RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar as dificuldades das mulheres nos últimos anos, tanto em direitos fundamentais conquistados como a exposição das violências sofridas e mostrar os dois lados da Lei nesse sentido. Diante desses aspectos, estuda-se a natureza das Leis, não somente brasileiras, mas em âmbito mundial e o impacto que as mesmas tem causado na sociedade feminina atual. O artigo tem também o interesse de mostrar as falhas em relação a proteção e aos direitos sobre a igualdade de gênero.
Palavras-chave: Mulher; Lei; Mundo; Crimes contra a mulher; Igualdade de gênero; ONU; Constituição; Feminicídio; Código Penal Brasileiro;
ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze the difficulties of women in recent years, both in fundamental rights conquered and the exposure of the violence suffered and to show the two sides of the Law in this sense. In view of these aspects, the nature of the Laws is studied, not only Brazilian, but worldwide and the impact that they have caused in the current female society. The article is also interested in showing the flaws in relation to protection and rights over gender equality.
Keywords: Woman; Law; World; Crimes against women; Gender equality; UN; Constitution; Femicide; Brazilian Penal Code;
O estudo sobre uma batalha que ainda não acabou, torna a atual história maior do que se pode contar, uma história marcada com o sangue de várias mulheres que tiveram suas vozes caladas pelo passar do tempo, mas que na sociedade atual torna o mundo fácil entendedor sobre tempos enraizados e difíceis de serem contados.
Não se trata de uma época ou de um país, mas sim de um mundo onde pouca coisa mudou e em lugares de que nada se transformou. O tempo de se sujeitar sobre quem é o culpado não existe, somente a tempo de extinguir o que nunca deveria ter começado.
”Outorga às mulheres os mesmos direitos civis de que gozam os homens. Assinada na Nona Conferência Internacional Americana, Bogotá, Colômbia, em 2 de maio de 1948. IX Conferência Internacional Americana. Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 74, de 18.12.1951.” (ONU, 1951).
A Lei entrou somente em vigor no Brasil em 15 de fevereiro de 1950. Promulgada pelo Dec. nº 31.643, de 23 de outubro de 1952. Tal igualdade tem permanecido meramente formal, sendo árdua a tarefa de transformá-la em igualdade real entre mulheres e homens, principalmente quando se constata que a construção histórica dos direitos humanos sempre ocorreu com a exclusão da mulher e o reforço de ideologias patriarcais. E sobre isso se trata, do que existia antes e depois, da batalha que só se extinguira quando não somente os tempos mudarem, mas também as cabeças, onde não serão só corpos de história, será uma nova geração.
Uma pesquisa realizada com objetivo precisamente de oferecer uma contribuição, ainda que modesta, para a efetiva proteção dos direitos das mulheres, e de uma luta marcada com sague de várias pessoas. Como discorre Flávia Piovesan, “no momento em que seres humanos se tornem supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna se necessário a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável”.
Na Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em junho de 1993 em Viena, reconheceu-se no artigo 18 de sua Declaração que:
“os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integrante e indivisível dos direitos humanos universais. A violência de gênero e todas as formas de assédio e exploração sexual são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser eliminadas. Os direitos humanos das mulheres devem ser parte integrante das atividades das Nações Unidas, que devem incluir a promoção de todos os instrumentos de direitos humanos relacionados à mulher”. (ONU, 1993).
Como não se faz escondido dos olhos do mundo, é perceptível que a construção histórica dos direitos humanos sempre ocorreu com a exclusão da mulher e o reforço de ideologias patriarcais. Mas é verdade que os principais documentos internacionais de tutela dos direitos humanos proclamam a igualdade de todos. Porém a igualdade tem permanecido meramente formal, o que tem tornado uma vitória ilusória a atual corrida pela equidade.
O principal documento internacional de proteção aos direitos da mulher hoje existente é a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 1979. O mesmo percorreu todos os trâmites exigidos para que vincule o país signatário não só perante a comunidade internacional, como também internamente, ou deveria, pois, alguns países são considerados “campeões” em violência contra a mulher. Um exemplo disso é o 1º lugar geral do ranking está a Índia, um país que sofre com uma epidemia de violência sexual que traz à tona casos brutais, como os das adolescentes violentadas e queimadas por seus agressores em maio de 2018. Em segundo lugar geral, está o Afeganistão, onde a prevalência da violência física e sexual contra mulheres é de 51% e do casamento infantil é de 35%, segundo dados da ONU. Os EUA se encontram em 3º lugar, mesma colocação que a Síria na categoria que avalia em quais países as mulheres correm os maiores riscos de serem estupradas e assediadas. Está, ainda, em 6º na categoria que avalia outros tipos de violência, como abusos mentais e físicos.
A Convenção da ONU sobre a Mulher, relembra que “a discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana, dificulta a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço a seu país e à humanidade”. O artigo 1º da Convenção oferece uma definição da discriminação contra a mulher, considerando-a como “toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”. Mostrando claramente do que se trata a discriminação contra a mulher. Sem deixar uma virgula em duvida a convenção tenta mostrar aos países como a Lei deveria ser obedecida, caso ainda sem muito efeito em várias partes do mundo, mas que tem recebido um avanço grandioso, pois para a surpresa de muitas pessoas, a Arábia Saudita anunciou, em 2018, a permissão para que as mulheres dirigissem no país. A proibição de longa data era um dos principais símbolos mundiais da opressão das mulheres e prejudicou a reputação do reino por anos. Apesar de ser o mínimo, para raízes grossas como a do oriente, o desenvolvimento e realmente um salto para as mulheres, principalmente as que residente no país.
No ano de 2015, líderes globais prometeram eliminar toda e qualquer forma de violência e discriminação contra as mulheres até 2030. Apesar disso, dados sobre a vida das mulheres na atualidade mostram que o panorama é sombrio: uma a cada três delas é uma vítima de violência física ou sexual e ao menos 750 milhões de meninas se casaram antes de completar 18 anos de idade. Mas isso não se trata de algo de agora, e sim de varias décadas, mas com a globalização e ao acesso de outros países, é possível de certa forma identificar uma parte de todos os abusos sofridos. E nesses casos é somente uma parte pelo fato da maioria das mulheres não denunciarem e nem se mostrarem ao mundo o que ocorre com as mesmas, na rua, em casa e em qualquer lugar no mundo, por medo, e muitas vezes por serem coagidas pela sociedade patriarcal existente.
Além da manipulação sofrida por anos pela mulher, tanto em jornais como em propagandas, redes sociais, a sempre um estereótipo de o que a mulher deveria ser e como deveria proceder.
Desde muito novas, o sexo feminino é formado para um único desígnio na sociedade, servir ao sexo masculino, e apesar da tamanha evolução sofrida nos ultimo tempos, ainda são guiadas para um caminho já predestinado em muitos países, como o casamento infantil. A venda do seu corpo e em muitos lugares o dever de servir o seu país como uma reprodutora, tem mostrado os seus sinais de manipulação para o desenvolvimento de jovens.
História como as de mulheres utilizadas nas guerras como forma de retirar o cansaço e estresse, com a sua utilização sexual e outras formas de agressão, tornaram as mulheres alvos de crueldades por anos, trazendo sofrimento não somente para a época de guerra, mas para um laço ao qual o homem se identificou e infelizmente utilizou por décadas.
Como o tráfico de mulheres, que é uma das modalidades do tráfico de pessoas mais praticadas no mundo. O tráfico de mulheres, em sua essência, consiste na escravidão sexual e à venda da mulher como objeto. Em 2016, 14.000 foram vítimas de tráfico: um terço das mulheres captadas em seus países de origem pelas organizações criminais, muitas delas brasileiras, e os números só crescem, talvez não por serem maiores agora, mas sim, mais descobertos. "Não é um assunto de sexo, é um assunto de cabeça. Um bom cafetão não cobra por transar, cobra por ter todas as respostas adequadas para o que preocupa uma prostituta", diz Iceberg Slim em um livro autobiográfico (Pimp - The Story Of My Life).
Sob esse mundo, onde a degradação moral alcança níveis irreversíveis de pura escravidão: agressões, estupros, submissão a base de terror e ameaça perpétua sobre suas famílias em suas cidades de origem, visitadas frequentemente por seu captor se a mulher não rende ou cria problema, se entronizam homens como Miguel, que diz "A primeira regra que se aprende é não olhá-las como suas, mas como a matéria prima do seu negócio. É importante não se envolver em sua vida além do necessário (...) Simplesmente é uma propriedade, como a Coca-Cola que você vende, e têm que ser tratadas como tal. Se envolver em suas vidas ou em seus problemas pode te afetar, porque essa mercadoria tem sentimentos (...) Criamos uma forma de vida que se sustenta graças à escravidão, sem sequer saber pensar (...) O tráfico de mulheres deu espaço para os macrobordéis para os clientes, que não eram outra coisa que prisões de luxo repletas de miséria para as mulheres escravas de um sistema novo e cruel. Transformamos as mulheres em grandes máquinas de fazer dinheiro". Mesmo em tamanhas situações, ouve o levantamento de mulheres que conseguiram escapar e denunciar tais acontecimentos, assim como policias que descobriram e prenderam os acusadores, com esforço as leis vão sendo utilizadas pelo mundo.
Depois da Convenção, o Brasil também tomou medidas para a eliminação da discriminação de gênero não somente no espaço público, mas também na esfera privada. Assim, o Estado comprometeu-se a não praticar qualquer ato que importe em discriminação contra a mulher, bem como a tomar medidas apropriadas para eliminar a discriminação praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa. Editou-se ainda no Brasil a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que, ao estabelecer normas para as eleições políticas, reservou o mínimo de trinta por cento das vagas de cada partido ou coligação para candidaturas de mulheres.
Dispõe sobre igualdade de remuneração de homens e mulheres trabalhadores por trabalho de igual valor. Aprovada na 34ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra — 1951), entrou em vigor no plano internacional em 23.5.53. No Brasil, foi aprovada por meio do Decreto Legislativo n. 24, de 29.5.56, do Congresso Nacional; ratificada em 25 de abril de 1957; promulgada pelo Decreto n. 41.721, de 25.6.57, com vigência nacional a partir de 25 de abril de 1958. (Convenção da OIT no. 100,1951).
Nesse sentido, ao dispor sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho e apresentar uma série de vedações a práticas discriminatórias, permite expressamente a adoção de medidas com caráter de discriminação positiva. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 373 A da Consolidação das Leis do Trabalho, acrescentado pela referida Lei nº 9.799/99, apresenta a seguinte redação: “O disposto neste artigo não obsta a adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher”. Alcançando o seu lugar, pouco a pouco, vão se vendo resultados, mas ainda a muito o que ser feito.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e compatível com os direitos proclamados pela Constituição de 1988, o sistema de proteção por ambas concebido caminha na mesma direção. Disso se trata a luta, não somente no papel, mas também a onde estiver uma mulher, deve caminhar com ela os seus direitos.
É lamentável, com toda certeza, que a Convenção da ONU não tenha consagrado a sistemática de petição ou comunicação individual, através da qual as vítimas poderiam recorrer diretamente ao Comitê para formular suas queixas e denúncias. Mas, a Convenção da ONU contempla somente o sistema de relatórios a serem encaminhados pelos Estados signatários ao Comitê Sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, onde de quatro em quatro anos, um “relatório sobre as medidas legislativas, judiciárias, administrativas ou outras que adotarem para tornarem efetivas as disposições da Convenção e dos progressos alcançados a respeito”, artigo 18 da Convenção.
A convenção de Belém do Pará afirma que “a violência contra a mulher constitui uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades”. Em seguida, demonstra preocupação porque “a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens”.
Assim como diz a escritora Simone de Beauvoir, “A humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele: ela não é considerada um ser autônomo.”
Infelizmente, o mundo é cheio de desordeiros da lei, e por isso ainda á muito o que lutar.
A violência contra a mulher não é um fato recente, por outro lado, o que é novo, é a responsabilidade de todos para vencer tal violência, como condição para a construção de uma melhor humanidade, visto que o Feminicídio se define como a expressão máxima da violência contra a mulher.
Em 2016, ano em que a Lei Maria da Penha completou uma década de vigência, o Brasil sediou a IV Conferência Nacional de Políticas para Mulheres. Esse quadro nos mostrou de modo resumido o panorama em que vivemos hoje, em termos de políticas de enfrentamento às violências domésticas e familiares contra mulheres no país. Uma cena em que as estratégias legais e as iniciativas políticas se entrecruzam e, em boa medida, confundem-se, dando origem a novas perspectivas de acesso à justiça (Santos, 1986). Antes da Lei n.º 13.104/2015, não havia nenhuma punição especial pelo fato de o homicídio ser praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Em outras palavras, o feminicídio era punido, de forma genérica, como sendo homicídio (art. 121 do CP). A Lei n.º 13.104/2015 veio alterar esse panorama e previu, expressamente, que o feminicídio, deve agora ser punido como homicídio qualificado.
O § 2º-A foi acrescentado como norma explicativa do termo "razões da condição de sexo feminino", esclarecendo que ocorrerá em duas hipóteses: a) violência doméstica e familiar; b) menosprezo ou discriminação à condição de mulher; A lei acrescentou ainda o § 7º ao art. 121 do CP estabelecendo causas de aumento de pena para o crime de feminicídio. No Brasil, são 13 mortas por dia. É no universo doméstico que ocorrem 55,3% dos assassinatos, 50,3% cometidos por familiares, 33,2% dos algozes são o marido, namorado ou ex. Na mira principal, as mulheres entre 18 e 30 anos. Os homens liquidam usando a força física (estrangulando, socando, chutando), com facas, facões e objetos perfurantes. Com esses índices, o Brasil alcança a posição de 5º país mais violento do mundo contra as mulheres, segundo pesquisa da ONU, calculado a cada 100 mil habitantes.
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, representa um marco na proteção aos direitos das mulheres, pois tem como premissa coibir e prevenir todas as formas de violência doméstica e familiar. Do mesmo modo, em março de 2015, no Brasil, o Feminicídio foi tipificado como conduta criminosa, através da Lei n. 13.104/2015. Então, diante da proposta de “ter o Estado ao lado das mulheres”, é que se instaura a controvérsia. A alternativa pela criminalização do feminicídio tem suscitado, desde sua sanção, um conjunto de análises que põem em xeque as estratégias empreendidas pelos chamados movimentos feministas brasileiros até então. Ao mesmo tempo, têm-se levantado vozes favoráveis, sob os mais diversos argumentos, aos processos de judicialização (Rifiotis, 2007, p. 238), atribuindo, a mudança no imaginário cultural. Uma raiz tão forte que foi necessário muito sangue para conseguir alguma mudança.
No que diz respeito aos mecanismos de monitoramento, a Convenção de Belém do Pará representa um enorme avanço se comparada a ONU, visto não ter se restringido ao ultrapassado sistema de relatórios. É um marco, sem duvida para a conquista de todas as mulheres.
Diversas organizações ao redor do mundo quantificaram a taxa mais aproximada de mulheres assassinadas, a fim de se ter um panorama global sobre a violência feminina. Muitos países não colaboraram, principalmente os de regiões como Oriente Médio e África. De acordo com o Mapa da Violência de 2015*, 33,2% dos homicídios de mulheres no mundo são cometidos pelos parceiros. Agora, durante a pandemia em decorrência do novo coronavírus, os índices são preocupantes. Um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que os casos de feminicídio cresceram 22,2% em março e abril deste ano, em relação ao mesmo período de 2019. Segundo o documento, a alta dos crimes foi registrada em 12 Estados brasileiros.
É importante esclarecer que a Lei do Feminicídio não enquadra, indiscriminadamente, qualquer assassinato de mulheres como um ato de feminicídio. A lei prevê algumas situações para que seja aplicada, como a violência doméstica ou familiar, e o menosprezo ou discriminação contra a condição da mulher, ou seja, quando o crime resulta da discriminação de gênero, manifestada pela misoginia e pela objetificação da mulher, sendo o autor conhecido ou não da vítima.
Violência, em seu significado mais frequente, quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano. Assim, a violência pode ser compreendia como uma forma de restringir a liberdade de uma pessoa ou de um grupo de pessoas, reprimindo e ofendendo física ou moralmente (TELES, 2003, p. 15).
Tal violência ocorre em várias esferas da vida e se manifesta sob formas e circunstâncias distintas. Neste contexto, dentre as inúmeras situações de violência que vitimam as mulheres, destacam se, às ocorridas no espaço definido socialmente para as mulheres: o espaço privado, a família e o domicílio (SANTI, 2010).
Conforme Dias (2010), a mulher ficou restrita ao espaço do lar, com a obrigação de cuidar do marido e dos filhos, enquanto ao homem coube o espaço público, o que colaborou para a formação de dois mundos, uma separação que culminou ao homem o espaço da dominação, externo, produtor, já ao outro, coube o espaço da submissão, interno e reprodutor. O provedor da família e a protetora do lar, cada um desempenhando sua função. Uma imagem tão antiga, mas que ocupa os pensamentos de varias pessoas no mundo, que não conseguem ver a igualdade entre o homem e a mulher.
Bourdieu (1999, p. 116) destaca que as mulheres, uma vez excluídas da esfera pública, ou seja do “universo das coisas sérias”, elas “ficaram durante muito tempo confinadas ao universo doméstico e às atividades associadas à reprodução biológica e social da descendência”, adiciona-se a isso o fato de que o trabalho doméstico das mulheres, ainda nos dias atuais, não faz jus a remuneração alguma, contribui para desvalorizá-la e perpetuar a dominação patriarcal. E o caso de varias mulheres que trabalham como empregadas domesticas, e que são vendidas pelos seus chefes nos países do Golfo, Google, Apple e o Instagram, que pertence ao Facebook, possibilitaram a criação de um mercado digital ilegal de escravos, ao aprovar e disponibilizar aplicativos usados para a compra e venda de trabalhadoras domésticas no Golfo. A reportagem investigativa da BBC News Arabic expôs usuários desses aplicativos no Kuwait. Eles violaram leis do país e internacionais de escravidão moderna. Entre os crimes documentados está até a venda de uma criança, uma menor, que foi tirada muito nova do seu país para trabalhar, e teve o seu visto confiscado pelos seus patrões, os mesmo que utilizam para vendê-la.
“Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado, que qualificam de feminino.” (Simone de Beauvoir, 1980)
Como bem destacou Rita Laura Segato (2006), o feminicídio é, claramente, um crime de poder, porque retém, mantém ou reproduz uma lógica de poder a que as mulheres estão submetidas. Assim, o território corporal das mulheres é violado para consumar a morte, ou efetivar sua tentativa. Imediatamente após a sanção da lei n. 13.104/15, começaram a surgir críticas à falta de técnica jurídica e principalmente à sua representação no cenário de enfrentamento à forma mais extrema de violência contra as mulheres, como uma estratégia vazia e ineficaz.
O feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher, nota-se que são crimes que ocorrem geralmente na intimidade dos relacionamentos e com frequência caracterizam-se por formas extremas de violência e barbárie. São crimes cujo impacto é silenciado, praticados sem distinção de cultura, de raça, de lugar ou classe social, além de ser a expressão perversa de um tipo de dominação masculina ainda fortemente cravada na cultura brasileira. Cometidos por homens contra as mulheres, onde suas motivações são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda da propriedade sobre elas (AQUINO, 2015).
No presente artigo, a metodologia desta pesquisa foi definida para viabilizar a análise, interpretação e dedução através da problemática criada por este trabalho. Assim, a metodologia deste trabalho foi realizada pesquisa exploratória de cunho qualitativo, com fontes secundárias (referencial teórico), além de utilizar as técnicas de pesquisa a abordagem conceitual (investigação teórica).
Metodologicamente, o trabalho será formulado com base em pensamentos e artigos publicados sobre o tema. De modo geral, a perspectiva da teoria política feminista, formulada por autoras como Rita Laura e Simone de Beauvoir, é fundamental para a construção de nossa lente analítica. As teorias políticas feministas oferecem uma perspectiva em que as questões sociais são analisadas tanto em sua dimensão individual, quanto em sua dimensão estrutural. Com relação as fontes de pesquisa, foram empregadas fontes secundárias, que provêm de estudo das fontes primárias originalmente. Em relação às técnicas de investigação teórica foram utilizadas a normativa e a conceitual. A técnica normativa configura-se num tipo de investigação que coloca em foco o estudo normativo-jurídico de um fenômeno, de prescrição jurídica, acompanhada de comentários doutrinários sobre determinado tema de pesquisa. Ao revés, a técnica conceitual é uma forma de investigação, um modelo de análise, para que se possa construir uma logicidade do tema estudado, com base em técnicas bibliográficas (BITTAR, 2014).
Como apresentado neste artigo, a violência imposta às mulheres é observada no decorrer da história da humanidade e tem sua gênese em um modelo construído socialmente que promove a dominação, determinando os papéis de cada gênero em sociedade, a partir de representações e comportamentos que devem ser obedecidos, alicerçado em um sistema que legitima a sujeição do outro. Este modelo social implica na violação de direitos, submetendo as mulheres à uma condição de inferioridade em relação aos homens, exemplificada através de vários tipos de violência, chegando até a consumação da morte, o feminicídio. Desde a sanção da lei aqui retratada, tem havido certo dispêndio de energia e um engajamento fundamental de diversas frentes feministas brasileiras dedicadas a demonstrar que há um ganho significativo com o processo de criminalização.
Enfatizando, que a violência de gênero se passa num quadro de disputa pelo poder, o que significa que não é dirigida a seres, em princípio, submissos, mas revela que o uso da força é necessário para manter a dominação, porquanto a ideologia patriarcal – tensionada por conquistas históricas, sobretudo feministas – não se revela suficientemente disciplinadora (ALMEIDA, 2007, p. 28).
Neste cenário, a tipificação penal do feminicídio foi apontada por especialistas como um importante e necessária ferramenta para denunciar a violência sistêmica contra mulheres em relações conjugais, que muitas vezes resulta em homicídios encarados como crimes passionais pela sociedade, pela mídia e até mesmo pelo sistema de judiciário (PRADO, 2017).
Os movimentos feministas também remetem a esta busca pela interlocução do feminismo com o campo jurídico-legal. De acordo com Cynthia Grant Bowman e Elizabeth M. Schneider (1998), há uma indissociabilidade latente entre teoria e prática, quando o assunto são os feminismos. As autoras demonstram como, nos Estados Unidos, as variadas correntes teóricas feministas se converteram em um meio intelectual para argumentar e debater temas ligados à igualdade que, primeiramente, emergiram por meio de litígios reais. Obviamente, a tradição jurídica estadunidense difere da brasileira, porém poderíamos fazer uso das mesmas inferências quando o assunto são as reformas legais.
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Graduanda de Direito e estagiária do TJMG. Faculdade de Ciências e Tecnologias de Unaí.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Ana Cristiny Gomes. A Mulher e a Lei: a difícil corrida pela igualdade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 maio 2021, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56467/a-mulher-e-a-lei-a-difcil-corrida-pela-igualdade. Acesso em: 22 nov 2024.
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