OSNILSON RODRIGUES DA SILVA [1]
LEONARDO NAVARRO AQUILINO [2]
(Orientadores)
RESUMO: Este trabalho realiza uma abordagem sobre o direito de acesso efetivo do trabalhador à Justiça, uma vez que o interesse de agir é o primeiro passo que sustenta o direito de acesso à justiça com fundamento no binômio “necessidade/adequação do meio”, isto é, quem o tem deve apresentar a necessidade de ir a juízo pedir uma solução, devendo fazê-lo através do meio adequado para tal. Essa é uma condição que não pode ser negada a nenhum qualquer cidadão, uma vez que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, inciso XXXV consagra o direito de ação ao dizer que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Os objetivos do estudo consistem em analisar as implicações jurídicas da falta de acesso efetivo do trabalhador à Justiça; descrever os princípios específicos do Direito do Trabalho para a garantia de acesso do trabalhador à Justiça; analisar o conjunto histórico da formação da Consolidação das Leis do Trabalho com a instituição do jus postulandi, que faculta aos trabalhadores o acesso e a postulação de ação na Justiça.
PALAVRAS-CHAVES: Reforma Trabalhista. Acesso à Justiça.
SUMÁRIO: 1.Introdução; 2. Os princípios do direito do trabalho e o acesso à justiça; 3. A consolidação das leis do trabalho; 4. A consolidação das leis do trabalho; 5. A reforma trabalhista; 5.1 Justiça gratuita; 5.2 Honorários Periciais; 5.3 Honorários sucumbenciais; 5.4 Consequências do não comparecimento à audiência inicial; 5.5 Termo de quitação anual; 5.6 Cláusula arbitral; 6. Conclusão; 7. Referências.
1.INTRODUÇÃO
A Reforma Trabalhista criada pela lei 13.467/2017, teve sua vigência no dia 11 de novembro de 2017, trouxe diversas mudanças para o ordenamento jurídico brasileiro. Entre as alterações, a também chamada de nova Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), trouxeram modificações em dispositivos que provocam limitações ao acesso à Justiça, em especial à gratuidade de Justiça.
O acesso à Justiça está previsto no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, como também no artigo 8º da 1ª Convenção Internacional sobre Direitos Humanos de São José da Costa Rica, a que ponto o Brasil é signatário, e que garante ao acesso à Justiça a prerrogativa de Direitos Humanos. A reforma trabalhista alterou as regras de custas processuais, benefício de justiça gratuita, honorários de sucumbência e periciais que refletem diretamente no direito de acesso à justiça.
Nesse contexto, o objetivo geral do trabalho consiste em investigar de que forma as alterações na reforma trabalhista dificultaram o acesso do trabalhador à Justiça. Para tanto, foram definidos os seguintes objetivos específicos: I- descrever os princípios específicos do direito do trabalho para a garantia de acesso do trabalhador à justiça; II- compreender o conjunto histórico da formação da consolidação das leis do trabalho com a instituição do juspostulandi, que faculta aos trabalhadores o acesso e a postulação de ação na justiça, III) evidenciar como a reforma trabalhista limitou ao trabalhador no acesso à Justiça do Trabalho.
Este estudo tem como finalidade abordar a temática relacionada ao acesso do trabalhador a Justiça. Por esse motivo, justifica-se a discussão do tema, pois, pode-se afirmar que é a condição de cidadão que assegura ao indivíduo ter acesso à justiça principalmente porque a expressão direitos humanos é uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Tais direitos são considerados fundamentais em razão de sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de progredir e de participar plenamente da vida.
O interesse de agir é essencial, a qual sustenta o direito de acesso à justiça com fundamento no binômio “necessidade/adequação do meio”, isto é, quem o tem deve apresentar o dever de ir a juízo pedir uma solução, devendo fazê-lo através do meio adequado para tal. Essa é uma condição que não pode ser negada a todo e qualquer cidadão, uma vez que a Constituição Federal é uma condição que não pode ser negada a todo e qualquer cidadão, uma vez que a Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso XXXV consagra o direito de ação ao dizer que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”
Por esse motivo, se faz necessário refletir a respeito das implicações do art. 5º, inc. XXXV e sua correlação com o direito de acesso à justiça é um importante meio de aprofundar a discussão em torno da importância de se efetivar esse aspecto essencial para que cada indivíduo, homem ou mulher, venha desfrutar de maiores e melhores oportunidades de vivenciar a cidadania.
2. OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO E O ACESSO À JUSTIÇA.
O direito de acesso à justiça tem sido alvo de grande debate no âmbito das instituições jurídicas, uma vez que no Estado democrático de direito é cada vez maior a reivindicação dos cidadãos pelo direito de contar com um Judiciário capaz de atender suas necessidades de maneira célere e satisfatória.
Entre os direitos assegurados constitucionalmente está o direito de acesso à Justiça. Previsto na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXV evidencia o direito de ação ao dizer que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, pode-se interpretar essa declaração sob os mais diversos enfoques.
Primeiro essa afirmação remete a cidadania, visto que, invariavelmente é um artigo que abarca um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da sociedade e ter direitos de acessar a justiça sempre que necessário para que possíveis conflitos ou pendências trabalhistas sejam solucionadas.
Conforme o atual ordenamento Jurídico Brasileiro é concedido o direito ao acesso à justiça como um dos mais básicos direitos humanos e através deste contexto, busca desenvolver o processo efetivo de acesso à justiça de forma justa, solidária e igualitária, com aplicação de diversos segmentos sociais e técnicas jurídicas com objetivo de contribuir para o exercício e respeito da própria cidadania.
O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. (CAPPELLETTI e GARTH, 1988, p.12)
O acesso à justiça é uma necessidade básica do cidadão e, portanto deve transpor barreiras impostas, não somente, aquelas pertinentes à jurisdição, ação, decisão, e execução entre outras, mas também as decorrentes da aplicação ao acesso a essa justiça aos mais necessitados e com menos poder de acesso devido à falta de recursos financeiros e desta forma criar movimentos para desobstruir as vias de acessibilidade, buscando a eliminação de insatisfação no cumprimento do direito ao acesso à justiça.
A palavra princípio induz, na acepção mais aceita, a ideia de “começo, início”, e nesta linha, “o primeiro momento da existência de algo ou de uma ação ou processo. E mais ainda pois traz consigo, também, a ideia de “causa primeira, raiz, razão” e, nesta medida, a ideia de aquilo “que serve de base a alguma coisa”. (DELGADO, 2019, p.220)
É fundamental conhecer alguns princípios essenciais ao direito do trabalho como forma de evidenciar a correlação destes com o direito de acesso à Justiça pelo trabalhador. Entende-se que princípio é a manifestação das ideias presentes nas pessoas e grupos sociais dentro de uma realidade. Considerando ainda na mesma linha, os princípios são alicerçados de um sistema de conhecimento, quando pelas suas comprovações e evidências, seja por motivos de ordem práticas ou de caráter operacional.
“Os princípios do Direito do Trabalho são as ideias fundamentais e informadoras do ordenamento jurídico trabalhista, ou seja, constituem postuladores e diretrizes que inspiram as normas que regulam as relações de trabalho. ” (ROMAR, 2019, p.48)
No sistema jurídico não há que se pensar em haver apenas regras ou apenas princípios, visto que as regras possuem conceitos fechados e invioláveis, pela necessidade da segurança jurídica e de uma estabilidade social. Por outro vértice, os princípios ajudam na compreensão e para uma melhor interpretação do Direito.
Nesse mesmo entendimento, de acordo com Romar (2019, p.48) “Os princípios devem iluminar tanto o legislador, ao elaborar as leis dos correspondentes sistemas, como o intérprete, ao aplicar as normas ou sanar omissões do respectivo ordenamento legal”
Diante do exposto, cabe então conhecer alguns princípios inerentes ao direito do trabalho como forma de evidenciar a inter-relação destes com o direito de acesso à Justiça pelo trabalhador.
a) Princípio da boa-fé:
De acordo com Romar (2019, p.61), “o princípio da boa-fé não é exclusivo do Direito do Trabalho, mas, neste campo, apresenta-se como complemento dos demais princípios que tem por objetivo efetivar a proteção do trabalhador e alcançar um sentido especial. ’’
Entende-se que o princípio da boa-fé move a pessoa a agir no sentido de não causar danos ou dolo a outrem, mas adotar ações que venham promover os direitos de todos aqueles que estão sob sua supervisão ou mesmo em favor daqueles que necessitam ver efetivados os direitos básicos de todo o ser humano.
b) Princípio da Razoabilidade:
O princípio da razoabilidade não pertence somente ao Direito do Trabalho, mas é comum a todos os ramos do direito, e se dirige não só ao empregado e empregador, como também, sobretudo ao legislador e juízes, cada um no seu âmbito de atuação, sugerindo-lhes que atuem sempre pautados no bom senso e coerência, ou seja, nas relações de trabalho as partes e os operadores do direito devem buscar a solução mais razoável para os conflitos dela advindos.
c) Princípio protetor, ou de proteção:
Este princípio é a direção que regula todo o sentido da criação do Direito do Trabalho, na parte de proteger a parte mais frágil na relação jurídica, ou seja o trabalhador, que até o surgimento de normas trabalhista, se via desprotegido em relação ao empregador.
Este princípio tem por fundamento a proteção do trabalhador enquanto parte economicamente mais fraca da relação de trabalho e visa assegurar uma igualdade jurídica entre os sujeitos da relação, permitindo que se atinja uma isonomia substancial e verdadeira entre eles. “Seu propósito consiste em tentar corrigir desigualdades, criando uma superioridade jurídica em favor do empregado, diante da sua condição de hipossuficiente”, (ROMAR, 2019, p.53)
Neste sentido, o princípio protetor infere que o empregador é o possuidor do poder econômico, deste modo ficando em situação elevada, sendo assim, ao empregado será conferida uma vantagem jurídica que buscará equiparar as partes e suprir esta diferença.
Todavia, esse princípio foi afetado pela Reforma Trabalhista, Romar (2019, p.54) explica que: “ De fato, considerado a espinha dorsal do Direito do Trabalho, pode-se dizer que o princípio da proteção ao hipossuficiente, embora não tenha sido extinto, foi afetado pela Reforma Trabalhista”. Em outras palavras, a sistemática do Direito do Trabalho, fundada na proteção do trabalhador quando parte hipossuficiente na relação laboral, ficou modificada, o que alterou significativamente este princípio.
d) Princípio da primazia da realidade
Compete ao jurista, quando se manifestar, afastar a situação fictícia e atribuir a definição concreta, nos moldes estabelecidos pelos artigos 2º e 3º da CLT. Nesse contexto, para o direito do trabalho deve prevalecer as ações reais sobre as formas, pois o que importa é o que de fato ocorreu no caso concreto e não o que está escrito no contrato, o princípio da primazia da realidade visa proteger o trabalhador, já que o empregador dentre outras situações, poderia sujeitar o empregado a assinar documentos contrários aos fatos e seus interesses, mesmo porque em decorrência da relação de trabalho por vezes o trabalhador sujeita-se às ordens do empregador, mesmo contra a sua vontade.
Por isso, é necessário destacar que os fatos comprovados devem ser preponderantes quando se torna necessário resolver uma lide que desequilibra a relação de trabalho. Importante também ressaltar que esse princípio atua em todas as fases da relação trabalhistas, excetuando a hipótese do trabalhador admitido com emprego público sem prestar concurso público, nos moldes consubstanciado pelo inciso II, do art. 37, da Constituição vigente.
e) Princípio da irrenunciabilidade e da intransacionabilidade
Este princípio defende a ideia de que o empregado não pode antes da admissão, no curso do contrato de trabalho ou após o seu término, renunciar ou transacionar seus direitos trabalhistas, seja de forma expressa ou tácita, posto que alguns direitos trabalhistas são de caráter irrenunciáveis, não podendo servir de objeto de barganha.
Nesse sentido, este autor destaca que vale tomar como exemplo o art. 9º da CLT que declara como nulo todo ato que vise deturpar, embaraçar ou fraudar a legislação trabalhista, no mesmo sentido o art. 468 da CLT, considera nula toda alteração contratual que gere prejuízo ao trabalhador, para reforço do entendimento temos o art. 444 também da CLT autoriza a criação de outros direitos pela vontade das partes, mas desde que não se contraponha aqueles previstos na lei e nas normas coletivas.
f) Princípio da continuidade da relação de emprego
Este princípio visa proteger ou preservar o vínculo trabalhista, tem como finalidade proteger e agregar o trabalhador à organização empresarial, dando segurança econômica ao trabalhador. Nesse mesmo sentido, para Romar (2019, p.58) “ A continuidade da relação de emprego como princípio do Direito do Trabalho fundamenta-se no fato de que nela está a fonte de subsistência e de sustento do empregado e de sua família, tendo nítida natureza alimentar. ”
Sendo assim, mesmo que venha ocorrer mudanças ou alterações na estrutura jurídica da empresa não pode haver alterações quanto aos contratos de trabalhos já estabelecidos. Além do mais, uma das características deste princípio é que este indica o contrato por tempo indeterminado. Consequentemente os contratos por tempo determinado são exceções e somente nas hipóteses prevista em lei.
3. A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO
A Consolidação das Leis do Trabalho foi elaborada mediante a promulgação do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, recebendo a sanção pelo então presidente da República Getúlio Vargas, durante a vigência do Estado Novo.
A CLT reuniu toda a legislação do trabalho que existia no país, tornando-se um marco no que tange a solidificação dos direitos do trabalhador segundo o que postulava a legislação brasileira nesse campo. Ela nasceu com a finalidade de regulamentar as relações individuais e coletivas no campo do trabalho. De forma objetiva a CLT foi promulgada mais como uma necessidade institucional durante o período pós criação da Justiça do Trabalho.
A Consolidação das Leis do Trabalho tem, desde a sua origem, o objetivo de assegurar que os direitos e deveres do trabalhador sejam protegidos e efetivados, mediante a garantia de que o acesso à Justiça seja facilitado para que este tenha conhecimento a respeito das demandas que lhe favorecem na relação entre patrões e empregados.
O artigo 5º, inc. XXXV da Constituição Federativa do Brasil, mostra que a própria Constituição Federal, por todos os meios possíveis assegura ao cidadão que seja respeitado o direito do cidadão trabalhador a ter acesso amplo e pleno à justiça como forma de garantir que o Estado moderno atenda às suas necessidades quando do surgimento de conflitos no meio social.
Deste modo, pode-se afirmar que o cidadão, quando se sente impelido a acionar os meios jurídicos e alternativos de resolução de conflitos precisa compreender que isso é um direito inalienável, não podendo ser negado, independentemente de sua situação social.
4. A INSTITUIÇÃO DO JUS POSTULANDI
O jus postulandi surgiu junto com a Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, foi então quando teve sua existência na Justiça do Trabalho. O jus postulandi é a capacidade postulatória, ou seja, a condição técnica para postular em juízo.
“O instituto do Jus Postulandi no processo do trabalho está estreitamente ligado ao princípio do acesso à justiça, consubstanciado no artigo 5º, XXXV da CRFB/88, incluído no rol dos direitos e garantias fundamentais. ” (FERREIRA, ROCHA, RODRIGUES, 2020, p.7)
Tanto reclamante como reclamado, têm a possibilidade de postular sem a representação de um advogado na Justiça do Trabalho, esse direito estar previsto no art. 791 da CLT “Os empregados e empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a justiça do trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final. ”
O Jus Postulandi figura como um dos principais instrumentos processuais no que tange à garantia constitucional do acesso à justiça, vislumbrando exaltação por grande parte dos operadores do Direito, pois seria uma forma de garantir àqueles que não possuem um efetivo poder econômico, o direito de guerrear no judiciário em busca de seus interesses. (FERREIRA, ROCHA e RODRIGUES, 2020, p.1)
O art. 5º, XXXV, diz que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, não se limita a dizer que somente os advogados têm capacidade postulatória, indica também uma obrigação do Estado de prestar tanto a assistência como prover os meios para que o cidadão tenha acesso à prestação jurisdicional.
Pode-se observar que o Estado dispõe de alguns recursos para facilitar o acesso à justiça, tais como o Ministério Público cuja atividade está prevista no artigo 129 da Constituição Federal que de modo geral tem por escopo zelar pelas causas de interesse público, também há a Defensoria Pública cuja finalidade é representar as pessoas que comprovadamente não tem condições financeiras de pleitear seus direitos em juízo, porém, este atende somente aos casos criminais, civis, familiares, os Juizados Especiais e Delegacia da Mulher.
Na Justiça do Trabalho não há a figura do Defensor Público a fim de defender os menos favorecidos financeiramente, porém, se tomarmos o preceituado no artigo 134 da CF, entende-se que haveria obrigatoriedade de tal prestação jurisdicional também na Justiça do Trabalho.
Art. 134 CF – A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.
Como forma de suprir essa falha, o artigo 791, parágrafo 1º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) traz a possibilidade de o empregado ou empregador que desejar seja representado pelo sindicato de sua categoria, preceito este reforçado no artigo 839 da mesma CLT, juntamente com a lei 5.584/70 nos artigos 14 e 18 garantem ao trabalhador a assistência pelo sindicato da classe, mesmo que o obreiro não seja associado, porém, traz algumas restrições, tais como receber salário inferior ou igual ao dobro do mínimo legal ou, comprovando que mesmo recebendo mais, ao demandar, sua situação econômica será prejudicada, comprometendo o sustento próprio ou da família.
Entende-se que a Constituição foi precisa em garantir o acesso à justiça para todos, mais ainda foi correta a jurisprudência em manter o artigo 791 da CLT, permitindo que cada um postule em nome próprio, sem a necessidade de representação por advogado, mas, questionamos até onde há segurança em tal forma de acesso à justiça.
5. A REFORMA TRABALHISTA
A reforma trabalhista, entrou em vigor em 11 de novembro de 2017, trouxe diversas mudanças para o ordenamento jurídico brasileiro. Entre as alterações, a também chamada de nova CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), tais mudanças resultaram modificações em dispositivos que provocam limitações ao acesso à Justiça, em especial à gratuidade de Justiça.
Os dispositivos que resultaram nas modificações, estão sendo alvo da ADI 5766, a qual está pendente de julgamento perante o STF para discutir a constitucionalidade ou não dos respectivos dispositivos.
O Procurador Geral da República - PGR, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, ingressou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.766), para discutir a inconstitucionalidade dos artigos 790-b, caput e § 4º, 791 - A, § 4º e 844, § 2º da CLT, alegando que os novos artigos violam as garantias constitucionais do amplo acesso à jurisdição e a assistência judiciária integral aos necessitados, refletindo diretamente na dignidade da pessoa humana dos trabalhadores, nos valores sociais dos trabalho e da livre iniciativa, na construção de uma sociedade livre, justa e solidária e na finalidade de erradicação da pobreza e da marginalização e da redução das desigualdades sociais, ferindo, assim o disposto nos artigos 1°, III e IV; 3°, I e III; 5°, caput, XXXV e LXXIV e §§ 2°, 7°, 8° e 9°, todos da Constituição da República.
Alguns artigos da CLT, ao serem interpretados à luz do texto constitucional, produz consequências incompatíveis com a garantia fundamental de acesso à Justiça e apresentam inconstitucionalidade por ferir normas de eficácia absoluta.
Neste seguimento, é importante mencionar alguns das alterações feitas pela reforma trabalhista que dificultam o acesso à justiça por parte dos trabalhadores, como: alteração dos requisitos para concessão do benefício da justiça gratuita; pagamento de honorários periciais; honorários de sucumbência; pagamento de custas na hipótese de arquivamento decorrente da ausência do trabalhador em audiência inicial; implementação do modelo de quitação anual do contrato de trabalho; possibilidade de inserção de cláusula contratual de arbitragem para determinados empregados.
5.1 Justiça gratuita
Antes da reforma trabalhista, o empregado que declarasse que era hipossuficiente, justificando que não podia arcar com as despesas processuais sem prejuízo de seu próprio sustento, ou sustento de sua família, era concedido o benefício da justiça gratuita. Deste modo, o mesmo ficava isento do pagamento de honorários periciais quando sucumbente na perícia, bem como as despesas do processo.
O antigo texto do artigo art. 790, § 3º, da CLT, dada pela Lei n. 10.537/2002, facultava ao juiz conceder a justiça gratuita a quem recebesse até dois salários mínimos ou declarasse estado de miserabilidade.
Depois da reforma, a gratuidade da justiça, passou a ter critérios objetivos para sua concessão, o artigo 790-B, da CLT, diz que a critério do juiz, será concedido justiça gratuita àquele que receber salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência, e o § 4º do art. 790, o qual estabelece que “o benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo”.
Nota-se, que a Reforma endureceu, colocando mais obstáculos nos requisitos para concessão da justiça gratuita, no ponto, em que, anteriormente, bastava o estado de hipossuficiência para que o benefício fosse concedido.
5.2 Honorários Periciais
O antigo texto do artigo 790-B da CLT, diz que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, salvo se beneficiária da justiça gratuita. Porém, com a reforma, esse artigo mudou totalmente, ou seja, a parte vencida na perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita, deverá pagar os honorários do perito. Salvo se não obteve em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa. Então, a União só responderá pelo pagamento do expert se o reclamante não alcançar valor suficiente para suportar a despesa do processo.
Com isso, se o empregado postular, por exemplo, horas extras e adicional de insalubridade, sendo vencido neste e vencedor naquele, poderá não receber nada, porque os honorários periciais poderão ser pagos com esse saldo. (GONÇALVES, 2017, p.267)
Com isso, a concessão da Justiça Gratuita não integrará todas as despesas do processo, existindo exceções. Nesse sentido, são visíveis os obstáculos impostos pela reforma ao acesso à Justiça gratuita, o empregado que for parte hipossuficiente no processo, correrá risco de ter que arcar com os gastos no processo, mesmo fazendo jus ao benefício da justiça gratuita, que poderá servir como empecilho para o requerimento de adicionais de insalubridade e periculosidade, e também para ações de indenização por doenças e acidentes causados no trabalho, que dependem da prova técnica para serem concedidos.
5.3 Honorários sucumbenciais
“Os honorários sucumbenciais são aqueles devidos pela parte vencida ao advogado da parte vencedora em uma ação judicial. (GONÇALVES, SILVA, OLIVEIRA, CAMPOS e BRUM, 2019, p.3). ”
Antes da reforma trabalhista, somente o empregador era condenado ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, pois o empregado não poderia suportar os efeitos desse pagamento, já que haveria violação de direitos fundamentais, como da igualdade e do livre acesso ao Poder Judiciário.
Esse entendimento estava previsto na Súmula 329 e no item I da Súmula 219 do TST, entretanto era necessário suprir dois requisitos por parte do empregado, que eram: comprovar que recebe salário inferior ao dobro do salário-mínimo ou que se encontrava em situação econômica que não permitia arcar sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família e estar assistido pelo sindicato da categoria profissional.
Depois da reforma foi inserido na CLT o artigo 791-A com intuito de regulamentar os honorários advocatícios sucumbenciais na Justiça do Trabalho e, por consequência revogou as Súmulas 219 e 329 do TST, alterando toda regularização desses honorários.
Vale destacar alguns pontos previsto no artigo 791-A da CLT, sendo eles: o pagamento dos honorários sucumbenciais pelo empregado, ainda que beneficiário da justiça gratuita; pagamento dos honorários em questão decorre da mera sucumbência; os honorários devem ser fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e no máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido, ou não sendo possível mensurá-la, sobre o valor atualizado da causa; o Juízo fixará os honorários de sucumbência recíproca caso o empregador tenha sua ação julgada procedente em parte; suspensão da obrigação de pagar pelo prazo de dois anos, caso o sucumbente beneficiários da justiça gratuita não tenha obtido crédito nos autos ou em outro processo capaz de suportar o valor fixado.
Na relação jurídica o empregado é a parte hipossuficiente, geralmente seu salário não permite pagar seu próprio advogado, ainda mais o advogado da parte contrária. Dessa maneira, é indevido que ele seja condenado ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, de modo que isso resultaria na impossibilidade de o empregado questionar seus direitos trabalhista judicialmente.
Em síntese, ao conceder a justiça gratuita, reconhece que o beneficiário tem não recursos para pagar custas e nem as despesas processuais sem prejudicar o sustento de sua família e dele próprio. Com isso, não deve o beneficiário estar sujeito ao pagamento de custas e despesas do processo, salvo se houver a comprovação da perda da condição de hipossuficiente.
5.4 Consequências do não comparecimento à audiência inicial
O caput do artigo 844 da CLT, sustentado pela reforma, determina que o não comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.
O parágrafo segundo do artigo 844, incluído pela reforma, decreta que na ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas no artigo 789 da CLT, mesmo que seja beneficiário da justiça gratuita.
Neste caso, a condenação só será retirada se, no prazo de 15 dias, o reclamante comprovar que a ausência se deu por motivo legalmente justificável. A comprovação acaba sendo mais uma barreira, visto que, o obreiro que não conseguir comprovar a justa causa de sua ausência terá que pagar custas, mesmo que não tenho condições de arcar terá que pagá-la, sob pena de não poder ajuizar nova ação.
5.5 Termo de quitação anual
O termo de quitação tem sua previsão no artigo 507- B, foi inserido pela reforma, que se refere a alteração envolvendo direito material que impacta significativamente o acesso à justiça dos trabalhadores, de modo que facilita o uso da pressão econômica por parte dos empregadores para obter quitações que lhe sejam favoráveis.
Deste modo, o termo de quitação anual impede que o trabalhador mais tarde questione o pactuado, por causa de ser utilizado como prova contra o empregado numa eventual ação judicial.
Além disso, esse artigo desconsidera a subordinação a qual se encontra submetido o empregado em relação ao seu empregador e também a pressão econômica existente entre as partes dessa relação contratual, submetendo o obreiro a vício de vontade, na esperança de assim garantir o seu sustento, violando as garantias constitucionais de proteção social.
No entanto, o artigo 7º, XXIX da Constituição Federal, assegura o direito de ação quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho: “com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho”.
Por consequência, este artigo pretende garantir que o trabalhador pode requerer seus direitos, mesmo após do término do contrato. No entanto, o termo de quitação anual do contrato de trabalho acabar retirando do trabalhador essa possibilidade, visto que ele pode ser induzido a dar quitação das verbas inadimplidas durante o curso do contrato.
5.6 Cláusula arbitral
O artigo 507-A da CLT, introduzido pela reforma, determina que, nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo do teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que a iniciativa pela pactuação da cláusula compromissória seja do empregado ou que ele concorde expressamente, nos termos previstos na Lei n.9.307, de 23 de setembro de 1996.
Tais alteração, só foi direcionada apenas a uma determinada classe de trabalhadores, e violam, dessa forma, o princípio constitucional de proteção social ao trabalho subordinado previsto no artigo 7º, I da Constituição Federal. Além disso, a Constituição garante a todos os trabalhadores subordinados, independente do salário, os mesmos direitos fundamentais sociais no princípio de justiça social, previsto no artigo 3º, I e III, 7º a 11, 170, III e VIII, e artigo 193 da Constituição Federal.
Sendo assim, o emprego da arbitragem privada como método de solução de conflitos individuais trabalhista viola o princípio constitucional do valor social do trabalho do artigo 1º, IV da Constituição Federal, já que desconsidera a condição de hipossuficiência do trabalhador subordinado, negligenciando o patrimônio social protegido pelas normas de direitos fundamentais, que são normas cogentes de direitos trabalhista.
6.CONCLUSÃO
Diante disso, verifica-se que a Reforma Trabalhista, criada pela Lei. 13.467, de 13 de julho de 2017, alterou de forma significativa diversos aspectos por parte hipossuficiente da relação jurídica processual, que dificulta diretamente o acesso à justiça.
Algumas das alterações, presume a má-fé dos trabalhadores, empregando-lhe sanções graves e desproporcionais, como por exemplo na condenação ao pagamento de custas no caso de ausência e honorários periciais, na hipótese de sucumbência na perícia, mesmo que sejam beneficiários da justiça gratuita.
Por fim, conclui-se pela presente pesquisa que, a Constituição Federal assegura o direito ao acesso à Justiça no seu art. 5º, LXXIV e a assistência integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, previsto no art. 5º, XXXV, isso mostra que a própria Constituição Federal, por todos os meios possíveis assegura ao cidadão trabalhador que seja respeitado o direito a ter acesso amplo e pleno à justiça como forma de garantir que o Estado moderno atenda às suas necessidades quando do surgimento de conflitos no meio social.
No entanto, a Reforma Trabalhista restringe a efetiva realização do direito fundamental de acesso à justiça dos trabalhadores, ela impôs barreiras econômicas para o direito à gratuidade da justiça, e não intencionou outras vias de acesso, apenas a obstrução do acesso à justiça aos trabalhadores, deste modo, tornar-se um retrocesso sob o ponto de vista da concretização dos direitos dos trabalhadores e o seu direito de acesso à justiça.
7.REFERÊNCIAS
BARROS, Anna Flávia Magalhães de Caux; PINTO, Mariana Lamego de Magalhães. O jus Postulandi e o acesso à justiça no processo do trabalho. 2019.Disponívelem:<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0cb5ebb1b34ec343>.Acesso em: 28 de setembro de 2020.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Ed. Sérgio Antônio Fabris, 1988.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. São Paulo: LTr, 2019.
FERREIRA, Vanessa Rocha; ROCHA, Claudio Jannotti; RODRIGUES, Gabriel Neves Bittencourt. O Jus Postulandi na Justiça do Trabalho. 2020. Disponível em:<https://periodicos.uniformg.edu.br:21011/ojs/index.php/cursodireitouniformg/article/view/1223/1141>. Acesso em 01 de outubro de 2020.
GONÇALVES, Matheus Marinho, SILVA, Eloísa Rocha; OLIVEIRA, Gabrielle Santos; CAMPOS, Waleska Yone Yamakawa Zavatti; BRUM, André Luiz de Oliveira. Honorários sucumbenciais: a nova inclinação na Justiça do Trabalho. Revista ÂMBITO JURÍDICO, 2019. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-do-trabalho/honorarios-sucumbenciais-a-nova-inclinacao-na-justica-do-trabalho/>. Acesso em 05 de outubro de 2020.
GONÇALVES, Igor; FREITAS, Camila. A Reforma Trabalhista e o Direito Processual do Trabalho: retrocessos e violações ao direito constitucional de acesso à justiça. Revista Boletim Científico ESMPU, 2017. Disponível em: <http://escola.mpu.mp.br/publicacoes/boletim-cientifico/edicoes-do boletim/boletim cientifico-n-50-julho-dezembro-2017/a-reforma-trabalhista-e-o-direito-processual-do-trabalho-retrocessos-e-violacoes-ao-direito-constitucional-de-acesso-a-justica.>. Acesso em 20 de setembro de 2020.
CARDOSO, Jéssica Castro. O Reclamante terá justiça gratuita após a Reforma Trabalhista? Revista Jusbrasil, 2017. Disponível em: <https://jessikcastro17.jusbrasil.com.br/artigos/539950762/o-reclamante-tera-justica-gratuita-apos-a-reforma-trabalhista?ref=feed>.Acesso em 10 de setembro de 2020.
MARTINS, Antero Arantes; ANDRADE, Solange Couto. Jus postulandi na Justiça do Trabalho. Revistajus.com.br, 2017. Disponível em:<https://jus.com.br/artigos/55490/jus-postulandi-na-justica-do-trabalh>. Acesso em 15 de abril de 2020.
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho esquematizado. 6 ed. São Paulo Saraiva 2019.
SOUSA, Leonardo Barbosa. O Acesso à Justiça no Estado Democrático de Direito: A Reforma Trabalhista Na Contramão Do Direito Fundamental à Assistência Jurídica Integral e Gratuita, 2019. Disponível em: <http://191.252.194.60:8080/bitstream/fdv/599/1/Leonardo%20Barbosa%20de%20Sousa.pdf>. Acesso em 03 de outubro de 2020.
NOTAS:
[1] Professor da Centro Universitário Católica do Tocantins, é Doutorando no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação pela Universidade Católica de Brasília - Ucb (Em Andamento), Mestre Profissional em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos Pela Universidade Federal Do Tocantins - Uft (2017), Especialista em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília - Ucb/Df (2008), Graduado e, Filosofia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp (2000) e Curso Técnico/Profissionalizante em Magistério pelo Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério - Cefam (1994).
[2] Professor da Centro Universitário Católica do Tocantins, Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília, possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto (1997) e especialização em Direito das Obrigações pela UNESP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAIS, JÉSSICA PEREIRA DE. Reforma trabalhista: o direito de acesso efetivo do trabalhador à justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2020, 04:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55807/reforma-trabalhista-o-direito-de-acesso-efetivo-do-trabalhador-justia. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Por: Beatriz Ferreira Martins
Por: MARCIO ALEXANDRE MULLER GREGORINI
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: JUCELANDIA NICOLAU FAUSTINO SILVA
Precisa estar logado para fazer comentários.