ARMANDO DE SOUZA NEGRÃO[1]
(orientador)
RESUMO: A responsabilidade pós-contratual, que transporta consigo uma fase mais implícita do cumprimento da obrigação, deve ser igualmente apreciada tal como o período “pré” e simultâneo ao negócio jurídico. Diante da sua aplicação no direito pátrio, o ordenamento jurídico brasileiro ainda é escasso ao configurar a caracterização da responsabilidade pós-negocial. Assim, é possível desencadear seus reflexos caso se verifique que houve a cessação das cláusulas negociais, mesmo que não expressas, mas necessárias para o alcance perfeito da vontade do contrato. Portanto, a identificação da responsabilidade pós-contratual é de inteira necessidade, importando na efetividade dos interesses dos contratantes, mesmo após a extinção do adimplemento.
Palavras-chave: Responsabilidade pós-contratual. Princípios regentes. Contratos.
ABSTRACT: Post-contractual liability, which carries with it a more implicit phase of compliance with the obligation, must also be assessed just like the “pre” and simultaneous period with the legal business. In view of its application in Brazilian law, the Brazilian legal system is still scarce when configuring the characterization of post-business responsibility. Thus, it is possible to trigger its reflexes if it turns out that there was a cessation of the negotiating clauses, even if not expressed, but required for the perfect achievement of the contract's will. Therefore, the identification of post-contractual responsibility is of certain necessity, regardless of the effectiveness of the contracting processes, even after the termination of the performance.
Keywords: Post-contractual liability. Governing principles. Contracts.
SUMÁRIO: 1. Princípios regentes dos contratos. 1.1 Da autonomia da vontade; 1.2 Da função social do contrato; 1.3 Da boa-fé objetiva; 2. A responsabilidade pós-contratual. 2.1 Breves comentários à responsabilidade pré-contratual. 2.2. Dos deveres anexos, secundários ou instrumentais. 2.3 Teoria da culpa post factum finitum e sua aplicação no direito brasileiro.
A responsabilidade pré-contratual e a que gravita simultaneamente à execução do contrato são, hoje, reconhecidas pela doutrina, jurisprudência e demais fontes do ordenamento jurídico pátrio. Entretanto, em relação à pós-contratualidade, ainda se vê timidez no debate sobre a delimitação e o alcance da responsabilidade no momento posterior depois de cumprida a obrigação principal.
Tal fato reside na pouca atenção dada à temática, e, quando enfrentada pelo Poder Judiciário, na pulverização de uma corrente, gerando certa disparidade entre entendimentos dos tribunais.
A contratualidade é regida por diversos princípios, como norteadores na persecução de atender às vontades solidificadas pelos contraentes em um contrato. A boa-fé objetiva, já consolidada no direito brasileiro, é indeclinável para o atingimento dessa finalidade. Quando não observada, gera, portanto, a responsabilidade daquele que a rechaçou, causando, portanto, controvérsias que pouco a pouco vêm sendo dirimidas.
Em razão disso, calha, ab initio, colocar em voga os princípios regentes que permeiam o direito contratual, como a autonomia da vontade, a função social do contrato, bem como observar o destaque da boa-fé objetiva sendo um valor principiológico fulcral, para a satisfação plena de todos os envolvidos no contrato pactuado.
Assim, após a passagem sobre os princípios, serão voltadas as atenções sobre a responsabilidade pós-contratual, sem antes serem tecidos indagações acerca da pré-contratual, perpassando acerca da violão aos deveres anexos ou também chamados de secundários ou instrumentais, finalizando com uma teoria da responsabilidade pós-contratual, advinda da doutrina alemã, cuja aplicação no direto pátrio aos poucos começa a dar sinais de concretização, sendo, quem sabe, futuramente, objeto de positivação do legislador.
Os princípios, à guisa de forma ampla, sob um aspecto mais retrógrado, eram vistos como valores que carregavam somente o condão de nortear a norma jurídica, sem vinculação ou até mesmo sanção em caso da sua não observância. No direito hodierno, os valores principiológicos ganham posição de destaque, quase que central, principalmente aqueles oriundos das cartas constitucionais.
No âmago do Direito Civil, embora arraigado de mandamentos constitucionais, Schreiber[2] destaca que estes foram, por muito tempo, considerados como princípios gerais do direito, cujo exegeta só poderia usurpá-los para sua aplicação em casos de ausência de norma específica do Código Civil, tornando sua viabilidade subsidiária, não antes de já ter sido buscado suprimento dessa lacuna através da analogia e dos costumes.
O direito contratual tem relação umbilical com os direitos pessoais, visto que se trata de uma solidificação do desejo em celebrar um negócio jurídico com outrem. Calha frisar que esta concepção de contrato que se faz presente atualmente advém de uma vasta mutação histórica.
O contrato é, também, interligado com os direitos obrigacionais, tanto que nessa evolução acerca dos períodos, o que era válido para a obrigação do negócio jurídico celebrado com outrem era o que estava descrito no contrato, valendo como “previsão sagrada”. A frase repetida em muito nos bancos das universidades: “O contrato faz lei entre as partes”.
Também vale destacar que o direito a celebrar contrato com quem sua autonomia permite e anseia, deriva da liberdade conferida aos particulares, como princípio quase que fundamental. É um direito, sobretudo, central. Liberdade essa, como vontade, que necessita ser exteriorizada, caso contrário, nada mais do que uma agitação no íntimo da pessoa[3].
A pessoa tem a autonomia de contratar com quem desejar, ficando esse critério à sua escolha, mas com algumas limitações, em determinados casos, previstas até por lei, já que, como é pacífico no direito, nada tem o poder absoluto se nem mesmo a vida. Exemplo de limitação está previsto no artigo 497 do Códex Civil, que reza:
Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:
I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração;
II - pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta;
III - pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade;
IV - pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.
O conceito de autonomia da vontade foi amplamente superado pelo de fato de este dar vazão à ideia de subjetividade, em que levava o aspecto abstrato. Já o conceito de autonomia privada advém da objetividade e concretude da pessoa humana à realização dos negócios contratuais. A vontade, antes fonte de ênfase com início da formação dos contratos, perde força e dar lugar à autonomia privada, preceito que dá sentido à pessoa humana e não apenas à vontade.
Estar em contato com o direito à autonomia privada não faz com que esse princípio seja ilimitado face à vontade da função social dos contratos. Serve apenas como atenuante para, de certa forma, obstar e garantir a dignidade para que todas as pessoas possíveis possam gozar do privilégio de realizar um contrato e adquirir bens patrimoniais.
A composição contratual atualmente é uma combinação de princípios. Se, de um lado, nós temos a autonomia privada em uma ponta da formação do contrato, em outra, temos a limitação de regras estatais que dirigem a relação contratual. Na hipótese de que todos são livres para contratar, para pactuar o contrato de fato, não há a mesma prevalência na liberdade contratual, já que se considera, através dela, a faculdade de se dispor livremente dos seus interesses pela parte[4].
Não há mais a cristalina vontade apenas em que se coloca como fator principal entre as partes, mas há composições que os norteiam e modificam sem exatamente atender à vontade total dos contratantes. É factível que dentro de um contrato há leis em que no silêncio da pactuação irão ser utilizadas, todas positivadas pelo Estado, o que de uma forma mais clara, interfere na relação privada.
Como é cediço, o contrato passa a deixar de ser mais individualista no sentido de atender apenas aos anseios dos contratantes e passa a fazer parte de uma finalidade social, em que se garante a proibição da formação caso esta não seja atendida.
O Poder Judiciário não será provocado apenas na apuração dos itens pactuados, mas desde a sua concepção. Um contrato que venha a entrar em colisão com a função social do direito contratual, ainda que atenda aos interesses dos contratantes, não será considerado válido, já que aquela pugna para que os acordos de vontade sintonizem na mesma direção que os interesses sociais, obstando o abuso de direito[5].
Vale frisar, que por muitas das vezes, na celebração de um contrato, há partes que destoam da equidade, em que uma detém o poderio econômico superior, fazendo com que esta tenha o domínio – dentro da lei – do contrato. Nesse quesito, o princípio da autonomia da vontade, de certa forma estará reduzido, posto que a parte financeira mais forte irá se sobrepor, mesmo que seguindo os ditames legais.
Assim, o Estado, por estar cumprindo com sua função de estabilização da ordem pública, mesmo que queira se abster, não pode deixar de prestar auxílio às partes economicamente inferiores, tanto é que estamos diante das normas, por exemplo, que regulam o direito do consumidor. Fato é que a autonomia privada é requisito essencial dos contratos, mas não exclusivo, muito menos ilimitado.
Quando estamos analisando, dentro do conceito de contrato, a função social, devemos nos ater à finalidade a qual se destina esse princípio. Os ordenamentos jurídicos mais modernos, inclusive, têm abrandado suas normas cogentes, no bojo das contratações, com o fito de evitar lesões[6].
Trata-se não apenas de valores axiológicos, mas de caráter oriundo de ordem estatal, prevista, inclusive no próprio Código Civil Brasileiro, mais especificamente no artigo 2.035.
É possível inferir que nenhuma pactuação poderá se sobrepor aos valores preceituados naquele contexto social, tal como suas garantias e direitos conferidos e conquistados. Dela também se deriva a ideia de limitação à obrigatoriedade infinita dos contratos, principalmente em relativização do pacta sunt servanda, já que almeja que aquele pacto agregue à coletividade como um todo. Assim, se o contrato está sendo servo ou de apêndice para apenas uma das partes, ele não cumpre sua função social, necessitando ser corrigido[7].
A função social tem como objetivo retirar dos contratos o gesso posto pela liberdade irrestrita do direito privado, tornando aquela pactuação uma forma mais humana de chegar à realização de um contrato. Assim, refletindo os valores coletivos em razão dos individuais, sem, contudo, lançar mão da dignidade humana[8].
Além disso, é de se frisar que o artigo 421 do Código Civil reza: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”. Conforme dito já, o artigo 421, do mesmo diploma, foi modificado pela chamada “lei da liberdade econômica” em que diversos dispositivos, dentre eles, do Código Civil, foram alterados.
Quando tratamos da liberdade de contratar, há denotação de liberdade irrestrita, sem limites e que apenas visa o contrato entre as partes e nada mais, sem sequer se preocupar com o contexto social.
Todavia, quando estamos diante de uma sociedade que vem modificando os contratos e adequando à sua realidade, a expressão liberdade contratual é mais adequada, isto porque, tem ligação com o conteúdo dos negócios jurídicos, e se conduz, junto em sua formação, com o contexto e a finalidade social coletiva.
Superado o conceito de eficácia, a evolução da proteção conferida à função social tem papel relevante na historicidade da formação dos contratos, portanto, princípio de caráter fundamental.
No antigo código de 1916, uma das grandes inovações foi o surgimento positivado do princípio da boa-fé objetiva, trazida expressamente pelo atual Código Civil vigente desde 2003. Em plano anterior, a previsão da boa-fé além de não estar conjunta com a objetividade, trazia como escopo apenas a relação da vontade do sujeito quando este estava a tratar sobre posses. O legislador até ameaçou desatar o conceito exato da boa-fé, mas deixou a tarefa a cargo do intérprete[9].
É até possível verificar que a boa-fé, antes de qualquer coisa, é uma diretriz principiológica de fundo ético e espectro eficacial jurídico. Traduzindo-se em um princípio de substrato moral, que ganhou contornos e matiz de natureza jurídica cogente[10].
Cleyson de Moraes Mello[11] destaca que o princípio da boa-fé, em razão de constituir uma cláusula geral, não se apresenta pronto e acabado (tipo “self-executing”) estando apto a ser aplicado pelo julgador. Pelo contrário, carece ainda de uma concreção ou concretização hermenêutica a ser efetuada pelo juiz, levando em consideração todas as especificidades do caso concreto decidendo, em especial, as exigências fundamentais da ética jurídica.
O princípio em comento é balizador também – e principalmente – nas relações consumeristas, visto que a sua aplicação é de maneira geral a ambas as partes, tornando uma solidariedade contratual com base na boa-fé objetiva.
A responsabilidade tem, embora não objeto do presente trabalho, intrínseca ligação com o direito das obrigações. Segundo Venosa[12], a obrigação jurídica é aquela protegida pelo ente estatal, que lhe dá a garantia da coerção no cumprimento, sendo dependente de uma norma, lei, contrato ou um negócio jurídico, havendo, portanto, por detrás, todo um ordenamento que deixa a obrigação submissa a diversas regras de conduta. Quando tais regras não são cumpridas, havendo lesão a outrem, diz-se que nasce dali uma responsabilidade.
É pacífico, portanto, a responsabilidade na execução do negócio jurídico, todavia, ainda é de certa obscuridade qual o limite da responsabilidade na fase pós-contratual, depois de esgotada a obrigação, razão pela qual será escrutinada nos tópicos a seguir.
O artigo 422 do Código Civil arremete que no pacto contratual, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Tal premissa, em análise sumária, nos deixa uma lacuna acerca da responsabilidade pré-contratual, já que o texto legislativo especifica a parte da execução e, de certa forma, a conclusão do contrato, presumindo ser a fase pós-contratual. Contudo, o legislador não se preocupou na preservação dos direitos ligados à fase pré-contratual, papel que coube à doutrina e à jurisprudência.
Antônio Junqueira de Azevedo apud Gonçalves[13], inclusive trata do tema, “pois só dispõe sobre dois momentos: conclusão do contrato – isto é, o momento em que o contrato se faz – e execução. Nada preceitua sobre o que está depois, nem sobre o que está antes”.
Uma grande notoriedade no ordenamento jurídico pátrio, principalmente na relação pré-contratual em que a responsabilidade emerge, é a do conhecido caso dos tomates. Embora o cerne da questão esteja aflorado sob a ótica da presença da boa-fé objetiva, percebe-se que a responsabilidade pré-contratual, ainda que eivada de qualquer formalidade, foi considerada existente neste emblemático case, cuja ementa se segue:
CONTRATO. TEORIA DA APARENCIA. INADIMPLEMENTO. O TRATO, CONTIDO NA INTENCAO, CONFIGURA CONTRATO, PORQUANTO OS PRODUTORES, NOS ANOS ANTERIORES, PLANTARAM PARA A CICA, E NAO TINHAM POR QUE PLANTAR, SEM A GARANTIA DA COMPRA. (RESUMO ESTRUTURADO): COMPANHIA INDUSTRIAL DE CONSERVAS ALIMENTICIAS - CICA PLANTACAO DE TOMATES (INDENIZACAO) 1. DIREITO CIVIL. OBRIGACOES. 2. INDENIZACAO. - INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. - COMPROVADO. - TEORIA DA APARENCIA. APLICACAO. - EXISTENCIA DO CONTRATO. TRATO CONTIDO NA INTENCAO. CONFIGURACAO DE CONTRATO. - PROMESSA DE COMPRA DE SAFRA FUTURA. 3. COMPRA E VENDA. VENDA FUTURA. PROMESSA DE COMPRA DE SAFRA FUTURA. 4. CONTRATO. - INADIMPLEMENTO. EFEITOS. - PRE-CONTRATO. RESPONSABILIDADE PRE-CONTRATUAL. 5. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. (Embargos Infringentes Nº 591083357, Terceiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adalberto Libório Barros, Julgado em 01/11/1991).[14]
Assim, embora ainda não celebrado nenhum contrato formal, a mera expectativa criada sendo desrespeitada, abre o precedente para sua responsabilização, como tem adotado a doutrina, inclusive na intervenção do Estado, através do Poder Judiciário[15].
Consoante aventado, a boa-fé objetiva é uma personificação que desagua do plano intencional e passa a ocupar o plano de conduta entre as partes, tal como a a lealdade. Consoante Schreiber[16], a conjectura da boa-fé é tríplice, e uma dessas nos remete à função criadora de deveres anexos à prestação principal.
É, inclusive — conquanto direcionado ao aplicador da lei — o que foi aprovado no enunciado de n. 26, na jornada de Direito Civil[17]: “A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes.”
A boa-fé tem intrínseca relação com a observação dos deveres anexos ou laterais de conduta, já que são considerados o dever de cuidado, respeito, o dever de informar, de agir conforme a confiança depositada, lealdade e probidade, colaboração ou cooperação, agir com honestidade[18].
A não observância dos deveres anexos, secundários ou instrumentais de conduta, reflete na violação ao pactuado no contrato ou na obrigação, gerando uma responsabilidade para quem assim os descumprem. É, pois, observado no enunciado n. 24 da I Jornada de Direito Civil[19], que prevê: “Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.”
A teoria da culpa post pactum tem suas raízes advindas do direito alemão. Segundo estudos de Antonio Junqueira de Azevedo apud Tartuce[20], essa aplicação da boa-fé resulta na referida teoria, na fase pós-contratual. É nada menos que o descumprimento dos deveres laterais carregados junto com os principais.
O descumprimento da obrigação lateral pelos contratantes, na responsabilidade pós-contratual, pode ser simplesmente evidenciado, em exemplo rotineiro, quando o credor tem o dever de retirar o nome do devedor, após o débito adimplido, dos cadastros de restrição de crédito. Tal conduta, ou no caso, a falta dela, agride a lealdade que deve ser observada durante todas as fases do negócio jurídico.
Embora estejamos no âmago do direito civil, não raras vezes, a aplicação da referida teoria ganhou notoriedade pelos tribunais pátrios, como, por exemplo, no Tribunal Superior do Trabalho:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. CONTRATO DE TRABALHO EXTINTO. CLÁUSULA GERAL DA BOA-FÉ OBJETIVA. DEVER ANEXO DE LEALDADE. VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RESPONSABILIDADE PÓS-CONTRATUAL. CULPA POST PACTUM FINITUM. [...] Posto isso, é salutar mencionar a evolução do direito obrigacional brasileiro que, sob o prisma desses princípios constitucionais, consagrou expressamente a cláusula geral da boa-fé objetiva (art. 422), que possibilita verdadeiro progresso e aperfeiçoamento na construção do ordenamento jurídico; moderniza a atividade jurisdicional, na busca do ideal de justiça, por permitir ao órgão julgador a solução de problemas a partir da valoração dos fatos e concretização do que, até então, se pautava no plano da subjetividade dos sujeitos integrantes da relação jurídica, na perspectiva meramente individual, portanto, particularmente no que diz respeito à função criadora de direitos e não apenas interpretativa. Isso porque sua base inspiradora é o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), na medida em que o ser humano, como sujeito de direitos, pratica atos que, à luz dos mandamentos constitucionais, devem estar adequados à sua própria dignidade, da qual é, ao mesmo tempo, detentor e destinatário, fundamento e inspiração, origem e destino. Referido postulado impõe na relação contratual a noção de comportamento das partes pautado na honestidade, transparência e, principalmente, na lealdade e na confiança que depositam quando da celebração de um contrato. E de tal reconhecimento tem-se por conclusivo que em todos os contratos existem os chamados deveres anexos. É pacífico na doutrina e jurisprudência que a boa-fé objetiva tem ampla incidência em todas as fases da relação obrigacional, em razão de que os contratantes devem seguir seus ditames – lealdade e confiança – na celebração, na execução ou extinção da relação jurídica. Do exercício da função criativa decorre que, além dos deveres principais, devem nortear a relação contratual os deveres de informação, proteção e lealdade, tradicionalmente exemplificados pela doutrina e jurisprudência como sendo alguns dos deveres anexos ou de consideração, decorrentes da chamada complexidade intraobrigacional. Dinâmicos por natureza, referidos deveres impõem um padrão de conduta minimamente ético que deve se estender mesmo após o término da relação contratual. Caso contrário, ou seja, violado um dever específico de boa-fé, exsurge a responsabilidade pós-contratual, a chamada culpa post pactum finitum. (TST - RR: 798006020085020020, Relator: Claudio Mascarenhas Brandao, Data de Julgamento: 14/05/2014, 7ª Turma, Data de Publicação: 16/05/2014).
Segundo Screihber[21], o cumprimento da prestação não elimina a responsabilidade que ocasionalmente surgir através de fatos posteriores aos quais possam comprometer a realização do interesse consubstanciado no contrato.
Essa responsabilidade vem no sentido de dar, em caráter imperioso, a obrigação das partes se comportarem de maneira leal, mesmo após o cumprimento da obrigação principal, sem que venha qualquer fato posterior frustrar algum efeito contratual pactuado.
Há parte da doutrina que enxerga em como uma responsabilidade de natureza endocontratual, cuja teoria baseia-se na pós-eficácia das obrigações. Entretanto, outros autores entendem ser extracontratual.
Sendo, portanto, objeto ainda de muita contenda, embora seja salutar para o desenvolvimento desta temática para assegurar maior segurança jurídica entre os contraentes.
Inegável que a configuração da responsabilidade pós-contratual demanda um certo impasse, pois, segundo a doutrina, a caracterização do limite onde se deixa ou não de observar os deveres acessórios ainda é algo embaraçado. Tal cenário, realmente mais denso, persiste porquanto se discute pouco o conceito.
Deve, dentre diversas alternativas, a jurisprudência começar a tomar um posicionamento mais uníssono, para que, de certa forma, seja objeto de reflexão na vontade do legislador em normatizar a sua aplicabilidade.
A culpa post pactum finitum é de extrema importância. A satisfação dos contratantes deve ser plena, englobando todo o processo negocial, inclusive a posteriori. Quando a ausência de previsão legal de um tema de tamanha se estende pelo tempo, há das mais variadas controvérsias em todas as esferas do direito, consoante vimos durante este presente artigo até mesmo no seio do direito laboral, já que relação entre empregado e empregador é contratual, todavia tutelada por regras especiais das regras civis.
Logo, a utilização da responsabilidade pós-contratual dever ser averiguada à luz da boa-fé objetiva, principalmente, e dos demais princípios que norteiam o direito contratual, caso contrário o contrato deixa de cumprir o seu objetivo principal, que é o íntegro contentamento de todos os envolvidos no negócio jurídico firmado.
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: teoria geral dos contratos. – 4. ed. 2019.
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FEDERAL, Conselho da justiça. Enunciado n. 24. I Jornada de Direito Civil. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/670. Acessado em 07 de outubro de 2020.
FEDERAL, Conselho da justiça. Enunciado n. 26. I Jornada de Direito Civil. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/672. Acessado em 07 de outubro de 2020.
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TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie – v. 3, 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.
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[1]Orientador. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas - UFAM (1988). Advogado militante na Comarca de Manaus. Especialista em Administração Pública com ênfase em Direito Público pela Universidade Nilton Lins - UNINILTON LINS (1999). Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA.
[2] SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo. – 3. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 118.
[3] HUPSEL, Francisco. Autonomia Privada na dimensão civil-constitucional: o negócio jurídico, a pessoa concreta e suas escolhas existenciais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 120.
[4] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: teoria geral dos contratos. – 4. ed. 2019, p. 31.
[5] NADER, Paulo. Curso de direito civil, v. 3: Contratos. – 8. ed. 2016, p. 56.
[6] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: contratos típicos e atípicos. 2019, p. 40.
[7] SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo. – 3. ed. 2020, p. 605-606.
[8] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: volume 3: contratos e atos unilaterais. – 16. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 37.
[9] SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo. – 3. ed. 2020, p. 599
[10] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil - V.4: contratos. 2.ed. São Paulo: Saraiva Educação. 2019, p. 117
[11] MELLO, Cleyson de Moraes. Direito civil: contratos. - 2. ed. - Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2017, p. 227
[12] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos. – 17. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 569.
[13] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: volume 3: contratos e atos unilaterais. – 16. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 37.
[14] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Embargos Infringentes. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5441553/embargos-infringentes-ei-591083357-rs-tjrs. Acesso em: 08 de setembro de 2020.
[15] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 10. ed. rev, atual. 2020, p. 914.
[16] SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo. – 3. ed. 2020, p. 599.
[17] FEDERAL, Conselho da justiça. Enunciado n. 26. I Jornada de Direito Civil. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/672. Acessado em 07 de outubro de 2020.
[18] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 10. ed. rev, atual. 2020, p. 648.
[19] FEDERAL, Conselho da justiça. Enunciado n. 24. I Jornada de Direito Civil. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/670. Acessado em 07 de outubro de 2020.
[20] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie – v. 3, 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 518.
[21] SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo. – 3. ed.,São Paulo, Saraiva Educação, 2020, p. 414.
Graduanda em direito 10º; Orientador: Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas - UFAM (1988)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DALIANE NATéRCIA SANTOS VIéGAS, . A responsabilidade pós-contratual à luz dos princípios que regem a relação jurídica dos contratos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2020, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55697/a-responsabilidade-ps-contratual-luz-dos-princpios-que-regem-a-relao-jurdica-dos-contratos. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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