Nas sociedades contemporâneas, a necessidade de se enxergar e tutelar os direitos de forma coletiva tem se mostrado evidente. Ao lado dos direitos tidos como individuais, onde é possível identificar com precisão seus titulares, há os direitos e interesses que são fruíveis de forma coletiva.
Nesta perspectiva, é notável que a plataforma individualista do sistema processual tradicional capitaneada pelo Código de Processo Civil não seria mais suficiente para atender aos reclamos das sociedades modernas. A dinâmica das sociedades contemporâneas e a massificação das relações faz com que a ordem jurídica seja cobrada por um sistema de proteção adequado para tutelar as demandas de índole coletiva da sociedade.
Assim, por imperativo das necessidades da dinâmica social atual, a ordem jurídica brasileira dispõe de um microssistema normativo voltado para a tutela coletiva de direitos. Em se tratado da tutela jurídica dos direitos coletivos, o ordenamento jurídico brasileiro possui um microssistema processual voltado para o regramento desta seara, com bases jurídicas fortemente sedimentadas no Código de Defesa do Consumidor e na Lei da Ação Civil Pública.
Falar de direitos coletivos, antes de mais nada, pressupõe a compreensão da extensão de seu significado. Os direitos coletivos em sentido lato são, em sua essência, aqueles que transcendem a esfera individual do sujeito, podendo ser subdivididos nas categorias de direitos difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos.
Os direitos difusos são aqueles de natureza transindividual e indivisível, cuja titularidade reside em pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. São direitos tidos como dispersos e que não comportam fruição individualizada.
Em relação aos direitos tidos como difusos, não é possível haver uma determinação pessoal de seus detentores, sendo, em verdade, titularizados por um grupo indeterminado de pessoas. É o que ocorre comumente com os direitos relacionados ao meio ambiente. Quando, por exemplo, o Ministério Público pleiteia, através de uma ação civil pública, medidas para obstar o lançamento de esgoto sem o devido tratamento no oceano, está fazendo em benefício de uma coletividade social que não pode ser pessoalmente determinada, fazendo com que esta categoria de direitos possua o maior grau de abstração dentre os direitos tidos como coletivos.
Por sua vez, os direitos coletivos em sentido estrito, não obstante também possuam natureza transindividual e indivisível, têm sua titularidade pertencente a determinado grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Diferentemente do que ocorre com os direitos difusos, em se tratando de direitos coletivos stricto sensu, é possível identificar sua titularidade em determinados grupo, categoria ou classe de pessoas, possuindo, desta forma, um grau de dispersão mais reduzido, se comparados com os direitos difusos.
Imaginemos um pleito, de natureza indivisível, deduzido por um sindicado em benefício da categoria que representa, como, por exemplo, a busca de medidas para redução de riscos do ambiente de trabalho. Nesta situação, tem-se um direito que é usufruído de forma coletiva e, portanto, indivisível, mas onde é possível delimitar coletivamente seus beneficiários.
Então, o que diferencia o direito difuso do coletivo em sentido estrito é a determinabilidade coletiva de seus sujeitos em decorrência de uma relação base preexistente. Neste toar são esclarecedoras as palavras do nobre processualista Fredie Didier Jr que, com maestria, pontua:
“Cabe ressalvar que a relação-base necessita ser anterior à lesão (caráter de anterioridade). A relação-base forma-se entre os associados de uma determinada associação, os acionistas da sociedade ou ainda os advogados, enquanto membros de uma classe, quando unidos entre si (affecctio societatis, elemento subjetivo que os une entre si em busca de objetivos comuns); ou, pelo vínculo jurídico que os liga à parte contrária, e.g., contribuintes de um mesmo tributo, estudantes de uma mesma escola, contratantes de seguro com um mesmo tipo de seguro. No caso da publicidade enganosa, a “ligação” com a parte contrária também ocorre, só que em razão da lesão e não do vínculo precedente, o que a configura como direito difuso e não coletivo stricto sensu (propriamente dito).
O elemento diferenciador entre o direito difuso e o direito coletivo é, portanto, a determinabilidade e a decorrente coesão como grupo, categoria ou classe anterior à lesão, fenômeno que se verifica nos direitos coletivos stricto sensu e não ocorre nos direitos difusos.”[1]
Já os direitos classificados como individuais homogêneos são considerados divisíveis e apenas acidentalmente coletivos em razão de serem decorrentes de origem comum. Os direitos individuais homogêneos, diferentemente do que acontece nas demais categorias acima indicadas, possuem seus titulares individualizados e podem ser tutelados de forma individualizada, a exemplo de pleitos remuneratórios fruíveis individualmente por integrantes de determinada categoria funcional. A respeito dos direitos individuais homogêneos, precisos são os delineamentos do jurista José Marcelo Vigliar, que assim ensina:
“Vamos iniciar o estudo sobre uma ‘categoria virtual de interesses coletivos’.
O objetivo no emprego dessa expressão é o de deixar bem claro que os interesses individuais homogêneos têm exatamente a natureza jurídica indicada no nome: são interesses individuais, contudo, presentes certas circunstâncias, poderão merecer um tratamento processual coletivo, como se fossem da mesma natureza dos difusos ou dos coletivos, analisadas nos itens anteriores.
Como a consideração desses interesses apenas se dá no momento de suas defesas em juízo, ou seja, eles não existem fora do processo, há que se observar cuidado antes da afirmação de que, efetivamente, constituem interesses individuais homogêneos. Numa palavra: só se consideram interesses individuais homogêneos, quando suas defesas estiverem ocorrendo. O juiz, assim, deve analisar se elementos caracterizadores desses interesses se encontram presentes, antes de concluir pela inviabilidade na defesa dos interesses apresentados. [2]”
Na mesma linha, esclarecedoras também são as lições do já citado processualista Fredie Didier Jr que, com a sabedoria que lhe é peculiar, leciona:
A importância prática desta categoria é cristalina. Sem sua criação pelo Direito positivo nacional, não existiria possibilidade de tutela coletiva de direitos individuais com natural dimensão coletiva em razão de sua homogeneidade, decorrente da massificação/padronização das relações jurídicas e das lesões daí decorrentes. A “ficção jurídica” atende a um imperativo do Direito: realizar com efetividade a Justiça frente aos reclamos da vida contemporânea. Assim, tal categoria de direitos representa uma ficção criada pelo direito positivo brasileiro com a finalidade única e exclusiva de possibilitar a proteção coletiva (em massa). Sem essa expressa previsão legal, a possibilidade de defesa coletiva de direitos individuais estaria vedada.”[3]
Assim, resta evidenciado que os direitos individuais homogêneos, como o próprio nome está a indicar, são essencialmente individuais, com sujeitos de titularidade definidos, mas se apresentam circunstancialmente coletivos para fins de tutela jurisdicional.
A título ilustrativo de direito individual homogêneo pode-se citar as pretensões classistas de determinadas categorias profissionais, como, por exemplo, a percepção de auxílio moradia por categorias do funcionalismo público. O auxílio moradia reflete uma pretensão sobre um direito individual de cada um dos integrantes da categoria correspondente, mas que podem ser tutelados de forma coletiva pelos legitimados legalmente para o exercício dessa legitimidade extraordinária.
Nestes termos, ao que se viu, a ordem jurídica vigente dispõe de um microssistema próprio de proteção aos direitos coletivos, que são classificados em direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos. Assim, em face das características especiais destes direitos, surge a necessidade de que haja uma retaguarda normativa apropriada para garantir sua proteção e efetividade. Então, a compreensão do conceito e da natureza dos direitos tidos como coletivos, com a percepção precisa do delineamento de suas categorias, é de vital importância para que haja sua satisfatória tutela pelo Direito em vigor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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_______.Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria celeste Cordeiro Leite dos Santos.10ª ed. Brasília: Editora UNB, 1999.
DIDIER Jr, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo. 11ed. Salvador: JusPODVUM, 2017.
FILHO, Rodolfo Pamplona; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, Volume II – Das Obrigações. 4ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume V, Direito das Coisas. São Paulo: ED. Saraiva, 2006.
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência. 12ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2003.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do Direito Civil. Volume III - Contratos. ed 12º. Rio de Janeiro: ED. Forense, 2005.
VIGLIAR, José Marcelo. Interesses Difusos, Coletivos, e Individuais Homogêneos. Salvador: ED. JusPODIVM, 2005
[1] DIDIER Jr, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo. 11ed. Salvador: JusPODVUM, 2017. P. 74
[2] VIGLIAR, José Marcelo. Interesses Difusos, Coletivos, e Individuais Homogêneos. Salvador: ED. JusPODIVM, 2005. P 31.
[3] DIDIER Jr, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo. 11ed. Salvador: JusPODVUM, 2017. P.76.
Procurador do Estado de Alagoas, ex-Procurador do Estado de Pernambuco, ex-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Cataria, Pós-Graduado em Direito Administrativo e Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDROSA, Danilo França Falcão. Os direitos coletivos no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 mar 2021, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56234/os-direitos-coletivos-no-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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