RESUMO: Este artigo traz à discussão o fenômeno da constitucionalização do direito privado, que propõe a aplicação de todo o ordenamento jurídico a partir da lente da Constituição, com a efetivação dos valores nela consagrados. Destacam-se os principais pilares de sustentação que fundamentam esse movimento e, a partir dessas bases, faz-se uma análise crítica de aspectos que devem ser reavaliados, sob pena de se colocar em risco a objetividade e a previsibilidade dos julgados, necessárias à garantia do Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Constitucionalização do direito privado – evolução – pilares de sustentação – objeções.
Sumário: 1. Introdução; 2. Conceituação; 3. Evolução do Constitucionalismo; 3.1. Na Inglaterra; 3.2. Nos Estados Unidos; 3.3. Na França; 3.4. A Experiência Alemã; 3.5. A reconstitucionalização do Brasil; 4. Transformações do direito constitucional; 5. Pilares de sustentação da constitucionalização; 5.1. Centralidade e unidade da Constituição; 5.2. Supremacia e normatividade da Constituição; 5.3. Eficácia dos direitos fundamentais; 5.4. Teoria da norma e da interpretação jurídica; 5.5. Realização da dignidade da pessoa humana; 6. Objeções; 6.1. Aumento de hard cases; 6.2. Carência de método; 6.3. Banalização da dignidade da pessoa humana; 6.4. Excesso de paternalismo estatal; 6.5 Protagonismo judicial; 7. Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo se inicia com o processo histórico de evolução do direito constitucional, em busca de demonstrar como ocorreu o surgimento do movimento de constitucionalização do direito privado.
Observa-se que a transformação do direito constitucional aconteceu de forma lenta e gradual, intensificando-se, notadamente a partir da Segunda Guerra Mundial, a influência das normas constitucionais sobre os demais ramos do direito.
No Brasil, esse fenômeno passou a ser denominado por alguns autores como filtragem constitucional, eis que todo o ordenamento jurídico passou a ser lido e interpretado por meio da lente constitucional, com a irradiação dos valores consagrados na Constituição.
Essa teoria da constitucionalização encontra sua sustentação em alguns pilares que direcionam a aplicação da norma no caso concreto, dentre eles estão a centralidade e a unidade da Constituição, a supremacia e a normatividade das normas constitucionais, a eficácia dos direitos fundamentais, a teoria da norma e da interpretação jurídica e a realização da dignidade humana.
Apresentadas as bases nas quais se sustenta o fenômeno da constitucionalização do direito, passa-se à análise de críticas impostas ao movimento, expondo os principais aspectos sujeitos a necessários aperfeiçoamentos.
Ressalta-se, nesse contexto, um aumento de hard cases, uma carência de método na aplicação das normas constitucionais, uma banalização da dignidade da pessoa humana, um excesso de paternalismo estatal e um protagonismo judicial.
É um movimento que, apesar de toda a sua aceitação, não está imune a críticas, que devem ser pensadas e analisadas a fim de se buscarem parâmetros para aplicação objetiva e previsível das normas constitucionais.
A noção de constitucionalização que aqui será tratada está relacionada a um efeito expansivo das normas constitucionais por todo o sistema jurídico, que tem como característica essencial a releitura do direito privado à luz da Constituição.
Os valores e os comportamentos previstos nos princípios e nas regras passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional.
Essa constitucionalização, além de repercutir na atuação dos três Poderes, reflete também nas relações particulares, limitando a autonomia da vontade, notadamente em institutos como a liberdade de contratar ou o uso da propriedade privada, atrelando-a a valores constitucionais e ao cumprimento de direitos fundamentais.
3 EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO
Este processo de constitucionalização do direito privado reflete o próprio processo histórico de evolução do direito constitucional, alcançado pela sociedade na busca de respostas aos problemas e às necessidades postas.
Relevante, pois, no estudo desse processo de constitucionalização, a análise da história do constitucionalismo, bem como da sua transformação ocorrida ao longo do tempo.
É importante partir da premissa de que a noção de constitucionalismo é bastante remota, eis que na antiguidade encontra-se o berço de ideias essenciais para o reconhecimento dos direitos humanos e posteriormente dos direitos fundamentais e:
foi no período medieval, por meio da afirmação dos costumes e tradições (portanto, pelo direito costumeiro), que foram estabelecidas regras gerais de organização política, já a partir do século V. O próprio termo constituição (que já aparecia na obra de Aristóteles) era relacionado, na época, a uma noção empírica, não normativa, que resultou da simples transposição da descrição natural do processo de dominação dos territórios e de seus habitantes e do desenvolvimento histórico das relações de poder para a linguagem jurídica e política, onde passou a constituir um conceito também normativo, do dever ser. Ademais, a utilização do termo constituição nos escritos políticos da Antiguidade e mesmo na fase seguinte, do Medievo, costumava – em muitos casos – designar um modo de organização política ideal da sociedade, como dão conta as obras do próprio Aristóteles (ao identificar e propor uma tipologia das formas de governo), mas especialmente a ficção da República, de Platão, a Cidade de Deus, de Agostinho, entre outras[1].
Com o renascimento urbano europeu, no século XI, e o surgimento da burguesia, formada por comerciantes, iniciou-se a decadência do feudalismo e, por consequência, o desenvolvimento do capitalismo.
A partir de então, a organização típica do período medieval, antes descentralizada em feudos, cede lugar, por meio de um processo centrípeto, a um poder político centralizado nas mãos do monarca.
Começaram a surgir, posteriormente, correntes filosóficas, como as de Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant, que serviram de base para as ideias iluministas e para o surgimento das primeiras Constituições escritas. Nota-se, a partir desse período, uma superioridade da lei em relação aos costumes, bem como um deslocamento da soberania do príncipe para a soberania nacional.
Diante do fortalecimento do capitalismo, a burguesia surgiu como a classe mais promissora e empreendedora da sociedade, o que contrastava com o seu distanciamento do poder político. Diante desse cenário, eclodiram no século XVIII movimentos revolucionários que contestavam os privilégios da monarquia, notadamente a Revolução Francesa:
(...) eclodida em 1789, foi, sem dúvida, o mais profundo e impactante (consideradas as suas proporções e repercussão) entre os movimentos revolucionários. Além de ter sido uma revolução social de massa, mais radical do que as que as precederam e que a seguiram (exceção feita aos movimentos revolucionários ocorridos na Rússia e na China, no século XX), foi a única de caráter ecumênico, é dizer, seus ideais foram concebidos para revolucionar o mundo, diferentemente da revolução norte-americana, cujo acontecimento centrou-se nos Estados Unidos e nos países nela envolvidos[2].
Cabe destacar, diante desse contexto, que, apesar da ideia de Constituição, como forma de organização da sociedade política, remontar à antiguidade, a noção moderna de uma Constituição jurídica, como forma de expressão de um poder constituinte formal, consolidou-se apenas a partir do final do século XVIII, com as Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789).
Embora existissem, antes do surgimento das constituições jurídicas modernas, regras jurídicas, até mesmo consolidadas em documentos, regendo as relações de poder político, tais regramentos não refletem a ideia moderna de Constituição normativa nascida no final do século XVIII.
Relevantes documentos, como a Magna Carta Inglesa (1215) e notadamente as declarações de direitos inglesas do século XVII, eram muito diferentes da ideia de constituição como lei fundamental de uma sociedade, que possui, dentre várias características, a qualidade de norma hierarquicamente superior, cuja história está diretamente associada à limitação normativa do poder político e à garantia de direitos fundamentais.
Considerando que o constitucionalismo moderno advém desses movimentos revolucionários ocorridos na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França, analisar-se-ão essas três experiências, bem como o constitucionalismo alemão, por ser a principal referência no desenvolvimento do novo direito constitucional, em razão da Lei Fundamental de Bonn promulgada em 1949.
O processo constitucional inglês ocorreu de forma gradativa e cumulativa, no decorrer de várias gerações. Em um primeiro momento, permitiu o desenvolvimento das instituições feudais, o que resultou no fortalecimento do poder político dos barões, com a promulgação, em 1215, da Magna Charta Libertatum, documento este que posteriormente foi influenciado pelo Parlamento, mesmo que controlado pelo rei.
A colisão entre o Parlamento e o poder monárquico ficou mais intensa no século XVII, provocando, no ano de 1628, a promulgação da Petição de Direitos (Petition of Rights), que estabelecia limitações concretas ao poder do Rei Carlos I. Ocorre que este,
A despeito dos compromissos assumidos por força da petição de direitos, dissolve diversos Parlamentos, impõe impostos sem a prévia aprovação pelo Parlamento, o que resulta na criação de um exército pelo Parlamento e no confronto com a forças reais, tudo a desembocar numa guerra civil, que levou à vitória das forças parlamentares e à decapitação do rei, em 1649. Todavia, uma vez instaurada a República, o comandante do exército que derrotou as forças monárquicas, Oliver Cromwell, dissolveu o Parlamento (1652) e iniciou uma espécie de absolutismo (ou ditadura) republicano, além de promulgar um documento que costuma ser considerado como a primeira versão de uma espécie de constituição escrita, que (...) foi a única que a Inglaterra jamais teve (o assim chamado Instrumento of Government, de 1653) e que esteve em vigor por pouco tempo, tendo em vista a morte de Cromwell (1658) e a restauração da monarquia, em 1660, com o retorno do exílio de Carlos II, filho de Carlos I. O caráter efêmero da peculiar experiência inglesa de uma constituição escrita encontra explicação no fato de que, com a morte de Cromwell, a nova ordem logo começou a soçobrar, e o Parlamento, em junção com outras forças políticas e sociais, optou pela restauração da monarquia, justamente a forma de governo que havia sido derrubada pela constituição de Cromwell.[3]
Mesmo com a reconstituição da monarquia e da Câmara dos Lordes, dissolvidos pela ditadura de Cromwell, o ambiente já era marcado por uma crescente primazia do Parlamento, em que o monarca tinha seus poderes bastante limitados, especialmente com a edição da Declaração de Direitos (Bill of Rights) de 1689.
Este documento, como ápice da revolução gloriosa, pode ser considerado um dos principais momentos do constitucionalismo da Inglaterra, por representar a necessidade de limitação dos poderes do Legislativo e do Rei.
Em suma,
Em 1660, restaura-se a monarquia e, em 1689, os poderes do monarca se veem limitados pela Revolução Gloriosa, de que deriva a adoção do Bill of Rights, no mesmo ano. O Parlamento marca o caminho para a posição de supremacia, em contrapeso à Coroa. Reafirma-se a titularidade do rei no Executivo, mas o Bill of Rights restringe os poderes reais, na medida em que recusa ao monarca legislar autonomamente e lhe recusa o poder de impor tributos ou convocar e manter o exército sem autorização parlamentar. O princípio da soberania do parlamento assinala ao Legislativo “o direito de fazer ou desfazer qualquer lei que seja; e, mais, [significa] que nenhuma pessoa ou entidade goza de reconhecimento legal para superar ou deixar de lado a legislação do parlamento”. Trata-se de uma forma de governo moderado, que teve em Locke (1632-1704) um atento observador, nas análises que publicou em 1690, sob o título de “Segundo Tratado do Governo Civil”.[4]
De acordo com Locke,
o legislador não cria direitos, mas aperfeiçoa a sua tutela, no suposto de que esses direitos preexistem ao Estado; daí o Poder Público não pode afetar arbitrariamente a vida e a propriedade dos indivíduos. Locke se volta contra o perigo da assimilação pela assembleia legislativa dos poderes executivos, bem como contra os riscos da incorporação dos poderes de legislar pelo Executivo; por isso, opõe-se à monarquia absoluta.[5]
Essa evolução para uma supremacia do Parlamento serviu de exemplo para o mundo como um primeiro sistema de liberdades civis e políticas, sendo uma grande contribuição inglesa à história das instituições e ao constitucionalismo.
Não se pode deixar de mencionar, portanto, que a Inglaterra, apesar de não ter uma constituição escrita, já possuía características essenciais desse constitucionalismo moderno, antes mesmo da declaração da independência dos Estados Unidos e da Constituição dos Estados Unidos, promulgadas no final do século XVIII.
Sem deixar, contudo, de levar em conta a importância para a evolução do constitucionalismo,
O modelo inglês constitui uma via peculiar, visto que, além de não ter sido baseado na distinção entre poder constituinte e poderes constituídos, não contempla o princípio da supremacia da constituição, inexistindo, portanto, um controle de constitucionalidade dos atos legislativos, notadamente por força da adoção do princípio da supremacia parlamentar. Ainda assim, ao longo dos tempos, importantes mudanças foram desenvolvidas no âmbito da atuação parlamentar, o que pode ser ilustrado mediante referência à aprovação, em 1998, pelo Parlamento, da incorporação ao direito interno na Convenção Europeia de Direitos Humanos, o assim chamado Human Rights Act, que opera como parâmetro para a legislação ordinária e pode ensejar uma declaração de incompatibilidade em concreto pelo Poder Judiciário. Além disso, em 2005, foi aprovado o Constitutional Reform Act, reorganizando o Poder Judiciário inglês, mediante o qual foi estabelecida uma separação orgânica entre o Poder Judiciário e o Parlamento, esvaziando as funções judiciais da Câmara dos Lordes e transferindo funções para uma nova Suprema Corte.[6]
Verifica-se, diante desse contexto, que o constitucionalismo inglês, apesar de não ter uma tradição de constituição escrita, está em progressiva aproximação aos demais modelos, o que se dá em grande medida pela globalização mundial, que acaba de certa forma aproximando grande parte dos modelos constitucionais.
Diferentemente do que ocorria na Europa nesse mesmo período, nos Estados Unidos não se notava uma maior preocupação com o Poder Executivo. O Presidente da República, eleito pelo voto popular, não possuía a mesma relevância que os monarcas do período absolutista.
A desconfiança pairava na atuação descomedida do Poder Legislativo e, nesse contexto, para evitar uma atuação exacerbada do Parlamento, os norte-americanos buscaram manter o equilíbrio entre os poderes.
Essa desconfiança com o Parlamento está intimamente relacionada aos fatores desencadeadores da independência norte-americana, eis que:
Leis britânicas das vésperas da independência, em especial no que tange à taxação, provocaram a indignação dos colonos, que as viram como resultado de um parlamento corrompido, que se arrogara poder ilimitado. O Parlamento britânico se assomou aos colonos como força hostil à liberdade. A nova nação deveria precatar-se contra a legislatura propensa às medidas tirânicas.[7]
Foi ainda uma preocupação norte-americana a proteção das minorias, uma vez que dois poderes do Estado advinham do voto popular e necessitava-se de um instrumento que limitasse o poder da maioria que eventualmente agisse de forma abusiva.
Esse contexto contribuiu para que se reconhecesse força normativa à Constituição, dando eficácia à limitação dos poderes e, por conseguinte, reconhecendo a supremacia da Constituição perante as leis.
A adoção de um procedimento mais solene e difícil para alteração da Constituição coloca-a em uma posição suprema, no topo da pirâmide normativa, atuando como referência para validade de todas as demais normas.
Em razão da supremacia da Constituição, todos os atos normativos devem ser compatíveis com a Constituição, sob pena de serem declarados inválidos. Daí decorre o controle de constitucionalidade, uma vez que a concepção da Constituição como norma jurídica superior propiciou condições necessárias para que o Judiciário exercesse a função de controlar a validade das leis.
Em razão dessa evolução histórica norte-americana, o constitucionalismo moderno ganhou uma das suas principais características, que foi a possibilidade de reconhecimento de que a Constituição é usada como parâmetro para solução de casos concretos, formando assim a doutrina do judicial review.
Há que se mencionar que:
A doutrina do judicial review, contudo, não fez o seu ingresso na História de modo assepticamente cerebrino. Conquanto os “pais fundadores” já considerassem correta a recusa pelos juízes em aplicar leis contrárias à Constituição, o judicial review não chegou a ser instituído expressamente na Constituição norte-americana. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis nos EUA resulta de uma construção pretoriana, armada num tempo de extrema tensão política, no contexto de disputa de Congresso Nacional e o Executivo até as eleições de 1800, e o Republicano (ou Antifederalista) – aquele, não se abstendo de se valer de meios radicais para manter a posição hegemônica.[8]
A decisão emblemática no exercício do controle de constitucionalidade da Suprema Corte norte-americana ocorreu no notório caso Marbury v. Madison.
Em 1803, o então Presidente dos Estados Unidos, John Adams, após perder as eleições para Thomas Jefferson, nomeou partidários como juízes federais antes do fim de seu mandato, e dentre eles estava incluído Marbury, nomeado como juiz de paz do condado de Washington. O cargo não foi assumido em razão da troca de governos e porque Jefferson negou a nomeação.
A questão foi levada à Suprema Corte e o juiz John Marshall analisou a competência para julgar um writ of mandamus, inserido por uma lei de 1789, de competência originária da Suprema Corte. Assim, a questão discutida por Marshall era se deveria prevalecer a lei (seção 13, Judiciary Act, 1789) em que se definia a competência da Suprema Corte, ou a Constituição, na qual não havia previsão de competência originária. Marshall decidiu, com isso, que deveria prevalecer a Constituição e que leis incompatíveis com ela são nulas.
Segundo Canotilho,
qualquer tribunal que tem de decidir um caso concreto está obrigado, em virtude da sua vinculação pela constituição, a fiscalizar se as normas jurídicas aplicáveis ao caso são ou não válidas. O juiz Marshall, no caso Madison v. Marbury, explicou este pensamento da forma que se tornou clássica: “É, sem dúvida, da competência e dever do Poder judiciário interpretar a lei. Aqueles que a aplicam aos casos particulares devem, necessariamente, explaná-la, interpretá-la. Se duas leis se contrariam, os tribunais devem decidir sobre o seu âmbito de aplicação. Assim, se uma lei estiver em contradição com a constituição, e se tanto uma como outra forem aplicáveis ao caso, de modo a que o tribunal tenha de decidir de acordo com a lei desatendendo à constituição, ou de acordo com a constituição rejeitando a lei, ele terá, inevitavelmente, de escolher dentre os dois preceitos opostos aquele que regulará a matéria. Isto é da essência do dever judicial. Se, portanto, os tribunais devem observar a constituição, e se esta é superior a qualquer lei ordinária do poder legislativo, é a Constituição e não a lei ordinária que há-de regular o caso a que ambos dizem respeito[9].
O caso Marbury v. Madison demonstra, portanto, um protagonismo do Judiciário, como guardião da Constituição, que é uma norma de hierarquia superior, que se encontra no topo da pirâmide normativa. Diante, portanto, de um conflito entre dois diplomas, o juiz deve aplicar a Constituição às demandas concretas e invalidar qualquer ato que infrinja a norma constitucional. Nessa perspectiva, o Judiciário, na qualidade de intérprete máximo da Constituição, tem o poder de anular os atos dos demais Poderes.
Ainda que não se possa desprezar a influência norte-americana no momento inicial do constitucionalismo na Europa, o seu desenvolvimento no continente europeu iniciou-se com a Revolução Francesa de 1789.
Foi um período de intensa agitação política e social, que teve grande impacto na história do constitucionalismo. A monarquia absolutista, que governou por séculos o país, entrou em colapso diante da transformação pela qual passou a sociedade francesa.
A crise financeira foi um dos motivos propulsores da Revolução, acentuada com a intervenção do país na guerra revolucionária norte-americana.
Nesse contexto, sob a influência de ideias iluministas, foram convocados os Estados Gerais. O Terceiro Estado, formado pela burguesia, por trabalhadores e por camponeses, rebelou-se, tendo como símbolo desse movimento a Tomada da Bastilha, prisão destinada a nobres.
A Assembleia Constituinte procedeu a uma série de reformas legislativas, como a extinção do sistema feudal e a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Representava uma evidente oposição ao regime absolutista, amparada no direito natural, e apresentava-se como passo inicial para elaboração da primeira Constituição francesa.
No ano de 1791 foi promulgada a primeira Constituição francesa, que, apesar de não se opor à monarquia, repeliu o absolutismo e os privilégios da nobreza e do clero. Não previu expressamente a supremacia formal da Constituição, mas transformou a monarquia em constitucionalista, pondo fim ao regime absolutista.
Relevante diferença entre o constitucionalismo francês e o norte-americano é a supremacia formal da Constituição perante as demais leis e a atuação do Poder Judiciário na análise da validade destas normas. Conforme visto em tópico anterior, essa característica existe no constitucionalismo norte-americano desde o princípio, ao passo que na França tais elementos somente foram incorporados ao longo do tempo, especialmente após a instauração da Quinta República, em 1958.
Há que reconhecer, contudo, que:
a matriz constitucional francesa engendrada no período revolucionário deixou um legado permanente para o constitucionalismo moderno, até mesmo de modo indireto, visto que o pensamento político francês também teve repercussão nos Estados Unidos, onde algumas ideias tiveram recepção e realização prática em parte distinta da que ocorreu na França, como é o caso, apenas para mencionar um exemplo célebre, do princípio da separação de poderes, que, reconstruído nos Estados Unidos, foi incorporado à gramática constitucional de uma série de Estados que aderiram ao movimento constitucional.[10]
Não obstante as primeiras constituições escritas tenham surgido com o processo de independência das colônias norte-americanas nos Estados Unidos em 1787 e, na França, com a revolução Francesa em 1791, o desenvolvimento do constitucionalismo, por fazer parte da própria evolução da sociedade, ocorreu de forma lenta e heterogênea.
Na Alemanha, apesar de se adotar a ideia de constituição escrita desde 1810, a primeira constituição democrática surgiu com a derrocada da monarquia e a instauração da república, na sequência da primeira guerra mundial. Tratava-se da conhecida Constituição da República de Weimar de 1919, que representava um modelo do constitucionalismo democrático e social contemporâneo.
Embora não se questione as virtudes democráticas da Constituição de Weimar e a sua relevância para o desenvolvimento das instituições políticas, sociais e jurídicas alemãs, a sua aplicação não gozava de ambiente favorável. Apesar de vigorar formalmente por um longo tempo, com a instalação de um regime totalitário, a Constituição de Weimar era aplicada apenas e na exata medida em que não entrasse em conflito com a normativa imposta pelo regime totalitário.
Com a eclosão da segunda guerra mundial, o totalitarismo chegou no seu ápice, mas com a derrota do Estado Nacional-Socialista e da própria Alemanha, os aliados (Inglaterra, EUA, França e URSS) assumiram o poder estatal, bem como as funções de soberania. Após quatro anos da rendição das forças armadas alemãs, em 1949, entrou em vigor a Lei Fundamental, na Alemanha Ocidental, que, por sua vez, formalizou o declínio da ditadura nacional-socialista.
A Lei Fundamental veio afirmar o valor da dignidade da pessoa humana, como um comprometimento do povo alemão com os direitos inalienáveis e invioláveis da pessoa humana.
Nesse ambiente, pretendeu-se resgatar a importância de uma ordem de valores não necessariamente prevista no direito positivo, promovendo-se uma reaproximação entre o direito e a filosofia, buscando ir além da legalidade estrita, a partir de uma leitura moral do Direito.
O ser humano passou a ser o principal valor protegido pelo ordenamento jurídico, de modo que,
(...) Tanto a forma de positivação da dignidade humana, na condição de princípio estruturante e acompanhada de um dever expresso de proteção estatal quanto a proibição sem exceção da pena de morte dão conta do quanto os autores da Lei Fundamental quiseram colocar o ser humano no centro da ordem estatal (relembre-se aqui a afirmação do social-democrata Carl Schmidt, no sentido de que “a razão de ser do novo Estado deveria ser o homem, e não o homem a razão de ser do Estado”), refutando toda e qualquer funcionalização do humano em prol do Estado.[11]
Para que se evitasse que as normas da Lei Fundamental tivessem caráter meramente programático, como ocorreu com a Constituição de Weimar, houve a criação de um Tribunal Constitucional Federal, que foi instalado em 1951, dotado de competência concentrada e vinculante a fim de confirmar a supremacia da Lei Fundamental e, notadamente, funcionar como guardião da dignidade humana e dos direitos fundamentais. Para isso foi criada uma reclamação constitucional, garantindo à Lei Fundamental normatividade como Constituição da Alemanha.
Assim,
Na condição de órgão constitucional externo às três funções clássicas estatais e pelas peculiaridades quanto a sua composição (com destaque para o recrutamento dos seus integrantes), competências e atuação, é de se endossar que o Tribunal Constitucional Federal Alemão (Bundesverfassungsgericht) passou a construir uma espécie de “terceira via” da jurisdição constitucional, em relação aos modelos norte-americano e austríaco, que lhe são anteriores. Os princípios estruturantes, da dignidade humana, democracia, federalismo, assim como do Estado de Direito e do Estado Social, foram guindados à condição de limites materiais à reforma constitucional, formando, portanto, o núcleo essência intangível, no sentido da própria identidade da nova ordem jurídico-estatal constituída pela Lei Fundamental, assegurando-lhe, juntamente com a garantia da rigidez constitucional (exigência de processo agravado para alteração do texto da Constituição ) e da previsão de um controle de constitucionalidade das leis, a desejada e desejável estabilidade e supremacia normativa, para a qual também tem concorrido de modo decisivo (e não apenas em matéria de proteção de direitos fundamentais), como já, o Tribunal Constitucional Federal.[12]
Esse breve relato acerca do constitucionalismo alemão se mostra, portanto, oportuno diante da inquestionável influência da Lei Fundamental de 1949, juntamente com o constitucionalismo norte-americano, no constitucionalismo contemporâneo, sendo considerada, inclusive, uma das mais influentes em termos de direito comparado, inclusive no caso do direito constitucional brasileiro.
3.5 A RECONSTITUCIONALIZAÇÃO DO BRASIL
A história atribulada do constitucionalismo no Brasil deu origem a sete constituições, promulgadas em 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. Ocorre que grande parte desses documentos não gozava de efetividade, demostrando um grande hiato entre a realidade e o texto constitucional.
Somente com a redemocratização do país, promovida pela Constituição de 1988, iniciou-se o marco histórico do novo direito constitucional. A Constituição de 88 serviu de sustentação para a passagem do Brasil de um regime autoritário para um Estado democrático de direito, simbolizando relevante mudança para a realidade jurídica e política brasileira.
O novo marco constitucional refletiu os anseios da sociedade por liberdade e democracia, servindo como restauração do Estado democrático no Brasil e reafirmando os direitos fundamentais, consagrados a partir de uma base de valores.
A Constituição de 88, alvo de inúmeras críticas em razão da sua extensão, refletiu os interesses de diversos grupos da sociedade, o que resta demonstrado na quantidade de regras que não necessariamente representam normas materialmente constitucionais.
É inegável, contudo, o avanço trazido pelo nova Carta, notadamente no campo dos direitos fundamentais e da proteção das minorias, além da criação de vários novos remédios constitucionais, do fortalecimento da independência de instituições como o Ministério Público e do robustecimento de mecanismos de controle de constitucionalidade.
Essa evolução se nota especialmente ao se analisar o processo histórico do constitucionalismo brasileiro:
É verdade que já tínhamos controle de constitucionalidade desde a proclamação da República. Porém, na cultura jurídica brasileira de até então, as constituições não eram vistas como autênticas normas jurídicas, não passando muitas vezes de meras fachadas. Exemplos disso não faltam: a Constituição de 1824 falava em igualdade, e a principal instituição do país era a escravidão negra; a de 1891 instituíra o sufrágio universal, mas todas as eleições eram fraudadas; a de 1937 disciplinava o processo legislativo, mas enquanto ela vigorou o Congresso esteve fechado e o Presidente legislava por decretos; a de 1969 garantia os direitos à liberdade, à integridade física e à vida, mas as prisões ilegais, o desaparecimento forçado de pessoas e a tortura campeavam nos porões do regime militar. Nesta última quadra histórica, conviveu-se ainda com o constrangedor paradoxo da existência de duas ordens jurídicas paralelas: a das constituições e a dos atos institucionais, que não buscavam nas primeiras o seu fundamento de validade, mas num suposto poder revolucionário em que estariam investidas as Forças Armadas.[13]
Embora se possa verificar a falta de efetividade de diversas normas constitucionais e a aplicação seletiva da eficácia social de tantas outras, é possível afirmar que a força normativa da Constituição teve reconhecimento no Brasil.
4 TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO CONSTITUCIONAL
Percorrido, ainda que de forma sintética, o processo histórico do constitucionalismo que deu ensejo ao desenvolvimento do fenômeno da constitucionalização do direito, analisar-se-ão as principais transformações ocorridas no âmbito do direito constitucional.
Esse processo ocorreu de forma lenta e gradual, considerando desde distantes contribuições, como o reconhecimento de liberdades civis e políticas pelo direito inglês, até a relevante influência norte-americana com o reconhecimento da supremacia da Constituição, conforme analisado em tópico anterior.
A constitucionalização do direito propriamente dita, contudo, ocorreu notadamente a partir do segundo pós-guerra, simbolizada pela Lei Fundamental da Alemanha de 1949 e pela instalação do Tribunal Constitucional Federal em 1951. Movimento este que se reproduziu mais tarde em países subdesenvolvidos, como Argentina, México, Índia e Brasil.
Após o fim da Segunda Guerra, com a derrota de regimes totalitários, que promoveram a barbárie fundada na proteção da legalidade, as novas constituições passaram a criar ou a fortalecer a jurisdição constitucional, adotando mecanismos eficazes para proteção dos direitos fundamentais inclusive em face do legislador.
O constitucionalismo dos demais países da Europa, a partir de então, aproximou-se do modelo dos Estado Unidos, reconhecendo força normativa às normas constitucionais, limitando o exercício do Poder Legislativo e justificando a invalidação de leis.
Para além dessas características do modelo norte-americano, as Cartas Europeias passaram a conter, além dos traços básicos de organização do Estado, um rol extenso de direitos fundamentais, com normas impregnadas de alto teor axiológico, tratando de temas que normalmente não eram tratados pelas constituições, como as relações de trabalho e as de família. Para além de direitos individuais previstos na Constituição norte-americana, muitas passaram a incluir no catálogo de direitos fundamentais também direitos sociais de natureza prestacional.
O direito francês, contudo, apesar de ter contribuído para o estabelecimento do constitucionalismo moderno juntamente com os Estados Unidos, conforme visto acima, teve o processo de constitucionalização tardio e ainda pendente de afirmação, eis que, tecnicamente não há uma verdadeira jurisdição constitucional. A Constituição de 1958 não previu a possibilidade de controle de constitucionalidade, tendo optado pelo controle prévio realizado pelo Conselho Constitucional em relação a algumas leis. Apesar da ampliação da legitimação para suscitar a atuação do Conselho e da incorporação aos debates constitucionais de discussões a respeito da força normativa da Constituição e do uso da técnica da interpretação conforme à Constituição, esse processo de constitucionalização enfrenta intensa resistência da doutrina tradicional.
No Brasil, em razão do fenômeno da constitucionalização do Direito, todos os principais ramos do direito infraconstitucional são tratados na Constituição, promovendo, assim, a constitucionalização das fontes do direito em relação à matéria tratada. Isso restringe a atuação do legislador ordinário, bem como influencia a leitura feita pelo Judiciário relativamente ao tema constitucionalizado.
Essa liberdade de conformação do legislador no sentido de escolher livremente quais matérias devem estar no texto da Constituição permitiu no caso do Brasil a proclamação de uma Constituição prolixa, que contém, além das matérias tipicamente constitucionais, diversas normas sobre assuntos que não necessariamente precisavam estar na Constituição, como, v.g., a regra que trata do colégio Dom Pedro II. Ademais, há partes dedicadas à economia e à ordem social que tratam dos mais diversos assuntos.
Essa escolha do constituinte por uma Constituição analítica não é imune a críticas feitas por parte da doutrina. Canotilho, revendo suas posições sobre a Constituição dirigente, afirma que “a Constituição dirigente está morta se o dirigismo constitucional for entendido como normativismo constitucional revolucionário capaz de, só, por si, operar transformações emancipatórias”. Segundo ele, “os textos constitucionais devem estabelecer as premissas materiais fundantes das políticas públicas num Estado e numa sociedade que se pretendem continuar a chamar de direito, democráticos e sociais”.[14]
O Código Civil, que conferia unidade ao ordenamento, chegando a ser chamado de constituição de direito privado, passou a perder influência ao longo do tempo, à medida que havia o seu envelhecimento e, por conseguinte, a formação de um microssistema formado por diversas leis específicas, como é o caso das leis de registros públicos, de locação, de divórcio, de alimentos, dentre outras.
A Constituição, nesse contexto, passou a ser o vértice para o qual todos os demais ramos do direito devem se voltar na sua aplicação. Este movimento veio a ser denominado por alguns autores como filtragem constitucional, mecanismo pelo qual “toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados”[15]. Assim, segundo Barroso, Ministro da Suprema Corte, “a constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional”.[16]
5 PILARES DE SUSTENTAÇÃO DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO
A teoria da constitucionalização considera algumas premissas nas quais todo o ordenamento jurídico deve se apoiar para aplicação da norma no caso concreto. No Brasil, pode-se falar que esse modelo se sustenta fundamentalmente em alguns pilares[17], que passarão a ser analisados a seguir.
5.1 CENTRALIDADE E UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO
À luz dessa concepção, a aplicação do ordenamento jurídico tem como primado a centralidade da Constituição, que, como norma suprema, condiciona todas as demais normas, assim como todos os Poderes Públicos a estarem em conformidade com suas disposições.
Diante disso, o sistema jurídico se estrutura em torno de uma pluralidade de fontes, que sempre se voltam para o texto constitucional. Segundo Ingo Sarlet,
A forma Código perde o seu caráter de plenitude, próprio do Estado Legislativo, e passa a desempenhar função de centralidade infraconstitucional. Abundam estatutos, legislações especiais e instrumentos infralegais que concorrem para disciplina na vida social. O ordenamento jurídico adquire feição complexa.[18]
O jurista argentino Ricardo Lorenzetti faz uma interessante analogia com o sistema solar[19]. De acordo com essa comparação, a Constituição seria o sol, ou seja, o centro do sistema, irradiando sua força normativa para os diversos ramos do direito, que fariam o papel dos planetas. O direito privado, nosso objeto de estudo imediato, seria representado pelo “planeta” Código Civil, centro da codificação privada. Em torno do “planeta” Código Civil, gravitariam os diversos satélites, correspondentes aos microssistemas do direito privado, e.g., o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), a Lei de Locação (Lei n. 8.245/1991), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), entre outros.
O ordenamento jurídico, portanto, é composto, segundo Gustavo Tepedino,
por uma pluralidade de fontes normativas, que apresenta-se necessariamente como sistema heterogêneo e aberto; e daí a sua complexidade, que só alcançará a unidade caso seja assegurada a centralidade da Constituição, que contém a tábua de valores que caracterizam a identidade cultural da sociedade.[20]
De acordo com Bodin de Moraes,
a proliferação de legislação esparsa sob a forma de estatutos especializados, por vezes tidos como “microssistemas legislativos”, tornou insustentável afirmar a centralidade do Código diante deste verdadeiro polissistema, que encontra, agora, na Constituição sua unidade sistemática e axiológica.[21]
À luz desse movimento da constitucionalização, a centralidade da Constituição garante a unidade do sistema jurídico, notadamente diante da pluralidade de fontes normativas, ensejando abertura a múltiplas matizes culturais, informadas por valores historicamente determinados, presentes no seio social. [22]
5.2 SUPREMACIA E NORMATIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO
O princípio da supremacia da Constituição, outro sustentáculo do movimento, decorre da posição hierárquica das normas constitucionais em relação às demais normas do sistema jurídico. Tal superioridade se dá em razão da distinção entre poder constituinte e poder constituído.
Considerando que toda a Constituição foi elaborada pelo poder constituinte, todas as normas constantes da Constituição, independentemente de seu conteúdo, equivalem-se em termos de hierarquia e são dotadas de supremacia formal em relação às demais normas infraconstitucionais.
Nesse sentido cabe consignar que, “atualmente, não há dúvida de que as Constituições são providas de supremacia formal em relação ao restante do direito interno do país”[23]. Segundo Daniel Sarmento,
Isso não impede que o texto constitucional possua normas cujo teor nada tem de especial ou de tipicamente constitucional. Nossa Constituição Federal, por exemplo, contém detalhes do regime jurídico dos servidores públicos, tais como o prazo de validade de concurso público (CF, art. 37, III), ou do sistema de paga mento, pelo Estado, de suas dívidas decorrentes de decisões judiciais, dispondo extensamente sobre os chamados precatórios (CF, art. 100; e ADCT, art. 33). Tais normas são superiores apenas sob o ponto de vista formal. Nem por isso deixam de limitar e condicionar a atividade legislativa, administrativa e jurisdicional do Estado. A atividade estatal só é válida na medida em que sejam respeitadas também essas normas constitucionais, ainda que seu conteúdo não tenha a mesma relevância.[24]
Essa supremacia constitucional se fixa por meio de dois importantes institutos jurídicos. Um deles é a rigidez constitucional, que exige, para alteração do texto, procedimento mais difícil do que aquele realizado para normas infraconstitucionais. O outro instituto é o controle de constitucionalidade dos atos normativos, que leva à invalidação do ato contrário à Constituição.
Há diversas técnicas que permitem o controle de constitucionalidade, cabendo citar dentre elas as seguintes:
a) no caso de normas infraconstitucionais anteriores à Constituição, o reconhecimento da revogação;
b) na hipótese de normas infraconstitucionais posteriores à Constituição, a declaração de inconstitucionalidade quando incompatíveis;
c) a declaração de inconstitucionalidade por omissão, com a exortação à atuação do legislador;
d) a interpretação conforme a Constituição, que permite tanto uma leitura que realize o sentido da norma constitucional, quanto a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto.
O respeito à supremacia da Constituição depende, entretanto, de outro componente que os textos normativos não podem impor e de uma cultura constitucional, por meio de uma adesão da própria sociedade às normas constitucionais, que se identifique e lute pela sua aplicação.
5.3 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Outro pilar de sustentação da constitucionalização do direito privado se liga à eficácia dos direitos fundamentais, decorrente da força normativa desses direitos, que se irradiam por todo o sistema jurídico, fornecendo diretrizes para aplicação e interpretação do direito infraconstitucional.
Em uma acepção ampla, os particulares, juntamente com os órgãos estatais, estão sujeitos a essa força vinculante dos direitos fundamentais. Ao contrário do direto português, em que há expressa menção à vinculação dos particulares aos direitos fundamentais:
Na CF/1988, a exemplo do que ocorreu com o Poder Público, o texto constitucional nada dispôs sobre os particulares como destinatários dos direitos fundamentais. Mesmo assim, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, tal possibilidade – de os particulares serem também destinatários dos direitos – nunca foi, como tal, seriamente questionada.[25]
A questão, contudo, que vem sendo mais discutida refere-se aos limites e às possibilidades de uma eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Ainda que não se questione a possiblidade de os particulares serem destinatários desses direitos, há uma controvérsia a respeito do modo como ocorreria essa vinculação.
A doutrina oscila entre aqueles que defendem a teoria da eficácia mediata (indireta) e aqueles que apontam para uma eficácia imediata (direta), além de haver ainda uma posição que defende um caminho intermediário.
Sem adentrar nessas controvérsias, é relevante ressaltar que independentemente da forma pela qual se estenderão os efeitos das normas fundamentais em relação aos particulares, se mediata ou imediatamente, observa-se que entre as normas constitucionais e o direto privado não há um abismo e sim uma relação de complementaridade e de unidade, eis que ao se aplicar uma norma de direito privado também estará se aplicando a própria Constituição.[26]
Vem prevalecendo a tese de que, em princípio, há uma eficácia direta prima facie dos direitos fundamentais nas relações privadas, sem deixar de destacar que essa aplicação não é uniforme, exigindo soluções diferenciadas.
Em razão dessa ausência de uniformidade, muitos autores vêm se manifestando no sentido de que nas hipóteses de conflito entre direitos fundamentais e o princípio da autonomia privada deve-se fazer uma análise focada nas circunstâncias específicas do caso concreto. Para isso, deve-se buscar uma aplicação da norma baseada na ponderação, à luz de uma concordância prática, de forma que não haja um sacrifício completo dos direitos fundamentais em jogo.[27]
O entendimento jurisprudencial brasileiro vem evoluindo nesse sentido de reconhecer a eficácia, até mesmo direta, dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas.
Cite-se, nesse sentido, o paradigmático acórdão do Supremo Tribunal Federal assegurando o exercício do direito de defesa a associado expulso da União Brasileira de Compositores:
SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO.
As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal.
A União Brasileira de Compositores – UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88).” (STF, RE 201.819/RJ, Relatora Min. Ellen Gracie, Relator para o acórdão Min. Gilmar Mendes, Data de julgamento 11.10.2005, 2ª Turma, DJ 27.10.2006).
Releva constatar, ainda, que, nos termos do voto vencedor (Min. Gilmar Mendes) e corroborando o quanto antes afirmado alhures, “Um meio de irradiação dos direitos fundamentais para as relações privadas seriam as cláusulas gerais (Generalklausel) que serviriam de ‘porta de entrada’ (Einbruchstelle) dos direitos fundamentais no âmbito do Direito Privado.”
É importante admitir, portanto, que o problema da vinculação das relações particulares à eficácia dos direitos fundamentais vem ganhando bastante relevância, independentemente do direito fundamental em jogo, sustentando o próprio movimento de constitucionalização do direito privado.
5.4 TEORIA DA NORMA E DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
A fim de que a efetividade constitucional atingisse o direito privado e possibilitasse a conformação do direito infraconstitucional com normas constitucionais, os princípios, antes compreendidos como fundamentos para as normas e não como disposições efetivas, passaram a ter força normativa, vinculando os seus destinatários.
A ausência de regras, diante desse novo cenário, não impediria a aplicação direta dos princípios ao caso concreto, abandonando-se o entendimento de que os princípios seriam meros ideais sem eficácia jurídica.
Para isso os princípios passaram a ser traçados como normas que permitiam a interferência tanto no processo de criação quanto no de interpretação do direito, independentemente de concretização legislativa.
Segundo o jurista Paulo Lôbo:
(...) a compreensão revolucionária que se deu nas últimas décadas, com relação ao princípio, foi de tirá-lo do ostracismo, da supletividade a que era relegado pela lei de Introdução e pô-lo no ápice do sistema jurídico. Portanto, hierarquicamente, os princípios estão acima das leis ordinárias, acima de qualquer código e toda norma ao ser aplicada não pode ferir ou malferir um princípio constitucional.[28]
Adotou-se, nesse contexto, uma nova hermenêutica jurídica, em razão da necessidade de resolver tensões entre princípios constitucionais colidentes, marcados por um grande pluralismo axiológico. Deu-se espaço, nesse contexto, ao desenvolvimento da técnica da ponderação, com a utilização habitual do princípio da proporcionalidade no âmbito judicial.
Para legitimar tais decisões, no âmbito de uma sociedade plural e complexa, desenvolveram-se diversas teorias da argumentação jurídica, que passaram a empreender uma leitura moral do Direito, tendo como centralidade os direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética.[29]
Nesse cenário, a clássica separação de poderes, com rígidos limites à atuação do Judiciário, cedeu lugar a um maior protagonismo judicial em defesa de valores consagrados na Constituição. Por outro lado, passou-se a defender restrições aos poderes do legislador em nome dos direitos fundamentais e da proteção das minorias, com a possibilidade de fiscalização por juízes não eleitos.[30]
5.5 REALIZAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade da pessoa humana foi tratada na Constituição de 1988, no título dos princípios fundamentais, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
A expressão dignidade “é empregada seja como uma forma de comportar-se seja como atributo intrínseco da pessoa humana; neste último caso, como um valor de todo ser racional, independentemente da forma como se comporte”, e é com este segundo sentido que a Constituição tutela a dignidade da pessoa humana como fundamento.[31]
Nesse contexto, todos os ramos do direito assumem um compromisso valorativo com a realização da dignidade humana, considerado como princípio fundamental e valor supremo do sistema.
Esse reconhecimento da fundamentalidade do princípio da dignidade humana se reflete tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que vem dando aplicação concreta ao princípio em diversas matérias.
A dignidade da pessoa humana é amplamente invocada inclusive nos julgados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em que a dignidade age como parâmetro para interpretação e aplicação do direito constitucional e infraconstitucional, notadamente em casos que se referem à proteção e à promoção dos direitos fundamentais.
A consagração da dignidade humana, diante desse contexto, confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais e ao sistema jurídico, que vem provocando uma interpretação de toda a ordem jurídica em conformidade com tal valor.[32]
Em razão da supremacia constitucional e demais parâmetros acima tratados, esse movimento de constitucionalização, iniciado no Brasil especialmente após a Constituição de 1988, passou a entender que a Constituição deveria desempenhar e garantir a unidade do direito privado através dos valores nela consagrados.
O fenômeno, diante dessas bases, propõe a superação da dicotomia entre público e privado e a funcionalização dos institutos de direito privado, de modo a atender os fins sociais.
Não há como negar que o movimento possui grande êxito na história do constitucionalismo brasileiro, com influência tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Esse triunfo se deve especialmente à discrepância entre os valores previstos na Constituição de 88 e as base tradicionais em que se sustentava o direito privado.
A grande relevância e adesão ao fenômeno da constitucionalização não o torna, contudo, imune à constatação de certos exageros, que circundam um arriscado caminho que conduz a uma falta de cientificidade, essencial a uma ciência jurídica.
Buscar-se-á expor, nesse contexto, os principais aspectos do movimento sujeitos a possíveis aperfeiçoamentos.
A escolha metodológica feita pelo movimento de constitucionalização do direito privado exige que as decisões judiciais devam ser coerentes com a tábua axiológica prevista na Constituição, razão pela qual se deve fazer um controle de conformidade constitucional em cada caso.
Nesse sentido, Bodin de Moraes diz que:
(...) a leitura da legislação infraconstitucional deve ser feita sob a ótica dos valores constitucionais. Assim, mesmo em presença de aparentemente perfeita subsunção a uma norma de um caso concreto, é necessário buscar a justificativa constitucional daquele resultado hermenêutico.[33]
Assim, todas as decisões judiciais devem ser baseadas em normas constitucionais, mesmo que exista regra infraconstitucional regulamentando, de modo que haja uma verificação da resposta oferecida pelas regras com os princípios constitucionais.
Esse comportamento, contudo, provoca um aumento exponencial de casos difíceis, eis que demandas simples muitas vezes se tornam complexas, em razão da colisão de princípios constitucionais decorrente da concretização constitucional.
A centralidade e a superioridade da Constituição, segundo Fernando Leal, conduzem a uma decisão jurídica bastante problemática ao associar os seguintes elementos: o aumento de variáveis ao processo decisório, a justificação até dos mais rarefeitos compromissos constitucionais e um particularismo decisório[34].
A conjugação desses fatores, além de aumentar a complexidade do processo decisório, dificulta a visualização da fronteira entre casos fáceis e difíceis, uma vez que, no processo de conformidade constitucional, manipula-se não apenas o direito infraconstitucional, mas também referenciais vagos, como dignidade humana e função social.
Nesse processo de buscar uma justificativa constitucional, é preciso, entretanto, também localizar todas as normas constitucionais aplicáveis ao caso e não apenas a parte que possa ser útil. No caso da Constituição brasileira, que rege uma sociedade complexa e plural, é necessário reconhecer que os pontos de tensão refletem uma realidade comum nessa harmonização das normas constitucionais.
Identificadas as normas cabíveis, é preciso que haja ainda, antes da própria concretização constitucional, uma fixação do sentido das normas que se pretende aplicar ao caso concreto.
Cabe esclarecer que, nesse processo de aplicação do direito, uma norma constitucional não tem superioridade sobre a outra, eis que “as regras e os princípios desempenham funções diferentes, não se podendo falar, portanto, em primazia de uma norma sobre outra”[35].
A decisão com base em regras tem a função de reduzir problemas de coordenação, conhecimento, custos e controle de poder. De acordo com Humberto Ávila, “num conflito, efetivo ou aparente, entre uma regra constitucional e um princípio constitucional, deve vencer a regra”, eis que
a descrição daquilo que é permitido, proibido ou obrigatório diminui a arbitrariedade e a incerteza, gerando ganhos em previsibilidade e em justiça para a maior parte dos casos. Em vez de deixar aberta a solução para uma ponderação posterior a ser feita pelo aplicador, o próprio Constituinte, quando tratou de direitos e garantias, da organização do Estado e dos Poderes, da defesa do Estado e das instituições democráticas, da tributação e do orçamento, da Ordem Econômica e Social, decidiu, na maior parte dos casos, fazer uma ponderação pré-legislativa, definindo, atribuindo, delimitando ou reservando fontes, autoridades, procedimentos, matérias, instrumentos e direitos que, se tivessem sua definição e aplicação vinculadas a uma ponderação horizontal destinada a atribuir-lhes algum peso, talvez terminassem sem peso algum.[36]
No caso de regra infraconstitucional, o aplicador apenas deve deixar de aplicar a regra se ela for inconstitucional, não se deve abster de aplicá-la somente por não concordar com a consequência dela advinda.
Casos, portanto, que poderiam ser resolvidos com a aplicação da regra infraconstitucional, são analisados, à luz da constitucionalização, considerando inúmeras variáveis até encontrar a solução adequada. Tal particularismo decisório aumenta o número de casos difíceis, conduzindo a decisões diversas e, por conseguinte, colocando em risco a segurança jurídica, já que situações iguais podem ter decisões diversas.
O que se nota é que, em grande número de decisões, desprezam-se as regras e acaba-se valendo de sentimento pessoal de justiça do julgador, desprezando o sistema jurídico vigente.
A partir da orientação seguida pelo movimento de constitucionalização, que propõe a aplicação dos princípios constitucionais independentemente da existência de regra válida aplicável ao caso concreto, a ponderação passa a ser a técnica preponderante para aplicação do sistema jurídico.
Além do aumento considerável do número de casos difíceis, a ponderação dos princípios, diante de sua amplitude conceitual, conduz a um processo decisório carregado de alta carga de subjetividade.
Esse caminho do sopesamento, ainda que possa representar uma versatilidade na tomada de decisões, desejada na colidência de princípios, pode conduzir à imposição de posicionamentos ideológicos do julgador ou até mesmo justificar uma ausência de argumentação, abstraindo-se da objetividade jurídica que se espera do sistema.
A fim de exemplificar essa elasticidade, Virgílio Afonso da Silva apresenta as ideias de Bockenforde no sentido de:
o sopesamento é a saída fácil para se obter qualquer resposta que se queira. Um dos exemplos usados por Böckenförde ilustra bem isso. Segundo ele, nas provas que aplicava a seus alunos, se algum problema tivesse que ser resolvido por meio da máxima da proporcionalidade, seus alunos sentiam-se seguros de ter elaborado uma resposta correta sempre que chegavam na terceira etapa - a do sopesamento -, porque sentiam que, neste ponto, qualquer resposta seria justificável[37].
Ao abrir o leque de possibilidades de decisões, os princípios manuseados sem critérios metodológicos oferecem grande risco à garantia dos direitos fundamentais. Mais que ferir os próprios valores constitucionais, como a igualdade, a democracia e a segurança jurídica, as normas constitucionais podem ser instrumentalizadas no sentido de concretizar as ideias particulares de cada julgador, caindo em um subjetivismo indesejado na aplicação do direito.
De acordo com Humberto Ávila:
Aceita a tese de que os princípios constitucionais devem ser ponderados sempre que puderem servir de fundamento para uma dada decisão, e feita a constatação banal de que, dada a sua abrangência, eles sempre poderão cumprir tal desiderato, perder-se-á, consequentemente, parte-se substancial da normatividade do Direito[38].
Ao se permitir que a ponderação seja feita pelo Poder Judiciário, sem a fixação prévia e antecipada de critérios para sua aplicação, privilegia-se um efeito surpresa ao destinatário da norma, que não pode identificar qual seria o comportamento exigido antes da aplicação da norma ao caso concreto.
Para que se evite esse subjetivismo e se mantenha o caráter orientador do direito, é necessário que sejam fixados critérios objetivos para aplicação do direito, observando-se determinadas balizas.
Inicialmente, deve-se verificar se há regra constitucional a ser aplicada ao caso concreto. Diante da existência de normatização definida por órgão competente, não pode o juiz desconsiderar a opção realizada pelo Poder Constituinte para concretizar a decisão que entender ser a melhor ou a mais adequada à hipótese.
Isso não impede, à luz do art. 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, que o juiz faça uma interpretação no sentido de atender aos fins constitucionais, dentro dos sentidos permitidos pela norma, e orientado pelos princípios constitucionais.
Na ausência de regra constitucional aplicável ao caso, há que verificar se houve a fixação, dentro da própria Constituição, de regras que delimitam a competência do legislador infraconstitucional. Diante do estabelecimento de norma infraconstitucional pelo Poder Legislativo, o aplicador do direito deve dela se valer, desde que válida perante o ordenamento jurídico.
Constatada a inexistência de regra constitucional ou infraconstitucional que se aplique ao caso, ou mesmo diante de regra legal inconstitucional, caberá ao aplicador proceder à ponderação dos princípios constitucionais eventualmente colidentes a fim de concretizar a norma e resolver a demanda posta ao Juízo. Ainda assim, ao realizar o sopesamento é necessário esclarecer os princípios utilizados e, após, fundamentar a ponderação. Para realizar essa justificação é preciso responder os seguintes pontos:
(i) a razão da utilização de determinados em detrimento de outros; (ii) os critérios empregados para definir o peso e a prevalência de um princípio sobre outro e a relação existente entre esses critérios; (iii) o procedimento e o método que serviram de avaliação e comprovação do grau de promoção de um princípio e o grau de restrição de outro; (iv) a comensurabilidade dos princípios cotejados e o método utilizado para fundamentar essa comparabilidade; (v) quais os fatos do caso que foram considerados relevantes para a ponderação e com base em que critérios eles foram juridicamente avaliados[39].
Ainda que se obedeça a tais parametrizações, é preciso estar ciente de que “não existe método totalmente objetivo, no sentido mais forte da palavra, isto é, em um sentido que pressuponha uma completa exclusão da subjetividade na aplicação do direito”[40]. Por isso, ao invés de se falar em ônus da prova, fala-se em ônus argumentativo.
Em busca de alcançar a maior objetividade possível, Virgílio Afonso da Silva propõe um escalonamento na relação entre a realização de um direito e a concretização de outro.
Um primeiro passo seria não se contentar com argumentos frágeis, tipo “prefiro isso, prefiro aquilo”[41]. Ao utilizar-se do escalonamento e se desincumbir do ônus argumentativo, com o esclarecimento quanto aos critérios utilizados para as escolhas feitas para a tomada de decisão, pode-se até discordar da justificativa, contudo, há a oportunidade de analisar que determinado argumento foi levado em consideração e identificar qual foi determinante para a condução daquele resultado, permitindo o diálogo e o controle da decisão.
Outro passo é esclarecer, nesse processo de fundamentação, as premissas teóricas das quais se parte para solucionar os casos que envolvem direitos fundamentais.
Um exemplo interessante nesse sentido é o caso Ellwanger, julgado pelo STF no Habeas Corpus 82.424. Caso se parta da premissa de que a liberdade de expressão, como direito fundamental prima facie, tem maior fundamentalidade do que os outros direitos, há a possibilidade de se justificar que a pessoa publique o que entender, não importa o conteúdo.
Neste caso específico, observa-se a falta de estabelecimento de premissas teóricas, já que, apesar de alguns Ministros terem utilizado o mesmo método – a proporcionalidade, chegaram a conclusões diversas. Alguns entenderam pela maior liberdade de imprensa, ao admitir os livros publicados por Ellwanger, que negava o holocausto; enquanto outros Ministros, cujo entendimento restou vencedor, votaram pela restrição da liberdade de expressão, sob a justificativa de que este direito não poderia legitimar discursos de ódio.
Ainda a respeito da aplicação do direito à liberdade de expressão, no julgamento proferido pelo STF referente à publicação de biografias não autorizadas[42], o Plenário deu prioridade ao direito à liberdade de imprensa ao decidir que é inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais.
Embora esteja associada a um certo grau de subjetivismo, a escolha por determinada teoria dos direitos fundamentais, ou seja, do ponto de partida, é um movimento importante também para garantir o diálogo e o controle nos julgamentos.
Para que seja garantida a objetividade no processo de ponderação e, por conseguinte, resguardada a previsibilidade e a segurança, Virgílio Afonso da Silva elenca outros dois aspectos fundamentais: respeito a precedentes e controle social[43].
O respeito às decisões judiciais adotadas para casos semelhantes conduz a uma menor subjetividade do julgador ao realizar a ponderação e um maior ônus argumentativo. Segundo o autor, “um sopesamento que leva em consideração apenas o texto constitucional sempre tenderá a ser mais subjetivo se comparado a um sopesamento que inclua, como variável fundamental, a história jurisprudencial e os precedentes judiciais”[44].
O controle social é outro aspecto relevante para garantir a coerência e a consistência das decisões judiciais. Aqui se fala do controle exercido por todos, notadamente pela comunidade acadêmica e jurídica e pela imprensa, que concede mais transparência e objetividade, impedindo decisões carregadas de parcialidade.
A observância desses aspectos metodológicos, no processo de sopesamento, é necessária para que se possa fugir do subjetivismo e alcançar a objetividade possível na aplicação das normas constitucionais.
6.3 BANALIZAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Como um dos pilares de sustentação do movimento de constitucionalização, a dignidade da pessoa humana passou a ser um dos fundamentos para aplicação e funcionalização dos institutos de direito privado, notadamente no âmbito do direito civil.
Nesse sentido, o princípio da dignidade humana exerce relevante função no sentido de propiciar uma interpretação extensiva, v.g., de direitos da personalidade, bem como uma compreensão alargada do conceito de família.
Contudo, a amplitude conceitual da expressão, conjugada com a dificuldade de aplicação de uma metodologia adequada, confere à dignidade humana um sentido vazio, eis que “ela está em todo o lugar, mas não se sabe o que ela significa; ela serve para explicar tudo, mas incapaz de orientar efetivamente processos de interpretação e aplicação do direito privado”[45].
Ademais, os aplicadores da norma não se veem preocupados com a adoção de uma metodologia que vise à identificação de um sentido preciso para a expressão.
Não há como negar a relevância e o engajamento para aplicação da garantia da dignidade humana, mas a sua conformação não decorre diretamente do seu reconhecimento. Especialmente diante de uma ordem constitucional complexa, que consagra valores plurais para reger uma sociedade complexa, a dignidade humana pode até mesmo servir para justificar decisões em sentidos opostos em um mesmo conflito.
Assim ocorreu com a decisão proferida pelo STF no caso que envolvia aborto de anencéfalos. Tanto os Ministros que eram favoráveis à interrupção extemporânea da gravidez, quanto aqueles que eram contrários a ela, invocavam, em defesa das respectivas posições, de modo enfático, o princípio da dignidade humana[46].
A utilização retórica da expressão e sem fixação de balizas acarreta, além da banalização da dignidade humana, a sua utilização para justificar, na realidade, uma ausência de fundamentação, o que acaba provocando um efeito inverso do que se pretende, ao esvaziar sua força normativa.
6.4 EXCESSO DE PATERNALISMO ESTATAL
A premissa teórica de fixar um ponto de partida para aplicação dos direitos fundamentos e da dignidade humana se relaciona com um eventual grau de paternalismo do próprio Estado.
Quanto mais paternalista for uma teoria dos direitos fundamentais, mais restrita se apresenta a autonomia privada. Há um deslocamento do protagonismo do indivíduo para o Estado.
A dignidade como centro em torno do qual deve gravitar os direitos fundamentais exige reconhecimento, preservação e fomento por parte do Estado, especialmente por parte do Poder Judiciário, que tem o ônus de realizar a conformidade constitucional exigida pelo movimento da constitucionalização.
Esse paternalismo se torna arriscado para a autonomia do indivíduo a partir do momento em que o Estado passa a substituir os cidadãos nas suas próprias escolhas.
A coibição, por parte do Estado, de condutas do indivíduo sobre si mesmo que lhe produziriam resultados danosos, como a proibição de disposição do próprio corpo prevista no art. 13 do Código Civil, representa um viés de paternalismo fraco que é aceitável.
O reconhecimento de níveis de paternalismo, entretanto, não elimina a necessidade do estabelecimento de “(i) critérios materiais sobre a aceitabilidade de assunções voluntárias de riscos ou danos efetivos, (ii) presunções sobre o exercício consciente da vontade e (iii) regras de distribuição de ônus de prova capazes de definir os limites para a implementação de regulações paternalistas”[47].
Não se observa, contudo, no desenrolar do movimento de constitucionalização, uma preocupação especialmente com um paternalismo forte, que conduz a uma restrição da liberdade para realização da dignidade humana e dos direitos fundamentais.
Diante da dificuldade metodológica vista acima para aplicação dos princípios constitucionais, o paternalismo forte passa a ser incentivado pelo fenômeno da constitucionalização, que, ao longo do tempo, acaba restringindo a capacidade dos indivíduos de agirem como seres autônomos e donos das próprias escolhas.
Em um contexto de conformação constitucional das demandas levadas ao Judiciário e de priorização dos princípios sem a adoção de critérios metodológicos, a adoção de uma nova forma de interpretação jurídica pelo movimento da constitucionalização conduz o Juiz a um papel decisivo no sentido de determinar a resposta constitucional mais adequada ao caso concreto.
Esse protagonismo judicial, decorrente da ausência de textualismo, conjugado com falta de balizas metodológicas e a banalização da dignidade humana, provoca um particularismo decisório, em detrimento da atividade do Legislativo.
Desviando-se da conformidade atribuída aos Poderes pela Constituição e do processo político democrático, o legislador, à luz das premissas do fenômeno da constitucionalização, vem perdendo sua autonomia, tendo sua atuação limitada à constatação do que foi fixado na Constituição.
A relevância do legislador passa a ser atenuada ao se dar prevalência a decisões construídas pelo próprio Judiciário para solucionar casos concretos em busca de conformidade com a Constituição, ainda que as opções legislativas sejam constitucionais.
Observa-se, na prática corriqueira, que “as decisões legislativas, como as disposições do Código Civil, só são vinculantes quando exteriorizam o que o magistrado entende ser a melhor resposta constitucional para o problema”[48].
Constitui um cenário no qual o legislador possui pequena margem de conformação e o Judiciário assume o papel de controlador da qualidade das decisões legislativas.
As decisões judiciais passam a sobrepor as opções legislativas, já que a prática vem demonstrando que os textos legais muitas vezes funcionam apenas como um elemento utilizado pelos Juízes para construir decisões particularizadas para cada caso.
Entretanto, essas concepções radicais,
que endossem a opção por um “governo de juízes” ou que aplaudam o decisionismo judicial, alimentado por uma invocação emotiva e pouco fundamentada de princípios e valores constitucionais, devem, ser evitadas, porque incompatíveis com o ideário do constitucionalismo. Tampouco se deve respaldar a hiperconstitucinalização do Direito, que suprima o espaço necessário para o desenvolvimento da política majoritária.[49]
A constitucionalização do direito levada a extremos, de modo a desconsiderar regras ainda que válidas, proporciona um ambiente propício para a criação de padrões de comportamento em cada caso, subvertendo as regras de competência fixadas na Constituição.
7 CONCLUSÃO
A constitucionalização do direito, notadamente no âmbito privado, é um movimento de grande repercussão no mundo, que visa à aplicação do direito infraconstitucional sob a ótica da Constituição.
Suas características se tornaram mais evidentes especialmente a partir da segunda guerra mundial, momento no qual se buscou implementar uma leitura moral dos institutos jurídicos, direcionados pela dignidade da pessoa humana como mandamento nuclear do sistema jurídico.
No Brasil, essa perspectiva de constitucionalização da ordem jurídica ficou mais evidente com a redemocratização do país e a promulgação da Constituição de 1988. Além da previsão de uma extensa gama de direitos voltados para a consagração da dignidade humana, foram adotadas novas técnicas para aplicação e para interpretação do direito à luz da Constituição.
A boa intenção e o sucesso da teoria, que arrebanha inúmeros adeptos, não impede, contudo, a identificação de práticas que dela decorrem e que colocam em risco importantes balizas que se deve ter para a aplicação do direito ao caso concreto, sobretudo aquelas voltadas ao resguardo de um julgamento objetivo e previsível, necessário para garantia do Estado Democrático de Direito.
A exigência de conformação com os princípios constitucionais, independentemente da existência de regras válidas, e a carência de método para aplicação de normas principiológicas, além de provocar um aumento de casos difíceis, desemboca em um campo subjetivo indesejado para a aplicação do direito.
Tais práticas conduzem a uma banalização do princípio da dignidade da pessoa humana, que em grande parte das vezes serve para justificar qualquer decisão e, ao mesmo tempo, é utilizado como forma de encobrir uma ausência de fundamentação.
Essa sistemática vem acompanhada de uma sobreposição do Poder Judiciário sobre os demais Poderes, em desequilíbrio à separação imposta pela Constituição para a busca de um bom desempenho do papel das instituições.
As críticas, entretanto, não visam à retirada da grandeza e da importância do movimento; pretende-se, na realidade, apresentar pontos essenciais que podem colocar em risco a aplicação objetiva e previsível do direito, diante da ausência de parâmetros para aplicação dos compromissos constitucionais.
REFERÊNCIAS
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[1] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
[2] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
[3] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
[4] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.
[5] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.
[6] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
[7] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.
[8] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.
[9] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1993.
[10] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
[11] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
[12] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
[13] SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. In: FELLET, André Luiz Fernandes et al. As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 85-86.
[14] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. XXIX.
[15] BARROSO. Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil), p. 27. Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2017/09/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf. Acesso em: 04/08/2020.
[16] Ibid., mesma página.
[17] LEAL, Fernando. Seis Objeções ao Direito Civil Constitucional. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 91/150, mai./ago., 2020, p. 128.
[18] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
[19] LORENZETTI, Ricardo. Fundamentos de direito privado. São Paulo: RT, 1998, p. 44-45.
[20] TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitário do ordenamento. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-iii-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-a-consolidacao-das-instituicoes/hermeneutica-constitucional-e-sumula-vinculante-normas-constitucionais-e-direito-civil-na-construcao-unitaria-do-ordenamento. Acesso em: 29 out. 2020.
[21] MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do direito civil e seus efeitos sobre a responsabilidade civil. In: NETO, Cláudio Pereira de Souza; SARMENTO, Daniel. A constitucionalização do direito. Fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 233.
[22] TEPEDINO, Gustavo. O Direito Civil Constitucional e suas Perspectivas Atuais. In: TEPEDINO, Gustavo (org.). Direito Civil Contemporâneo. Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. São Paulo: Atlas, 2008, p. 363.
[23] SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
[24] SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
[25] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
[26] SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da. Vinculação das entidades privadas pelos direitos, liberdades e garantias. Revista de Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 20, n. 82, abr./jun.1987, p. 46.
[27] Conforme sustentado por Ingo Sarlet em SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. Nesse mesmo sentido, vide SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais:o debate teórico e a jurisprudência do STF. In: SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang (coord.). Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal: balanço e crítica, p. 131-165.
[28] LÔBO, Paulo. Metodologia do direito civil constitucional. In: RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski et al. (org.). Direito civil constitucional: a ressignificação da função dos institutos fundamentais do direito civil contemporâneo e suas consequências. Florianópolis: Conceito Editorial, 2014, p.24.
[29] SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
[30] SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
[31] SILVA, Jose Afonso da. “A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia”. Revista de Direito Administrativo, vol. 212 (abr./jun., 1998), p.93.
[32] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
[33] MORAES, Maria Celina Bodin de. A Caminho de um Direito Civil Constitucional. Texto disponível em: https://pt.scribd.com/document/54647454/A-Caminho-de-Um-Direito-Civil-Constitucional. Acesso em: 06 de nov. de 2020.
[34] LEAL, Fernando. Seis Objeções ao Direito Civil Constitucional. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 91/150, mai./ago., 2020, p. 132.
[35] ÁVILA, Humberto. Neoconstitucionalismo: entre a ciência do direito e o direito da ciência. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, nº 17, 2009, p. 3. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/rede-17-janeiro-2009-humberto%20avila.pdf>. Acesso em: 01 out. 2014.
[36] Ibid., p. 4.
[37] SILVA, Virgílio Afonso da. Ponderação e objetividade na interpretação constitucional. In: MACEDO JR., Ronaldo Porto; BARBIERI, Catarina Helena Cortada (org.). Direito e interpretação: racionalidades e instituições. São Paulo: Direito GV/Saraiva, 2011, p. 365.
[38] ÁVILA, Humberto. Neoconstitucionalismo: entre a ciência do direito e o direito da ciência. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, nº 17, 2009, p. 9. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/rede-17-janeiro-2009-humberto%20avila.pdf>. Acesso em: 01/10/2014.
[39] ÁVILA, Humberto. Neoconstitucionalismo: entre a ciência do direito e o direito da ciência. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, nº 17, 2009, p. 12. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/rede-17-janeiro-2009-humberto%20avila.pdf>. Acesso em: 01/10/2014.
[40] SILVA, Virgílio Afonso da. Ponderação e objetividade na interpretação constitucional. In: MACEDO JR., Ronaldo Porto; BARBIERI, Catarina Helena Cortada (org.). Direito e interpretação: racionalidades e instituições. São Paulo: Direito GV/Saraiva, 2011, p. 367.
[41] SILVA, Virgílio Afonso da. Ponderação e objetividade na interpretação constitucional. In: MACEDO JR., Ronaldo Porto; BARBIERI, Catarina Helena Cortada (org.). Direito e interpretação: racionalidades e instituições. São Paulo: Direito GV/Saraiva, 2011, p. 370.
[42] Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815.
[43] SILVA, Virgílio Afonso da. Ponderação e objetividade na interpretação constitucional. In: MACEDO JR., Ronaldo Porto; BARBIERI, Catarina Helena Cortada (org.). Direito e interpretação: racionalidades e instituições. São Paulo: Direito GV/Saraiva, 2011, p. 375.
[44] Ibid., p. 377
[45] LEAL, Fernando. Seis Objeções ao Direito Civil Constitucional. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 91/150, mai./ago., 2020, p. 141.
[46] Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 foi julgada procedente pelo STF para declarar a inconstitucionalidade da interpretação no sentido de que a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II do Código Penal.
[47] LEAL, Fernando. Seis Objeções ao Direito Civil Constitucional. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 91/150, mai./ago., 2020, p. 147.
[48] LEAL, Fernando. Seis Objeções ao Direito Civil Constitucional. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 91/150, mai./ago., 2020, p. 149.
[49] SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
Mestranda em função social do direito pela FADISP. Especialista em direito tributário e em direito notarial e registral. Graduada em direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Analista Judiciário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CURADO, Camilla de Sousa Brandão Fleury. A constitucionalização do direito privado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jan 2021, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56115/a-constitucionalizao-do-direito-privado. Acesso em: 22 nov 2024.
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