RENATA MALACHIAS SANTOS MADER
(Orientadora)[1]
RESUMO: O presente artigo tem por intuito uma análise dos contratos antenupciais como um instrumento jurídico que permite aos nubentes, desde antes do casamento, acordarem acerca da administração do patrimônio, além de possibilitar que estruturem um regime próprio, verdadeiramente personalizado de regras não só patrimoniais como de convivência. Isso porquê, por meio do Princípio da Livre Estipulação é possível que os nubentes estabeleçam regras patrimoniais e extrapatrimoniais que melhor atendam suas necessidades, desde que não violem a lei, não atinjam a dignidade das partes, bem como não estabeleçam tratamento desigual ou de dependência para um dos cônjuges. Dessa forma, pretende-se esclarecer questões importantes sobre esse contrato acessório, não muito utilizado pela sociedade, especialmente por questões culturais, mas repleto de vantagens para os nubentes, além de proporcionar maior segurança jurídica e emocional aos mesmos.
Palavras-chave: Pacto antenupcial; Regime de bens; Segurança jurídica.
ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze pre-nuptial contracts as a legal instrument that allows couples, since before marriage, to agree on the management of assets, in addition to enabling them to structure their own regime, truly personalized with rules not only regarding assets but also coexistence. This is because, through the Principle of Free Stipulation, it is possible for the spouses to establish equity and off-balance sheet rules that better meet their needs, as long as they do not violate the law, do not attain the dignity of the parties, and do not establish unequal or dependency treatment for one of the spouses. Thus, it is intended to clarify important questions about this accessory contract, which is not widely used by society, especially for cultural reasons, but full of advantages for the spouses, in addition to providing greater legal and emotional security for them.
Keywords: prenuptial agreement; Property regime; Legal certainty
SUMÁRIO: 1.Introdução 2. Regime de Bens. 2.1. Espécies de Regime de Bens 2.2.1Regime de Comunhão Parcial 2.2.2 Regime de Comunhão Universal 2.2.3 Regime de Separação Total e de Separação Legal de bens; Obrigatório 2.2.4 Participação Final dos Aquestos 3 Pacto Antenupcial 3.1 Conceito e Princípio da Livre Estipulação de Bens 3.2 Características Gerais e Elaboração 3.3 Segurança Jurídica e as vantagens do Pacto Antenupcial 4 Conclusão. 5 Referência.
1.INTRODUÇÃO
O presente artigo busca ressaltar as vantagens do pacto antenupcial no casamento como forma de resguardar os interesses patrimoniais e a segurança jurídica para os nubentes.
A escolha do regime de bens ocorre no momento do processo de habilitação do casamento, e em nosso ordenamento jurídico são disciplinadas quatro espécies de regime de bens: o regime de comunhão parcial, o de comunhão universal, o regime de separação total, o de separação legal/obrigatória, e o regime de separação final dos aquestos.
O pacto antenupcial tem natureza de contrato e deve ser formalizado pelos nubentes antes das núpcias por meio de escritura pública, isto é, de forma totalmente solene.
Será sempre obrigatório quando os nubentes optarem por um outro regime de bens, que não seja o da comunhão parcial, tido como convencional ou supletivo, ou o da separação obrigatória, legalmente imposto.
O que muitos não sabem, ou mesmo sabendo, não valorizam, é a possibilidade de criar um regime particular, verdadeiramente personalizado, através do pacto antenupcial, que trará vantagens e segurança jurídica para a vida a dois dos noivos, tanto no sentido patrimonial, como no sentido extrapatrimonial.
É, inclusive, uma forma de amenizar controvérsias por ocasião de eventual divórcio, além de evitar a demora e burocracia do Poder Judiciário, uma vez que as partes podem, por meio dele, ponderar acerca de questões como direito de visitas, indenizações em caso de infidelidade, dentre tantas outras que causam discussões acaloradas em um processo de divórcio.
Ademais, é um meio de os nubentes estabelecerem, deste antes do casamento, regras de convivência, como por exemplo divisão de tarefas domiciliares, evitando problemas futuros desde o início.
Logo, o pacto antenupcial não permite que se verse apenas sobre questões patrimoniais, é possível acordar também acerca de regras extrapatrimoniais em geral, funcionando como um instrumento fundamental de segurança jurídica e também de segurança emocional para o casal.
Dessa forma, ao longo deste artigo trataremos das vantagens e segurança jurídica advindas por meio da realização de pactos antenupciais pelos nubentes, identificando as etapas de elaboração e validação do contrato, compreendendo os requisitos necessários para sua validade e eficácia.
2.REGIME DE BENS
Para a melhor compreensão sobre os contratos antenupciais, neste capítulo, trataremos sobre cada espécie de regime de bens existente no ordenamento jurídico, que são indispensáveis para definir o tratamento e o vínculo patrimonial que será dado aos bens dos casados, tanto durante o casamento, como diante de um divórcio ou mesmo do falecimento de um deles, para fins de sucessão.
O regime de bens deve ser escolhido pelos nubentes antes do casamento, por meio de pacto antenupcial, em que os noivos podem escolher entre um dos regimes disponíveis no ordenamento jurídico, ou, ainda, criar um regime personalizado, que seja capaz de atender suas necessidades, respeitando sempre os limites impostos pelo próprio ordenamento jurídico.
Isso porquê, a estipulação do regime de bens a ser seguido se baseia, principalmente, no Princípio da Livre Estipulação, que permite aos nubentes estipular livremente o regime de bens da forma que melhor lhes atender, desde que o façam antes do casamento e sem contrariar a lei.
Os regimes de bens estabelecidos, no ordenamento jurídico brasileiro, são os seguintes: Regime de Comunhão Parcial de Bens; Regime de Comunhão Universal de Bens; Regime de Separação Total de Bens; e Regime da Participação Final dos Aquestos.
Neste sentido, Gonçalves destaca que:
Podem os nubentes, adotar um dos regimes modelos mencionados, como combina-los entre si, criando um regime misto, bem como eleger um novo destino. Conforme a lição de Lafayet-Te, “podem os contraentes escolher um desses regimes, ou modificá-los e combiná-los entre si de modo a formar uma nova espécie, como se, por exemplo, convenciona a separação de certos e determinados bens e a comunhão de todos os mais. (GONÇALVES, 2020, p.452 ).
Importante ressaltar que, quando os nubentes não estabelecem qual regime regerá o vínculo patrimonial no matrimônio, o regime convencional, aquele que será aplicado no silêncio dos nubentes, será o Regime de Comunhão Parcial. É o que dispõe o caput do artigo 1.640 do Código Civil: “Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial” (BRASIL, 2002).
Há, ainda, algumas situações elencadas no artigo 1.641 do Código Civil, que determinam a obrigatoriedade de se adotar o Regime de Separação Total de bens, independentemente da vontade dos nubentes.
Por fim, no tocante aos conviventes em união estável, nos casos de inexistência de contrato escrito que defina as relações patrimoniais entre si, também serão regidos pelas regras do Regime da Comunhão Parcial de Bens, o regime convencional.
2.2 Espécies de Regime de Bens
2.2.1 Regime de Comunhão Parcial
O regime de comunhão parcial de bens permite que todos os bens que qualquer um dos cônjuges adquira após o casamento possam ser compartilhados de forma igualitária e proporcional. Serão excluídos os bens adquiridos antes do casamento, ou seja, os chamados bens particulares.
E durante o casamento, os bens sub-rogados, doados por sucessão, não serão compartilhados. Ou seja, o bem particular sub-rogado não pode ser partilhado, mesmo que tenha uma aquisição onerosa na constância do casamento, ainda assim, será um bem particular. Neste sentido, destaca NADER;
O inciso II do art. 1.659 refere-se, ainda, aos bens adquiridos por doações e sucessões, durante o casamento, bem como os sub-rogados em seu lugar. Tal exclusão se harmoniza com a teleologia do regime, que é de formar o patrimônio comum com bens gerados pelo esforço do casal e durante a comunhão de vida. Nas diversas hipóteses do inciso I do art. 1.659, os bens adquiridos não resultam de esforço comum, mas de causas isoladas, ligadas exclusivamente a cada um dos cônjuges. A sub-rogação de que trata o inciso I é a que se opera com o objeto da doação ou de herança. (NADER, 2016.p.450).
Para melhor compreensão, citaremos um exemplo fictício: imagine que um dos pares possua um bem particular, isto é, que foi adquirido antes da união, caso venha a realizar a venda deste bem, o valor advindo desta comercialização não será fruto pertinente a partilha entre o casal, ou seja, legitimamente este valor continua sendo considerado patrimônio particular, e qualquer outro bem que seja adquirido com este valor também o será.
Nesse regime, portanto, haverá um patrimônio particular, adquirido antes do casamento e outro comum adquirido durante a constância do casamento. Sendo assim, requisitos como origem do patrimônio e temporalidade são uma forma de estabelecer a possiblidade de partilha, em eventual sucessão.
Ressalte-se que como bem assevera o artigo 1.663, § 2º do Código Civil, é necessária a anuência dos cônjuges, a chamada outorga uxória, para os atos que configurem cessão do uso ou gozo dos bens comuns.
É considerado, ainda, um regime supletivo ou, como frequentemente chamado, regime convencional, vez que, caso os nubentes não optem por nenhum tipo específico de regime de bens, isto é, se silenciarem acerca disso, o regime imposto por lei é o de comunhão parcial. Será o regime determinado, também, naqueles casos em que, existindo um pacto antenupcial, esse for considerado nulo ou ineficaz.
2.2.2 Regime de Comunhão Universal
O regime de comunhão universal de bens traz a proposta de unicidade patrimonial, ou seja, uma unicidade dos valores econômicos. Nesse caso, todos os bens adquiridos antes do casamento, bem como aqueles adquiridos na constância do casamento serão considerados como patrimônio comum dos cônjuges.
Inclui-se também os frutos dos bens adquiridos antes do casamento, como por exemplo, um valor de aluguel recebido pelo casal. São também comuns ao casal as dívidas adquiridas na realização da cerimônia do casamento e as dívidas anteriores ao casamento.
O regime da comunhão universal de bens importa a comunicação de todos os bens, ativo e passivo, presentes e futuros, dos cônjuges, que passam a formar uma única universalidade. Em outras palavras, tudo o que tinham ao casar e tudo o que adquirirem durante o casamento, seja a título oneroso ou gratuito, entra para a comunhão, formando-se um patrimônio comum. Neste sentido o art. 1.667 do CC: “O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, [...]”.(ARAUJO Jr, 2019.p30).
Importante destacar que há bens que serão excluídos da comunhão nesse regime, como, de acordo com o rol de bens apresentado pelo artigo 1.668 do Código Civil, dentre eles: as dívidas contraídas de forma particular, ou seja, que beneficiou apenas uma das parte, os bens de uso pessoal, além dos herdados ou doados por um dos cônjuges que estejam marcados com cláusula de incomunicabilidade e aqueles que se sub-rogarem em seu lugar, dentre outros.
Interessante mencionar que no passado o ordenamento jurídico pátrio adotava este regime como o convencional, e não o de comunhão parcial analisado no tópico anterior. Por fim, vale destacar que, caso os nubentes decidam por adotar este regime de bens deverão o fazer por meio de pacto antenupcial.
2.2.3 Regime de Separação Total e de Separação Legal de bens (obrigatória)
Os artigos 1.687 e 1.688 do Código Civil disciplinam o regime de separação total, enquanto o artigo 1.641 do Código Civil dispõe sobre o regime de separação legal de bens.
A grande diferença entre ambos é o fato de que na separação legal ou obrigatória os noivos que se encontrarem nas situações descritas pelo mencionado dispositivo não terão opção se não se casarem sob o regime de separação legal/obrigatória de bens. As hipóteses elencadas são:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. (BRASIL, 2002)
Para casais inseridos em causas suspensivas, que são aquelas determinadas com a finalidade de impedir danos ao patrimônio das partes, conforme artigo 1.523 do Código Civil, caso desejem se casar, deverão obrigatoriamente o fazer sob o regime de separação total de bens.
Art. 1.523. Não devem casar:
I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;
II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.
[...] (BRASIL, 2002)
No que tange aos maiores de 70 anos, devem se casar sob o analisado regime, como uma forma de se evitar golpes, protegendo o patrimônio do idoso. Muitos criticam essa determinação legal, argumentando que tal exigência leva a entender que os idosos são incapazes de cuidar ou terem autoridade em sua vida.
A última hipótese que impõe o casamento sob o regime de separação total é no caso de todos aqueles que para se casar necessitem de suprimento legal, isto é, menores de idade que não obtenham a autorização de um de seus pais e para que possa se casar necessitam de autorização legal que supra a ausência dessa anuência. Tal determinação, é entendida pela doutrina, como uma forma de se demonstrar insatisfação com aqueles que pretendem se casar mesmo quando o ordenamento jurídico sugere que não, se configurando como verdadeiro “castigo”.
Importante mencionar a Súmula 377 do STF autoriza que nos casos de casamento sujeito ao regime de separação de bens de forma obrigatória, é possível a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento. Neste sentido:
Extensos debates têm sido gerados acerca da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, assim enunciada: “No regime da separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. O objetivo da Súmula era corrigir a anomalia legislativa verificada no revogado artigo 259 do Código Civil de 1916 e para ajustar a distorção verificada pelo enriquecimento indevido dos imigrantes varões, em cujo nome eram habitualmente registrados os bens e as fortunas conquistadas com a paritária contribuição de suas esposas, que terminavam sem nada receber a título de meação, ausente no regime de separação de bens, ficando excluídas da divisão do patrimônio que, ineludivelmente, ajudaram a construir. A Súmula 377 do STF prestigia a colaboração do cônjuge na composição do lastro patrimonial e valoriza a colaboração imaterial entre os esposos, e entre os conviventes, a ponto de ordenar a divisão dos aquestos, e, portanto, não há por que afastar sua incidência em qualquer uma das hipóteses do artigo 1.523 do Código Civil, com a aplicação dos efeitos do artigo 1.641, quando a evidente mens legis pretoriana foi, principalmente, a de evitar o indevido enriquecimento.. (MADALENO, 2020.p.54 ).
Já no regime de separação total (não obrigatório), tem-se que os nubentes escolheram este regime por livre e espontânea vontade. Assim, os nubentes que optam por adotar este regime, o fazem por que pretendem que não haja qualquer comunicação patrimonial entre seus bens, sejam os adquiridos antes do casamento, sejam aqueles adquiridos na constância do casamento.
Sendo assim, no caso de morte de cônjuges casados sob estes regimes, e havendo herdeiros necessários, o cônjuge que quiser amparar seu companheiro terá que o fazer por testamento, determinando a parte do patrimônio que for de sua vontade que seja ao outro repassado. Em caso de existência de descendentes ele não terá o direito a herdar.
No mais, insta ressaltar que para o regime de separação obrigatória é desnecessária a realização de pacto antenupcial, pois se trata de imposição legal. No entanto, em se tratando de regime de separação total (não obrigatória), é indispensável que os nubentes façam o pacto antenupcial.
2.2.4 Participação Final dos Aquestos
O regime de participação final dos aquestos, também conhecido como regime misto ou híbrido, vez que comporta dois regimes distintos, está disciplinado entre o artigo 1.672 e seguintes do Código Civil.
No mencionado regime, a lei determina que durante a vigência do casamento sejam aplicadas as regras de separação total, isto é, os bens adquiridos antes do casamento e após o casamento não são comunicáveis. Mas no caso de uma eventual dissolução do casamento, será aplicado regras próximas as do regime de comunhão parcial de bens, posto que conforme disciplina o artigo 1.674 do Código Civil:
Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos aquestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios:
I - os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram;
II - os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade;
III - as dívidas relativas a esses bens.
Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis. (BRASIL, 2002)
Registre-se que para a venda de bens imóveis, será necessária a outorga uxória, podendo, entretanto, esta determinação ser alterada por meio do pacto antenupcial, desde que no que se refere aos bens particulares. Além disso, as dívidas adquiridas após o casamento não se comunicam, salvo se for possível comprovar que se reverteu em favor do outro cônjuge.
Como se pode perceber, esse regime em muito se aproxima do regime da comunhão parcial, entretanto permite que os cônjuges tenham maior autonomia e liberdade na administração de bens. É um regime raramente utilizado, e mais recomendado para pessoas que exercem atividade empresarial, pois é possível que seja realizada determinadas tarefas sem a assinatura do cônjuge.
Neste também é necessário que os nubentes recorram ao pacto antenupcial para que o estabeleça como o regime que regerá as regras patrimoniais de seu casamento, caso assim desejem.
3.PACTO ANTENUPCIAL
3.1 Conceito e Princípio da Livre Estipulação de Bens
O pacto antenupcial é um instrumento jurídico formal para os nubentes que pretendem estabelecer regras de convivência patrimoniais diferentes das estipuladas no regime de comunhão parcial de bens, o regime convencional, conforme já explanado. Neste sentido:
É um negócio jurídico de conteúdo patrimonial, através do qual se estipulam, além de acordo de gestão patrimonial, outras cláusulas de cunho econômico, regulamentando a circulação de riquezas entre o casal e deles em face de terceiros. (FARIAS E ROSENVALD, 2015, p. 313)
Esse contrato está previsto no Código Civil Brasileiro entre os artigos 1.653 a 1.657. A realização deste negócio jurídico não é obrigatória, mas é considerada de suma importância, vez que traz extrema segurança às partes, como já mencionado, que não queiram adotar o regime de comunhão parcial de bens.
Acerca da escolha do regime de bens, o caput do artigo 1.639 da Lei nº10.406, de 10 de Janeiro do 2002, que instituiu o Código Civil, declara que “é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver” (BRASIL, 2002).
Tal dispositivo enuncia o princípio-base da liberdade de escolherem os nubentes o que lhes aprouver quanto aos seus bens, fundado na ideia de que são eles os melhores juízes da opção que lhes convém, no tocante as relações econômicas a vigorar durante o (GONÇALVES, 2019.p.451).
O supramencionado artigo prevê, portanto, o chamado Princípio da Livre Estipulação de Bens, que garante aos nubentes a liberdade de optarem por qualquer um dos regimes disponíveis no ordenamento jurídico, ou até mesmo autoriza que possam deliberar um regime próprio, exclusivo, personalizado e híbrido, desde que respeitado o que impõe o artigo 1.641 do Código Civil, que disciplina o regime de separação obrigatória de bens. Neste sentido:
O princípio vigente entre nós, entretanto, admite uma exceção: a lei fixa imperativamente o regime de bens a pessoas que se encontrem nas situações previstas no art.1641 tornando-se obrigatório. “A livre estipulação deferida aos cônjuges também não e absoluta, pois o art.1655 do referido diploma, referido no item anterior, declara” nula a convenção ou clausula dela que contravenha disposição absoluta de lei”. Não valem destarte, as cláusulas que dispensem os cônjuges dos deveres conjugais, ou que privem um deles do poder de família por exemplo. (GONÇALVES, 2019.p.452 ).
Diante da livre estipulação de bens, podem as partes disciplinarem acerca de variados pontos por meio do pacto antenupcial, não existindo impedimento para tratarem de conteúdo existencial, isto é, acerca de regras de convivência. Comentando sobre esta possibilidade, mencione-se Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
Admite-se, assim, que o pacto antenupcial, além de disciplinar o regime de bens do casal, contenha doações entre os cônjuges ou deles para terceiros – filhos, por exemplo –, compra e venda, promessa de contrato, permuta, cessão de direitos... Enfim, com esteio na autonomia privada, podem os noivos estabelecer cláusulas diversas, no pacto antenupcial, de diferentes origens e finalidades, disciplinando inúmeras questões privadas, inclusive domésticas, desde que sem afrontar os direitos e garantias fundamentais de cada pessoa humana. (FARIAS E ROSENVALD, 2016, p. 352)
Como qualquer princípio, este também não é absoluto, vez que, como bem determina o artigo 1.655 do Código Civil, é “nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei” (BRASIL, 2002). Logo, cláusulas ou convenções contidas no pacto antenupcial que contrariem o que está disposto em lei padecem de nulidade.
Em sua obra, Flávio Tartuce menciona alguns exemplos de cláusulas que contrariam o ordenamento jurídico, e por isso serão declaradas nulas de pleno direito:
– É nula a cláusula que exclui o direito à sucessão no regime da comunhão parcial de bens, afastando a concorrência sucessória do cônjuge com os
ascendentes (STJ, REsp 954.567/PE, 3.ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 10.05.2011, DJE 18.05.2011).
– É nula a cláusula que estabeleça regras sucessórias dentro do pacto antenupcial, criando um regime denominado “separação total de bens, com efeitos sucessórios” (TJMT, Apelação 15809/2016, Capital, Rel. Des. Sebastião Barbosa Farias, j. 21.06.2016, DJMT 24.06.2016, p. 82).
– É nula a cláusula do pacto antenupcial que afasta a incidência do art. 1.647 do CC nos regimes da comunhão universal e da comunhão parcial de bens, por prejudicar a meação da esposa.
– É nula a cláusula que consagra a administração exclusiva dos bens do casal pelo marido, enunciando que a mulher é incompetente para tanto. A previsão é nula por estar distante da isonomia constitucional entre homens e mulheres. (TARTUCE, 2020, p. 1.854 e 1.855)
Ressalte-se que, em sendo declarada a nulidade do pacto antenupcial, haverá a consequente aplicação do regime convencional, ou seja, do regime de comunhão parcial de bens, nos termos do caput do artigo 1.640 do Código Civil: “Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.” (BRASIL, 2002).
Já no que diz respeito a eventual nulidade de alguma(s) cláusula(s) contida(s) no pacto antenupcial, será aplicado o Princípio da Conservação dos Negócios Jurídicos (art. 184 do CC), retirando a(s) cláusula(s) nula(s) e conservando as demais, mantendo o pacto naquilo que não for nulo.
3.2 Características Gerais e Elaboração
Os contratos são instrumentos jurídicos, unilaterais ou bilaterais, em que as partes estabelecem suas vontades, de forma igualitária, e sempre respeitando os limites legais. Expressões como contrato e pacto são tratadas como sinônimos, mas a praxe é de se designar os contratos acessórios de pactos.
No que tange à eficácia dos contratos, é imprescindível que este seja guiado pela boa-fé, resguardando sempre os interesses sociais (função social dos contratos), bem como a segurança jurídica ao interesse de ambas as partes, conforme previsto no artigo 422 do Código Civil.
A concepção social do contrato apresenta-se, moderadamente, como um dos pilares da teoria contratual. Por identidade dialética, guarda intimidade com o princípio da “função social da propriedade” previsto na Constituição Federal. Tem por escopo promover a realização de uma justiça cumulativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contraentes.
(GONÇALVES, 2020.p.27).
O pacto antenupcial, portanto, é contrato acessório em relação ao contrato de casamento. É tanto que, seguindo a regra de que o acessório segue o principal, se o casamento não vier a acontecer, o pacto perde sua validade, afinal, de acordo com o que dispõe o artigo 1.639 CC, em seu § 1º: “O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento” (BRASIL, 2002), bem como, extinto o casamento, também estará extinto o pacto antenupcial.
Fato interessante de se mencionar é que, já existem entendimentos jurisprudenciais no sentido de que caso o pacto antenupcial seja realizado e os nubentes não venham a se casar, mas passem a conviver em união estável, é possível adotar o pacto firmado como um contrato de convivência.
No tocante à elaboração, é necessário que, antes do casamento, os nubentes estipulem um regime de bens a ser seguido, e, então, redijam o documento estipulando todas as cláusulas de acordo com as vontades das partes, sempre regidas pelo que autoriza a lei. Sendo assim, a participação de um advogado é indispensável para tanto.
O pacto antenupcial deve ser feito por escritura pública, ou seja, é ato solene, sob pena de padecer de invalidade o documento, sendo indispensável seguir a forma exigida por lei para que tenha, também, eficácia contra terceiros após a realização do casamento. Além disso é necessária a presença dos nubentes, embora não haja impedimento para que estejam representados por procuradores, devidamente constituídos por meio de procuração pública. Neste sentido:
[…] Exige-se pacto antenupcial, realizado mediante escritura publica, para os nubentes manifestarem qual o regime de bens que será observado após o casamento. A escolha é feita antes do casamento, devendo a escritura pública ser anexada aos documentos necessários para o processo de habilitação. (LÔBO, 2017.p.311 ).
Dessa forma, o pacto antenupcial deve ser realizado perante Cartório de notas, em livro especificado por lei, e a escritura pública redigida, deverá, em seguida, ser submetida ao processo de habilitação do casamento perante o Cartório de Registro Civil do domicilio dos nubentes, ou onde será realizado o casamento.
Após a efetiva concretização do matrimônio, os recém-casados devem providenciar o registro da escritura também perante o Cartório de Registro de Imóveis de seu domicílio, e em todos os outros em que possuam bens imóveis registrados, como uma forma de eficácia contra terceiros.
No que tange ao momento de realização do pacto, a lei não determina prazo específico, mas deverá ser feito sempre antes da realização do casamento, de preferência juntamente com o processo de habilitação para o casamento.
3.3. Segurança jurídica e as vantagens do Pacto Antenupcial
Acreditamos que uma das maiores vantagens do Pacto Antenupcial a ser mencionada seja a possibilidade dos nubentes de se estabelecer regras particulares em sua relação.
Além disso está a segurança jurídica trazida às partes. O Princípio da Segurança Jurídica está previsto constitucionalmente, no artigo 5º, XXXVI, determinando que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (BRASIL, 1988), e tem como foco a estabilidade no que diz respeito aos aspectos objetivos, além de garantir o equilíbrio nas relações sociais.
A segurança em sentido amplo é um dos anseios mais elementares do ser humano. Para o desenvolvimento sadio de uma vida, faz-se necessário um mínimo de estabilidade e proteção. No universo jurídico, a segurança representa um valor que todo direito deve cumprir pelo fato de sua mera existência, pois um mínimo de segurança e condição para que haja justiça. (NOHARA, 2019.p.111 ).
Como já mencionado, o grande objetivo do pacto antenupcial é estabelecer regras patrimoniais e de convivência que deverão ser seguidas pelos nubentes ao longo do casamento, bem como perante eventual divórcio e falecimento, além de ser capaz de produzir efeitos contra terceiros.
Por meio deste instrumento é possível evitar futuros desentendimentos relacionados ao divórcio, e, até mesmo, demoras judiciais, visto que as partes já acordaram sobre pontos importantes no pacto realizado.
Dada a natureza jurídica de que se reveste o instrumento analisado, algumas cláusulas são essenciais, tais como: nomes das partes, nacionalidade, o regime de bens estipulado, documentos pessoais, endereço eletrônico e físico, e qualificação profissional.
Conforme demonstrado em tópico anterior, cada um dos regimes de bens especificados e no ordenamento jurídico pátrio possuem características próprias, e em certa medida conseguem alcançar a maior parte dos diferentes anseios de vários nubentes em nosso país. Todavia, certamente, não esgota as mais diversas necessidades.
É por isso que o pacto antenupcial é diferencial, pois por meio dele, conforme também já mencionado, é possível criar um regime de bens único, de fato personalizado, e que atenda aos mais diversos interesses do casal, sem jamais, é claro, transgredir a lei, a moral e a dignidade das partes.
Dessa forma, é possível disciplinar as regras patrimoniais e extrapatrimoniais que vigorarão ao longo do matrimônio. E as opções são inúmeras, como por exemplo no caso de um casal que já possuam bens antes mesmo do matrimônio, e gostariam de que apenas alguns integrassem o patrimônio comum do casal, ou seja, nem pretendem se utilizar do regime da comunhão parcial e nem da comunhão total, assim, podem por meio do pacto antenupcial informar quais bens integrarão o patrimônio comum e quais não integrarão, ou mesmo podem determinar que bens de até ‘X’ valor integrarão o patrimônio comum, e acima daquilo integrará o patrimônio particular.
Diante da possibilidade de se estabelecer regras extrapatrimoniais, o casal pode estipular que seja determinada uma indenização que será devida no caso de infidelidade de uma das partes, ou ainda que o cônjuge poderá atuar como seu procurador em determinadas situações ali descritas. Podem ainda determinar regras de convivência, como quem custeará o que diante de despesas domiciliares. Casais famosos podem querer estipular, inclusive, uma cláusula que garanta o sigilo diante de eventual divórcio.
As possibilidades são infinitas, e devem sempre, repita-se, respeitar a lei, bem como garantir que não se crie uma situação de desigualdade e nem de dependência entre as partes.
A obrigação de se proceder a realização do pacto antenupcial se dará sempre que o regime de bens pretendido pelos nubentes não seja o da comunhão parcial de bens. Então, se optarem pelo regime de comunhão total, separação total ou participação final nos aquestos será necessária a elaboração do pacto. No tocante ao regime de separação obrigatória fica também dispensado a feitura do pacto, vez que é determinação legal sua adoção.
Diante de todo o exposto, é possível perceber que o pacto pode ser um instrumento eficaz para se possibilitar a gestão do patrimônio de uma forma viável para os nubentes, e isso é determinante não apenas quando se tratam de casais abastados monetariamente, mas também em face de algumas profissões em que a negociação de bens seja determinante e depender da anuência do cônjuge possa ser um problema, mas que mesmo assim queiram manter alguns bens em patrimônio comum.
Ademais, “[...] o pacto antenupcial serve como meio de prevenção de litígios de ordem patrimonial, entre o casal, por conta das disposições havidas, neste, a respeito da segurança na manutenção da propriedade e administração dos bens comuns e particulares” (NEVES, 2020).
Por questões culturais, a feitura de pactos antenupciais estabelecendo regras particulares no Brasil, embora possível, não é tão utilizada. Mas é certo que é um meio idôneo para se planejar regras patrimoniais e extrapatrimoniais, desde antes do casamento, trazendo maior segurança jurídica às partes, além de evitar diversas burocracias e discussões desnecessárias diante de eventual divórcio.
4.CONCLUSÃO
Com base em tudo que foi apresentado, o pacto antenupcial é necessário quando os nubentes não forem adotar o regime de comunhão parcial de bens, considerado o regime convencional em nosso ordenamento jurídico. Além disso, através do Princípio da Livre Estipulação, é possível aos nubentes criarem um regime de bens totalmente particular e personalizado por meio do pacto antenupcial, desde que respeitem a lei, a dignidade das partes, bem como mantenha a igualdade entre as partes e não coloque em situação de dependência qualquer uma das partes.
O pacto antenupcial deve ser realizado antes do casamento, de preferência junto com o processo de habilitação, mas a lei não estipula prazo máximo ou mínimo para tanto. Além disso, deve assumir forma solene, sendo, portanto, indispensável escritura pública para a sua validade, bem como a averbação desta perante o Cartório de Registro de Imóveis do domicílio dos nubentes e de todos aqueles em que possuam imóveis registrados.
A presença de um advogado não é indispensável, mas altamente recomendável, vez que o respeito ao ordenamento jurídico e a redação de forma que melhor atenda às necessidades do casal são determinantes para sua eficácia entre as partes.
Embora possível, o pacto antenupcial como forma de instrumento para se realizar um regime personalizado entre os nubentes, é pouco utilizado em nosso país. O grande motivo é de cunho cultural, vez que um prévio ajuste sobre questões patrimoniais e mesmo de regras de convivência poderiam se caracterizar como evidente falta de amor.
A verdade é que o pacto nupcial pode ser uma das melhores formas de organização patrimonial e extrapatrimonial no casamento, pois permite a escolha/criação de um regime de bens que melhor se compatibilize diante da forma familiar que se pretende adotar, bem como diante das atividades e costumes dos cônjuges. Configurando-se, portanto, em um instrumento capaz de trazer maior equilíbrio e de resguardar as vontades dos nubentes dentro da lei, garantindo, ainda, a segurança jurídica e emocional dentro da relação.
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NOTAS:
[1] Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Bacharel em Direito pela Fundação UNIRG. Advogada e professora da Faculdade Serra do Carmo - FASEC. E-mail [email protected]
Graduanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo-FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, LUCIANA LOPES DA. Vantagens e segurança jurídica dos contratos antenupciais no casamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2020, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55693/vantagens-e-segurana-jurdica-dos-contratos-antenupciais-no-casamento. Acesso em: 22 nov 2024.
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