Resumo: O objetivo do presente trabalho é analisar a acessibilidade como um direito fundamental, que demonstra ser tão significativo quanto os demais direitos. Por infelicidade, nem sempre houve uma preocupação do legislador no que tange a essa acessibilidade. Partindo-se de uma análise de Leis, é buscado demonstrar a gradativa atenção e consideração do legislador em relação ao acesso de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida ao meio urbano e edificações. Para o desenvolvimento do estudo é abordado o método dedutivo, com técnica de pesquisa bibliográfica, tendo como base o levantamento de legislação, doutrina e periódicos sobre o tema proposto.
Palavras-chave: Acessibilidade; Inclusão; Pessoa com deficiência; Direito fundamental.
Abstract: The objective of the present work is to analyze accessibility as a fundamental right, which proves to be as significant as the other rights. Unfortunately, the legislator was not always concerned about this accessibility. Based on an analysis of laws, the aim is to demonstrate the gradual attention and consideration of the legislator in relation to the access of people with disabilities or reduced mobility to the urban environment and buildings. For the development of the study, the deductive method is approached, with bibliographic research technique, based on the survey of legislation, doctrine and periodicals on the proposed theme.
Keywords: Accessibility; Inclusion; Handicapped; Fundamental right.
Sumário: 1. Introdução – 2. A pessoa com deficiência e o direito à acessibilidade urbana – 2.1. O conceito de deficiência – 2.2. A legislação brasileira e o direito à acessibilidade – 3. Acessibilidade como direito fundamental a uma cidade inclusiva – 3.1 A inclusão social da pessoa com deficiência – 4. Considerações finais – 5. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
As pessoas com deficiência têm uma longa história de luta por direitos e até mesmo por dignidade. Contudo, felizmente no cenário atual existe uma grande preocupação do legislador, não só no aspecto nacional, o que garantiu uma grande evolução no que se refere aos próprios aspectos existenciais desse grupo.
Entretanto, o direito de objetivo desse estudo é o da acessibilidade, que não consiste apenas no simples acesso a um local, trata-se de um direito fundamental tão importante quanto os outros direitos, como educação, saúde e moradia. A briga por esse direito consiste em um emaranhado de igualdade e dignidade.
A problemática consiste na luta pela eliminação de barreiras de locais públicos, não só de construções antigas, mas ainda nas criações de obras públicas.
Como objetivos específicos, podem ser enumerados os de demonstrar, através de legislações, a evolução de direitos das pessoas com deficiência, em especial o da acessibilidade; além de clarificar a inclusão social da pessoa com deficiência e mobilidade reduzida.
Já como objetivo geral, o de reconhecer o direito de acessibilidade, como um direito fundamental a uma cidade inclusiva.
Inicialmente, foi feito um passeio sobre o conceito de deficiência, que por muito tempo foi sinônimo de doença. E ainda, houve a exploração da legislação brasileira no que diz respeito à acessibilidade.
Por último, foi levantada a questão da inclusão social, que felizmente hoje paira sobre esse grupo de pessoas.
A metodologia utilizada no desenvolvimento do estudo foi a dedutiva, com a realização de pesquisa bibliográfica, tendo como base o levantamento de legislação, doutrina, periódicos e decisões sobre o tema proposto.
2 - A PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O DIREITO À ACESSIBILIDADE URBANA
2.1 O conceito de deficiência
Inicialmente, de acordo com o dicionário Aurélio (2009, s/p) o significado de deficiência é: “s.f. Insuficiência orgânica ou mental. / Defeito que uma coisa tem ou perda que experimenta na sua quantidade, qualidade ou valor”. Ao longo dos séculos, as pessoas com deficiência foram oprimidas pelos que detêm o poder sobre indivíduos em situação de vulnerabilidade. Segundo Maior (2015), em virtude da diferença, as pessoas com deficiência são excluídas e segregadas da sociedade, além de serem tomadas como incapazes e doentes. Além disso, Pessotti (1984, p.4) lembra que a deficiência era conceituada pelo catolicismo como um castigo:
Até o aparecimento do cristianismo, o deficiente era visto como um ser sem alma, dotado de uma infelicidade por ser assim constituído. A partir de então, ele ganha uma alma e não pode ser mais abandonado e morto, sem atentar-se contra os desígnios de Deus. Entretanto, [...] também passa a ser culpado pela sua condição, já que é deficiente por um castigo divino. E como cristão, é castigado e deve sofrer e ser punido.
Pessotti (1984, p. 9) ainda acrescenta que alguém com deficiência:
[...] era visto como portador de desígnios especiais de Deus ou como presa de entidades malignas às quais “obviamente” serviria através de atos bizarros como os das bruxas. Dada a credulidade da população rural e seu fanatismo clerical, não surpreende que entre as cem mil pessoas queimadas por bruxaria, só na Alemanha do século XVII, estivessem incluídos centenas de dementes e amentes ou deficiente mentais.
Durante longos períodos, em razão da falta de investigação sobre as pessoas com deficiência, do fanatismo religioso e do desconhecimento, uma vez que a ciência já foi considerada como bruxaria, a sociedade chegou a considerar essas pessoas como bruxas ou até mesmo endemoniadas, conforme enfatizam Moises e Stockmann (2020). Dessa forma, é evidente que a vida da pessoa com deficiência nunca foi tarefa fácil.
O Relatório Mundial sobre a Deficiência, estimou que mais de um bilhão de pessoas, representando cerca de 15% da população mundial, estaria vivendo com alguma deficiência, segundo a OMS (2011). No Brasil, segundo o Censo Demográfico IBGE (2012), mais de 45 milhões de pessoas declararam ter alguma deficiência, visual, auditiva, motora, mental ou intelectual, o que corresponde a 23,9% da população, sendo a Região Nordeste com o maior percentual de pessoas com deficiência.
Infelizmente, são dados impactantes, mas que geram inúmeras preocupações por direitos e garantias a esse grupo de pessoas e fazem com que suas necessidades sejam discutidas na agenda política a nível mundial.
Completa Lopes (2014) que a deficiência se enquadra na matéria coletiva, de modo a ser amenizada pela esfera pública, devendo os países promover o exercício dos direitos humanos e fundamentais, levando-se em consideração as políticas, programas, produtos, concepção de novos espaços, com desenho universal e inclusivo, para que não concebam obstáculos conflitantes com a participação das pessoas com deficiência.
Na legislação brasileira, o conceito de pessoa com deficiência foi definido no Decreto 914/1993:
Considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.
Posteriormente o Decreto 914/1993 foi revogado por força do Decreto 3.298/1999 que ainda regulamentou a Lei 7.853/1989. Esse Decreto 3.298/1999 passou a conceituar deficiência como:
Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:
I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;
II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e
III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.
O referido decreto ainda categorizou os diferentes tipos de deficiência como física, auditiva, visual, mental e múltipla.
Em 2009 o texto da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi promulgado no Brasil através do Decreto 6.949/2009, que mencionou:
Artigo 1 - Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Em 2015, adveio a Lei 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) e trouxe uma redação quase igual ao da Convenção:
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (grifo do autor)
Dessa maneira, o conceito dado pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência teve como inspiração a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e apresentou compatibilidade com os dispositivos do Decreto 914/1993 que regulamentaram a Lei 7.853/1989.
2.2 A legislação brasileira e o direito à acessibilidade
No Brasil, conforme enriquece Maior (2017), antes da Constituição Federal de 1988 não existiam normas que tratassem diretamente das pessoas com deficiência, com a ressalva de regulamentos da Educação Especial e da Legislação Brasileira de Assistência (LBA). Mas atualmente o aparato jurídico sobre os direitos dessas pessoas é reconhecido como um dos mais extensos do mundo.
A Constituição Federal (1988), no art. 5º, ostentou o princípio da igualdade, que se refere ao direito de acesso a todas as pessoas e materializou o direito à acessibilidade. Contudo, a Carta Magna (1998) não trouxe explicitamente o significado de acessibilidade, tendo deixado a tarefa para leis regulamentadoras e doutrina. De acordo com o art. 2º, inciso I, da Lei 10.098/2000, conhecida também como Lei da Acessibilidade, a definição do termo é a:
[...] possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida;
Segundo o Ministério das Cidades (2006, p. 18):
Falar de acessibilidade em termos gerais é garantir a possibilidade do acesso, da aproximação, da utilização e do manuseio de qualquer ambiente ou objeto. Reportar este conceito às pessoas com deficiência também está ligado ao fator deslocamento e aproximação do objeto ou local desejado. Indica a condição favorável de um determinado veículo condutor que, neste caso, é o próprio indivíduo, dentro de suas capacidades individuais de se movimentar, locomover e atingir o destino planejado.
Na Constituição (1998), existe uma ligação entre acessibilidade e os arts. 227, §2º e 244:
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão:
[...]
§ 2º – A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
Art. 244 – A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme disposto no art. 227, § 2º. (grifo do autor)
A própria jurisprudência, conforme decisão no Supremo Tribunal Federal – STF em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 903), que teve como relator o Ministro Dias Toffoli, reconhece essa ligação entre a acessibilidade e os arts. 227, §2º e 244 da CF/1988:
EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 10.820/92 do Estado de Minas Gerais, que dispõe sobre adaptação dos veículos de transporte coletivo com a finalidade de assegurar seu acesso por pessoas com deficiência ou dificuldade de locomoção. Competência legislativa concorrente (art. 24., XIV, CF). Atendimento à determinação constitucional prevista nos arts. 227, § 2º, e 244 da Lei Fundamental. Improcedência. 1. A ordem constitucional brasileira, inaugurada em 1988, trouxe desde seus escritos originais a preocupação com a proteção das pessoas portadoras de necessidades especiais, construindo políticas e diretrizes de inserção nas diversas áreas sociais e econômicas da comunidade (trabalho privado, serviço público, previdência e assistência social). Estabeleceu, assim, nos arts. 227, § 2º, e 244, a necessidade de se conferir amplo acesso e plena capacidade de locomoção às pessoas com deficiência, no que concerne tanto aos logradouros públicos, quanto aos veículos de transporte coletivo, determinando ao legislador ordinário a edição de diplomas que estabeleçam as formas de construção e modificação desses espaços e desses meios de transporte.
[...]
(STF - ADI: 903 MG, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 22/05/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-026 DIVULG 06-02-2014 PUBLIC 07-02-2014) (grifo do autor)
É merecedora de nota, ainda, a Lei 7.853/1989, que sobre edificações menciona, em seu art. 2º, V, ‘a’:
Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência
[...]
V - na área das edificações:
a) a adoção e a efetiva execução de normas que garantam a funcionalidade das edificações e vias públicas, que evitem ou removam os óbices às pessoas portadoras de deficiência, permitam o acesso destas a edifícios, a logradouros e a meios de transporte.
De modo a regulamentar essa Lei 7.853/1989, surgiu o Decreto 3.928/99, que teve como intenção a integração da pessoa com deficiência. O art. 58 desse decreto aduz que:
Art. 58. A CORDE desenvolverá, em articulação com órgãos e entidades da Administração Pública Federal, programas de facilitação da acessibilidade em sítios de interesse histórico, turístico, cultural e desportivo, mediante a remoção de barreiras físicas ou arquitetônicas que impeçam ou dificultem a locomoção de pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida. (grifo do autor)
A CORDE mencionada acima é a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
Existe também a regulamentação na prioridade de atendimento as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, bem como a determinação de que logradouros, sanitários públicos, edifícios de uso público devem promover acessibilidade às pessoas com deficiência para o caso de licenciamento de edificação, uma vez tratada a acessibilidade na Lei 10.048/2000.
Outro diploma que merece destaque é a Lei 10.098/2000, que como já mencionado, é conhecida por Lei da Acessibilidade. Nela se estabelece normas gerais e critérios básicos para promover a acessibilidade das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, através da supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.
Preconiza Maior (2017) que com intuito de regulamentar as Leis 10.048/2000 e 10.098/2000, surgiu o Decreto 5.296/2004, que trata das condições que impactam a vida cotidiana das pessoas com deficiência, pois versa sobre moradias, bens culturais imóveis, modais de transportes coletivos, terminais de embarque e desembarque, bem como o acesso aos espaços públicos e edificações. Além disso, de acordo com Fayan e Setubal (2016) o referido Decreto tornou o desenho universal obrigatório no Brasil, e ainda buscou promover a eliminação de barreiras arquitetônicas e urbanísticas.
Ademais, em relação ao termo Desenho Universal, este foi usado pela primeira vez nos Estados Unidos, em 1985, pelo arquiteto Ron Mace, que influenciou a mudança de paradigma no desenvolvimento de projetos urbanos, de arquitetura, design e produtos. Para Mace, a expressão está condicionada a criação de ambientes e produtos que podem ser usados por todas as pessoas na sua máxima extensão possíveis, é o que entende o Governo do Estado de São Paulo (2010, pp. 14-15). Fayan e Setubal (2016, p. 170) destacam que: “Quando um projeto realmente atende ao Desenho Universal, sua repercussão é que ele é um ambiente bem projetado, que evita isolar ou estigmatizar qualquer grupo de usuários, sem privilegiar um grupo sobre outro”.
No Brasil, a definição de desenho universal se encontra na Lei 13.146/2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência):
Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:
II - desenho universal: concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva; (grifo do autor)
O Estatuto da Pessoa com Deficiência ainda menciona que:
Art. 57. As edificações públicas e privadas de uso coletivo já existentes devem garantir acessibilidade à pessoa com deficiência em todas as suas dependências e serviços, tendo como referência as normas de acessibilidade vigentes.
Fayan e Setubal (2016, p. 174) acrescentam:
A Lei Brasileira de Inclusão trouxe várias garantias de acessibilidade em edificações, comunicação e meio urbano, relacionando a deficiência da pessoa ao meio em que ela vive, ou seja, se esta pessoa estiver em um ambiente totalmente acessível a deficiência praticamente inexiste.
Ademais, o Estatuto da Pessoa trouxe uma nova definição para o conceito de barreira, em seu art. 3, IV, a), que consequentemente alterou a respectiva redação no que tange a Lei 10.098/2000. O texto prevê:
Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:
[...]
IV - barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros, classificadas em:
a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo;
b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados;
[...]
As barreiras urbanísticas existem nos sítios históricos, sistema viário, edificações públicas e privadas, bem como no mobiliário urbano. São exemplos desse tipo de barreira a inexistência de vagas de estacionamento para pessoas com deficiência e a falta de rebaixamento nas calçadas. Já as barreiras arquitetônicas existem o interior de edifícios públicos e privados. São exemplos dessa última a sinalização inadequada, ausência de rampas de acesso a esses edifícios, portas e corredores estreitos, entre outros, é o que completa o Ministério das Cidades (2006).
Ademais, o Estatuto da Pessoa com Deficiência foi uma grande conquista, com o marco de proteção da acessibilidade ao meio urbano e edificações, além de ter trazido grandes melhorias relacionadas a capacidade civil da pessoa com deficiência, que, via de regra, passou a ser considerada como capaz. O Estatuto trouxe um prisma de direitos existenciais e visou garantir todos os direitos fundamentais a esse grupo de pessoas para promover a inclusão social.
3 - ACESSIBILIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA CIDADE INCLUSIVA
3.1 A inclusão social da pessoa com deficiência
Sobre a definição de direito fundamental, Araujo (2005, pp. 109-110) discorre:
Os direitos fundamentais podem ser conceituados como a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões. Por isso, tal qual o ser humano tem natureza polifacética, buscando resguardar o homem na sua liberdade (direitos individuais), nas suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e na sua preservação (direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade).
Com o intuito de atestar que a acessibilidade é um direito fundamental, uma vez que a vida de uma pessoa necessita ser digna em qualquer dimensão, acrescenta Sousa (2014. pp. 61-62):
Os direitos das pessoas com deficiência são igualmente considerados como direitos humanos, ou seja, são conjuntos de direitos inerentes às pessoas com deficiência, que implicam o respeito pela dignidade e seus direitos iguais e inalienáveis, tal como acontece às pessoas não-portadoras de deficiência. Portanto, são considerados como direito universais, indivisíveis, irrenunciáveis e interdependentes, e são reconhecidos, garantidos e respeitados por determinado ordenamento jurídico interno.
O art. 5º da Constituição Federal (1998), que trata sobre os direitos e garantias fundamentais, não contemplou expressamente a acessibilidade da pessoa com deficiência, mas em um estudo mais aprofundado é possível chegar à conclusão de que essa acessibilidade é inserida como um direito fundamental. Contudo, é necessário seja feita uma caminhada perante os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da igualdade e da liberdade de locomoção.
Primeiramente, a dignidade da pessoa humana é trazida no art. 1º, inciso III, da Carta Magna (1998). Moraes (2016) esclarece que já que todos são iguais perante a lei, sem distinção, com a garantia do direito à vida como o direito primordial a todos, como o primário, este se constitui como pré-requisito à existência e ao exercício dos demais direitos e dessa forma, o Estado deve garantir o direito à vida em duas perspectivas, primeiro a garantia do nascimento com vida, dando ao nascituro condições viáveis, e depois a garantia do direito de subsistência de ter uma vida digna.
Sobre dignidade da pessoa humana afirma Sarlet (2015, p. 60):
[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (grifo do autor).
Sobre o tema, enriquecem Pimentel M. e Pimentel S. (2018) que é plenamente possível fazer uma associação entre a acessibilidade e a dignidade da pessoa humana dos indivíduos com deficiência, uma vez que através da acessibilidade haverá a isonomia entre as pessoas na sociedade, garantindo assim uma condição mínima de vida e boa convivência. Ademais, uma sociedade não acessível deve ser entendida como aquela que não garante o direito à vida plena de uma pessoa com deficiência, já que sua dignidade enquanto cidadão não lhe é garantida. Portanto, a acessibilidade é uma forma de complemento do direito à vida.
Dando prosseguimento, depara-se com o direito à cidadania, que é trazido pelo art. 1º, inciso II, da Constituição Federal (1998). Para relação desse princípio com a acessibilidade é importante citar o voto do Ministro Marco Aurélio em sede de recurso extraordinário (RE 440028 SP), no Supremo Tribunal Federal – STF, que versou sobre uma escola estadual, ou seja, um prédio público, que não contava com rampa e banheiros adequados a deambulação e uso por pessoas com deficiência física:
A imposição quanto à acessibilidade aos prédios públicos é reforçada pelo direito à cidadania, ao qual têm jus os portadores de necessidades especiais. A noção de república pressupõe que a gestão pública seja efetuada por delegação e no interesse da sociedade e, nesta, aqueles estão integrados. Obstaculizar-lhes a entrada em hospitais, escolas, bibliotecas, museus, estádios, em suma, edifícios de uso público e áreas destinadas ao uso comum do povo, implica tratá-los como cidadãos de segunda classe, ferindo de morte o direito à igualdade e à cidadania. (grifo do autor)
Assim sendo, resta evidente o pensamento de que o alcance à plena cidadania deve englobar a acessibilidade.
Passando a falar em direito à igualdade, o caput do art. 5º da Constituição Federal (1998) traz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. É importante frisar a igualdade sob o ponto de vista de justiça, que no ensinamento de Aristóteles (2003, p. 203) se faz necessário tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.
A Declaração Universal dos Direitos Humano (1948), já tratava internacionalmente sobre a igualdade no prisma de batalha por direitos humanos. Trouxe em seus arts. 2º, 6º e 7º:
Artigo II - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
Artigo VI - Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.
Artigo VII - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Além disso, a Constituição Federal (1998), em seu art. 3º traz entre os objetivos fundamentais do país a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Por conseguinte, o Estado tem a obrigação legal de garantir a igualdade da pessoa com deficiência, podendo a sociedade exigir o cumprimento disso.
Lamentavelmente, pessoas com deficiência enfrentam cotidianamente barreiras não apenas físicas, mas também sociais. Pimentel M. e Pimentel S. (2018, pp. pp. 75-102.) consignam que:
[...] sombras da estigmatização e da discriminação histórica de ver o indivíduo com deficiência como um ser “anormal” trouxeram para a realidade social uma mazela enorme, dificultando a aceitação da pessoa com deficiência como uma pessoa humana possuidora dos mesmos direitos, sem distinção.
Outrossim, o direito à igualdade resulta numa luta pela desfragmentação de uma igualdade taxada pela sociedade ao longo de sua história. Essa luta passou a ter como um dos pilares a proteção das pessoas com deficiência.
Por último, cumpre mencionar a importância da liberdade de locomoção da pessoa com deficiência. A Constituição Federal (1998), em seu art. 5º, inciso XV, garantiu liberdade de locomoção no território nacional em tempo de paz. Além do mais, o Decreto 3.298/99, que trata da Integração da pessoa com deficiência, trouxe em seu art. 2º que:
Cabe aos órgãos e às entidades do Poder Público assegurar à pessoa portadora de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à previdência social, à assistência social, ao transporte, à edificação pública, à habitação, à cultura, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.
Compreende-se liberdade de locomoção como sendo também o direito de ir e vir. Explicam Fayan e Setubal (2016, p. 167) que: “Todas as atividades da vida humana estão relacionadas a deslocamentos e uso dos espaços”. E complementa Figueiredo (2000) que a liberdade de locomoção também é o direito de frequentar ambientes públicos fechados, aqui compreendido como direito de acesso arquitetônico, o de percorrer ruas, praças e avenidas, este compreendido como direito de trânsito, e por último, de utilizar-se, nesse trajeto, de meios de transporte público financeira e ergonomicamente acessíveis.
Além de que o Município é o grande incumbido de executar políticas de acessibilidade, já que está mais próximo do cidadão. Nessa linha de raciocínio, contribuem Brito e Feijó (2015, s/p):
[...] ter e ser um município com ambiente urbano inclusivo passa, necessariamente, pela ideia de uma cidade de e para todos, independentemente do tipo de deficiência, exigindo uma nova concepção de viver em sociedade, sem segregação, sem barreiras. Por isso, a compreensão do que seja acessibilidade auxiliará na concretização dos direitos inerentes às pessoas com deficiência, alterando o pensamento de que acessibilidade é simplesmente a construção de rampas, a colocação de corrimãos e a instalação de elevadores. É nesse cenário, na nova pólis, que as pessoas com deficiência devem exercitar o direito fundamental a uma cidade inclusiva para que também possam viver em plenitude, usufruindo, legitimamente, dos benefícios de ser um cidadão. (grifo do autor)
De acordo com Sampath (2020, s/p): “Uma cidade inclusiva é aquela que busca solucionar não apenas a igualdade econômica, mas também a igualdade social, política e cultural em todos os segmentos da cidade”. Em concordância com Leite (2011, s/p) que afirma que não basta apenas eliminar as barreiras de espaços públicos para garantir a circulação, é necessário que o Poder Público municipal não crie diariamente barreiras ao projetar ou executar uma nova obra pública ou adaptar uma obra já existente.
Destarte, a acessibilidade da pessoa com deficiência, apesar de não ter sido expressamente trazida pelo art. 5º da Carta Magna (1998), é um direito fundamental implícito, comprovado pelas associações feitas. A acessibilidade deve ser vista como uma premissa para autonomia da pessoa com deficiência e tem a função de promover a igualdade e a liberdade desse grupo de pessoas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, a inclusão social das pessoas com deficiência foi de fato efetivada com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e reforçada com o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Como exposto, essa inclusão engloba o direito à acessibilidade, que é tão importante quanto o direito a educação, saúde, moradia, entre outros. Sem a acessibilidade não é possível ser atingida a igualdade e a dignidade.
A viabilidade de implementação de aparatos de acessibilidade em um bem deve ser encarada como uma ferramenta de garantia do direito para todos, sem discriminação.
Diante do levantamento de legislações, doutrinas, decisões jurisdicionais e periódicos analisados, é confirmada a preocupação do legislador brasileiro com a acessibilidade das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida ao meio urbano e edificações.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL, Ministério das Cidades. Caderno 2: Construindo uma cidade acessível. Brasília: [s.n], 2006.
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Advogada, graduada em Direito pelo Centro Universitário Tabosa de Almeida - ASCES-UNITA e pós-graduada em Direito Ambiental e Urbanístico pela Damásio Educacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOURA, Allane Lima de. Acessibilidade como um direito fundamental da pessoa com deficiência no desenvolvimento urbano Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 abr 2021, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56316/acessibilidade-como-um-direito-fundamental-da-pessoa-com-deficincia-no-desenvolvimento-urbano. Acesso em: 22 nov 2024.
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