LUIZ RODRIGUES ARAÚJO FILHO[1]
(orientador)
RESUMO: O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) é sempre lembrado em períodos de crise econômica, previsto na Constituição Federal de 1988, ainda não instituído, de competência da União, necessitando de uma lei complementar que o implemente e, uma vez promulgada, o novo imposto só poderá ser cobrado no ano seguinte a sua criação. Desse modo, ele não traria recursos imediatos. O imposto emergiu novamente devido a pandemia do novo coronavírus, o que gerou um aumento drástico no número de desempregados e diminuiu o potencial arrecadatório do Governo. Na gravidade do momento vivido pelo Brasil, torna-se necessário ampliar o financiamento de políticas públicas e reduzir o déficit primário, sendo fato relevante que há 32 anos nenhum governo se dispôs a instituí-lo. O presente artigo foi desenvolvido de acordo com a metodologia exploratória, sendo o universo da pesquisa a legislação vigente sobre o tema, tendo como base a Constituição Federal, o Código Tributário Nacional, Legislações Tributárias. Foram analisados nesse estudo os Países que instituíram tal imposto e os projetos de lei que tramitam no Senado visando a instituição do IGF no Brasil. A criação do IGF pode parecer atrativa, com viés de ser considerada uma medida justa, porém na prática tem se mostrado de difícil implantação e fiscalização, passando a representar mais custos do que benefícios. O estudo relata que os Países que o implantaram, não possuem um aumento significativo na sua arrecadação, corroborando com a sua não efetividade e não resolvendo os problemas de arrecadação do país, além da fuga de capital ocorrida. O Senado segue na contramão, com seus projetos de lei complementar tentando a implementação do imposto, esquecendo a evasão do patrimônio ocorrida nos países da OCDE e nem se lembrando que, mesmo sem o imposto, a fuga de capital para os paraísos fiscais já é um problema real no Brasil.
Palavras-chave: arrecadação; desvantagens; imposto sobre grandes fortunas; lei complementar; vantagens.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Sistema Tributário Nacional – 3. Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF) em outros Países – 4. Projetos Legislativos em Tramitação no Congresso Nacional – 5. Pontos Positivos e Negativos da Instituição do Imposto de Grandes Fortunas – 6. Considerações Finais – 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo visa apresentar aspectos a respeito do Imposto sobre Grandes Fortunas e analisar se existe a viabilidade da instituição deste imposto no Brasil.
Inicialmente, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) trata-se de um tributo previsto na Constituição da República Federativa do Brasil-CRFB, mas ainda não instituído, sendo imposto de competência exclusiva da União conforme rege o artigo 153 da CRFB, sempre lembrado em tempos de crises econômicas, tendo por fato relevante que há 32 anos nenhum governo se dispôs a instituí-lo.
Projetos legislativos apontam para a resolução dessa lacuna, travando diversas discussões quanto aos pontos positivos e negativos da instituição deste tributo.
Corrobora com essa afirmação dois projetos de lei que visam a sua instituição, quais sejam, o Projeto de lei complementar (PLP 183/2019) e o Projeto de Lei do Senado 534/2011 - Complementar, todos de autoria do Senado Federal.
O tema é importante e poderia se justificar o estudo do IGF apenas pelo fato da carência de estudos, não pautado pela sua relevância, mas pela sua abstrativização, tendo em vista que o referido imposto não estar concretizado, impossibilitando a verificação da sua interação com o sujeito passivo.
Ainda, justifica-se o estudo pela necessidade de se investigar os motivos pelos quais um imposto, previsto constitucionalmente, não foi instituído, sendo o Estado Brasileiro carente de recursos para dar vazão às enormes necessidades referentes às políticas públicas.
Desse modo, a problemática perseguida nesse trabalho foi no intuito de esclarecer o seguinte questionamento: Qual a viabilidade do imposto sobre grandes fortunas no brasil?
Para esclarecer essa dúvida, quanto a viabilidade ou não do imposto, desenvolvemos esse trabalho em capítulos, partindo do funcionamento do sistema tributário constitucional até chegarmos aos pontos positivos e negativos da sua instituição.
No capítulo I foi abordado o sistema tributário nacional, perpassando sobre conceitos necessários para o entendimento da matéria, como tributos, impostos, sujeitos da relação tributaria e outros temas introdutórios.
No capítulo II apresentamos a existência e o funcionamento do imposto em outros países.
No capítulo III abordamos os projetos legislativos em tramitação no Congresso Nacional bem como matérias a respeito do assunto, no objetivo de coletar o maior número de informação quanto a instituição do imposto.
No capítulo IV apresentamos um levantamento quanto aos pontos positivos e negativos da instituição do imposto de grandes fortunas no Brasil.
Ao final, concluímos com a apresentação da opinião quanto a viabilidade ou não da instituição do imposto face ao balizamento dos pontos negativos e positivos bem como a análise das experiencias em outros países que instituíram tal imposto.
O presente trabalho foi desenvolvido de acordo com a metodologia exploratória, utilizando método de coleta de dados de pesquisa bibliográfica integrativa levantados através do acesso à rede mundial de computadores.
Sendo o universo da pesquisa a legislação vigente sobre o tema, tendo como base a Constituição Federal, o Código Tributário Nacional, Legislações Tributárias, bibliografia de autores renomados e artigos em sites especializados.
2. SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
O sistema tributário brasileiro trata, essencialmente, da arrecadação de recursos financeiros (tributos) para subsidiar suas atribuições e gerir a máquina pública do estado no que diz respeito aos serviços prestados à população, melhorar a infraestrutura das entidades governamentais, pagar servidores públicos, regular determinados setores da economia, evitar o domínio econômico, etc.
Os recursos arrecadados, em sua maioria, são provenientes de tributos, os quais são definidos no art. 3º do Código Tributário Nacional – CTN, como sendo: “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”, isto é, uma prestação, objeto da relação obrigacional tributária, em moeda corrente nacional, por imposição legal, não se confundindo com penalidade ou multa, previsto em lei, mediante a atuação do fisco.
No ordenamento jurídico brasileiro tributo é gênero do qual se divide em cinco espécies, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal: impostos, taxas, contribuições de melhorias, empréstimos compulsórios e contribuições especiais.
As Taxas serão cobradas de acordo com o Art. 145, II “em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;”
Ainda, o art. 145, III e o art. 81 do CTN aduz que a cobrança de contribuição de melhoria decorre da valorização imobiliária decorrente de obras públicas.
Os empréstimos compulsórios têm previsão no art. 148 da CF:
A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b.
Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.
As contribuições especiais têm quatro diferentes espécies: I. Sociais; II. De interesse de categoria profissional ou econômica; III. De intervenção no domínio econômico; e IV. De custeio do serviço de iluminação pública.
O art. 149 e 149-A da CF faz referência as contribuições especiais:
Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.
Art. 149-A. “Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.
Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.
O objeto central deste artigo são os impostos, espécie de tributo que tem definição legal no art. 16 do CTN: “o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”, cuja característica principal está prevista no art. 145, III, § 1º da CF:
Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Via de regra, os impostos incidem sobre o patrimônio, a renda e o consumo, sempre que possível tem a ver com a capacidade contributiva, ou seja, quem tiver mais contribuirá com mais; não está ligado a uma contraprestação estatal, sendo que não é vinculado a algo que o governo oferece em troca. Eles podem ser federais, estaduais, municipais. A diferença entre impostos e taxas é que os impostos não estão exigem uma contraprestação do estado enquanto que as taxas estão atreladas a contraprestação do estado.
O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) é um tributo previsto na Constituição Brasileira de 1988, mas ainda não instituído, não existindo jurisprudência a seu respeito.
Como dito, trata-se de um imposto federal de competência exclusiva da União conforme rege o artigo 153 da CF/88, sendo necessário uma lei complementar com a finalidade de traçar o perfil deste, podendo ser criado e alterado por lei ordinária obedecendo os termos da lei complementar.
3. IMPOSTO SOBRE GRANDES FORUNAS (IGF) EM OUTROS PAÍSES
Sendo que no Brasil o IGF não foi instituído, faz-se necessária a busca de informações em países onde o referido imposto foi implementado, buscando assim angariar subsídios para resolver a problemática central do trabalho.
Essas experiencias foram trabalhadas por diversos autores, agregando-se pontos relevantes e, com isso, proporcionando uma profunda reflexão sobre o tema. Nessa quadra, passa-se a verificar algumas experiencias quanto à taxação das fortunas em outros países.
Segundo o artigo de BRAGA e PIRES (2020)[2] a organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), fundada em 1961, cuja finalidade é estimular o progresso econômico e o comércio mundial, conta com 38 países membros. Destes, apenas 12 cobravam o IGF. Em 1990, quando esses países alcançaram crescimento e diminuíram a desigualdade, houve uma revogação em massa na Áustria, Dinamarca, Alemanha, Países Baixos, Finlândia, Islândia, Luxemburgo, Suécia, Espanha, França, Noruega e Suíça. Após a crise de 2008, a Islândia e a Espanha reestabeleceram tal imposto como medida de consolidação fiscal. Em 2017, apenas 4 países da OCDE cobravam o imposto, França, Noruega, Espanha e Suíça, o equivalente a 33,33% da amostra.
De acordo com FERNANDES (2017)[3] em 2017, a reforma do Imposto de Solidariedade sobre a fortuna(ISF) na França gerou polêmica, pois reascendeu o debate sobre taxar ou não os mais ricos, uma vez que o imposto é pago por 1% dos contribuintes representando 1,5% das receitas totais do estado, tendo como objetivo a redistribuição por meio de benefícios socias à população de baixa renda. As críticas ao ISF ocorrem por ele ser um imposto confiscatório e provocar a expatriação fiscal dos milionários, ou seja, a transferência do domicílio fiscal para outros países. Outro problema a ser destacado, é perda de capacidade de investimento devido à concorrência dos outros países, vistos como mais atraentes pelos milionários por não terem o ISF.
Segundo PEREIRA (2018)[4] na Suíça o imposto é cobrado localmente, como acontece com os tributos municipais no Brasil, variando de 0,1% a 0,94% para patrimônio acima de R$224 milhões e representa 1,24% do PIB. Na Noruega a taxa é de 1% para patrimônio acima de R$453 mil não incidindo imóveis e fundos de pensão, representando 0,4% do PIB. Na Espanha o imposto representa 0,2% do PIB.
Nessa mesma linha, BONINE (2020)[5] cita que politicamente o IGF pode parecer atrativo por sua suposta justiça tributária progressiva, mas na prática esse tributo representa mais custo do que benefícios, justamente pela perda de ativos decorrente da fuga de capital. Em estimativas do governo Francês, mais de 10 mil pessoas abandonaram a França nos últimos 15 anos, a fuga de capital totalizou a retirada de €35 bilhões de ativos do país, a exemplo do ator Gerárd Dépardieu, que se naturalizou cidadão belga e, posteriormente, russo para escapar do fisco.
Na américa Latina apenas 3 países cobram o IGF, são eles: Argentina (1972), Uruguai (1996) e Colômbia (2002).
Em um artigo BARRIA (2020)[6] compara a cobrança do imposto entre esses 3 Países. No Uruguai o IGF tem outra denominação, é chamado de Imposto Sobre Patrimônio, aplica-se a ativos menos dívidas, incluindo ativos como dinheiro em espécie, metais preciosos, veículos, imóveis, mobiliário e créditos para o contribuinte. A tributação varia de 0,4% a 0,7% para pessoas físicas e residentes e 0,7% a 1,5% os não residentes no país. As isenções incluem ativos no exterior, áreas florestais com certas características, títulos de dívida pública, ações da Corporação nacional de Desenvolvimento e imóveis rurais afetados por propriedades Agrícolas.
Na colômbia são tributados os ativos líquidos de pessoas físicas e jurídicas, calculado sobre o patrimônio bruto total menos as dívidas, incluindo bens no exterior, taxado a 1% os ativos líquidos acima de US$1,5 milhão. A propriedade isenta é a primeira casa do contribuinte com valor aproximado de US$140,5 mil.
Na Argentina o imposto se titula como Imposto Sobre Propriedades Pessoais e tributa o ativo bruto de pessoas físicas e jurídicas localizados no próprio país, incluindo imóveis, carros, notas(em peso e moeda estrangeira), contas bancárias, saldos de fundos comuns e outros investimentos não isentos, obras de arte, antiguidades, utensílios domésticos e bens no exterior. O imposto varia de 0,5% a 1,25% para ativos brutos no país e 0,7 e 2,25% para bens no exterior. São isentos a casa do contribuinte até o valor aproximado de US$ 300 mil, os saldos a prazo e contas de poupança, os títulos de dívida emitidos pelo estado e os ativos intangíveis, como marcas e patentes.
Não obstante, GREGÓRIO (2020)[7] em seu blog cita que em 2010, um grupo de milionários patriotas, empreendedores do Vale do Silício, megainvestidores, fazem lobby para que o governo cobre mais tributos de gente como eles. O movimento força em 2019, quando bilionários assinaram uma carta aberta aos pré-candidatos exigindo uma taxa sobre as fortunas, ainda que moderada.
Segundo YOSHIDA (2020)[8] em uma pesquisa realizada aponta que 64% dos americanos acreditam que os mais ricos devem pagar mais impostos e revertido em benefícios sociais. A discussão se faz pela crescente desigualdade na distribuição da renda do país, segundo estudos 1% dos americanos detém 40% da riqueza, enquanto que 90% da população possuem 25%. Em 1980 era o inverso.
Dois pré-candidatos do Partido Democrata apresentam propostas para a criação do IGF. A Senadora Elizabeth Warrem sugere um imposto de 2% sobre fortunas superiores a US$50 milhões e de 6% para quem tiver acima de US$1 bilhão, estimativas que tal imposto atingiria 70 mil contribuintes. A senadora desistiu de concorrer a presidência.
Já a proposta do Senador Bernie Sanders propõe 8 faixas de alíquotas que afetaria 182 mil contribuintes. Em ambos os casos corresponde a menos de 0,1% da população americana. Em 1999, Donald Trump, então pré-candidato presencial pelo Partido Reformista, defendeu uma proposta mais ousada, sugerindo cobrar de uma única vez um imposto de 14,5% sobre a riqueza dos contribuintes que tivessem US$10 milhões ou mais em ativos líquidos. O objetivo era levantar fundos para cobrir o déficit público de uma só vez. O próprio Trump engavetou o plano e desistiu da candidatura nesse ano.
Com base nos dados, tanto quantitativos quanto qualitativos, três pontos se tornam relevantes: a complexidade de gestão, a baixa arrecadação e a fuga de capitais.
A complexibilidade de gestão se verifica, conforme exposto, na necessidade de uma estrutura alargada para fiscalização e arrecadação do imposto. Interligação de bancos de dados, regulação, normatização, dentre outros podem chegar ao ponto em que a estrutura é mais dispendiosa do que o valor que é arrecadado.
Nessa linha, a baixa arrecadação é outro destaque, onde o montante qualitativo – pessoas que possuem grandes fortunas – é pouco, culminando em baixa arrecadação do imposto, fato que corrobora com as afirmações quanto à complexibilidade de gestão.
Por fim, como visto, a fuga de capitais – fuga das grandes fortunas de um país para outro – revela um “prejuízo” não só na área fiscal quanto na área econômica. A fortuna que sai do país deixa de gerar ativos, empregos, juros etc, impactando diretamente na economia numa conta simples, menos investimento gera menos empregos que gera menos consumo.
4. PROJETOS LEGISLATIVOS EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL
No tópico anterior foi apresentada a experiencia com o imposto sobre grandes fortunas em outros países e como relatado no Brasil tem a previsão deste imposto, mas até então não foi instituído.
Nesse ponto, sempre que se necessita aumentar os recursos para dar vazão às despesas públicas o Estado socorre-se na tributação, seja aumentando os tributos existentes ou seja criando novos. A intenção de instituição do imposto sobre grandes fortunas tem mais de 30 anos e se concretizou com a previsão do imposto na Constituição Federal de 1988.
Saindo do campo das intenções e indo para o campo da concretização, existem diversos projetos de lei tratando sobre o tema, segundo a Agência Senado (2020)[9] o IGF é tema de 4 projetos em tramitação no Senado. Dois deles foram apresentados após essa pandemia do Corona vírus cuja justificativa se deve à calamidade sanitária enfrentada pelo Brasil. Segundo as regras constitucionais, o IGF, previsto na Constituição Federal, de competência da União, precisa de uma lei complementar que o implemente, e uma vez promulgada, o novo imposto só poderá ser cobrado no ano seguinte a sua criação. Desse modo, ele não traria recursos imediatos.
O Projeto de Lei do Senado nº 315/2015[10] apresentado pelo Senador Paulo Paim o IGF se justifica pelo art. 3º da Constituição Federal cujo objetivo fundamental da República federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Para o cumprimento desse objetivo, o Estado deve dispor dos meios e instrumentos necessários, entre esses, o sistema tributário, devendo exigir uma maior contribuição dos mais afortunados, para que o Governo invista em ações sociais à população de baixa renda.
Por este projeto, no IGF será cobrado 1% das pessoas físicas ou de espólio, considerando todos os bens e direitos, móveis, imóveis, fungíveis e semoventes de brasileiros e estrangeiros com patrimônio no Brasil, subtraindo as dívidas e obrigações pecuniárias cujo valor seja superior a R$50 milhões.
As isenções seriam o imóvel de residência, bens de uso doméstico e instrumentos para trabalho autônomo, objetos de tombados ou de utilidade pública, os gravados por reserva legal ou voluntária para fins de utilização social ou de preservação ambiental, os bens dados em usufruto a entidades culturais, educacionais, filantrópicas, religiosas e sindicais, os bens com uso interditado por posse, invasão ou esbulho possessório reconhecido por sentença judicial e os bens consumíveis . Sua vigência seria o ano seguinte à publicação da lei, com duração permanente.
No Projeto de Lei Complementar nº 183/2019[11] de autoria do Senador Plínio Valério a implementação do imposto seria uma forma de tentar amenizar a grave desigualdade econômico-social que historicamente assola o país e garantir que aqueles que ganham mais paguem mais, princípio da progressividade, que representa o que há de mais moderno e justo em termos de distribuição da carga tributária.
A base de cálculo seria de 0,5% para patrimônios acima de 12 mil a 20mil vezes o limite da isenção do imposto de renda, 0,75% entre 20 mil a 70 mil e de 1% acima de 70 mil para pessoas físicas e espólios domiciliadas no Brasil, pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no exterior, em relação ao patrimônio que detenham no país.
Para fins de incidência do IGF serão excluídos do cômputo do patrimônio líquido o imóvel de residência do contribuinte, até o limite de 20% (vinte por cento) do seu patrimônio; os instrumentos de trabalho utilizados pelo contribuinte em suas atividades profissionais, até o limite de 10% de seu patrimônio; os direitos de propriedade intelectual ou industrial, bens de pequeno valor. Sua vigência também seria o ano seguinte à publicação da lei, com duração permanente.
Já no Projeto de Lei Complementar nº 38/2020[12] do Senador Reguffe, a justificação se dá devido à crise sanitária e econômica que assolam o país e a perversa consequência do aumento exponencial do número de desempregados no Brasil. Urge que as pessoas detentoras de grandes fortunas possam dar sua cota de colaboração em momentos dramáticos como esse de “calamidade pública”. A alíquota seria 0,5% do patrimônio líquido que exceda a 50.000 salários mínimos, outros itens pendentes de regulamento.
O mais recente Projeto de Lei Complementar nº50/2020[13] da Senadora Eliziane Gama se justifica pela crise decorrente do novo coronavírus que exigirá muitos recursos para atender a população doente e acolher os desempregados. Se este tipo de tributação não é aconselhável em tempos normais, pelo risco de elisão e evasão, este não é mais o caso. Vivemos tempos atípicos, e é necessário tributar sim o estoque de patrimônio –na impossibilidade de tributar rendas, que caem com a pandemia. Esta não é apenas uma medida de fraternidade e de solidariedade, mas de justiça. Ele será temporário, o que pode diminuir o receio de fuga de capitais e resistências políticas. Escolhemos uma duração intuitiva: ele existirá enquanto existir o teto de gastos.
Neste projeto a alíquota seria de 0,5% entre 12 mil e 20 mil vezes o limite da isenção do IR, de 0,75% entre 20 mil e 70 mil e de 1% acima de 70 mil para moradores e seus espólios, proprietários de bens no Brasil e seus espólios. As mesmas alíquotas da PLP 183/2019 do Senador Plínio Valério.
A novidade fica por conta da previsão em seu artigo 2º de um empréstimo compulsório sobre grandes fortunas, com a mesma base de arrecadação do imposto de que trata esta Lei, com a natureza de tributo prevista no art. 148 da Constituição Federal, para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, não se sujeitando à anterioridade anual, sendo cobrado já no exercício de 2020 e somente neste exercício, conforme o art. 150, III, b e § 1º da Constituição e restituível a partir de 2021.
Como visto, existe a discussão para a instituição efetiva do imposto sobre grandes fortunas no Brasil, no entanto, a tarefa não parece ser das mais fáceis. Com base nos projetos apresentados, verifica-se a dificuldade em delimitar os conceitos básicos do Tributo: fato gerador, base de cálculo, alíquota, sujeito passivo.
Não há um ponto de convergência entre as propostas, a não ser a vontade criadora do tributo. O ponto de partida, será verificar a experiencia nos outros países de modo a evitar os pontos apresentados no capítulo anterior, quais sejam, a complexidade de gestão, a baixa arrecadação e a fuga de capitais.
5. PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA INSTITUIÇÃO DO IMPOSTO DE GRANDES FORTUNAS
Como o exposto até aqui podemos verificar que existem pontos positivos e negativos do Imposto Sobre Grandes Fortunas.
Alguns autores defendem o lado positivo do imposto, que de fato seria a diminuição da desigualdade social, e sua redistribuição convertida em políticas públicas sociais como saúde e educação à população de baixa renda, principalmente em países mais pobres. Imposto com potencial arrecadatório por aumentar o pagamento de impostos daqueles que estão no topo da pirâmide. Trata-se de uma satisfação à sociedade, uma percepção de “justiça social”.
Em que pese o ponto positivo, BARRIA (2020)[14] afirma, tratar-se de um imposto difícil de implementação e nem sempre pode ser detectado, é muito difícil valorar uma empresa, assim como detectar obras de arte, joias, etc. Outra problemática seria a colaboração internacional, ou seja, o intercâmbio das informações fiscais e financeiras entre os países a fim de garantir sua eficácia. A riqueza acumulada é mais difícil de ser calculada, há muitas maneiras de evitá-la. E a maior crítica seria que o IGF pode causar consequências negativas, como a evasão de divisas, refletindo em menos investimentos e menos empregos, afugentando a riqueza do país.
Para PEREIRA (2018)[15] as pessoas acabam percebendo que é muito trabalho para pouco resultado. O extrato superior de riqueza tem muito poder político e, mesmo quando o imposto é colocado, eles conseguem isentar itens de riqueza e acabam se isentando do imposto. Segundo ele “O discurso é bonito, mas a efetividade desse imposto não é real. As distorções ocorrem porque o rico não vai pagar imposto. Eu sei que isso revolta as pessoas, mas esse cara tem uma série de estruturas para tentar sair da alçada desse imposto”.
Na mesma linha, BITTENCOUT (2019)[16] em seu artigo relata que em um relatório da receita Federal, observou-se que os mais ricos possuem mais isenções e pagam, proporcionalmente, menos IR que os demais.
As considerações apontadas merecem atenção, trata-se de assunto controverso, pois se de um lado temos a “justiça social” do outro temos um desestímulo para aquisição de patrimônio fazendo com que as pessoas comecem a investir sua renda em aplicações ou evadindo divisas e conhecendo nossos políticos, com certeza, eles conseguiram isentar aqueles mais ricos.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O IGF é sempre lembrado em períodos de crise econômica, imposto esse que emergiu novamente devido a pandemia do novo coronavírus, aumentando drasticamente o número de desempregados e em contrapartida diminuindo o potencial arrecadatório do Governo. Na gravidade do momento vivido pelo Brasil, torna-se necessário ampliar o financiamento de políticas públicas e reduzir o déficit primário voltando à tona a discussão sobre o imposto.
A criação do IGF, pode parecer atrativo, com viés de ser considerada uma medida justa, porém na prática tem se mostrado de difícil implantação e fiscalização, passando a representar mais custos do que benefícios. Nos Países da OCDE, Suíça, Espanha, Noruega, França, que o implantaram, sua arrecadação não representa um aumento significativo, variando de 0,1 a 1% do valor total do PIB, corroborando com a sua não efetividade e não resolvendo os problemas de arrecadação do país, além da fuga de capital ocorrida. Tanto que 66,66% dos países da OCDE que o implantaram decidiram por sua revogação. Na prática trata-se de um imposto de baixa arrecadação e com alta evasão de divisas e perda da capacidade de investimento.
Pode não ser viável se tributar um patrimônio que está investido, gerando crescimento econômico e empregos, essa foi analise extraída, sendo que três pontos se tornam relevantes: a complexidade de gestão, a baixa arrecadação e a fuga de capitais.
O ministro da economia, Paulo Guedes, nem cogitou a criação do IGF na reforma tributária apresentada, apenas unificou dois impostos federais, o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e a Contribuição sobre o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), estes seriam extintos, dando lugar à Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), com alíquota única de 12% , onerando até mesmo os produtos da cesta básica, o que ao meu ver afetaria muito mais a população de baixa renda. Ele prefere criar um imposto sobre movimentações financeiras do que regulamentar o IGF e correr o risco de afugentar grandes fortunas do Brasil.
Ainda sobre os projetos de lei, verificou-se a dificuldade em delimitar os conceitos básicos do Tributo: fato gerador, base de cálculo, alíquota, sujeito passivo, fora o fato de que não há um ponto de convergência entre as propostas, a não ser a vontade criadora do tributo, sendo necessário evitar as experiencias em outros países para evitar a complexidade de gestão, a baixa arrecadação e a fuga de capitais.
Dos projetos de lei que tramitam no senado, o único que prevê o empréstimo compulsório é o da Senadora Eliziane Gama, todos os outros tem uma semelhança entre si. O Senado segue na contramão, esquecendo a evasão do patrimônio ocorrida nos países da OCDE e nem se lembra que, mesmo sem o imposto, a fuga de capital para os paraísos fiscais já é um problema real no Brasil.
A arrecadação proporcionalmente pequena do IGF, não possui representatividade em relação ao PIB dos países que o instituíram, o imposto tem baixo potencial arrecadatório e elevado custo de arrecadação, enquanto que os impostos sobre a renda têm uma alta arrecadação, seria mais razoável aumentar a arrecadação sobre a renda do que criar uma lei complementar que o institua.
7. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988
_______. Código de Tributário Nacional. Lei nº 5. 172, de 25 de Outubro de 1966.
BARRIA, Cecília. A experiência de 3 países da América Latina que cobram imposto sobre riqueza. BBC Brasil, 26/01/2020. Disponível em: ˂ https://www.bbc.com/portuguese/geral-51189259 ˃ Acesso em: 01/08/2020.
BITTENCOURT, Jackson. Desafios do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Monitor Mercantil, 19/11/2019. Disponível em: ˂https://monitormercantil.com.br/desafios-do-imposto-sobre-grandes-fortunas-igf˃ Acesso em: 06/08/2020.
BOLINI, André. Imposto sobre grandes Fortunas: solução ou devaneio? Exame, 22/04/2020. Disponível em: ˂https://exame.com/blog/instituto-millenium/imposto-sobre-grandes-fortunas-solucao-ou-devaneio/˃ Acesso em: 01/08/2020.
BRAGA, João Pedro Loureiro. Experiência internacional do Imposto sobre Grandes Fortunas na OCDE. Observatório Fiscal, 17/04/2020. Disponível em: ˂https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/posts/experiencia-internacional-do-imposto-sobre-grandes-fortunas-na-ocde˃ Acesso em: 01/08/2020.
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[1] Luiz Rodrigues de Araújo Filho, Possui Graduação em Direito pela Fundação Universidade Federal do Tocantins (2005), Especialização em Direito Constitucional pela Fundação Universidade do Tocantins (2007), Especialização em Direito Tributário pela Fundação Universidade do Tocantins (2009) e Mestrado em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília (2013). Atualmente é Auditor Fiscal da Receita nível IV - SECRETARIA DA FAZENDA DO ESTADO DO TOCANTINS e Professor MS-1 Mestre da Faculdade Serra do Carmo e Universidade Estadual do Tocantins.
[2] https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/posts/experiencia-internacional-do-imposto-sobre-grandes-fortunas-na-ocde
[3] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-41617305
[4] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/03/16/imposto-sobre-fortunas-ricos-milionarios-distribuicao-de-renda.htm
[5] https://exame.com/blog/instituto-millenium/imposto-sobre-grandes-fortunas-solucao-ou-devaneio/
[6] https://www.bbc.com/portuguese/geral-51189259
[7] https://valorinveste.globo.com/blogs/rafael-gregorio/noticia/2020/03/18/nos-eua-bilionarios-fazem-lobby-para-pagar-mais-impostos-conheca-alguns-deles.ghtml
[8] https://exame.com/economia/imposto-sobre-fortunas-mais-facil-falar-do-que-fazer/
[9] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/27/senado-debate-quatro-propostas-de-imposto-sobre-grandes-fortunas
[10] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4612222&ts=1593913950358&disposition=inline
[11] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7985029&ts=1594008350492&disposition=inline
[12] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8076784&ts=1594020657548&disposition=inline
[13] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8078140&ts=1595205604363&disposition=inline
[14] Op.cit.
[15] Op.cit.
[16] https://monitormercantil.com.br/desafios-do-imposto-sobre-grandes-fortunas-igf
Pós Graduada em Finanças Empresarias pela Universidade Federal de Uberlândia. Bacharel em Administração de Empresas pela UFU/MG. Graduanda em Direto pela FASEC/TO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, VANIA PEREIRA. (In)viabilidade do imposto sobre grandes fortunas no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2020, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55700/in-viabilidade-do-imposto-sobre-grandes-fortunas-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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