Resumo: O presente trabalho aborda a perspectiva da imunidade tributária como instrumento para influenciar comportamentos trazendo à tona seu caráter extrafiscal ainda pouco trabalhado. Ao se referir à benesse constitucional o destaque ainda paira sobre sua característica intrínseca de amputar a competência, impedindo a incidência que em termos práticos resulta no não pagamento do tributo. Entretanto, pontuaremos a faceta da extrafiscalidade que exerce impacto direto na vida do contribuinte.
Palavras-Chave: Imunidade tributária. Extrafiscalidade.
Abstract: The present work addresses the perspective of tax immunity as an instrument to influence behaviors, highlighting its extra-fiscal character, which is still little worked. When referring to constitutional benevolence, the highlight still hovers over its intrinsic characteristic of amputating competence, preventing the impact that in practical terms results in the non-payment of the tax. However, we will highlight the facet of extrafiscality that has a direct impact on the taxpayer's life.
Keywords: Tax immunity. Extrafiscality.
Sumário: Introdução. 1. Noções sobre a origem da Imunidade Tributária. 2. O fundamento Constitucional das imunidades em geral. 3. A extraficalidade e seus elementos políticos. Conclusão. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O sentido epistemológico do vocábulo “imunidade” advém do latim immunitas, immunitate, assinalando como a “ negação de munus”. Neste diapasão, compreende-se como a desobrigação de se suportar uma condição onerosa. A expressão “munus”, também da língua indo-europeia, carrega consigo a sinonímia da palavra imposto, bem como, o significado de dádiva ou favor. O termo “munitus” segue o radical de “múnus” e traz o sentido de “ algo protegido por uma barreira”. Assim, no sentido amplo, Im-munis – na qualidade daquele que goza da Immunitas – seria aquele livre da tributação, que usufrui de privilégio (REIS JÚNIOR, 2010).
Logo, a imunidade é tida como uma benesse, onde se busca proteger uma situação desejada pelo legislador. Esmiuçaremos no desenvolver do presente artigo a aplicação desse instituto conjuntamente com a extrafiscalidade mostrando a íntima relação entre eles para favorecer comportamentos dos contribuintes e assim estabelecer uma igualdade material com prevalência dos princípios basilares esculpidos na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional.
1. Noções sobre a origem da Imunidade Tributária.
O Estado, como instituição indispensável à existência de uma sociedade organizada, depende de recursos para sua manutenção e para a realização dos seus objetivos. Isso independe da ideologia que inspire as instituições políticas, tampouco do seu estágio de desenvolvimento. A tributação é inerente ao Estado, seja totalitário ou democrático. Independentemente de o Estado servir de instrumento da sociedade ou servir-se dela, a busca de recursos privados para a manutenção do Estado é uma constante na história (PAULSEN, 2014, p.15).
Nessa linha de raciocínio, a primeira observação recai para a necessidade do Estado de fazer face às despesas oriundas da execução de suas finalidades, se valendo de guerras de conquistas, extorsões de outros povos, doações voluntárias, fabricação de moedas metálicas ou de papel, exigência de empréstimos, rendas produzidas por seus bens e suas empresas, imposição de penalidades, entre outros. Essas diversas formas aquisição de receita eram tidos como tributos (HARADA, 2015, p. 313 e 314).
Paulatinamente, ante a evolução das despesas públicas, com o fim de atender as necessidades inerentes a Sociedade, restou inevitável ao Estado a utilização de sua força coercitiva para a retirada parcial das riquezas dos particulares, sem que existisse qualquer forma contraprestação. Se valendo, assim, de uma fonte regular e permanente de custeio público para o financiamento das atividades estatais (HARADA, 2015, p. 313 e 314).
Com essa cobrança, através da interferência no patrimônio privado, por parte do Estado se viu necessário um manejo na capacidade de tributar - e seu corolário, de não-tributar -, estabelecendo uma das mais antigas formas de distinguir pessoas e atividades. É uma forma de implementação de políticas, seja de cunho fiscal ou de ordem econômica. No Império Romano era possível visualizar diversas espécies de impostos, bem como isenções. Temos como exemplo A Lex Vicesima Hereditatum et Legatorum que impunha a cobrança de um imposto com alíquota de 5% sobre o valor das heranças ou legados, recaindo, principalmente, sobre os legados a amigos e as heranças dos celibatários (MEIRA, apud: SCAFF p. 01).
Eram isentos os 'parentes próximos' e os bens de pequeno valor. Tal incidência estava de acordo com a política econômica do Imperador Augusto, que se caracterizava pela preocupação em 'amparar a família numerosa, proteger os casamentos, punir os adultérios, gravar os celibatários e os casais sem filhos' (MEIRA, apud: SCAFF p. 01).
Nota-se que a ideia de proteção da família por meios de políticas econômicas caracteriza, de certo modo, um aspecto extrafiscal, visto que transpassava a mera arrecadação. De forma sucinta e preambular ao tópico 3, a extrafiscalidade tributária implica na escolha de um outro fim (geralmente social), como mais importante do que a arrecadação fiscal.
Adiante, o Império Romano, para se consolidar, trabalhava para abranger a capitação de mais e mais recursos face aos problemas 'de caixa' do Império, Antonino aumentou a alíquota para 10% e estendeu a cidadania romana a todos os habitantes de seu território através do edito de Caracala (212 a.C.), com intuito de ampliar as arrecadações do Império. Percebe-se que figuram no contexto romano relações corriqueiras da atualidade, como deliberações de cunho estatal com o propósito de aumento de alíquota, otimização na arrecadação de tributos e ausência de certas pessoas do campo da tributação (MEIRA apud FACURY SCAFF p. 01).
Tanto em Roma como no resto do mundo, os problemas relacionados à tributação, desde cedo despertaram a necessidade de compatibilização da arrecadação com o respeito à liberdade e ao patrimônio dos contribuintes. Por envolver imposição, poder, autoridade, a tributação deu ensejo a muitos excessos e arbitrariedades ao longo da história. Muitas vezes foi sentida como simples confisco. Não raramente, a cobrança de tributos envolveu violência, constrangimentos, restrição a direitos (PAULSEN, 2014, p.15).
Neste cenário, já é possível encontrar elementos basilares de um sistema tributário contemporâneo, mesmo que de forma incipiente. Verificamos que a íntima ligação histórica da tributação e da imunidade tributária é evidente, pois esta é uma espécie de desoneração daquela.
Acrescenta-se, também, que a evolução tributária estabeleceu o tributo como categoria jurídica e o obrigado o status de cidadão-contribuinte. Razão pela qual é conferido a condição de juridicamente obrigado nos termos e limites da lei, devendo compulsoriamente contribuir para os gastos públicos na proporção de seus haveres, na medida legal (NOGUEIRA, 1995, p. 06).
Conclui-se que a imunidade era concernente a noção de "benesse fiscal" a um certo nicho de privilegiados. O fato de livrar-se do encargo de pagar tributos tinha como base, precipuamente, na diferenciação das classes sociais, sendo agraciado indiscriminadamente como favor aos amigos e protegidos do soberano. Ocorria o privilégio tributário, onde a influência política se manifestava em prol das classes tidas como superiores.
Nesse ínterim, com o passar dos tempos, não mais existindo razão para a diferenciação de classes, os privilégios fiscais foram sofrendo radical transformação, figurando, a partir de então, a fundamentação jurídica com base nos supremos interesses sociais (REIS JÚNIOR, 2010).
2. O fundamento Constitucional das imunidades em geral.
Em uma perspectiva nacional, a Constituição Federal do Brasil de 1988 atribui à União, aos Estados e aos Municípios o poder de tributar certos fatos ou situações especificadas no texto constitucional. A parcela de poder imputada a cada Estado-Membro para instituir tributos denomina-se competência tributária. A competência tributária, no entanto, é resultado da análise conjunta de duas espécies de normas jurídicas. São elas as normas que atribuem poder ao Estado para instituir tributos por meio da especificação dos fatos e situações que se tornam suscetíveis de tributação, bem como, as normas que subtraem poder do Estado sobre determinados fatos e situações que se tornam insuscetíveis de tributação. Tem-se que essa porção de poder do Estado para instituir tributos é a decorrência do poder que se lhe atribui menos o poder subtraído, com fulcro na Constituição (ÁVILA, 2010, p.217).
A existência do Estado está diretamente ligada a obtenção de um bem comum. Diante disso, existem prerrogativas que tornam certa sua posição de privilégio nas relações jurídicas envolvidas, pois, com a supremacia do interesse público em detrimento do privado, convém admitir em determinadas situações a preponderância do ente nas suas relações com os particulares, gozando de certo privilégio no ordenamento jurídico. Percebe-se nitidamente essa primazia na possibilidade de cobrança de tributos, visto que o Estado possui o poder de, por ato próprio, ou seja, a lei, obrigar os particulares a se solidarizarem com o interesse público mediante a entrega compulsória de um valor em dinheiro (ALEXANDRE, 2015, p. 82).
Fica evidente a amplitude conferida ao Estado, entretanto esse poder não é ilimitado. Essa relação jurídico-tributária não é simplesmente uma relação de poder, tendo em vista as consequências a serem suportadas pelo particular com interferência direta na propriedade privada, o legislador constituinte originário estabeleceu limites ao exercício de tal poder, estipulando diretrizes presentes na Constituição Federal (ALEXANDRE, 2015, p. 82).
Nos moldes da Constituição Federal, que confere aos entes federativos a aptidão da competência tributária, estipula-se, também, uma demarcação de possível atuação que seria justamente a limitação ao exercício. Diante dessa limitação ao poder de tributar surgem os princípios constitucionais tributários e, como decorrência, as imunidades tributárias, estas amparadas por outros princípios que fundam os aspectos sociais e democráticos da Carta Magna (AMARO, 2006, p. 106).
Em virtude da soberania que o Estado exerce em seu território dentre outros poderes, tem ele o poder de tributar. Contudo, no Estado Democrático de Direito onde todo o poder emana do povo cabe aos constituintes como representantes para efetivar o exercício do poder, de tal sorte que no caso da tributação, o poder de tributar se convola em direito de tributar, ou seja, no caso da Federação, cada esfera de governo somente poderá instituir o tributo para o qual recebeu da Constituição a respectiva competência, esta competência que terá de ser exercida dentro das limitações pré-estabelecidas, conferindo uma base para a segurança jurídica pretendida pela Sociedade (NOGUEIRA, 1995 p. 118 e 119).
Apesar do caráter impositivo que, aparentemente, a expressão “poder de tributar” carrega consigo, no tocante a seara financeira e tributária não se deve interpretar como poder de mando, mas sim, um poder de direito com respaldo jurídico, ante invasão patrimonial ocorrida em face do povo e a atuação da soberania estatal para atender as despesas e necessidades coletivas. A soberania fiscal é parte da soberania do Estado. Em atenção a soberania que o Estado tem sobre as pessoas e coisas de seu território, tem ele também a possibilidade de direito e de fato de exigir tributos ( NOGUEIRA, 1995, p. 117).
Nessa toada, os princípios constitucionais servem como diretrizes de elaboração das leis tributárias, para concretizar os interesses tributários do Estado condicionando o legislador sob o guante dos juízes, zeladores que são do texto dirigente da constituição. Assim, as imunidades expressas aduzem o que não pode ser tributado, proibindo ao legislador o exercício da sua competência tributária sobre certos fatos, pessoas ou situações, por expressa determinação da constituição (COÊLHO, 2015, p. 135).
A estrutura constitucional que traz a imunidade opera na hipótese de incidência, elidindo certos fatos ou aspectos. Aliás, os dispositivos legais de isenção funcionam da mesma maneira. A diferença é que a imunidade radica na Constituição, enquanto a isenção decorre da lei menor, complementar ou ordinária. Teologicamente a imunidade liga-se a valores caros que se pretende sejam duradouros, enquanto a isenção veicula interesses mais comuns, por si sós mutáveis. Mas imunidade e isenção são categorias legislativas diferentes. Do ponto de vista da norma, só cabe dizer se ela incide ou não incide. Imunidade e isenção são fatores legislativos que condicionam as normas tributárias, cooperando na formação das mesmas (COÊLHO, 2015, p. 140).
Em outras palavras a norma imunizante, aprimorada pelo legislador constituinte, em nome do “ cidadão – destinatário”, visa preservar valores políticos, religiosos, sociais e éticos, colocando a salvo da tributação certas situações e pessoas (físicas e jurídicas). Compreende-se que existem estruturas fundamentais ao regime que não serão perturbadas pela tributação, em homenagem à norma imunizadora. Diante disso, a preservação desempenhada pelo instituto da imunidade deve abranger de uma forma que tais preceitos sejam garantidos mesmo com a mutação constitucional (SABBAG,2010 p. 281).
Neste raciocínio, a condição duradoura que a imunidade carrega consigo é um obstáculo à tributação do rol elencado no texto constitucional.
Mister se faz assinalar, que essa condição não tem caráter imutável, a rigidez traduz-se fundamentalmente na atribuição às normas de uma capacidade de resistência à derrogação superior à de qualquer lei ordinária (CANOTILHO, 2003, p. 215).
Assim, com um procedimento de revisão específico ou até mesmo uma interpretação diferente da empregada é possível dar um novo enfoque a limitação de tributar. A dicotomia entre rigidez/flexibilidade não postula necessariamente uma alternativa radical; exige-se, sim, uma articulação ou coordenação das duas dimensões, pois, se por um lado, o texto constitucional não deve permanecer alheio à mudança, também, por outro lado, há elementos do direito constitucional , os princípios estruturantes, que devem permanecer estáveis, sob pena de a constituição deixar de ser uma ordem jurídica fundamental do Estado para se dissolver na dinâmica das forças políticas (CANOTILHO, 2003, p. 215, 216).
Em suma, não quer a Constituição que determinadas situações materiais sejam oneradas por tributos, tendo por fundamento a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes, que faz com que se ignore a eventual capacidade econômica revelada pela pessoa, proclamando-se, independentemente da existência dessa capacidade, a não-tributabilidade das pessoas ou situações imunes (AMARO, 2006 p. 151).
No tocante a dimensão normativa, é de grande importância explicitar a espécie normativa sob o prisma da exteriorização, pois, as imunidades possuem a dimensão normativa de regra, na medida em que descrevem o comportamento a ser adotado pelo Poder Legislativo, traçando limites quanto ao conteúdo das normas que não terão possibilidade editar (ÁVILA, 2010, p.218).
Pertinente também, a perspectiva da sua dimensão enquanto limitação ao poder de tributar, as regras de imunidade tem a seguinte caracterização: em relação ao nível em que se situam, é classificada como limitação de primeiro grau, uma vez que se encontram no âmbito das normas que serão objeto de aplicação; no que diz respeito ao objeto, qualificam-se como limitações negativas, ao passo que proíbem a tributação de determinados fatos; quanto à forma, revelam-se como limitações expressas e materiais, posto que, sobre serem expressamente previstas na Carta Magna de 88, predeterminam o conteúdo do exercício de competência pelos entes federados (ÁVILA, 2010, p.219).
Destarte, o poder de tributar não tem caráter absoluto, limita-se por regramentos que vêm refrear o exercício arbitrário da tributação, amoldando-o de acordo com a carga valorativa ínsita ao texto constitucional. De modo reflexo, a Constituição Federal define o modus operandi do exercício desse poder, que deverá se dar de forma justa e equilibrada, sem provocar danos à liberdade e à propriedade dos contribuintes (SABBAG, 2010, p. 55 e 56).
Por esse modo, Roque Antonio Carrazza, defende que “no Brasil, por força de uma série de disposições constitucionais, não há falar em poder tributário (incontrastável, absoluto), mas, tão-somente, em competência tributária (regrada, disciplinada pelo Direito), visto que a força tributante estatal não atua livremente, mas dentro dos limites do direito positivo” (2011, p.531).
Conclui-se, a imunidade tributária ajuda a delimitar o campo tributário e com suas regras tem como consequências a demarcação das competências tributárias (CARRAZZA, 2011, p.771).
3. A extrafiscalidade e seus elementos políticos.
A transformação das funções e deveres do Estado vem se evidenciando no decorrer do tempo e evolução dos povos. Assistimos a uma crescente e constante intervenção do poder público em quase todos os setores da atividade dos particulares, principalmente na esfera econômica. Este intervencionismo estatal direto no domínio econômico resultou na reformulação total da noção, alcance e conceito de finanças públicas. O Estado atual não necessita de recursos somente para cobrir suas despesas de administração. (NOGUEIRA, 1995, p. 184)
Como salienta Maurice Duverger, citado por Ruy Barbosa Nogueira:
Para este Estado moderno, as finanças públicas não são apenas um meio de assegurar a cobertura de suas despesas de administração; mas também, e sobretudo, constituem um meio de intervir na vida social, de exercer uma pressão sobre os cidadãos, para organizar o conjunto da nação" (1995, p.184).
Na Constituição Federal Brasileira de 1988, os tributos se estabelecem como meios para a obtenção de recursos por parte dos entes políticos. Ademais, como na quase totalidade dos Estados modernos, a tributação predomina como fonte de receita, de modo que se pode falar num Estado Fiscal ou num Estado Tributário, assim compreendido o estado cujas necessidades financeiras são essencialmente cobertas por impostos (NABAIS, apud: PAULSEN, 2014, p.26 e 27).
Prefacialmente, insta salientar os tipos de finalidades relacionadas a classificação doutrinária de tributos. Sabe-se que o Direito Tributário tem a finalidade, precípua, de arrecadar recursos para suprir as necessidades das despesas públicas e que esta atividade decorre da supremacia do interesse público sobre o interesse do particular. (GOUVÊIA, 2006, p. 40)
No Estado Democrático de Direito, obediente ao regime constitucional, valorizando-se a livre iniciativa e o direito de propriedade, adotados pelo sistema econômico do capitalismo, cujas regras impedem, ou limitam severamente a atividade econômica estatal exacerbada, seja como proprietário dos meios de produção, seja como agente econômico, é axiomático adotar-se a tributação como forma de obtenção de recursos para financiar a concretização dos fins estatais. Havendo fundamentos econômicos, históricos, políticos e sociais para a tributação, com vistas ao provimento de recursos para o Estado, é possível traduzi-los no fundamento jurídico-principiológico que denominamos “ fiscalidade” (GOUVÊIA, 2006, p. 40 e 41).
Exercício semelhante leva à conclusão da existência da extrafiscalidade como princípio de legitimação da incidência tributária. Há séculos os países adotam o imposto de importação como meio de proteger suas economias; o imposto de exportação também possui história antiga, como instrumento destinado a regular o mercado interno de bens. Os esforços de guerra têm inspirado o manejo de impostos finalísticos há gerações. A evolução do Estado Social, com o surgimento dos direitos humanos de segunda e terceira gerações, levou o Estado a instituir tributos finalísticos, com vistas à efetivação desses direitos, sendo as contribuições previdenciárias os exemplos mais antigos (GOUVÊA, 2006, p. 42).
Os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, que visam a oferecer os meios materiais imprescindíveis à efetivação dos direitos individuais. Também pertencem a essa categoria os denominados direitos econômicos, que pretendem propiciar os direitos sociais. Enquanto no individualismo apresentado na primeira dimensão, o Estado era considerado o inimigo contra o qual se deveria proteger a liberdade do indivíduo, com a filosofia social, o Estado se converteu em amigo, obrigado que estava a satisfazer as necessidades coletivas da comunidade. Trata-se, com essa nova dimensão, não de se proteger contra o Estado, mas, sobretudo, de elaborar um rol de pretensões exigíveis do próprio Estado, que passa a ter de atuar para satisfazer tais direitos (TAVARES, 2011, p. 502 e 503).
Já a terceira dimensão é marcada pelos interesses coletivos ou difusos. Interesses que demandam uma participação intensa do cidadão, já que é um fenômeno do maior interesse na experiência jurídico-política contemporânea, não sendo apenas o produto de uma livre opção política, mas o fruto, ou um dos frutos, do capitalismo avançado, e de novos valores, considerados pós-burgueses, tais como o interesse pelo meio ambiente, qualidade de vida etc. Posiciona, por sua vez, uma série de interrogações e de problemas à função dos juízes nos confrontos sociais e nas relações entre a sociedade e os poderes públicos, quer à administração pública e seus meios, mediante os quais ela pode explicar a sua atividade, sob o pressuposto de recursos e de confrontos entre interesses individuais e coletivos (ANTUNES apud TAVARES, 2011, p. 504).
Assim, economistas estudam os efeitos dos tributos tanto na regulamentação dos mercados quanto no desempenho das economias nacionais. Verifica-se, sem maiores esforços, que os diversos ramos do saber humano encontram justificativas para a tributação que se afastam da mera arrecadação de recursos para o Estado, vale dizer, justificativa extrafiscais. Eis a extrafiscalidade como princípio, decorrente da supremacia do interesse público, que fundamenta, juridicamente, a tributação com fins diversos do puramente arrecadatório (GOUVÊA, 2006, p. 42 ).
O princípio anteriormente citado deve ser compreendido, também, como princípio implícito na ordem constitucional brasileira, já que a Constituição é repleta de situações que impõem a superioridade do Estado com vistas a atingir seu fim, que é a satisfação do interesse público.
Nesse sentido, entende-se que são diversas as fontes constitucionais da superioridade do interesse público sobre o privado. Dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública decorre a superioridade do interesse público em detrimento do particular, com direção teleológica da atuação administrativa. Resulta clara, na sequência, a relação entre o imperativo conteúdo finalístico da ação administrativa e a existência de meios materiais e jurídicos que retratam a supremacia do interesse público sobre o privado, é dizer, as situações de vantagens da Administração pública perseguíveis pelo Poder Público. (OSÓRIO, apud: BAPTISTA, 2011).
De outro lado, a existência de bens coletivos que reclamam proteção estatal e restrições a direitos individuais também retrata um princípio de superioridade do interesse público sobre o particular. Nas normas constitucionais protetivas desses bens e valores coletivos, portanto, está implícita a existência do interesse público e sua superioridade relativamente ao privado. (OSÓRIO, apud: BAPTISTA, 2011)
Desta feita, podemos extrair que conforme o objetivo visado pela lei de incidência seja prover de recursos a entidade arrecadadora ou induzir comportamentos, diz-se que os tributos têm finalidade arrecadatória (ou fiscal) ou finalidade regulatória (ou extrafiscal). Assim.se a instituição de um tributo visa, precipuamente, a abastecer de recursos os cofres públicos, ou seja, a finalidade da lei é arrecadar, ele se identifica como tributo de finalidade arrecadatória. Se, com a imposição, não se deseja arrecadar, mas estimular ou desestimular certos comportamentos, por razões econômicas, sociais, de saúde etc., diz-se que o tributo tem finalidades extrafiscais ou regulatórias. Já que objetivam elementarmente a intervenção na conduta dos contribuintes (AMARO, 2006, p. 89).
Oportuno se torna dizer da finalidade parafiscal do tributo, compreendido quando a lei tributária nomeia sujeito ativo diverso da pessoa que a expediu, atribuindo-lhe a disponibilidade dos recursos arrecadados para o implemento de seus objetivos. Como exemplo, podem ser citadas as contribuições previdenciárias que, antes da criação da Secretaria Previdenciária, eram cobradas pelo INSS (autarquia federal), que passava a ter, também, a disponibilidade dos recursos auferidos. Tem-se aí a finalidade parafiscal da tributação (ALEXANDRE, 2015, p. 76).
Corroborando, ainda há que se observar que extrafiscalidade desenvolve-se não só por intermédio da imposição tributária como também por isenções, imunidades e incentivos que procuram estimular atividades de interesse público. (CAMPOS, apud: AMARO, 2006, p. 89).
Neste raciocínio, poderia o legislador, por exemplo, intervir para promover a saúde, direito de todos e dever do Estado (Art. 196 da CF), isentar os hospitais da COFINS (contribuição para seguridade social que incide sobre a receita) ou isentar a produção de remédios do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), (PAULSEN, 2014, p. 28).
Seguindo esta toada, temos a imunidade cultural que visivelmente tem a proposta de incentivar a educação, cultura e possibilitar a manifestação do pensamento nos moldes dos dispositivos legais esculpidos na Constituição Federal de 1988.
Esta intervenção, no controle da economia, é realizada pelo Estado sobretudo por meio de seu poder impositivo, necessário a implementação, soberana, das políticas públicas. É, pois, no campo da Receita, que o Estado transforma e moderniza seus métodos de ingerência. O imposto deixa de ser conceituado como exclusivamente destinado a cobrir as necessidades financeiras do Estado. É a regulamentação de atividades que estipulam o caráter extrafiscal do Imposto. (NOGUEIRA, 1995 p. 184 e 185)
CONCLUSÃO
Conclui-se que o tributo não é instrumento a ser utilizado de forma aleatória, senão na busca de valores constitucionais. Não basta, pois, o legislador identificar os elementos socioeconômicos a serem estimulados, descuidando dos desígnios constitucionais. De outro giro, são os objetivos constitucionais que preenchem o conteúdo da extrafiscalidade. A Constituição é rica em disposições prescritivas, ou normas programáticas e chega, em alguns momentos específicos a reconhecer explicitamente a possibilidade de utilização do instrumento tributário nas políticas públicas. (GOUVÊA, 2006, p. 81)
Restando constatado que a extrafiscalidade, utilizada como forma de ingerência estatal na economia, denota uma configuração dupla, onde se deixa absorver pela fiscalidade, constituindo a dimensão finalística do tributo, bem como, permanece como categoria autônoma de ingresso público, a gerar prestações não-tributárias. A extrafiscalidade, diluída na fiscalidade, desempenha diversas atividades de política econômica. Entre elas configura-se o desestímulo ao consumo de certos bens nocivos à saúde, como o álcool e o fumo objeto de incidência seletiva do IPI e ICMS, igualmente, o incentivo ao consumo de algumas mercadorias (GOUVÊA, 2006).
Portanto, a intervenção estatal utilizando o elo entre a extrafiscalidade e a imunidade confere um incentivo ao desenvolvimento social/econômico, com um estímulo de uma determinada conduta atendendo as necessidades visadas pelo constituinte.
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TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 9ª ed. São Paulo : Saraiva, 2011.
Advogado, Pós graduado em Direito Público, Constitucional e Consumidor pela Faculdade Legale, São Paulo/SP. Graduado em Direito pela UPE (Universidade de Pernambuco).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Joao Batista Mendes. A imunidade como exercício político da extrafiscalidade do Estado. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 abr 2021, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56359/a-imunidade-como-exerccio-poltico-da-extrafiscalidade-do-estado. Acesso em: 22 nov 2024.
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