentar as mazelas que acomete o ser humano, enfrentar questões burocráticas e judiciais, inegavelmente não é o melhor caminho, nem a melhor forma de aperfeiçoar o sistema de saúde brasileiro.
De todo modo, o Estado deve usar e dispor dos recursos necessários para gerenciar as demais áreas da sociedade e havendo uma situação de risco de vida de uma pessoa, faz-se necessário o afastamento da reserva do possível. E em que pese ser necessário ter prudência com o dinheiro público, tendo em vista seu fracionamento com as outras áreas, justifica-se o gasto extraordinário a fim de efetivar os direitos fundamentais.
Nesse liame, o gerenciamento do orçamento público, deve dispor de maneira eficiente sobre as possíveis causas em que seja necessária a utilização de recursos financeiros do Estado na saúde, para que não seja indeferido indevidamente os pedidos administrativos que tangem sobre este direito. Pois na hipótese da negativa, irá desenrolar-se uma lide que poderia ter sido evitada desde o início dos procedimentos administrativos.
Entretanto, o Estado afirma não poder atender todas as necessidades relativas à saúde, visto vez que as decisões proferidas a favor dos autores, aumentam consideravelmente o déficit público. E em consequência disso, alegam que devem respeitar ao princípio da reserva do possível para ser evitado o estado de calamidade financeira. Porém, como já visto, o entendimento legal, doutrinário e jurisprudencial que vem sendo adotado pelas cortes do judiciário brasileiro, é que a saúde do cidadão não pode ser deixada de lado pelo Poder Público, em razão de ser direito fundamental ligado ao direito à vida, assim, as alegações sobre exaurir os recursos públicos, não podem ser um impedimento para concretização do direito à saúde.
Em suma, como grande parte da população que sofre com a falta de infraestrutura do SUS é hipossuficiente, sem condições de manter sua própria subsistência, as pretensões relacionadas à saúde e medicamentos são recorrentes e quando não é possível uma resolução pelos meios extrajudiciais, os membros da DPU são obrigados a provocar o Poder Judiciário na busca pela efetividade do direito à saúde garantidos dos seus assistidos.
A garantia de uma vida saudável não deveria ser objeto de uma lide, porém, em se tratando de processo judicial, a DPU possui a incumbência constitucional de atuar e defender os interesses daquelas pessoas mais necessitadas e vulneráveis. Nessa ótica, compreende-se que a saúde não será negada por falta de espaço no orçamento público, deverá, ser buscado um diálogo administrativo e célere que beneficie ambas as instituições responsáveis pela defesa e concessão do direito, para que dessa forma sejam evitados gastos desnecessários para com a sociedade.
REFERÊNCIAS
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[1] PASSOS JÚNIOR, Edy César dos. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Tocantins -UFT . Bacharel em Direito pela Faculdade Serra do Carmo -FASEC . Advogado e professor de Direito da Faculdade Serra do Carmo - FASEC. E-mail [email protected].
Acadêmico de Direito da Faculdade Serra do Carmo
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Eduardo de. Direito à saúde e a claúsula da reserva do possível no âmbito da Defensoria Pública da União Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2020, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55688/direito-sade-e-a-clasula-da-reserva-do-possvel-no-mbito-da-defensoria-pblica-da-unio. Acesso em: 22 nov 2024.
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