DEBORA LOPES CARNEIRO DALBEN
(coautora)
CLÁUDIA VIEGAS
(orientadora)
Resumo: No passado, fotos, documentos, recibos, contas, músicas, filmes etc. eram tangíveis ou fixados em uma mídia tangível, como CDs ou DVDs. Depois que uma pessoa morria, era geralmente suficiente ir à sua casa ou escritório e encontrar todos esses itens. Alguns deles eram valiosos, outros não, mas todos constituíam herança. Hoje, na maioria das vezes, esses itens são digitalizados e armazenados em computadores, smartphones, pen drives, contas de e-mail, nuvens, mídias sociais, etc. A maioria de nós possui muitos desses ativos digitais, mas quase nenhum de nós pensa sobre o que irá acontecer com eles depois que morrermos. Existem várias questões relacionadas à herança digital: os ativos digitais são intangíveis e, na maioria das vezes, os herdeiros de seus detentores não os conhecem; muitos deles são protegidos por senha e os herdeiros não saberão informações de login; eles tendem a ser numerosos e muitos deles não têm valor financeiro ou emocional. Esses problemas poderiam ser resolvidos se os indivíduos fizessem planos para o que aconteceria com seus ativos digitais post mortem, como fazem por suas propriedades tangíveis. A escolha óbvia é incluir ativos digitais em um testamento. No entanto, há certas particularidades que devem ser lembradas ao planejar a herança digital. Por exemplo, as vontades são pronunciadas publicamente depois que uma pessoa morre, muitas pessoas podem estar a par de informações confidenciais e privadas sobre os ativos digitais do falecido. Quando se trata de ativos digitais armazenados nas contas dos provedores de serviços de Internet, fazer planos não significa muito, já que o provedor possui regras que proíbem qualquer pessoa, além do usuário original, de acessar essas contas. Este artigo abordará esses desafios da herança digital e as possíveis maneiras de como se preparar melhor para ela.
Palavras-chave: Herança Digital; Post Mortem; Mídias Digitais. Ativos Digitais.
A morte sempre foi um fato legalmente significativo, que implica no término da personalidade jurídica da pessoa humana, dissolve a sociedade conjugal, enfim, altera e encerra obrigações contratuais, direitos personalíssimos e, sobretudo, inicia a transferência de propriedade post mortem.
As regras de sucessão sempre determinaram quem herdará, de que maneira, a propriedade do falecido. Quando há apenas itens tangíveis para herdar, não há problemas significativos e, se houve algum no passado, eles foram resolvidos há muito tempo (NASCIMENTO, 2017).
No entanto, um novo tipo de ativos - ativos digitais - surgiu e nem seus proprietários nem legisladores sabem o que fazer com eles em termos de sucessão. Muitos desses ativos são armazenados em contas on-line; portanto, depois de considerar os provedores de serviços de Internet, que decidem quais direitos uma pessoa tem sobre sua conta e seu conteúdo, a situação se torna ainda mais complicada (BARRETO; NETO, 2016).
Os seres humanos acumularam mais informações nos últimos dois anos do que em toda a civilização humana anterior e uma clara maioria dessas informações está em formato digital. Além disso, hoje, os provedores de serviços públicos, empresas de telefonia e internet, bancos e cartões de crédito passaram para um domínio digital e a maioria deles ainda oferece incentivos se seus clientes ficarem sem papel, porque são mais baratos e melhores para o meio ambiente.
Atualmente, a maioria dos jornais está sendo publicada online, as compras são feitas na Internet, as pessoas se comunicam por e-mail ou mídia social. Hoje, fotos, músicas e vídeos são predominantemente em formato digital. Portanto, a maioria do que antes era tangível agora é digitalizada.
Os ativos digitais são novos, mudam constantemente e ninguém sabe exatamente o que esse termo abrange, pois existem muitas definições diferentes desses ativos.
No mínimo, esses ativos são informações armazenadas em um meio intangível em computadores e outras tecnologias relacionadas a computadores. Eles podem ser acessados de várias maneiras - através de um computador, disco rígido, telefone inteligente ou servidor de ISP. Eles incluem contas de e-mail, blogs, sites de redes sociais, páginas pessoais, documentos, vídeos ou sites de armazenamento de fotos e é provável que essa lista seja expandida em breve (LAWAND, 2005).
No entanto, poucas pessoas pensam sobre o que acontecerá com esses itens depois que eles morrerem, e muito menos fazer planos para isso. Esses ativos, sua propriedade e sucessão devem ser legalmente regulamentados, porque hoje em dia a maioria de nós não consegue nem imaginar que outros tipos de ativos digitais serão criados em breve.
Da mesma forma, como muitos ativos digitais muito importantes são controlados apenas por vários ISPs, o relacionamento com os titulares de contas também precisa ser considerado.
Diante desse cenário, pretende-se, por meio de técnica bibliográfica e jurisprudencial, analisar os efeitos jurídicos dos bens digitais, a partir da morte do seu titular.
Para tanto, inicialmente, tratar-se-á da sucessão da pessoas humana, em que se discorreu sobre suas implicações e tipos de sucessão. No decorrer do artigo apresenta-se a questão do patrimônio digital como propriedade da pessoa humana e por fim aponta-se sobre o testamento digital como uma forma de proteção da herança digital pos mortem.
Em um primeiro sentido, a sucessão da pessoas humana é caracterizada pela transmissão da propriedade de uma pessoa falecida. Em segundo sentido, o patrimônio transmitido (MACIEL; PEREIRA, 2014).
Em um sentido geral, o efeito de ter sucesso, seguindo uma pessoa para outra, continuaria em seus direitos e obrigações. Mais especificamente, a sucessão foi definida como a transmissão dos direitos e obrigações que compõem a herança de uma pessoa morta, à pessoa que sobrevive, a quem a lei ou o testador chama para sucedê-la (DE SALAMANCA, 2016).
Essa definição permite extrair os elementos necessários de qualquer sucessão mortis causa (MACIEL; PEREIRA, 2014): 1) a pessoa falecida, também chamada causadora ou cujus; 2) aqueles chamados a suceder, por lei ou pela vontade do falecido. Estes são designados como sucessores ou sucessores no título; se a sucessão é de capacidade privada, legados; 3) o conjunto de ativos dos quais o falecido era o proprietário, ou seja, um patrimônio de propriedade do falecido. Ativos relict são designados.
Os povos de todas as civilizações o admitiram, uma vez que deixaram as organizações primitivas dos clãs da comunidade (NASCIMENTO, 2017). Somente esse fato seria suficiente para afirmar que é uma instituição inserida na natureza humana.
A sucessão é a transmissão de todos os bens, direitos e obrigações de uma pessoa por causa de sua morte. Herança é o conjunto de ativos, direitos e obrigações que não são extintos com a morte de seu proprietário. Constitui uma universalidade jurídica estabelecida desde a morte do autor da sucessão, até a partição e adjudicação.
O Legado é a transferência de um ou vários ativos determinados ou determináveis, que o testador faz em sua vontade em favor de uma ou mais pessoas. A herança pode ser (MACIEL; PEREIRA, 2014):
1. Testamentária.
2. Legítima
O testamento é dado com base na vontade do testador "proprietário" (fornece quem deixa seus bens e em que proporção). É testamentário ou legítimo, porque a ordem indicada pela lei é seguida para a adjudicação, levando em consideração o grau de parentesco e tomando como base que os parentes mais próximos excluam os mais distantes.
A sucessão de qualquer tipo ocorrerá com a morte de seu autor, concedendo automaticamente a todos os herdeiros o exercício de seu direito sucessório, mas não a disposição dos bens que compõem o patrimônio. O herdeiro adquire universalmente e é responsável pelos encargos ou obrigações da herança até a quantia dos ativos que herda (LAWAND, 2005).
O legado adquire em capacidade privada e somente possui os encargos impostos pelo testador. E quando toda a herança for distribuída em legados, os legados serão considerados herdeiros. Se o autor da herança e seus herdeiros ou legados perecerem no mesmo evento ou dia sem prova daqueles que morreram antes, todos serão considerados mortos ao mesmo tempo e não haverá lugar entre eles para a transmissão da herança ou legado (DE SALAMANCA, 2016).
Com a morte do autor da sucessão, os herdeiros adquirem o direito ao patrimônio hereditário como patrimônio comum, desde que a divisão não seja feita (NASCIMENTO, 2017). Cada herdeiro pode dispor do direito que possui sobre o patrimônio hereditário, mas não pode dispor dos bens que compõem a sucessão. Entre os herdeiros conjuntos, existe o direito de ambos serem governados pelos preceitos da propriedade conjunta.
É a sucessão de todos os bens, direitos e deveres da pessoa que era uma pessoa natural, uma vez que morreu, e é processada pelas pessoas determinadas por lei, na ausência de um testemunho de quem era o proprietário dos bens, direitos e obrigações (COSTA FILHO, 2017).
Eles têm o direito de herdar por sucessão legítima:
1. Descendentes;
2. Cônjuge;
3. Antepassados;
4. Parentes colaterais ao grau;
5. Concubina ou concubinária.
Os parentes mais próximos excluem os mais remotos, salvo disposição em contrário da lei. A sucessão corresponde, antes de tudo, à linha reta descendente: filhos, netos, etc. Na ausência de filhos e descendentes do falecido, seus ancestrais herdam, na ausência de descendentes e ascendentes, o cônjuge sobrevivo herda e, se não houver, os parentes colaterais do falecido (NASCIMENTO, 2017).
Não havendo cônjuge sobrevivo, nem parentes do mesmo em garantia até o quarto grau, além do qual o direito de herdar um abintestado não se estende, o Estado herda.
Esse tipo de sucessão é aquele que ocorre quando o falecido determina, através de uma manifestação unilateral da vontade, das pessoas que o sucederão e das condições dessa sucessão. A sucessão contratual se opõe a ela. Caracteriza-se por ser uma sucessão mortis causa, unilateral, muito pessoal, solene e revogável (COSTA FILHO, 2017).
Diz-se daquilo em que a vocação da sucessão foi determinada pelo testamento. Define-se a vontade como um ato revogável por escrito, celebrado com as solenidades da lei, pelas quais uma pessoa dispõe de todo ou parte de seus bens para depois da morte.
Existem duas maneiras de testar: comum e especial. Os primeiros incluem testamentos por ato público, realizados e fechados. Os segundos se referem às vontades militares e marítimas (NASCIMENTO, 2017).
Para que o processo de sucessão seja processado como uma vontade, deve haver uma vontade; que isso é válido em termos de suas formas, de acordo com a lei brasileira ou estrangeira, se aplicável; que contém a instituição do herdeiro e que o testador alienou todos os seus bens.
Pode parecer que pensar no que acontece com os ativos digitais de alguém post mortem é uma questão trivial, mas, como este artigo tentará mostrar, está se tornando mais importante com o passar do tempo. Existem inúmeras razões pelas quais os ativos digitais devem passar para os herdeiros do falecido. Antes de tudo, muitos ativos digitais têm um valor econômico real (SAMPEDRO; DISEP; MOSTAÇO, 2020). O conteúdo de um blog pode ser valioso para os herdeiros, mesmo após a morte do proprietário do blog; manuscritos ou composições musicais carregadas em sites de mídia social podem ter valor monetário no mundo real; caracteres para jogos de computador on-line também podem valer uma quantia considerável de dinheiro. Os nomes de domínio também têm valor econômico, as contas do eBay geram dinheiro, fotos, vídeos ou mensagens compartilhadas no perfil social de uma celebridade podem ser valiosas após a morte de uma celebridade (COSTA FILHO, 2017).
Se os artistas fizerem upload de suas obras para vários sites (Amazon, iTunes etc.), outro problema surgirá se essas contas não forem herdáveis - os herdeiros herdarão os direitos autorais, mas não poderão controlar a distribuição do conteúdo da conta, porque precisariam acessar a conta para controlar seu conteúdo. Portanto, se os herdeiros não tiverem permissão para acessar manuscritos postados na Amazon ou músicas postadas no iTunes, eles não poderão publicar o trabalho não publicado do falecido.
Nos termos mais simples, um ativo digital é o conteúdo armazenado digitalmente. Isso pode significar imagens, fotos, vídeos, arquivos contendo texto, planilhas ou decks de slides. Novos formatos digitais estão surgindo constantemente - MP3s eram desconhecidos antes dos anos 90, por exemplo -, então a definição de um ativo digital está sempre em expansão. Em vez de uma lista definitiva de formatos de arquivo que se qualificam como um ativo digital, um ativo digital pode ser qualquer conteúdo, em qualquer formato, armazenado digitalmente e que agregue valor à empresa (ou ao usuário ou consumidor). Existem, no entanto, alguns tipos comuns de formatos de arquivos digitais que são ativos digitais (COSTA FILHO, 2017):
1. Fotos
2. Vídeos
3. Decks de slides (como apresentações do PowerPoint)
4. Planilhas do Excel
5. Documentos do Word
6. Arquivos de texto sem formatação (como arquivos do bloco de notas)
7. Gráficos (como logotipos e outros ativos da marca)
8. Documentos HTML (e arquivos associados, como CSS)
9. Arquivos de áudio
10. PDFs
Define-se um ativo digital como uma coleção de dados binários que são independentes, identificáveis e têm um valor único. Dados binários são a única forma de dados que pode ser entendida e executada diretamente por um computador; portanto, esse é o recurso que define um ativo digital. Isso deixa três características definidoras que qualificam um ativo digital:
1. É de natureza digital.
2. É exclusivamente identificável.
3. Fornece valor à empresa? Pessoa.
Compreender a definição de um ativo digital é uma das etapas mais importantes para iniciar sua pesquisa no sistema de gerenciamento de ativos digitais. Muitas pessoas consideram que os ativos digitais incluem apenas fotos e vídeos, mas, ao longo dos anos, outros começaram a incluir outros arquivos digitais em sua definição, como documentos, apresentações e planilhas (SAMPEDRO; DISEP; MOSTAÇO, 2020).
Embora a definição de um ativo digital mude constantemente à medida que novos formatos digitais estão surgindo nos negócios, é importante lembrar que o formato desse arquivo é apenas parte da definição. A outra parte da definição de ativo digital é derivada do valor que o ativo traz para a empresa.
Exemplos de produtos digitais incluem e-books, arquivos de música, software, imagens digitais, modelos de sites, manuais em formato eletrônico e qualquer item que possa ser armazenado eletronicamente em um arquivo ou em vários arquivos.
Bens digitais ou bens eletrônicos são bens intangíveis que existem em formato digital (COSTA FILHO, 2017). Exemplos incluem mídia digital, como e-books, música para download, rádio na Internet, televisão na Internet e mídia de streaming; fontes, logotipos, fotos e gráficos; assinaturas digitais; anúncios on-line (conforme adquiridos pelo anunciante); cupons de internet; bilhetes eletrônicos; fichas de cassino online; instrumentos financeiros negociados eletronicamente; software para download (distribuição digital) e aplicativos móveis; aplicativos baseados em nuvem e jogos online; bens virtuais usados nas economias virtuais de jogos e comunidades online; pastas de trabalho; fichas de trabalho; planejadores; e-learning (cursos on-line); webinars, tutoriais em vídeo, postagens em blogs; cartões; padrões; temas de sites; modelos, etc.
Uma questão específica é o problema do controle de conteúdo na Internet. Esse problema afeta diferentes cláusulas relacionadas aos direitos fundamentais, como limites à liberdade de expressão, censura, procedimentos legais hipotéticos ou remoção de publicações (LIMA et al, 2013).
A Internet não deve ser um espaço sem controle, embora seja mais difícil exercê-la devido às peculiaridades da rede. Portanto, a ideia legal tradicional de responsabilidade também deve estar presente (SAMPEDRO; DISEP; MOSTAÇO, 2020). Uma atividade sancionada pelo sistema legal deve ser processada, independentemente de estarmos no mundo analógico ou digital. Isso é especialmente importante no contexto atual, com uma rede profunda de criminosos e radicais que usam a Internet como uma ferramenta estratégica. Isso requer ações de coordenação internacional e supervisão contínua da inteligência.
No entanto, também é necessário ter em mente que o regime de sanções deve ser o mesmo no mundo analógico e digital; as diferenças técnicas não justificam uma mudança de regime legal nesse sentido. E, ao mesmo tempo, juntamente com esses esforços de controle, deve-se tentar promover a liberdade e garantir os direitos fundamentais. Desse modo, devem ser consideradas medidas que favorecem a igualdade de acesso e o uso da tecnologia digital, medidas que enfrentam o fosso digital (COSTA FILHO, 2017).
Nas informações que fluem pela Internet, diferentes assuntos intervêm, desde os provedores de acesso aos provedores de conteúdo até os usuários em uma posição multidirecional. Não parece possível aplicar o regime usual de responsabilidade em cascata do mundo analógico. A descentralização dos serviços e a possibilidade de um ator exercer várias funções ou cumulativamente diversas dificultam determinar a responsabilidade respectiva das diferentes pessoas envolvidas no processo. Seria necessário procurar uma fórmula mais sutil, concretizada na participação real de cada ator na ação ou no conteúdo prejudicial (LIMA et al, 2013). Por conseguinte, a legislação sobre direitos fundamentais deve sempre ser aplicada. No caso do direito civil e comercial, é necessário formular regulamentos específicos para abordar diferentes contextos.
A importância da autorregulação revela as dificuldades de aplicar regulamentos técnicos e tradicionais à Internet. Portanto, é imperativo procurar novos arranjos internacionais que incluam elementos da lei branda e as autorregulamentações já mencionadas. Além disso, o controle de rede, devido aos riscos de segurança internacional mencionados anteriormente, deve responder ao princípio da proporcionalidade. O mundo digital criou novas mídias no âmbito da sociedade da informação. Essa nova mídia afeta uma ampla gama de direitos fundamentais (SAMPEDRO; DISEP; MOSTAÇO, 2020).
O ser humano é efêmero, ele passa por essa vida para permanecer por um tempo, chegando ao fim com a morte. No entanto, quando uma pessoa morre, seus bens, obrigações e direitos perduram até serem transmitidos a seus herdeiros, por herança. A partir do século V a.C., todo cidadão de Roma ansiava por testar, através do instrumento do "testamentum", no qual se pretendia conceder todos os bens e direitos transmissíveis após a morte do falecido (do latim cuius). A preocupação das pessoas em deixar o destino de suas propriedades e direitos escritos permanece intacta a partir do século V a.C., que se tiver sido substancialmente modificado, como não poderia ser de outro modo, é a sociedade (LIMA et al, 2013).
Nas últimas décadas, a manifestação da pessoa no campo digital se desenvolveu. O uso da Internet expandiu-se, o dia-a-dia sem acessar a rede não é concebido, seja verificando nossos perfis nas redes, acessando e-mail, o banco on-line, carregando arquivos na nuvem ou publicando em blogs. Hoje, sem perceber, adquirimos bens digitais constantemente, novas contas são abertas, novo conteúdo é publicado, blogs são escritos, páginas da web são compradas, livros são comprados e-books, e muito mais (COSTA FILHO, 2017).
A Internet tornou-se uma realidade presente em todas as áreas de nossas vidas, uma vez que grande parte de nossa atividade profissional, econômica e privada é realizada por meio de mídia digital, adquirindo assim uma importância fundamental para a comunicação humana e para a sociedade - o desenvolvimento da nossa vida na sociedade.
Essa nova maneira de comunicar, desenvolver nossa atividade e viver pela Internet levou à criação de um novo conceito de patrimônio, o digital heritage, baseado em mídia digital e computacional, abordado na "Carta da UNESCO" sobre a preservação do patrimônio digital (SAMPEDRO; DISEP; MOSTAÇO, 2020). Até agora, a regulamentação legal sobre patrimônio digital é insuficiente e ambígua. Hoje temos as disposições no Brasil que ainda estão como projetos de lei:
1. PL 4099-A/2012;
2. PL 4.847/2012;
3. PL 8.562/2017.
Em princípio, os ativos digitais, que incluem ativos de propriedade intelectual armazenados em qualquer tipo de dispositivo, bem como todos os direitos e obrigações contratados pelo falecido (contratos, assinaturas etc.), também fazem parte do patrimônio digital e, portanto, ambos podem ser herdados.
O problema surge quando se considera o conteúdo gerado pelo usuário (comentários, imagens privadas, etc.), pois não se pode dizer que eles são de sua propriedade e, portanto, seus herdeiros e executores podem livremente descartá-los. E como o usuário assinou um contrato com a empresa que protege sua privacidade contra terceiros, é realmente muito difícil fazer com que esses provedores façam uma cópia do conteúdo para seus familiares ou permitam que eles acessem suas contas (LIMA et al, 2013). No Brasil, a primeira proposta para se tratar sobre o tema veio por meio do Projeto de Lei (PL) 4099, em 2012. O PL busca alterar o art. 1.788 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que "institui o Código Civil" para assim garantir aos herdeiros a transmissão de todos os conteúdos de contas e arquivos digitais (CÂMARA, 2012a). O seguinte artigo do Código Civil aponta que (BRASIL, 2002):
Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.
Tal PL busca adequar à lei brasileira à nova realidade gerada pelas mídias digitais (CÂMARA, 2012a). Apesar de tudo, os herdeiros têm cada vez mais o direito justificado de obter os dados de acesso de seus parentes falecidos, porque podem ser necessários precisamente para gerenciar seu legado. Os próprios e-mails geralmente se tornam evidências de aceitação ou repúdio de uma herança e a caixa de correio deve ser acessada. Contratos e contas em lojas on-line são considerados contratos comerciais e passam para as mãos dos herdeiros como parte dos ativos digitais do falecido, mas para isso você também deve ser credenciado para acessar as contas (SAMPEDRO; DISEP; MOSTAÇO, 2020).
Deve-se lembrar aqui que a lei brasileira inclui na Constituição brasileira o direito ao sigilo das comunicações, íntimas ou não, protegendo tanto o conteúdo quanto os dados externos da comunicação, como a identidade da os interlocutores (COSTA FILHO, 2017). Novamente, se os herdeiros não tiverem os dados de acesso, será muito difícil acessar a conta do falecido, por mais fundamentado que seja seu direito. Deste modo, também há o PL 4847, também de 2012. O projeto de lei, em situação arquivado, buscava inserir o Capítulo II-A e os arts. 1.797-A a 1.797-C à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. O objetivo final era estabelecer normas sobre herança digital. O Capítulo II-A acrescentaria os seguintes artigos (CÂMARA, 2012a):
Art. 1.797-A. A herança digital defere-se como o conteúdo intangível do falecido, tudo o que é possível guardar ou acumular em espaço virtual, nas condições seguintes:
I –senhas;
II –redes sociais;
III –contas da Internet;
IV –qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do falecido.
Art. 1.797-B.Se o falecido, tendo capacidade para testar, não o tiver feito, a herança será transmitida aos herdeiros legítimos.
Art. 1.797-C. Cabe ao herdeiro:
I -definir o destino das contas do falecido;
a) transformá-las em memorial, deixando o acesso restrito a amigos confirmados e mantendo apenas o conteúdo principal ou;
b) apagar todos os dados do usuário ou;
c) remover a conta do antigo usuário.
Assim, o mais recomendado é estabelecer, por testamento, o que acontecerá com suas contas e perfis, quem será o responsável pelo cancelamento de assinaturas, quem deixará sua coleção de filmes e discos virtuais e o que acontecerá com seu depósito no PayPal, por exemplo (LIMA et al, 2013). Obviamente, sem esquecer de deixar as senhas atualizadas com segurança, mas ao alcance de seus herdeiros. Por fim, o último PL quer buscou dar andamento à situação da herança digital no país foi o Projeto de Lei 8562 de 2017 que, novamente, buscou acrescentar o Capítulo II-A e os arts. 1.797-A a 1.797-C à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (CÂMARA, 2017).
O mais razoável é começar solicitando seus ativos nas plataformas mais usadas (SAMPEDRO; DISEP; MOSTAÇO, 2020). Assim que se tiver uma ideia geral sobre todo o legado, serão priorizadas as contas e os serviços relacionados ao fluxo de caixa, como assinaturas a serem pagas ou contas que armazenam dinheiro em formato digital. Após essas contas, se pode acessar as redes sociais mais usadas.
Como este artigo tentou mostrar, os tipos de ativos digitais variam muito, a maioria de seus proprietários e que controlam muitos deles não tem certeza para onde eles vão em termos de divisibilidade. Os proprietários, na melhor das hipóteses, querem tratá-los como propriedade tangível e aplicar as mesmas regras que são aplicadas ao restante de seus ativos. Na pior das hipóteses, seus proprietários nem sequer pensam neles como ativos com qualquer valor que deve ser repassado a seus herdeiros.
Antes de tudo, parece que a coisa mais importante a fazer é conscientizar as pessoas do fato de que a maioria de nós tem muitos desses ativos e muitos deles têm um grande valor emocional e monetário.
Em segundo lugar, é muito difícil presumir os desejos do falecido sobre seus bens digitais. Nesse sentido, parece que os ativos digitais protegidos por senha talvez devam ser tratados de maneira diferente do que, por exemplo, as roupas, o carro ou os imóveis do falecido. Portanto, é crucial tentar despertar o público para o quão importante é declarar suas intenções sobre o que acontecerá com seus ativos digitais. A maneira mais fácil de planejar qualquer tipo de herança é através de um testamento. No entanto, devido a certas peculiaridades dos ativos digitais, é aconselhável não colocar todas as informações sobre eles em um testamento, mas em um documento separado que é mencionado apenas em um testamento.
Quando se trata de ativos digitais adquiridos de uma pessoa post mortem, seus “proprietários” devem estar cientes de que muitas vezes eles não compraram conteúdo digital, mas uma licença para acessá-lo e usá-lo, que expira após a morte.
REFERÊNCIAS
BARRETO, Alessandro Gonçalves; NETO, José Anchiêta Nery. Herança digital. Direito e TI, v. 1, p. 1, 2016.
BRASIL. Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 05 de jun. de 2020.
CÂMARA. PL 4099/2012. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=548678. Acesso em: 05 de jun. de 2020.
CÂMARA. PL 4.847/2012. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=563396. Acesso em: 05 de jun. de 2020.
CÂMARA. PL 8562/2017. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2151223. Acesso em: 05 de jun. de 2020.
COSTA FILHO, Marco Aurélio de Farias. Herança digital: valor patrimonial e sucessão de bens armazenados virtualmente. Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco, n. 9, p. 187-215, 2017.
DE SALAMANCA, Francisco Rosales. Testamento digital. In: Testamento¿ Digital?. Juristas con Futuro, 2016. p. 26-38.
LAWAND, Jorge José et al. O testamento digital e a questão de sua validade. 2005.
LIMA, Isabela Rocha et al. Herança digital: direitos sucessórios de bens armazenados virtualmente. 2013.
MACIEL, Cristiano; PEREIRA, Vinícius Carvalho. A morte como parte da vida digital: uma agenda de pesquisa em IHC. In: Proceedings of the 13th Brazilian Symposium on Human Factors in Computing Systems. 2014. p. 441-444.
NASCIMENTO, Thamires Oliveira. Herança digital: o direito da sucessão do acervo digital. 2017. Trabalho de Conclusão de Curso.
SAMPEDRO, Nancy; DISEP, Clarissa Ferreira Macedo; MOSTAÇO, Gabriel Marques. OS ASPECTOS JURÍDICOS DA HERANÇA DIGITAL. Revista da Universidade Ibirapuera Jan/jun, n. 19, p. 8-16, 2020.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Michelle Oliveira. Herança Digital Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2020, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55923/herana-digital. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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