RESUMO: A análise histórica remonta ao conturbado processo de formação do Direito do Trabalho e à importância de sua internacionalização e constitucionalização pelas Nações. O princípio da proteção jurídica ao trabalhador estabelecido no ordenamento jurídico pátrio visa estabelecer um grau de proteção mínimo à classe obreira como forma de regular a exploração do capital sobre o trabalho humano, evitando abusos. O artigo em apreço, elaborado por meio do método hipotético-dedutivo, faz um estudo acerca do processo de construção do Direito Laboral e uma análise dos princípios que o alicerçam. Conclui-se que, como fundamento da República Federativa do Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana se irradia assumindo a forma de outros princípios, sendo um deles, o princípio da proteção laboral.
Palavras-Chave: Direitos trabalhistas. Surgimento. Princípio da Proteção ao Trabalhador. Dignidade Humana.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O Surgimento do Direito do Trabalho 3. Os Princípios Informativos do Direito do Trabalho no Brasil. 4. O Princípio da Proteção ao Trabalhador como Corolário do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 5. Considerações Finais. 6. Referências
1.Introdução
A análise histórica remonta ao conturbado processo de formação do Direito do Trabalho e à importância de sua internacionalização e constitucionalização pelas Nações. Os direitos trabalhistas foram os primeiros que exigiram uma atuação por parte do Estado, confrontando a política liberal, caracterizada pelo ‘laissez faire, laissez aller, laissez passer’. [1]
No Brasil, as normas que regem as relações juslaborais atualmente estão dispostas na Constituição Federal, na Consolidação das Leis do Trabalho e em leis esparsas, com destaque aos princípios (gerais e específicos), por serem os alicerces do ordenamento jurídico, ou seja, fontes informativas, normativas e interpretativas do Direito. A partir de uma análise principiológica, resta clara a importância, histórica e científica, dentre os princípios laborais, de laurear aquele que garante a proteção jurídica ao trabalhador, como forma de regular a exploração do capital sobre o trabalho humano, evitando abusos, e principalmente, visando à melhoria das condições da classe obreira.
Dessa forma, enfatizar-se-á o princípio da proteção ao trabalhador na medida em que se destaca a relevância que exerce para todo o ordenamento jurídico, colocando o obreiro, parte hipossuficiente, em paridade jurídica - formal com o empregador, sendo, assim, corolário do próprio princípio da dignidade humana.
2.O Surgimento do Direito do Trabalho
O Direito do Trabalho foi concebido a duras penas pelo trabalhador subjugado e explorado pelo capital num mundo marcado pela desigualdade econômica e social, tendo surgido após intensas lutas travadas por uma classe esquecida, coisificada, que se uniu em prol do reconhecimento jurídico e proteção mínima que possibilitassem uma vida digna.
O trabalho, em si, é tão antigo quanto o homem. Ele surgiu da necessidade de encontrar alimento e proteção e, assim, a perpetuação e desenvolvimento da espécie, tendo, ao longo do tempo, adquirido formas próprias, de modo que o seu conceito e suas implicações foram sendo desenvolvidos:
A ressignificação da expressão “trabalho”, como atributo de dignidade e de valor, decorreu de um novo sentido que lhe foi outorgado por aqueles que, sendo submissos (escravos e servos), encontravam nele a chave para a liberdade e por aqueles que, sendo livres, atribuíam a ele o valor de lazer e de aperfeiçoamento do espírito. Nessa ordem de coisas, o trabalho humano evoluiu “do sombrio ermo moral da escravidão para a aspereza relativa da servidão (à pessoa ou à gleba), que imperou na Idade Média, e desta para o remanso do humanismo renascentista e do iluminismo da Idade Moderna, até chegar ao contrato de trabalho concebido no ventre da Revolução Industrial” (MARTINEZ, 2010, p. 35).
De início, o labor possuía um aspecto negativo, depreciativo, visto ser associado à ideia de castigo. Nesse sentido, “a primeira forma de trabalho foi a escravidão, em que o trabalho era considerado apenas uma coisa, não tendo qualquer direito, muito menos trabalhista” (MARTINS, 2001, p. 34).
Essa ideia perdurou durante a Antiguidade, época em que o trabalhador escravizado não passava de uma mercadoria para o seu senhor, não possuindo direito algum:
[...] o escravo enquadrava-se como objeto do direito de propriedade, não como sujeito de direito, razão pela qual se torna inviável falar-se de um Direito do Trabalho enquanto predominava o trabalho escravo. É que o contrato de trabalho, núcleo de nossa disciplina, pressupõe a existência de dois sujeitos de direito: empregado e empregador. Ausente um deles, a relação jurídica está fora de sua tutela (BARROS, 2011, p. 45).
Na Idade Média, o trabalho escravo decai, mas para o trabalhador, em termos práticos, pouco muda. Havia o regime de servidão, em que os servos, como eram chamados, estavam subordinados aos senhores feudais, que lhes dava proteção militar e política, em troca do seu serviço: duras cargas de trabalho sendo possível, inclusive, castigos físicos:
No período feudal, de economia predominantemente agrária, o trabalho era confiado ao servo da gleba, a quem se reconhecia a natureza de pessoa e não de coisa, ao contrário do que ocorria com os escravos. Não obstante, a situação do servo, pelo menos no Baixo Império Romano, era muito próxima à dos escravos (BARROS, 2011, p.47).
Com o passar do tempo, os feudos já não abasteciam satisfatoriamente as necessidades de seus moradores, de modo que foi formada, de início, relações de escambo entre eles e, posteriormente, foram sendo criadas as feiras e mercados para a comercialização de produtos naturais e manufaturados. Surgem, ainda nessa época, as corporações de ofício, que representam uma mudança gradual na forma como se davam as relações de trabalho, pois as relações predominantemente autônomas de trabalho foram sendo pouco a pouco substituídas por um regime heterônomo, que se exteriorizou nas corporações de ofício:
A partir do século XI a sociedade medieval cede “à sociedade urbana, fundada no comércio e na indústria rudimentar”. Com as cruzadas, pestes e invasões, os feudos enfraqueceram, facilitando a fuga dos colonos que se refugiavam nas cidades, onde passaram a procurar por trabalho e a reunirem-se em associações [...] ao lado dos artesãos e operários. A partir destas agremiações surgiram no século XII as corporações de ofício, que se caracterizavam em típicas empresas dirigidas pelos respectivos mestres. Desfrutavam de verdadeiro monopólio, pois nenhum outro trabalhador ou corporação poderia explorar a mesma atividade naquele local (CASSAR, 2008, p. 15).
Essas corporações prevaleceram do século XIII ao século XV e foram de grande importância para o insipiente capitalismo da época, não havendo o que se falar em proteção laboral. Nesse sentido, Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2014, p. 30): “Apesar da existência de maior liberdade ao trabalhador, à relação das corporações com os trabalhadores era do tipo autoritário, sendo mais destinada à realização dos seus interesses do que à proteção destes”.
A ideia negativa do trabalho foi alterada com o advento do Renascimento, responsável pelo surgimento de “[...] uma nova concepção de valorização do trabalho, passando a ser entendido como um valor e fonte de riquezas” (GARCIA, 2014, p. 30). Posteriormente, a partir da Revolução Francesa, que apregoava as ideias de liberdade contratual, a conjuntura foi verdadeiramente alterada: as corporações de ofício foram extintas, porque contrastavam com o liberalismo, doutrina que findava tudo que ameaçasse a liberdade individual, inclusive limitando a atuação do Estado que deveria se manter longe das relações econômicas.
É com o surgimento da sociedade industrial no século XVIII e do trabalho assalariado em substituição ao trabalho escravo, servil e corporativo que surge o Direito do Trabalho:
Afirma-se que o Direito do Trabalho e o contrato de trabalho passaram a desenvolver-se com o surgimento da Revolução Industrial. Constata-se, nessa época, que a principal causa econômica do surgimento da Revolução Industrial foi o aparecimento da máquina a vapor como fonte energética. [...] Inicia-se, assim, a substituição do trabalho manual pelo trabalho com o uso de máquinas. Havia a necessidade que as pessoas viessem, também, a operar as máquinas não só a vapor, mas as máquinas têxteis, o que fez surgir o trabalho assalariado (MARTINS, 2001, p. 35).
Convém destacar a necessidade, nesse período, de uma sociedade consumidora: os salários eram imprescindíveis para movimentar o mercado. A produção e venda de produtos requeriam um mercado aquecido, com poder de compra, capaz de gerar lucro.
Um grande contingente de mão de obra disponível a procura de emprego, por sua vez, em quantidade insuficiente, transformou o trabalhador em mercadoria de pouca valia. A exploração desumana da força de trabalho com jornadas excessivas, inclusive de mulheres e crianças, aliada às péssimas condições de labor, uniu os trabalhadores por uma causa comum, condições dignas e melhores salários, o que ensejou o surgimento dos primeiros sindicatos.
A sociedade capitalista estava dividida em duas grandes classes: o proletariado, numeroso e sem força política alguma, e a burguesia, dona dos meios de produção e, consequentemente, quem detinha o poder político e econômico, ditando as condições de trabalho e todos os demais comandos, sem qualquer tipo de limitação. O trabalho estava subjugado ao capital, não havia direitos ou restrições legislativas a serem respeitados: “o Estado se portava como simples observador dos acontecimentos e, por isso, transformou-se em um instrumento de opressão contra os menos favorecidos” (BARROS, 2011, p. 52).
Por conseguinte, as ideias socialistas são concebidas como forma de resistência à exploração econômica, social, física e moral da classe proletária. O ‘Manifesto Comunista’ de Marx e Engels, em 1848, inspirava o proletariado e de acordo com Alice Monteiro de Barros (2011, p. 51) “sua doutrina contribuiu para que despertasse no trabalhador a consciência coletiva e sua extraordinária força”.
A conjuntura tornava-se insustentável: a sociedade dividida entre o coletivo e o individual e o silêncio estatal fomentavam a necessidade de uma reestruturação social. Aliado a pressão popular, o Estado, até então inerte, passa a intervir para proteger o empregado, proibindo abusos nas relações laborais. Essas mudanças ocorreram em razão do fortalecimento da ideia de justiça social a partir da Encíclica Rerum Novarum, de 1891, do Papa Leão XIII. Essa doutrina social, segundo Maurício Godinho Delgado (2011, p. 97) “[...] traduz a manifestação oficial da Igreja Católica, de notável influência na época, com respeito à questão social, exigindo do Estado e das classes dirigentes postura mais compreensiva sobre a necessidade de regulação as relações trabalhistas”.
Em 1918, surge o movimento do constitucionalismo social, com a inclusão de direitos sociais, em especial, trabalhistas nos diplomas constitucionais das Nações e, de forma precursora, se destacam a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919. Como Maurício Godinho Delgado (2011) assevera quando trata da institucionalização do Direito do Trabalho, a partir desse momento esse Direito torna-se um ramo jurídico, oficializa-se, sistematizando e consolidando duas dinâmicas diferenciadas de formulação de normas jurídicas, de um lado a dinâmica negocial autônoma, representada pela atuação dos trabalhadores, e de outro a dinâmica estatal heterônoma, produzida no âmbito do aparelho estatal.
Convém destacar que o grande avanço que a incorporação dos direitos trabalhistas representou foi resultado de um processo de internacionalização que culminou na instituição do trabalho como direito social e, consequentemente, na própria constituição do Estado de Bem Estar Social. Mais que uma etapa histórica deste ramo do Direito, alcançar a dimensão internacional teve um caráter revolucionário, pois expandiu o Direito do Trabalho, como ciência jurídica, para diversas Nações.
Dessarte, o desequilíbrio do mercado de trabalho, fruto da Revolução Industrial e da filosofia liberal-individualista, não foi fenômeno isolado, uma vez que vários países estavam na mesma situação, agravada, ainda, pela crescente insatisfação laboral assinalada pelas lutas operárias. A presença dos mesmos problemas acarretou a necessidade de idênticas soluções: a intervenção estatal para regular as relações laborais e garantir o mínimo de direitos.
Nesse sentido, a implementação de benefícios laborais de forma não generalizada ocasionaria desvantagens para os empregadores, que perderiam espaço no mercado frente à concorrência, que livre dos encargos laborais poderia oferecer seus produtos a preços inferiores.
Além disso, essa fase de surgimento do Direito do Trabalho é marcada pelo avanço dos meios de transporte e de comunicação, segundo João Carlos Casella (1995) “vê-se, assim que a generalização antes referida na verdade tinha dimensão maior, na medida em que ultrapassava fronteiras nacionais, demonstrando o caráter universal do problema e, em consequência, a busca de sua solução”.
As necessidades comuns convergem para uma mudança de postura dos Estados e uma valorização do trabalhador:
Os fatores da internacionalização são de ordem humanitária (de tutela ao trabalho) e econômica, ligadas à necessidade de evitar ou dissuadir as práticas de competição internacional, que impliquem redução dos patamares mínimos de condições de trabalho. Assim, pretende-se assegurar um nível mínimo e uniforme de condições de trabalho, que impeça os países com patamares mais baixos de proteção social de valerem-se dessa circunstância para competir de forma mais vantajosa (BARROS, 2011, p. 90).
Dessa maneira, com o encerramento da Primeira Guerra Mundial na Conferência da Paz foi assinada o Tratado de Versalhes, em 1919, que instituiu, dentre outras medidas, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com o intuito de estabelecer o mínimo de proteção ao trabalhador, em detrimento dos detentores do capital, e de trazer segurança as relações laborais, inclusive com a constitucionalização do Direito do Trabalho. Assim, restou estabelecida uma série de condutas entre os empregadores e os empregados, sob o crivo do Estado, delimitando a atuação destes, sendo, assim, o Direito Laboral ratificado como disciplina jurídica:
Nas diretrizes ali traçadas e consubstanciadas no asseguramento da paz social por meio de melhores condições de trabalho, foram adotadas, pela Conferência Geral da OIT, diversas convenções e recomendações relativas aos setores que reclamavam uma proteção (BARROS, 2011, p. 90).
No Brasil, foi a Constituição de 1934, influenciada pelo constitucionalismo social, a primeira Carta a trazer normas relativas ao Direito Laboral. Muitos autores, ao analisar a constitucionalização dos direitos laborais no Brasil, defendem que os direitos consagrados aos trabalhadores brasileiros, diferentemente das lutas por direitos sociais digladiadas em outros países – principalmente os que foram berço da Revolução Industrial – resultaram de comportamentos paternalistas de governos, com intuito de conseguir apoio popular e, assim, a perpetuação no poder.[2]
Contrariando esse entendimento, Tarso Genro (1994, p. 31) considera essa visão ultrapassada, visto os direitos trabalhistas – em especial, a Consolidação das Leis do Trabalho – terem sido fruto de um intenso processo de lutas que repercutiram no âmbito interno através do movimento operário e no âmbito internacional pelas pressões advindas de países capitalistas.
Nesse ínterim, merece destaque o entendimento doutrinário de que a Carta de 1988 trouxe o mais relevante impulso já experimentado na evolução histórica jurídica brasileira, principalmente se comparado os regramentos anteriores do Direito Laboral (DELGADO, 2011, p. 121). Apesar de ainda existir incongruências, a Lex Magna atual trilha o caminho do progresso, buscando resolver os imbróglios próprios da conjuntura brasileira e, assim, construir o Estado de Bem Estar Social real que, até então, só existe no papel.
3. Os Princípios Informativos do Direito do Trabalho no Brasil
Na atualidade, o Direito laboral é regido pela Constituição Federal, pela Consolidação das Leis Trabalhistas e pelas fontes formais e materiais do Direito, com especial destaque aos princípios, que estão dispersos ao longo das normas no ordenamento jurídico. São estes os regimentos normativos que regulam a relação – muitas vezes, conflitiva – entre empregados, empregadores e sindicatos.
Convém destacar que a análise do regramento laboral requer o entendimento de que a relação empregado/empregador não é simples, abarcando uma complexidade de mecanismos - aspectos culturais, institucionais, políticos e sociais - que refletem em toda a sociedade, sobremodo no âmbito legal.
A Constituição Federal de 1988 elenca o trabalho como direito social em seu artigo 6º, e discorre ao longo do artigo 7º diversos direitos e garantias proporcionadas ao trabalhador, como horas extras, descanso semanal remunerado, gratificação natalina, adicional noturno, dentre outros. Ainda, estabelece normas referentes à proteção ao trabalhador, como a contextualização de sua valorização como princípio fundamental (artigo 1°, IV) e econômico (artigo 170); e a disposição de que a ordem social tem como base o primado do trabalho (artigo 193). Ademais, Consolidação das Leis Trabalhistas é detentora de uma compilação de normas que tutela o direito material trabalhista, de modo geral.
Os princípios no ordenamento jurídico atual não possuem apenas função hermenêutica da norma, são fontes formais que possuem, também, função orientadora do Direito:
Princípio [...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, [...], disposição que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe e lhe dá sentido harmônico (MELLO, 1995, p. 537 e 538).
Dessarte, os princípios, apesar de nem sempre se apresentarem como normas positivadas, têm o condão de transmitir valores e bens protegidos sob a égide do ordenamento, atuando desde a fase pré-jurídica a fase jurídica propriamente dita:
Na fase pré-jurídica, que é nitidamente política, voltada à construção das regras e institutos do Direito, os princípios despontam como proposições fundamentais que propiciam uma direção coerente na construção do Direito. [...] Nesse momento, os princípios atuam como verdadeiras fontes materiais do Direito, na medida em que se postam como fatores que influenciam na produção da ordem jurídica. [...] Na fase propriamente jurídica, [...] qualquer princípios geral do Direito, ou os específicos a ramo jurídico especial, cumprem os papéis interpretativos, normativos subsidiários e normativos concorrentes (DELGADO, 2011, p. 183).
A função interpretativa cumpre a função clássica de auxiliar a compreensão jurídica, não atuando como fonte formal, mas como instrumento hermenêutico. Ainda, nesse sentido, a própria Consolidação das Leis Trabalhistas assevera em seu artigo 8º que os princípios serão aplicados subsidiariamente, regendo as decisões judiciais em caso de falta de disposição contratual ou legal, desempenhando o papel de normativos subsidiários.
Ademais, segundo Maurício Godinho Delgado (2011), merece destaque o entendimento de que a atuação do princípio como norma, que ensejaria a prevalência destes frente às regras legais, deve ser relativa, pois do contrário, ocasionaria insegurança jurídica, de modo que o autor defende que o papel desempenhado por estas máximas seja a normativa concorrente, inspirando a aplicação das regras laborais existentes no ordenamento, a partir da prevalência do sentido mais abrangente firmado pelos princípios correlatos. Tem-se, assim, que a função interpretativa age em concurso com a função normativa, em um processo contínuo de construção caso a caso do Direito do Trabalho.
Por conseguinte, convém ressaltar que as normas constitucionais inerentes ao Estado Democrático de Direito, ao disporem acerca do trabalho, asseveram, ao longo da Lex Magna, a proteção ao trabalhador como direito social e o elencam como princípio. Segundo Plá Rodriguez (2000, p. 83), “enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes”. Nesse sentido, aduz Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1999, p. 26):
Dos princípios fundamentais do Direito do Trabalho é o de proteção o mais relevante e mais geral, dele constituindo os demais simples derivações. A proteção do trabalhador é causa e fim do Direito do Trabalho, como revela a história deste (SILVA, 1999, p. 26).
Este princípio pode ser definido como o reconhecimento da hipossuficiência do trabalhador na relação jurídica de trabalho que busca por meio dele uma atenuação da inferioridade econômica, intelectual e hierárquica. Segundo Maurício Godinho Delgado (2011, p. 192), “na verdade, pode-se afirmar que sem a ideia protetivo-retificadora, o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente”. Logo, resta clarividente que o princípio em questão guarda a essência do Direito do Trabalho e influi em toda a sua estrutura e características, inspirando a tutela obreira em dimensões distintas, abrangendo todos os demais princípios especiais deste ramo do Direito:
Historicamente, o Direito do Trabalho surgiu como consequência de que a liberdade de contrato entre pessoas com poder e capacidade econômica desiguais conduzia a diferentes formas de exploração. Inclusive, mais abusivas e iníquas. O legislador não pôde mais manter a ficção de igualdade existente entre as partes do contrato de trabalho e inclinou-se para uma compensação dessa desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador com uma proteção jurídica a ele favorável. O Direito do Trabalho responde fundamentalmente ao propósito de nivelar desigualdades (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p.85).
Assim, a proteção ao empregado assume a forma de outros princípios característicos desse ramo do Direito, como o princípio da norma mais favorável, que é o mais amplo do Direito do Trabalho, sendo também uma fonte incontestavelmente específica não encontrada em qualquer outro ramo jurídico. Ele trata da aplicação da norma mais favorável dentre todas as outras ao trabalhador, ainda que esta seja hierarquicamente inferior:
[...] o encontro da regra mais favorável não se pode fazer mediante uma separação tópica e casuística de regras, acumulando-se preceitos favoráveis ao empregado e praticamente criando-se ordens jurídicas próprias e provisórias em face de cada caso concreto – como resulta do enfoque proposto pela teoria da acumulação. Ao contrário, o operador jurídico deve buscar a regra mais favorável enfocando globalmente o conjunto de regras componentes do sistema, discriminando, no máximo, os preceitos em função da matéria, de modo a não perder, ao longo desse processo, o caráter sistemático da ordem jurídica e os sentidos lógico e teleológico básicos que sempre devem informar o fenômeno do Direito (teoria do conglobamento) (DELGADO, 2011, p. 194).
Muitas teorias, dentre as quais se destacam a da acumulação e a do conglobamento, surgiram para definir o melhor método de determinação da norma mais favorável. No direito pátrio, notadamente, em alguns julgados que o Tribunal Superior do Trabalho, instância máxima da Justiça Laboral, se pronunciou sobre a matéria, adotou-se a teoria do conglobamento, que dispõe que quando da aplicação do referido princípio, deve-se comparar as fontes, verificando qual delas, em conjunto, é mais benéfica para o empregado, e aplicando-a, de modo a excluir todas as outras em bloco.
Apesar de a jurisprudência ter preferido adotar a teoria do conglobamento, convém ressaltar que, ao contrário desta, a doutrina tem aceitado mais a teoria intermediária ou do conglobamento mitigado, a exemplo do doutrinador Plá Rodriguez. Dessarte, consoante assevera Vólia Bonfim Cassar (2008, p.103):
A teoria intermediária [...] que determina a aplicação do conjunto de normas agrupadas sob a mesma forma de instituto jurídico desde que mais favorável ao trabalhador, em detrimento daquela matéria prevista em outra fonte de direito também aplicável ao empregado. Assim, serão respeitadas as características de cada instituto, sem onerar de forma demasiada o empregador e sem beneficiar ilimitadamente o empregado. Desta forma, as duas fontes autônomas (ex.: convenção e acordo coletivo) são aplicadas à mesma relação de trabalho, sendo que a adoção do instituto jurídico de uma fonte exclui a aplicação do mesmo instituto ou matéria contida na outra (CASSAR, 2008, p. 103).
O artigo 3°, inciso II, da Lei 7.064/82 adotou essa teoria ao dispor que a empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido para prestar serviços no exterior assegurar-lhe-á, independentemente da observância da legislação do local da execução dos serviços, a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto na presente Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria.
Ademais, merece destaque o fato de que o princípio da norma mais benéfica merece limitação, em razão de não se poder aplicá-lo sob a ótica do conglobamento ou do conglobamento mitigado às fontes heterônomas. Uma vez emanadas do Estado, são imperativas e, assim, não podem deixar de ser cumpridas sob a justificativa de que outra norma é mais favorável em seu todo ou em relação a um instituto, não cabendo ao empregador a faculdade de aplicá-las ou não.
O Direito Laboral também é inspirado pelo princípio da condição mais benéfica, que igualmente ao da norma mais favorável, imprescinde a pluralidade normativa apesar de diferentemente da segunda, resolver um fenômeno de direito transitório ou intertemporal. Segundo Maurício Godinho Delgado (2011, p. 196), “este princípio importa na garantia de preservação, ao longo do contrato, da cláusula contratual mais vantajosa ao trabalhador, que se reveste do caráter de direito adquirido”. Este princípio se reflete em diversas normas do ordenamento laboral brasileiro e, notadamente, no artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho que dispõe que nos contratos individuais de trabalho só é lícita à alteração das respectivas condições por mútuo consentimento e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao trabalhador, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Dessarte, também a súmula 51 do Tribunal Superior do Trabalho foi inspirada nesse entendimento e, dispõe, em seu inciso I, que as cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. Assim, a referida súmula corrobora o entendimento de que as vantagens dispostas em contrato ao obreiro não podem ser relativizadas, possuindo força de direito adquirido, evitando, assim, que uma possível revogação ou alteração contratual dessas normas, lhe cause prejuízo.
Ainda, o princípio da proteção, basilar do Direito do Trabalho, teria por vertente também o princípio in dubio pro operario, que dispõe que entre várias interpretações que comporte uma norma, deve ser preferida a mais favorável ao trabalhador. Este princípio é, em si, uma regra de hermenêutica, não se confundindo nem com o que determina a aplicação da norma mais favorável, nem com o de condição mais benéfica, pelo fato de que estes dois princípios exigem uma pluralidade de normas como fato antecedente.
A interpretação deve tender a justiça social, pois se o propósito do Direito do Trabalho é o trabalhador, a não observância ao princípio pro operario consistiria em um benefício ao capital. Nesse sentido, a doutrina pátria reconhece o princípio divergindo apenas quanto à sua amplitude. Ainda, convém ressaltar que a máxima em comento não é absoluta, só devendo ser aplicado em casos que configurem a existência real de dúvida, bem como não contrariem a ratio legis, ou seja, a vontade do legislador.
O Direito Laboral também se encontra amparado pelo princípio da continuidade da relação de emprego, em razão de ser um contrato de trabalho de trato sucessivo. Isto quer dizer que a obrigação de fazer consistente na prestação de serviços dele originados se prolonga no tempo diferentemente do que ocorre em contratos instantâneos em que a satisfação das prestações pode se realizar em um só momento. Dessa forma, o contrato laboral deve perdurar segundo essa máxima até que sobrevenham circunstâncias previstas pelas partes ou em lei como idôneas para fazê-lo parar.
Dessa forma, o referido princípio constitui presunção favorável ao empregado, conforme estabelece a súmula 212, do Tribunal Superior do Trabalho, que dispõe que o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador.
A doutrina valora os benefícios que advêm desse princípio, pois eles repercutem para ambos os sujeitos da relação laboral, para o trabalhador por lhe proporcionar segurança econômica, uma vez que a continuidade do emprego significa, consequentemente, a continuidade do salário, indispensável para o seu sustento e o de sua família, bem como traz benefícios também para o empregador porque lhe possibilita dispor de mão de obra experimentada, economizando, assim, no recrutamento de novos empregados que exigiria trabalho, tempo, treinamento, entre outros.
Vê-se, por conseguinte, que o Direito Laboral está permeado de princípios ditos especiais, característicos deste ramo do Direito, que atuam inspirando e condicionando a própria percepção jurídica. Malgrado, é mister destacar a existência no Direito Laboral dos princípios gerais do Direito, que têm inquestionável aplicação no âmbito especializado do Direito do Trabalho, visto se irradiarem por todos os segmentos da ordem jurídica, mantendo o Direito como um efetivo sistema:
Qualquer dos princípios gerais que se aplique ao Direito do Trabalho sofrerá, evidentemente, uma adequada compatibilização com os princípios e regras próprias a este ramo jurídico especializado, de modo que a inserção da diretriz geral não se choque com a especificidade inerente ao ramo justrabalhista (DELGADO, 2011, p. 186 e 187).
Dessarte, dentre os princípios gerais merece destaque o princípio da igualdade que também se faz presente do Direito do Trabalho ainda que, à primeira vista, essa ideia pareça ilógica, uma vez que se trata de um ramo do Direito claramente desigualitário. De modo que, na aplicação deste princípio não são observadas as diferenças irrelevantes, mas apenas as essenciais, de forma que, quando diante de determinadas situações não se observar, em uma análise comparativa, discrepâncias relevantes, deve-se considerá-las iguais.
Ainda, também estão presentes os princípios da boa-fé, da razoabilidade associada ao da proporcionalidade, o da não alegação da própria torpeza, dentre outros. A respeito de um possível conflito entre os princípios gerais e os específicos do Direito Laboral, deve prevalecer os segundos, principalmente pela prevalência estabelecida ao longo do artigo 8º da Consolidação das Leis Trabalhistas, que aduz que em caso de lacuna, deve-se aplicar os princípios e normas gerais de Direito, principalmente de Direito do Trabalho. Conquanto, resta difícil imaginar esse conflito na prática, tendo em vista o entendimento de que os princípios, gerais ou especiais, se coadunam na busca por uma melhor prestação jurisdicional, de modo que se promova por ela não apenas a justiça, mas, sobremodo, a pacificação social.
4.O Princípio da Proteção ao Trabalhador como Corolário do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O direito ao trabalho digno e remunerado encontra relação umbilical com o direito à vida, pois é a partir da remuneração obtida pelo labor prestado que se conquista a própria sobrevivência, a partir da obtenção dos elementos indispensáveis à vida humana digna.
A intenção do legislador ao eleger os direitos laborais como direito social foi dar a eles proteção especial, exigindo prestações positivas do Estado. Eles, em si, são uma expressão de liberdade e igualdade, assegurando condições de trabalho e, consequentemente, de vida digna aos empregados, sendo, o princípio da proteção ao trabalhador, basilar do Direito do Trabalho, a própria concretização do princípio da dignidade da pessoa humana.
Este princípio, disposto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Brasileira, constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, sendo árdua a busca por uma definição precisa para ele, em razão dos diversos espectros que o tornam uma categoria axiológica aberta: um conceito em permanente processo de construção. Apesar disso, sabe-se que além das muitas facetas que possui, a dignidade é característica inerente ao homem e, assim, constitui um núcleo intangível e irrenunciável, autônomo em relação à necessidade de qualquer reconhecimento seja pelo Direito, seja pelo Estado.
Ademais, o princípio da dignidade carrega em si a incumbência da entidade estatal protegê-la, preservá-la e criar condições necessárias a seu pleno exercício, sendo, assim, função e limite para o Estado:
[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2004, p. 59 e 60)
Apesar de não estar elencado expressamente nas cláusulas pétreas, dispostas no artigo 60, parágrafo 4° da Constituição Federal, é notório que o princípio da dignidade é limite implícito ao poder de reforma constitucional e deve vincular a interpretação das diversas normas infra e, até mesmo, as constitucionais, pois integra a essência da ordem constitucional vigente. Segundo Sarlet (2004), aliar a dignidade da pessoa humana as diversas normas do ordenamento, inclusive aos direitos fundamentais, asseveram o princípio da proibição ao retrocesso, que veda qualquer supressão e restrição de direitos caso firam o núcleo essencial da dignidade, definindo-os como inconstitucionais, uma vez que deve ser assegurado o mínimo existencial, isto é, as condições existenciais básicas garantidoras de vida digna:
Quando fica dito demonstra que a Constituição, a despeito do seu caráter compromissório, confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da pessoa humana, proclamada no seu art. 1º, ou seja, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado (MIRANDA, 1993, v.4, p.166).[3]
Ademais, vincular o princípio da proteção ao trabalho ao princípio da dignidade humana tem importância inequívoca, primeiro porque as relações laborais se apresentam como relações necessárias na sociedade, segundo porque é por meio do labor que o homem encontra meios para a concretização da sua dignidade como pessoa humana.
Dessarte, a existência de um ordenamento internacional para assegurar os direitos mínimos do trabalhador, estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho, evidencia a tendência atual de proteção à dignidade da pessoa humana em todas as áreas da vida social e, especialmente, nas relações interpessoais, quando há subordinação jurídica entre as partes.
Nesse sentido, levantam-se questionamentos acerca da eficácia dos direitos trabalhistas elencados na Constituição, tendo em vista alguns dependerem de normas infraconstitucionais para regular sua incidência. Amparado nesse assenso, resta claro que nem todas as normas jurídicas possuem o mesmo grau de eficácia no ordenamento pátrio, no entanto, diante de direitos fundamentais, a exemplo dos laborais, ainda que diante de um quadro de regulamentação deficiente, deve-se buscar a implementação dessas normas em sua máxima potencialidade.
Consoante este entendimento, a própria Constituição estabelece em seu artigo 5°, parágrafo 1°, que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais – o que inclui os direitos laborais – têm aplicabilidade imediata. Dessa forma, o direito constitucional não deixa de existir apesar da lacuna infraconstitucional, logo, a concepção de que sua aplicação não é possível devido à falta de lei que a regulamente é inconcebível, pois a Lex Magna não é desrespeitada apenas quando os atos por ela proibidos são perpetrados, mas também quando se omite diante de uma ação, um facere, por ela, determinado.
Importante destacar, neste ínterim, que pelo fato dos direitos sociais – trabalhistas – estarem sempre associados ao Estado e, este, ao mercado e a conjuntura política da vez, restam eles enquadrados em um quadro mais suscetível às mudanças, isto é, em maior vulnerabilidade:
Dos direitos fundamentais, os direitos sociais são os que guardam maior relação com as questões econômicas, tanto em nível estrutural como em nível conjuntural, e talvez por isso sejam os mais ameaçados e susceptíveis à interferência dos fatores de poder econômico dominantes no País (ARRUDA, 1998, p.19).
Dessa forma, o constitucionalismo e a associação dos direitos laborais ao princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento precípuo do nosso ordenamento, é mister no combate ao retrocesso contra o qual o capital pode macular as estruturas que constituem o Estado Democrático de Direito brasileiro:
O universo social, econômico e cultural dos Direitos Humanos passa, de modo lógico e necessário, pelo ramo jurídico trabalhista, à medida que este regula a principal modalidade de inserção dos indivíduos no sistema socioeconômico capitalista, cumprindo o papel de lhes assegurar um patamar civilizado de direitos e garantias jurídicas, que, regra geral, por sua própria força e/ou habilidade isoladas, não alcançariam. A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural -, o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego, normatizado pelo Direito do Trabalho (DELGADO, 2011, p. 82).
A preocupação com a precarização que a força do capital pode ocasionar à questão social, especialmente no âmbito trabalhista, fez com que o legislador estendesse o princípio da proteção ao trabalho à própria Ordem Econômica e Financeira. Dessa forma, está garantida na própria Constituição Federal, nas bases constitucionais do atual sistema econômico brasileiro, a valorização do trabalho humano como forma de fomentar a justiça social.
Dessarte, as relações juslaborais protegidas como extensão da própria dignidade humana traduzem a valorização do empregado além do seu aspecto individual, concebendo - o a partir da perspectiva social, como indivíduo atuante no crescimento econômico e social. É a partir da contraposição entre a dignidade do labor e, consequentemente, do trabalhador à livre iniciativa que se percebe a dimensão do princípio de proteção no Direito Laboral, que se mostra fundamental no combate às desigualdades que o poder do capital origina, dispondo condições ao empregado de exercer seu ofício com dignidade.
5. Considerações Finais
O homem encontra no labor a sua dignidade. Tão antigo quanto ele, o trabalho surgiu da necessidade de sobrevivência, que exigia que homens e mulheres encontrassem alimento e proteção e, posteriormente, adquirissem salário para seu sustento e de sua família.
De início, o contexto histórico que remonta ao advento do Direito do Trabalho tal qual se conhece hoje assevera o processo conturbado em que se deu o seu surgimento, marcado por lutas da classe obreira que se uniu em prol de reconhecimento jurídico e proteção mínima que possibilitassem uma vida digna. Em concisa análise, viu-se, desde o início, o capital subjugar o trabalhador.
Dessarte, foi a partir da Revolução Industrial e do surgimento do trabalho assalariado em substituição ao trabalho escravo, servil e corporativo, no século XVIII, que surgiu o Direito do Trabalho, tendo, no entanto, este ramo do Direito se modificado ao longo do tempo, adquirindo formas próprias, de modo que o seu conceito e suas implicações foram sendo desenvolvidos até o atual estágio de regulamentação.
Em 1918, a partir do movimento do constitucionalismo social, os direitos sociais, em especial, os trabalhistas foram incluídos nas Constituições das Nações e, de forma precursora, se destacaram a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919.
Com vistas a estabelecer uma proteção real e regular a relação entre empregados, empregadores e sindicatos, o ordenamento jurídico pátrio elencou ao longo da Constituição Federal, da Consolidação das Leis Trabalhistas e das fontes formais e materiais, os princípios que regem as relações laborais e, em especial, o princípio da proteção ao trabalhador, reconhecendo seu papel como agente decisivo no desenvolvimento da sociedade.
Por conseguinte, o trabalho digno e remunerado é conditio sine qua non à vida, sendo a partir da remuneração obtida pelo labor prestado que o obreiro obterá os demais meios de que necessita para uma vida digna, como habitação, alimentação, lazer. O trabalho, assim, é uma extensão do próprio homem, sendo sua tutela, portanto, corolário do princípio da dignidade humana.
Dessa forma, os direitos trabalhistas por estarem diretamente relacionados ao mercado e a conjuntura política da vez encontram-se em maior grau de vulnerabilidade, de modo que, associá-los ao princípio da dignidade humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, aduz uma maior proteção a estes direitos.
Essa preocupação, inclusive, fez com que o legislador pátrio estendesse o princípio da proteção ao trabalho à própria Ordem Econômica e Financeira, concebendo a valorização do empregado além do seu aspecto individual, como indivíduo atuante no crescimento econômico e social.
Por fim, é a partir da contraposição entre a dignidade do labor e, consequentemente, do trabalhador à livre iniciativa que se percebe a importância do princípio da proteção ao obreiro, haja vista ser ele uma das personificações do princípio da dignidade da pessoa humana, desempenhando um papel fundamental no combate às desigualdades que o poder do capital pode vir a originar.
6. Referências
ARRUDA, Kátia Magalhães. Direito constitucional do trabalho: sua eficácia e o impacto do modelo neoliberal. São Paulo: LTr, 1998.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho – 7. ed. São Paulo: LTr, 2011.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Constituição (planalto.gov.br). /Acesso em: 18 de jul. de 2020.
CASELLA, João Carlos. Fundamentos da Internacionalização do Direito do Trabalho. 1995. Disponível em: www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/67305/69915. /Acesso em: 13 de jul de 2020.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho – Niterói: Impetus, 2008.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho – 10. ed. São Paulo: LTr, 2011.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho – 8º. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2014.
GENRO, Tarso. Direito individual do trabalho. 2º ed., São Paulo: LTr, 1994.
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho – São Paulo: Saraiva, 2010.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho – 13. ed., rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2001.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. Malheiros Editores, São Paulo, 7. ed., 1995.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2º ed., Coimbra, 1993, v.4.
PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de direito do trabalho: tradução de Wagner D. Giglio – 3. ed. atual. São Paulo: LTr, 2000.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988 – 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do direito do trabalho – São Paulo: LTr, 1999.
[1] A expressão francesa ‘laissez faire, laissez aller, laissez passer’ significa literalmente ‘deixai fazer, deixai ir, deixai passar’, trata-se da expressão-símbolo do liberalismo econômico, na versão mais pura de capitalismo de que o mercado deve funcionar livremente, sem interferência estatal, apenas com regulamentos suficientes para proteger os direitos de propriedade.
[2] Segundo essa corrente, Getúlio Vargas foi o grande mentor de direitos, principalmente em decorrência da criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e é considerado o “Pai dos Trabalhadores”.
[3] A presente citação trata do art. 1° da Constituição de Portugal, que coincide com a Constituição brasileira que também elencou em seu art. 1°, IV, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Formada pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB, tendo cursado um período da graduação na Universidade de Coimbra, Portugal. Pós-graduada em Direito Público pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós-graduada em Direito Civil pelo Faculdade Venda Nova do Imigrante - FAVENI. Analista Judiciária do Tribunal de Justiça de Pernambuco - TJPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Camilla Gambarra. O princípio da proteção ao trabalhador como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jan 2021, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56077/o-princpio-da-proteo-ao-trabalhador-como-corolrio-do-princpio-da-dignidade-da-pessoa-humana. Acesso em: 22 nov 2024.
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