ANA PAULA BIANCHETTO[1]
(coautora)
RENATA MIRANDA DE LIMA[2]
(orientador)
RESUMO: O artigo aqui apresentado aborda o instituto do direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro, não previsto em Lei até o momento. Nesse sentido o direito de ser esquecido trata-se da possibilidade de o indivíduo ter informações a seu respeito (que ocorreram no passado) não sejam divulgadas, assegurando o seu Direito de não ser lembrado de fatos pretéritos de forma perpetua (pena eterna). Este direito baseia-se no entendimento que com o tempo informações que antes tinham interesse coletivo/público modificam seu status, havendo um conflito legal entre o direito à privacidade, honra, imagem e o direito à informação. O texto maior brasileiro assegura tanto o direito a privacidade quanto o direito a informação. Por decisão majoritária, em fevereiro de 2021, o STF, concluiu que é incompatível com a Constituição Federal o entendimento relacionado ao “Direito ao esquecimento” que possibilite impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos em meios de comunicação. Para o STF eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados de forma individual em caso concreto, fundamentado em parâmetros constitucionais e na legislação penal e civil. Nesse sentido a pesquisa tem objetivo de abordar os distintos posicionamentos acerca do direito ao esquecimento e princípios observados pela constituição. Como metodologia utilizou-se o referencial bibliográfico com base em artigos, livros, Lei Seca, e demais documentos que sustentassem o tema. As conclusões da pesquisa pairam no entendimento que a melhor saída ao problema seja a edição de legislação específica que balize a questão, visto que atualmente essa liberdade que o STF trouxe a questão ainda traz entendimentos dúbios e que podem gerar decisões equivocadas ou destoadas a observação aos direitos individuais (vida privada, dignidade da pessoa humana, intimidade e honra, assegurados pela CF/88) nos tribunais brasileiros. Além de abrir margem para eventuais meios de comunicação exporem a vida de forma desordenada trazendo grandes prejuízos ao indivíduo, sendo submetido a uma pena perpétua frente a eventos cometidos no passado.
Palavras-chave: Direito. Esquecimento. Pena eterna.
ABSTRACT: The article presented here addresses the institute of the right to be forgotten in the Brazilian legal system, which has not been provided for in the Law until now. In this sense, the right to be forgotten is the possibility of the individual having information about him (which occurred in the past) not being disclosed, ensuring his right not to be remembered of past facts in perpetual form (eternal penalty). This right is based on the understanding that, over time, information that previously had a collective / public interest changes its status, therefore there is a legal conflict between the right to privacy and the right to information. The largest Brazilian text ensures both the right to privacy and the right to information and the Supreme Federal Court ruled in February 2021 that By majority decision, on Thursday (11), the Supreme Federal Court (STF) concluded that it is incompatible with the Federal Constitution the understanding related to the right to be forgotten that makes it possible, due to the passage of time, to prevent the disclosure of facts or truthful data in the media. For the STF, any excesses or abuses in the exercise of freedom of expression and information must be analyzed individually in a specific case, based on constitutional parameters and on criminal and civil legislation. In this sense, the research aims to address the different positions regarding the right to be forgotten and principles observed by the constitution. As methodology, the bibliographic reference was used based on articles, books, Prohibition Law, and other documents that supported the theme. The research conclusions hover in the understanding that the best solution to the problem is the edition of specific legislation that marks the issue, since currently this freedom that the STF brought the question still brings dubious understandings and that can generate wrong or unreasonable decisions the observation to the individual rights (private life, human dignity, intimacy and honor, guaranteed by CF / 88) in Brazilian courts. In addition to opening up the possibility for any means of communication to expose life in a disorderly manner, causing great damage to the individual, being subjected to a perpetual sentence in the face of events committed in the past.
Keywords: Right. Forget. Eternal penalty.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2. DIREITO AO ESQUECIMENTO; 2.1 A aplicabilidade do direito ao esquecimento no ordenamento jurídico pátrio; 2.2 Dignidade da Pessoa Humana; 2.3 Direitos de personalidade, privacidade, informação; 2.4 Entendimento do STF; 2.5 Críticas ao entendimento atual do STF quanto ao Direito ao Esquecimento; 3. CONCLUSÕES; 4. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos 20 anos muito se tem falado sobre o “Direito ao Esquecimento”. Trata-se do Direito que o indivíduo possui de que um fato, mesmo que considerado “verdade”, não venha a público. Visto que este fato o pode trazer prejuízos, transtornos, nas distintas esferas da vida humana.
O direito possui assento legal considerado como uma vertente do direito a vida privada, dignidade da pessoa humana, intimidade e honra, assegurados pela CF/88 (art. 5º, X), (art. 1º, III, da CF/88) e pelo CC/02 (art. 21).
A justificativa da proposta está no entendimento atual do STF que afirma que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal, de modo que eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso. Isto da uma margem ainda maior para eventuais meios de comunicação exporem a vida de forma desordenada trazendo grandes prejuízos ao indivíduo.
Em realidade a discussão baseia-se na seguinte problemática: o indivíduo que cometeu um ato em uma situação pretérita da vida deverá ter seu nome eternamente vinculado a este fato?
A resposta é humanista. Com base na possibilidade de mudança por parte dos seres humanos, nós como indivíduos em constante mutação, podemos mudar nossa conduta, tomando uma forma de viver distinta. Além disso, é importante ressaltar que, mesmo que o indivíduo tenha cometido um ato danoso, a partir do momento que paga sua pena, que se regenera, tem o direito de pedir a retirada de um conteúdo ou informação negativa dos meios de comunicação, não sendo prejudicado com esta reputação manchada de forma eterna. Até mesmo pelo que a Constituição Federal proíbe penas de caráter perpétuo.
Assim, pode-se entender que o direito ao esquecimento é o direito de não ser penalizado eternamente, o direito de viver uma vida nova, não tendo informações pretéritas negativas divulgadas, podendo ser munição para um julgamento sobre a atual conduta do indivíduo.
Com base nestes entendimentos apresenta-se algumas abordagens sobre o posicionamento histórico da doutrina sobre o direito ao esquecimento; aborda-se o princípio da dignidade da pessoa humana e do direito ao esquecimento; fazendo um comparativo sobre os direitos de personalidade, privacidade, informação e o direito de ser esquecido; apresentando por fim os conflitos legais sobre os direitos fundamentais e o direito ao esquecimento; e, o posicionamento do STF sobre o tema.
2. DIREITO AO ESQUECIMENTO
O direito ao esquecimento está ligado à possibilidade do indivíduo de não ter certas informações divulgadas.
De acordo com Costa (2013),
Não há consenso doutrinário acerca de sua conceituação, porém, inegável é o fato de que a alteração no modo como os indivíduos lidam com suas lembranças em uma realidade marcada por inovações tecnológicas foi determinante para a promoção desse direito (COSTA, 2013, p. 185).
Seja na mídia em geral, ou seja, na própria internet, ou em bancos de dados de acesso público informações pretéritas negativas podem prejudicar a vida presente do indivíduo. É um problema relativamente novo que surgiu a partir da discussão entre o direito de acesso a informação e demais direitos de personalidade (vida privada, dignidade da pessoa humana, intimidade e honra, assegurados pela CF/88).
Segundo Silva e Silva,
O direito de ser esquecido é a possibilidade de o indivíduo ter as informações que ocorreram no passado não sejam divulgadas, tendo assim assegurado o direito de não ser relembrado para sempre sobre fatos ocorridos no passado, uma vez que com o decorrer do tempo, as informações que tinham um interesse coletivo deixam de ter interesse público. Ocorrendo assim um conflito entre o direito à privacidade e o direito à informação, como a Constituição Federal assegura a todos esses direitos em uma eventual colisão de direitos se faz necessário utilizar a técnica de ponderação, ao utilizar essa técnica um determinado direito vai se sobrepor ao outro, para que assim possa ocorrer uma solução harmônica para os conflitos (SILVA; SILVA, 2020, p. 1).
Além deste, apresenta-se o posicionamento de Moreira e Medeiros (2016, p. 72) que afirmam que “O chamado direito ao esquecimento é oriundo de construção jurisprudencial, cuja matriz originária reside na Europa”.
Trata-se do direito que o indivíduo possui em evitar que um fato ocorrido em determinado momento de sua vida (passado), seja exposta a sociedade, nas redes sociais, em jornais, em qualquer meio de comunicação, causando-lhe transtornos ou aborrecimento. Isto inclui tanto fatos que sejam verídicos como inverídicos.
Quando analisado a nomenclatura do direito ao esquecimento, pode ser denotar como “direito de estar só” ou “direito de ser deixado em paz”. Trazendo para a perspectiva internacional sobre o tema pode-se apresentar a abordagem dada nos Estados Unidos da América, sendo conhecido como “the right to be let alone”, assim como em países de língua espanhola, é celebrado de “derecho al olvido” (STJ, 2021).
Resumidamente pode ser entendido como a possibilidade do indivíduo ter apagado informações ocorridas no passado, ou que tais informações não sejam divulgadas; o indivíduo tem assegurado o direito de não ser relembrado para sempre sobre fatos que desabonem a sua conduta, o seu ser, ou venha lhe trazer qualquer tipo de prejuízo. Que estas informações “de algum modo de interesse coletivo”, deixem de ser públicas (MARTINS, 2014).
O direito ao esquecimento se apresenta na doutrina como um conflito direto sobre princípios constitucionais importantíssimos como o direito à liberdade de expressão e o direito a informação. Há ainda divergência entre os direitos a vida privada e os direitos a informação (SILVA; CALDAS, 2019).
Em realidade o legislador não se movimentou até o momento quanto ao direito ao esquecimento, ainda que haja um ou outro projeto de lei que aborde a questão, mas algo concreto que realmente traga não existe.
Nesse sentido apresente-se um caso de direito ao esquecimento, denominado “Caso Ainda Curi”. Santos e Jacobs (2020),
Em 1958 uma jovem de 18 anos, a terceira dos cinco filhos de um casal de imigrantes sírios, foi assassinada por 3 homens. Eles a levaram para o Edifício Rio Nobre, em Copacabana/RJ, a espancaram brutalmente depois de um infrutífero estupro e a jogaram do 12º andar. Dois dos criminosos, um deles menor de idade, eram homens da classe média carioca e o outro era o porteiro do prédio. O crime foi fartamente debatido na mídia e seguiu sem punições. Passados cinquenta anos do ocorrido, a vida e a morte de Aída Curi viraram tema de uma reportagem especial da TV Globo, veiculada no programa conhecido por Linha Direta. Os irmãos de Aída ajuizaram, então, uma ação de reparação de danos morais, materiais e à imagem em face da rede Globo, afirmando que, apesar de o crime ter sido intensamente divulgado no noticiário da época, com o passar dos anos foi esquecido e que o programa teria aberto novamente as feridas ao explorar a imagem da vítima. A ação foi julgada improcedente tanto em primeiro quanto em segundo grau e a discussão chegou ao STJ pelo RESP nº 1.335.153-RJ, interposto pelos autores. O Ministro Relator Luís Felipe Salomão analisou a questão do uso indevido da imagem da falecida, citou o conflito entre liberdade de informação/expressão e proteção da memória individual e salientou ainda não existirem critérios únicos e definitivos para a ponderação do direito ao esquecimento, bem como em relação aos efeitos decorrentes de sua aplicação quando os fatos envolvem pessoas públicas, local público, ocorrência de crime e evento histórico. No caso Aída Curi o julgador ressaltou que a ação poderia ter sido subdividida em duas: a primeira seria relativa à indenização pela lembrança das dores passadas e a segunda relacionada ao uso comercial da imagem da falecida. Na época, ressaltou a aprovação do Enunciado 531 na VI Jornada de Direito Civil, segundo o qual a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento e abrange as vítimas como dignas desse direito, mas que, no caso específico, acolher o direito ao esquecimento, com a consequente indenização, significaria corte à liberdade de imprensa se comparado ao desconforto gerado pela lembrança. A justificativa é que a programação foi ao ar cinquenta anos após o acontecimento e que, além disso, se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o fim de retratar o caso ‘Aída Curi sem Aída Curi’. Também não houve indenização pelo uso da imagem porque não se considerou que ela ocorreu de maneira degradante ou desrespeitosa, não sendo, ao final, indevida ou digna de reparação. O STF, via recurso dos autores, reconheceu a repercussão geral no tema e viu a oportunidade de analisar se o direito ao esquecimento pode ser aplicado na esfera civil; o Google entrou no processo como uma das partes interessadas, bem como a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), o ITS-Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro), a Artigo 19, o IBDCIVIL (Instituto Brasileiro de Direito Civil), o Instituo Palavra Aberta, o Instituto de Direito Partidário e Político/PLURIS e a Yahoo! do Brasil. (JACOBS, 2020, p. 1-2)
Cite-se também o julgamento realizado em fevereiro de 2021 do Recurso Extraordinário (RE – 1010606), matéria de repercussão geral, onde alguns familiares da vítima de um crime, que teve grande repercussão nos anos 1950, na cidade do Rio de Janeiro, buscavam reparação, frente a divulgação da Reconstituição do caso, em 2004, no programa “Linha Direta”, da TV Globo, sem prévia autorização. Depois de quatro sessões de debates, o julgamento concluído, tendo por entendimento o direito ao esquecimento sendo incompatível com a Constituição Federal, de modo que eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso (STF, 2021).
Em realidade o entendimento atual do STF sofre críticas. Inclusive por parte do posicionamento deste artigo, afirmando que os prejuízos causados por algumas destas informações são maiores do que os benefícios de trazer estas informações ao conhecimento da sociedade, por parte dos meios de comunicação.
O entendimento, ou idéia central dos juristas que se apoiam nesta idéia, fundamentam-se no entendimento que nós humanos, dotados de cognição, temos condições de melhorar nossos comportamentos, nossas condutas, e não devemos sofrer as consequências de um momento, ou uma fase da vida considerada turbulenta, ou cheia de erros. É possível melhorar a nossa conduta e não devemos pagar de forma infinita e eterna por erros cometidos no passado e que neste momento não mais são realizados. Ou até mesmo que a pena tenha sido cumprida com a sociedade. Oposto a isso, seria considerado como uma pena eterna (STJ, 2021).
Com base nesta abordagem inicial apresenta-se alguns posicionamentos históricos sobre o direito ao esquecimento.
2.1 A aplicabilidade do direito ao esquecimento no ordenamento jurídico pátrio
Apresenta-se neste sentido alguns importantes posicionamentos do STF, e de cortes internacionais sobre o direito ao esquecimento e ao conflito de interesses. Em 2018 o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito ao esquecimento como tema de repercussão geral (786) com base na possibilidade da aplicabilidade do direito ao esquecimento na esfera civil. Este poderá ser invocado pela própria vítima ou até mesmo por seus familiares conforme o ARE 833.248 RG, paradigma substituído pelo processo RE 1.010.606 (STF, 2018).
Este entendimento se deu a partir de 12 de junho de 2017 quando foi realizada audiência pública, convocada pelo Ministro do STF Dias Toffoli, relator do RE 1.010.606. Nesta ação o objeto era o direito de uma família de não reviver uma circunstancia que trazia sofrimento, em virtude do falecimento de um ente querido, pois os detalhes do seu assassinato foram divulgados em programa de televisão em rede nacional (STF, 2021).
Esta ação foi um marco no que diz respeito ao direito de ser esquecido. Em realidade este direito já vem sendo amplamente discutido na Europa. Segundo o Boletim Jurídico espanhol (Google Spain S.L, Google Inc. y Agencia Española de Protección de Datos (AEPD), Mario Costeja González (C-131/12)) julgado em Julgado em 13/05/2014 evidenciou,
Em 2010, o Sr. Mario Costeja González, cidadão espanhol, ajuizou ação contra a editora La Vanguardia Ediciones SL1 e contra as empresas Google Spain e Google Inc. perante a Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD). O Sr. González alegou que, caso um internauta digitasse seu nome no mecanismo de busca do grupo Google (Google Search), a lista de resultados mostrava links para duas páginas do jornal La Vanguardia, de janeiro e março de 1998. Essas páginas expunham o anúncio de um leilão imobiliário organizado após processo de penhora para a quitação de dívidas previdenciárias devidas pelo Sr. González. O requerente solicitou que a editora retirasse ou alterasse as páginas em questão, com o intuito de ocultar seus dados pessoais, ou que utilizasse ferramentas específicas para proteger os dados nos mecanismos de busca. Em seguida, requereu que as empresas Google Spain e a Google Inc. removessem ou ocultassem os dados pessoais a ele relacionados, para que essas informações não mais aparecessem nos resultados de pesquisa e links referentes à La Vanguardia. A AEPD rejeitou o pedido contra a La Vanguardia, por considerar que as informações foram publicadas legalmente. Por outro lado, acatou o pleito no tocante às empresas do grupo Google e solicitou que ambas tomassem as medidas necessárias para retirar os dados pessoais do requerente de suas indexações, dificultando futuros acessos. As empresas Google Spain e Google Inc. recorreram da decisão perante a Audiência Nacional (National High Court). O órgão decidiu suspender o processo e submeter questões ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre a interpretação da Diretiva 95/462, que versa sobre a proteção das pessoas quanto ao processamento de dados pessoais e à livre circulação dessas informações, além da aplicação da legislação espanhola em matéria de proteção de dados (STF, 2018, p. 8).
O entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia é que a atividade dos mecanismos de busca na internet (seus algoritmos e programações) se fazem no intuito de encontrar informações publicadas ou disponibilizadas on-line por sites terceiros, fazendo com que haja uma indexação automática. Além de tal constatação tal indexação promove um armazenamento temporário disponibilizando tais informações conforme as mesmas são solicitadas pelos usuários (STF, 2018).
Tal atividade, denominada na Espanha como “processamento de dados” pode afetar significativamente alguns direitos de personalidade do indivíduo, como direitos fundamentais à privacidade, direito da proteção de dados, visto que qualquer usuário com o nome do indivíduo pode obter informações através de uma mera consulta por nome, uma visão estruturada de distintos aspectos da vida privada do pesquisado (STF, 2018).
É possível através desta pesquisa, estabelecer um perfil estereotipado da pessoa, ligando a personalidade atual da mesma a fatos a ela relacionados no passado (com destaque aos fatos negativos). De modo que se não fosse a oportunidade dos mecanismos de busca estes fatos não poderiam ter sido interligados, ou seriam conectados com grande dificuldade. No entendimento deste tribunal esta exposição fere os artigos 7.º e 8.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Nesse sentido o marco histórico do Direito ao Esquecimento e sua primeira menção na perspectiva internacional remete-se a Alemanha. Onde foi realizado um julgamento, chamado “Caso Lebach”, realizado no Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, no dia 05 de junho de 1973 (STJ, 2021).
O entendimento dos tribunais alemães é de que,
Em 1969, quatro soldados foram assassinados e um ficou gravemente ferido durante um roubo de armas e munições. O caso ficou conhecido como “o assassinato dos soldados de Lebach”, em referência ao lugarejo localizado a oeste da República Federal da Alemanha onde o crime ocorreu, tendo ganhado grande notoriedade pela brutalidade com que foi cometido. Os dois principais autores foram condenados à prisão perpétua e um terceiro fora condenado a seis anos de prisão por ter auxiliado na preparação da ação criminosa. No ano de 1972, uma emissora de televisão5 anunciou a produção de um documentário sobre o delito, no qual reconstituiria o latrocínio, com referência aos nomes e fotos dos envolvidos, detalhes da relação entre os condenados - incluindo ligações homossexuais -, além de particularidades sobre a perseguição e prisão. O programa iria ao ar poucos meses antes da data do livramento condicional do partícipe, razão pela qual pleiteou-se medida liminar para impedir sua exibição, sob o argumento de que a veiculação desses fatos seria prejudicial à sua ressocialização, em afronta ao direito de desenvolvimento da personalidade. O pleito foi denegado nas instâncias ordinárias, fundamentado na proteção da liberdade comunicativa e informativa, o que motivou o ajuizamento de reclamação constitucional (STF, 2018, p. 8).
O julgamento tratava sobre um assassinato brutal de quatro soldados na cidade de Lebach em 1969 (para roubar as suas armas e munições). O ocorrido foi conhecido como “assassinato dos soldados de Lebach”. O fato foi estenuadamente noticiado, em virtude da natureza e brutalidade do crime (STJ, 2021).
O ocorrido trouxe a condenação de três pessoas. Dois com pena de prisão perpétua em virtude do assassinato dos soldados, e o terceiro condenado a seis anos de prisão, considerado como cumplice para preparação do crime (STJ, 2021).
A problemática inicia-se a partir da decisão de um canal de televisão da Alemanha em realizar um documentário sobre o crime. Neste documentário houve a reconstituição da cena do crime. Além disso citou-se o nome dos envolvidos, além de apresentação de fotos dos envolvidos. O documentário foi mais além, retratando a vida dos condenados do crime, inclusive apresentando orientação sexual dos envolvidos insinuando que eles eram homossexuais. Enfim, trouxe praticamente um raio-x sobre vítimas e algozes (STJ, 2021).
Além disso o documentário seria exibido meses antes de um dos condenados saírem da prisão, através do benefício da pena condicional. Em virtude de tal realidade o condenado pediu a justiça que o documentário fosse suspenso, com base na idéia de ressocialização e violação dos direitos de personalidade do mesmo (STJ, 2021).
O entendimento do Tribunal da Alemanha foi de dar procedente ao pedido do requerente, visto que o conflito entre “o direito à informação” e o “direito à personalidade” prevalece o “direito a personalidade”. Coincidentemente o entendimento deste artigo. O sujeito não pode ser eternamente penalizado por um erro (STJ, 2021).
A corte entendeu que o tempo fez com que o interesse sobre a notícia não fosse mais de “interesse público” para que novamente houvesse divulgação do crime. Além disso, o fato de a emissora tornar público a imagem e a vida privada do condenado por um período indeterminado violariam os direitos de personalidade do condenado (STJ, 2021).
Segundo o entendimento do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, era uma discussão que envolvia diversos direitos. De um lado o direito à informação e de outro os direitos de personalidade. Esta corte julgou procedente o pedido (STF, 2018).
O entendimento da Corte alemã do caso em questão é que a tutela dos direitos de personalidade estava superiores aos direitos de liberdade de comunicação, o que no caso em questão justifica a intervenção para proibir a transmissão de tal documentário até a decisão final sobre a ação principal pelos tribunais ordinários alemãs competentes (STF, 2018). Este é o entendimento atual deste artigo, que os direitos de personalidade, privacidade, e honra são superiores aos direitos de informação.
O entendimento mor da Corte foi de que os meios de comunicação de massa apresentam grande influência na decisão do processo de formação da opinião pública. E no momento em que disponibiliza a sociedade informações deste tipo e acontecimentos da sociedade merecem uma discussão (STF, 2018).
No entendimento da corte deve ser considerado o respeito à intimidade, à vida privada, com base no princípio da proporcionalidade, que rege que a divulgação de retrato, nome, ou qualquer identificação do autor do delito pode ser limitada. O entendimento final foi que a proteção a personalidade não admite que a emissora explore a imagem e a vida pessoal do condenado por tempo ilimitado e além da notícia atual (STF, 2018).
Já em nosso país um importante caso que gerou Repercussão Geral, foi o julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo 833.248 Rio de Janeiro de relatoria do Ministro Dias Tóffoli,
Trata-se de agravo contra decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário no qual se pleiteou indenização por danos morais formalizada em virtude do uso não autorizado da imagem da falecida irmã dos autores – Aída Curi – no programa de televisão denominado “Linha Direta Justiça”. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro desproveu a apelação interposta pelos ora recorrentes, sob o fundamento de que os fatos expostos no programa eram de conhecimento público, amplamente divulgados pela imprensa ao longo dos últimos cinquenta anos, inclusive, nos meios acadêmicos, permanecendo acessíveis à coletividade. Ressaltou ter a empresa cumprido com sua função social de informar, alertar e debater o controvertido caso, o que se sobrepõe ao interesse individual de alguns. Afirmou que a família da vítima não teria direito absoluto de esquecer o evento e acrescentou haver o programa televisivo gerado efeitos positivos para a sociedade, uma vez que serviu de alerta para que as novas gerações repensassem sobre as condutas do presente. Frisou que, embora a rede de TV fosse pessoa jurídica de fins lucrativos, observou-se que a reprodução do caso não trouxe aumento do seu lucro ou, ao menos, não houve comprovação nos autos. Em sede de recurso extraordinário, os recorrentes defenderam que a discussão relativa ao direito a proteger sua dignidade humana, atingida pelo exercício considerado abusivo e ilegal da liberdade da expressão frente aos órgãos de mídia e de imprensa, é matéria de repercussão geral. No mérito, sustentaram que o direito ao esquecimento é um atributo indissociável da garantia da dignidade humana, com ela se confundindo. Aduziram que a liberdade de expressão não tem caráter absoluto, não podendo se sobrepor às garantias individuais, notadamente à inviolabilidade da personalidade, da honra, da dignidade, da vida privada e da intimidade. Assim, defenderam que o programa sobre o lamentável fato não teve cunho jornalístico e se deu de forma sensacionalista, com objetivo meramente comercial, tendo o revolvimento dessa tragédia implicado danos morais à família da vítima, mesmo após longo período de tempo (STF, 2018, p. 13).
O entendimento geral deste caso está no fato que mesmo o indivíduo ter cumprido (ou estar cumprindo) a pena que o Estado impôs, outros meios não possuem o direito de trazer prejuízos a este indivíduo, sobre fatos acontecidos no passado, dificultando a reinserção ao convívio da sociedade.
Na esfera nacional cite-se ainda um marco ao direito ao esquecimento ocorrido em 2013. Foi aprovado o enunciado 531, da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF) o enunciado diz que: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. A justificativa deste enunciado estava no seguinte entendimento:
Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando atualmente. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados. (Conselho de Justiça Federal-Enunciados, disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/142)
Importa ressaltar que ainda em 2013 foi julgado no Superior Tribunal de Justiça dois casos em que estavam pautados relacionados ao direito ao esquecimento. estes casos possuíam como relator o ministro Luís Felipe Salomão. O primeiro caso (Recurso Especial nº 1.334.097) possuía como réu a emissora de televisão Globo Comunicações e Participações S/A. Isto porque a mesma no programa “Linha Direta” num caso em que era evidenciado a Chacina da Candelária, divulgando o nome do autor como um dos suspeitos de participarem do homicídio ocorrido no ano 1993 (caso de extrema relevância nacional).
No caso da ação em si, houve a alegação sobre a divulgação do nome do indivíduo dentro da reportagem. A ação poderia promover possíveis ações de ódio social na comunidade onde reside, com uma imagem negativa de assassino, ferindo inclusive a privacidade, trazendo prejuízos aos seus familiares, visto que a vinculação do documentário. Além disso poderia não mais conseguir emprego, tendo inclusive que que deixar a cidade onde vivia, pois, estava sendo ameaçado de morte. O entendimento da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça foi de que a vinculação do nome na reportagem feria os direitos da personalidade, privacidade. Ainda que fosse divulgado que ele foi absolvido. Além disso o tribunal entendeu por ferimento de alguns direitos visto que já havia passado muito tempo, não havendo mais o chamado “interesse público”.
A decisão do ministro ressaltou o fato que a vinculação do nome ao caso poderia gerar dúvidas sobre a índole do mesmo; além disso, a reportagem não passou a mensagem como inocentado pela justiça. O entendimento da 4ª turma do STJ foi para a observação dos direitos a privacidade e intimidade. Além disso, após a absolvição ou cumprimento da pena o indivíduo tem o direito de ser esquecido, não permitindo que tal fato ou informação seja eternizado. Apresenta-se a ementa da decisão:
Ementa: recurso especial. Direito civil-constitucional. Liberdade de imprensa vs. Direitos da personalidade. Litígio de solução transversal. Competência Do superior tribunal de justiça. Documentário exibido em rede nacional. Linha direta-justiça. Sequência de homicídios conhecida como chacina da candelária. Reportagem que reacende o tema treze anos depois do fato. Veiculação consentida de nome e imagem de indiciado nos crimes. Absolvição posterior por negativa de autoria. Direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram pena e dos absolvidos. Acolhimento. Decorrência da proteção legal e constitucional da dignidade da pessoa humana e das limitações positivadas à atividade informativa. Presunção legal e constitucional de ressocialização da pessoa. Ponderação de valores. Precedentes de direito comparado.
[...] 20. Condenação mantida em r$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por não se mostrar exorbitante. (stj- resp: 1.334.097, relator: ministro luis felipe salomão, t4- quarta turma, data de publicação: dje 10/09/2013)
Além disso, no entendimento do STJ, se o programa ocultasse a imagem e o nome do autor não haveria prejuízos a matéria jornalística, além de não afetar a liberdade de imprensa, havendo, portanto, entendimento sobre a necessidade de indenização por parte da emissora em virtude de danos morais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
Já um segundo caso relacionado ao direito ao esquecimento, é o Recurso Especial nº 1.335.153-RJ. É um caso também contra a Rede Globo, no programa “Linha Direta”, trazendo a tona o caso Aida Curi. Falava sobre o assassinato ocorrido em 1958, crime conhecido pelo mesmo nome, tendo a reportagem divulgado tanto o nome como a imagem da vítima.
A partir desta divulgação os irmãos da vítima (Aida Curi), impetraram ação de indenização por danos morais, materiais e a imagem, contra a emissora de televisão (Rede Globo) a partir da alegação que o tempo fez com que o crime fosse esquecido perante a sociedade, e a divulgação da reportagem trazia “lembranças desagradáveis” sobre o crime, causando dor, sofrimento desnecessário a família. Além disso, a alegação pairava na idéia que a emissora lucrava com o uso da imagem da vítima.
Além disso a autoria da ação alegava que a divulgação do nome e fotos da vítima, foi realizado de forma ilícita, visto que a emissora foi informada pelos familiares que não desejavam que a reportagem fosse ao ar, até mesmo pelo fato do crime ter sido há muito tempo, de modo que a sociedade nem lembrava mais sobre o caso, não havendo, portanto, o que chamamos de “interesse público”.
A alegação da autoria era que a reportagem trouxe a emissora lucros com a audiência e publicidade, sendo que não obteve os direitos de imagem da vítima.
O entendimento do STJ foi de que o crime foi conhecido pelo nome da vítima, de modo que não havia como a emissora contar a história do homicídio sem divulgar o mesmo. Além disso o STJ não reconheceu a aplicação do direito ao esquecimento, visto que o crime se tornou um fato histórico, não havendo inclusive a necessidade de indenização sob a alegação que com o passar do tempo a dor da perda de um ente querido vai diminuindo, não causando mais o mesmo dano que antes causaria. Apresenta-se a ementa:
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO NO ANO DE 1958. CASO "AIDA CURI". VEICULAÇÃO, MEIO SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E IMAGEM DA VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES. DIREITO AO ESQUECIMENTO. ACOLHIMENTO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO DA HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. [...] (STJ- REsp: 1.355.153, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, T4- QUARTA TURMA, Data da Publicação: DJe 10/09/2013)
Sobre a divulgação da imagem o entendimento do STJ se deu na não utilização, visto que somente foi apresenta uma única vez em toda reportagem. Nas demais foram realizadas dramatizações. O entendimento foi de que mesmo que a divulgação da imagem da vítima fosse realizada sem o consentimento da família, não se demonstrou dano moral para ocorrer uma indenização pela divulgação da imagem.
Percebe-se, portanto, um entendimento divergente do Superior Tribunal de Justiça em dois casos que traziam como teor o direito ao esquecimento. No primeiro, caso da Chacina da Candelária, houve o entendimento por parte do STJ prevalecendo o direito à privacidade, visto que o autor (sendo absolvido) teria a partir da divulgação da reportagem atingido seu direito à personalidade e à privacidade, visto que a reportagem poderia ocultar tal informação, não comprometendo a matéria jornalística, havendo, portanto, reconhecimento do STJ ao direito ao esquecimento.
No segundo caso, conhecido como “Aida Curi” houve entendimento diverso, não havendo entendimento sobre indenização, ou direito de imagem. O primeiro visto que o crime se tornou fato histórico (sendo impossível a reportagem ocultar o nome da vítima), tornando-se um fato considerado de domínio público; e no segundo, pela divulgação considerada mínima da imagem da vítima, não havendo de fato um dano até mesmo pelo tempo de ocorrência dos fatos, entendendo o tribunal que com o tempo a dor da perca vai diminuindo.
Com base nestas explanações apresenta-se alguns princípios que são violados no entendimento deste artigo consubstanciando-se o direito ao esquecimento. Dentre eles pode-se citar a dignidade da pessoa humana. Além deste os direitos de personalidade, privacidade, informação e o direito de ser esquecido.
2.2 Dignidade da Pessoa Humana
A dignidade da pessoa humana está contemplada na Constituição Federal de 1988 no artigo primeiro,
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
Nesse sentido pode-se afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana fundamenta a República Federativa do Brasil.
A dignidade da pessoa humana infere que o Estado deve sob primazia proteger a vida. As condições mínimas que o indivíduo precise para sua existência. Uma vida digna, bem-estar, ou seja, a proteção física, moral, do indivíduo. Há reconhecimento ainda do princípio.
Entende-se a dignidade da pessoa humana está fundamentado no entendimento que o Direito, na esfera penal, é um direito fundamental implícito, corolário da vedação à adoção de pena de caráter perpétuo e dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade (GILMAR MENDES, RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.010.606 RIO DE JANEIRO, 2021).
Deste modo a dignidade da pessoa humana enquadra-se no entendimento que mesmo que um indivíduo seja corretamente processado, julgado, condenado, deverá a sua pena obedecer a proporcionalidade e razoabilidade, e a partir da finalização da pena, com o findar, que dados relacionados a esta prisão não sejam eternos, e não venham a prejudicar o indivíduo mesmo após a finalização de todos os procedimentos, assumindo assim um caráter perpétuo. Em realidade o indivíduo não pode carregar um erro ao resto da vida, precisa seguir em frente e buscar sua ressocialização.
Inclusive o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, afirma que “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.”
Nesse sentido a justificativa do enunciado apresenta o entendimento que:
Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados. (Conselho de Justiça Federal-Enunciados, 2013. Disponível em:https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/142)
Em realidade este enunciado não apresenta a nenhuma pessoa o direito de apagar fatos ou até mesmo de reescrever a própria história. O direito paira em assegurar o uso e a forma com que estes fatos serão utilizados, ou até mesmo o modo e a finalidade com que são lembrados.
Inclusive a dignidade da pessoa humana é apontada pelo Deputado Augusto Carvalho, autor do PL (PL 10.860/2018), que busca inserir no parágrafo único do art. 11 do Código Civil a redação do enunciado 531 citado na Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. Dentre os argumentos estão os indivíduos com Posição pró-esquecimento.
Os indivíduos que advogam tal posição entendem que o esquecimento existe, e deve preponderar, com base no direito da pessoa humana, com destaque a observação dos princípios da reserva, da intimidade e da privacidade. Fundamentado na dignidade da pessoa humana, considerado como um valor supremo na ordem constitucional brasileira, os direitos a intimidade e privacidade seriam superiores aos direitos de liberdade de informação com relação a fatos pretéritos, não-atuais.
Os defensores deste entendimento ainda ressaltam que: entender o oposto seria o mesmo que “rotular o indivíduo”, aplicando ao mesmo o que seriam “penas perpétuas” através da divulgação da mídia e da internet. O IBCCrim –Instituto Brasileiro de Ciências Criminais possui representantes que advogam prazo de 5 anos ao fim do cumprimento da pena para que informações sobre condenações penais sejam “apagadas” da imprensa e da internet.
Assim a dignidade da pessoa humana enquanto ao direito ao esquecimento paira na proteção a honra, a privacidade, a vida privada do indivíduo, que se sobrepõe a outros direitos, que neste caso, o direito a informação.
2.3 Direitos de personalidade, privacidade, informação
Os direitos de personalidade, como o próprio nome o diz, trata sobre as pessoas, direitos que as pessoas possuem por existir. O existir na grande maioria das vezes não pode ser quantificável, portanto, os direitos de personalidade na maioria das vezes são subjetivos.
Os direitos de personalidade estão dispostos na Constituição federal de 1988 direito a vida privada, dignidade da pessoa humana, intimidade e honra, assegurados pela CF/88 (art. 5º, X), (art. 1º, III, da CF/88) e pelo CC/02 (art. 21), conforme se apresenta a seguir,
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
[...]
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[...]
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. (Vide ADIN 4815)
Em realidade os direitos de personalidade são inerentes ao homem. São direitos que lhe protegem a honra, a vida privada, sua dignidade, suas opções de vida, seu modo de ser. São considerados como direitos irrenunciáveis e instransmissíveis que os indivíduos tem em controlar o uso de seu corpo, nome, imagem, aparência ou quaisquer outros aspectos constitutivos de sua identidade.
Nesse sentido quando são divulgadas informações negativas sobre alguém em meios de comunicação como: jornais, internet, ou qualquer outro meio, abre-se precedente para a possibilidade de violação de direitos de personalidade; principalmente quando estes fatos já não têm interesse público. Em verdade muitas destas informações já não interferem no cotidiano da vida humana, relacionado ao direito de informação e somente contribuem para denegrir a imagem de quem é citado.
Nesse sentido cite-se um caso emblemático relacionado aos direitos de personalidade e o direito ao esquecimento. O Recurso Especial nº 1.334.097/RJ, onde parte era a emissora de televisão Globo Comunicações e Participações S/A. Neste caso um programa de televisão chamado Linha Direta fazia uma reportagem sobre o caso da Chacina da Candelária, divulgando o nome do autor como um dos suspeitos de participarem do homicídio ocorrido no ano 1993.
Esta reportagem foi divulgada em 2006 no programa, citando o autor da ação como um dos assassinos do homicídio. Todavia o caso já tinha sido julgado e potencial homicida foi absolvido de tal acusação. O potencial homicida inclusive foi procurado para entrevista, se negando a tal ato, e inclusive demonstrou desinteresse que sua imagem fosse divulgada em rede nacional como um indiciado sobre o crime.
A alegação do autor, correspondente aos direitos de personalidade pairavam no fato que a divulgação do seu nome com a reportagem reacenderia o clamor e ódio social em sua comunidade. Trazendo a ele uma imagem de assassino. O autor alegava que tal divulgação feria a sua privacidade, trazendo ainda potenciais prejuízos aos seus familiares, visto que após a divulgação não conseguiria mais encontrar emprego, e inclusive estava sendo ameaçado de morte.
O entendimento da 4.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça foi de procedente o pedido do autor, visto que ainda que tenha sido mencionado que o autor tinha sido absolvido a divulgação do nome na matéria jornalística feriu direitos da personalidade, violando o direito à privacidade do indivíduo, pois no momento a matéria jornalística não apresentava mais “interesse público”, visto que a chacina ocorreu há muito tempo, sendo a informação não mais de interesse coletivo.
O Ministro relator Luís Felipe Salomão afirmou em sua decisão que ainda que a reportagem tenha contado de forma verídica os fatos, a percepção da sociedade trazia dúvidas quanto a prática ou não do assassinato pelo indivíduo relatado, mesmo após o mesmo ter sido absolvido de suas acusações, geram dúvidas com relação a sua índole.
Além disso o entendimento da 4.ª turma do Superior Tribunal de Justiça foi de que após o cumprimento da pena ou absolvição o indivíduo tem direito ao esquecimento com relação ao crime que lhe foi imputado, visto que tem suas dívidas pagas junto a sociedade, não permitindo que esta informação seja eternizada. Nestes termos apresenta-se a ementa do entendimento:
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. SEQUÊNCIA DE HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA CANDELÁRIA. REPORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEPOIS DO FATO. VEICULAÇÃO INCONSENTIDA DE NOME E IMAGEM DE INDICIADO NOS CRIMES. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR POR NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS CONDENADOS QUE CUMPRIRAM PENA E DOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DAS LIMITAÇÕES POSITIVADAS À ATIVIDADE INFORMATIVA. PRESUNÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DE RESSOCIALIZAÇÃO DA PESSOA. PONDERAÇÃO DE VALORES. PRECEDENTES DE DIREITO COMPARADO.
[...] 20. Condenação mantida em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por não se mostrar exorbitante. (STJ- REsp: 1.334.097, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Data de julgamento: 28/05/2013, T4- QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/09/2013)
Por fim, com relação a violação dos direitos de personalidade, o entendimento do STJ foi de que ocultar o nome e imagem do acusado não prejudicaria a matéria, e não afetaria a liberdade de imprensa. A emissora foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
O direito a personalidade também foi violado no caso Ainda Curi. O julgamento do Recurso Especial nº 1.335.153-RJ, também contra a Rede Globo através da divulgação no “Programa Linha Direta” onde foi realizado uma reportagem sobre o caso Aida Curi. Trata-se de um assassinato ocorrido em 1958; um crime de repercussão social na época, conhecido pelo nome da vítima, sendo que a reportagem divulgou o nome e a imagem da vítima.
A partir da divulgação da reportagem os irmãos da vítima impetraram ação de indenização por danos morais, materiais e de imagem, contra a emissora (Rede Globo) televisão alegando que com o decorrer do tempo não haveria mais interesse público no caso e que o mesmo. Além disso alegaram que a emissora obteve lucros com a reportagem, entre outras questões.
O entendimento do tribunal foi que não caberia direito ao esquecimento, visto que com o tempo a dor vai diminuindo frente ao fato. Além disso, o tribunal entendeu que não haveria como omitir o nome da vítima, visto que o nome dava título ao caso. Não reconheceu o direito de indenizar, uma vez que com o passar do tempo a dor da perda de um familiar vai diminuindo, conforme a ementa a seguir:
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO NO ANO DE 1958. CASO "AIDA CURI". VEICULAÇÃO, MEIO SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E IMAGEM DA VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES. DIREITO AO ESQUECIMENTO. ACOLHIMENTO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO DA HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. [...] (STJ- REsp: 1.355.153, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Data de julgamento: 28/05/2013, T4- QUARTA TURMA, Data da Publicação: DJe 10/09/2013)
Além disso não foi configurado dano a imagem frente ao fato que a vítima na reportagem aparece somente uma única vez, pois as demais imagens foram realizadas através de dramatizações (feitas por atores), não havendo entendimento do tribunal para dano moral, havendo necessidade de retratação via indenização sobre a divulgação da imagem sem a devida autorização para seu uso.
Percebe-se que o Superior Tribunal de Justiça entendeu de forma diferente os casos no que tange ao direito ao esquecimento. No primeiro “Chacina da Candelária” entendeu haver violação ao direito à privacidade, visto que o autor foi acusado do crime, todavia absolvido, de modo que a divulgação da imagem e nome violaria o direito, ainda que a reportagem afirmasse que ele tenha sido inocentado sobre a acusação de assassinato, esta divulgação feria o direito à personalidade e à privacidade, visto que poderia ter sido ocultado esta informação na reportagem, não comprometendo a matéria jornalística, havendo neste caso o reconhecimento do direito ao esquecimento pelo Superior Tribuna de Justiça.
No segundo caso “Caso Aida Curi” o entendimento foi distinto, visto que o tribunal reconheceu a existência do direito ao esquecimento, todavia sem aplicação a este caso, visto que o crime ficou conhecido nacionalmente pelo nome da vítima, sendo impossível ocultar na reportagem tal informação. Além disso, ficou entendido que o fato se tornou domínio público, tornando-se um fato histórico. Além disso não foi admitido indenização e direito de imagem visto que o tribunal entendeu que com o tempo a dor da família diminui, relacionado a perca, não havendo, portanto, o abalo descrito, não havendo direito a indenização.
2.4 Entendimento do STF
Foi julgado em 11 de fevereiro de 2020 o Recurso Extraordinário (RE) 1010606, com repercussão geral já reconhecida, onde os familiares da vítima de um crime de grande repercussão nos anos 1950, ocorrido no Rio de Janeiro buscavam reparação sobre o ato da reconstituição do caso em 2004 pelo programa “Linha Direta”. Sendo que estas ações foram realizadas na Rede Globo, sem a autorização da família, até mesmo no que concerne ao direito de imagem (STF, 2021).
O plenário decidiu de forma majoritária que é considerado incompatível a Constituição Federal o entendimento do direito ao esquecimento que possa impedir em virtude de passagem de tempo a divulgação de fatos ou dados verídicos em meios de comunicação. De acordo com o entendimento dos Ministros do STF “eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, com base em parâmetros constitucionais e na legislação penal e civil” (STF, 2021).
Ao ver deste artigo o entendimento é equivocado e não trouxe avanços para a questão. Até mesmo porque praticamente não houve um entendimento que há ou não direito ao esquecimento restando para o caso concreto. Em verdade a decisão do supremo sofre muitas críticas (STF, 2021).
Após quatro sessões o tribunal por maioria de votos negou provimento ao recurso anteriormente mencionado.
No que tange ao tema “Solidariedade entre gerações” votaram pelo desprovimento do recurso. Importa salientar que Cármen Lúcia (2021) afirmou que “não há como extrair do sistema jurídico brasileiro, de forma genérica e plena, o esquecimento como direito fundamental limitador da liberdade de expressão”, como também não se pode entender o direito ao esquecimento como uma “forma de coatar outros direitos à memória coletiva” (STF, 2021).
A ministra trouxe como referência o direito à verdade histórica no que tange ao princípio da solidariedade entre gerações, considerando que não é possível. Sob a perspectiva jurídico, não há como uma geração negar à próxima o direito de saber a sua história.
Inclusive trouxe outras considerações sobre o tema fazendo menção a escravidão, violência contra mulher, índios, gays, tortura, entre outros: “Quem vai saber da escravidão, da violência contra mulher, contra índios, contra gays, senão pelo relato e pela exibição de exemplos específicos para comprovar a existência da agressão, da tortura e do feminicídio?”(STF, 2021, p. 1-2)
Com relação a “Ponderação de valores” o Ministro Dias Toffoli acompanhando o voto do relator, optou pelo desprovimento do RE. Além disso o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a liberdade de expressão trata-se de um direito de capital importância, ligado ao exercício das franquias democráticas (STF, 2021).
Para Ricardo Lewandowski o direito ao esquecimento só pode ser verificado individualmente no caso concreto, a partir de uma ponderação de valores, fazendo análise e sobrepesando qual dos dois direitos fundamentais (a liberdade de expressão ou os direitos de personalidade) deve prevalecer (STF, 2021).
O Ministro conclui afirmando que “A humanidade, ainda que queira suprimir o passado, ainda é obrigada a revivê-lo.”(STF, 2021, p.2-3).
Outro tema que foi discutido foi a “Exposição vexatória”. Nesse sentido apresente-se destaque para o voto parcial do Ministro Gilmar Mendes, acompanhando a divergência apresentada pelo Ministro Nunes Marques. Os ministros exaltaram os direitos à intimidade e à vida privada como superiores a demais direitos.
Inclusive o Ministro Gilmar Mendes afirmou que “a exposição humilhante ou vexatória de dados, da imagem e do nome de pessoas (autor e vítima) é indenizável” (STF, 2021, p. 2-3); isto inclui até mesmo questões que sejam de interesse público, histórico e social, devendo o tribunal de origem verificar o pedido de indenização.
No entendimento de Gilmar Mendes quando há conflito entre normas constitucionais de igual hierarquia, como no caso do recurso analisado, é necessário examinar de forma pontual qual dos direitos deverá prevalecer buscando observar a possibilidade de direito de resposta e indenização, sem prejuízo de outros instrumentos a serem aprovados pelo Legislativo.
O presidente do STF Ministro Luiz Fux ressaltou o caráter ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana quanto ao direito ao esquecimento, e quando há confronto entre valores constitucionais é preciso eleger a prevalência de um deles. No entendimento do Presidente da Corte o direito ao esquecimento pode ser aplicado, todavia no caso em discussão os fatos se tornaram domínio público, tendo sido retratados não apenas no programa televisivo, mas em livros, revistas e jornais, não havendo aplicabilidade do Direito ao Esquecimento, acompanhando o voto do relator.
A tese de repercussão geral firmada no julgamento foi de que:
É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e civel (STF, 2021, p. 3).
Em verdade o entendimento do STF para a questão sofreu muitas críticas. Mas atualmente é o entendimento a que as cortes inferiores deverão seguir. Acredita-se que realmente uma solução para a celeuma estará na ação legislativa para a questão. Numa discussão sobre quais dos direitos devem prevalecer os direitos a honra, a imagem, a privacidade, a dignidade da pessoa humana, ou o direito a informação e a imprensa.
2.5 Críticas ao entendimento atual do STF quanto ao Direito ao Esquecimento
Primeiramente quando o STF refuta a existência do direito ao esquecimento na ordem jurídica brasileira rechaça uma gama de decisões judiciais anteriores, dando destaque aos muitos julgados do STJ; como também vai de encontro a muitos catedráticos e a expressiva doutrina, que se posiciona de forma majoritária favorável ao direito ao esquecimento. Trazendo o direito ao esquecimento em alguns casos como direito fundamental, corrente a que este artigo coaduna com o entendimento.
Nos sites jurídicos, reportagens, palestras, entrevistas tem se visto também uma grande tendência pelo entendimento da existência ao direito ao esquecimento e suas consequências, principalmente no que tange a eliminação de dados, informações em banco de dados públicos ou privados que possam trazer informações que prejudiquem o indivíduo.
Além disso é importante fazer alusão ao paralelo entre o Direito ao Esquecimento e o artigo 748 do Código de Processo Penal, que estabelece "a condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal". Este entendimento é também apresentado no artigo 202 da Lei de Execuções Penais.
Também o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069, de 13.07.1990) traz sobre os atos infracionais a possibilidade de aplicação e reconhecimento do direito ao esquecimento, com base no entendimento da proteção da dignidade da pessoa humana e observação aos direitos de personalidade das crianças (com idades até 12 anos incompletos de idade) e adolescentes (12-18 anos). O texto traz no artigo 18 o entendimento que crianças e adolescentes não podem ser submetidos a qualquer tipo de tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor frente a possibilidade de prática e de um ato infracional (BRASIL, 1990).
Além deste artigo, o artigo 143 proíbe "a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional". Além deste no parágrafo único do artigo 143 ensina que “nenhuma notícia a respeito do fato poderá identificar a criança ou o adolescente” estando proibido “fotografias, referências ao nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome” (BRASIL, 1990).
Há ainda manifestação favorável ao Direito ao Esquecimento no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11.09.1990). De acordo com o artigo 43,§1º, as informações cadastrais dos consumidores constantes das listas de inadimplência (cadastros negativos) poderão ser armazenadas e utilizadas pelo prazo de cinco anos. Sendo assegurado o direito de exigir o cancelamento (exclusão das informações), ademais da responsabilização das entidades responsáveis pela manutenção e uso dos dados em caso de violação da regra, nos termos de doutrina e jurisprudência dominante (BRASIL, 1990).
Também o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014) estabelece uma gama de princípios e garantias, direitos e deveres relacionados ao uso da internet no Brasil. A legislação não prevê de forma direta o “direito ao esquecimento", mas apresenta informações, diretrizes que podem induzir ao reconhecimento:
Apresente-se o disposto no artigo 3º da Lei do Marco Civil dispõe que o "uso da internet no Brasil" terá como princípios: "I — garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; II — proteção da privacidade; III — proteção dos dados pessoais, na forma da lei".
De acordo com o artigo 7º,
[..] acesso à Internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados, entre outros, os seguintes direitos, designadamente os previstos nos incisos: I — inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; VII — não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei; X — exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei.
Com base nestas abordagens de outras legislações verifica-se que o ordenamento jurídico brasileiro por muitas vezes entende a existencia do Direito ao esquecimento, como sendo inclusive Constitucional; inclusive assegurando que certas informações não podem ser divulgadas (salvo em caráter restrito ou previsto em Lei); como também que há a possibilidade de responsabilização do agente que incorrer em divulgação de tais informações de forma indevida, inclusive sendo garantido o direito a indenização e reparação.
Em verdade o que se percebe é que o STF rechaçou muito mais o rótulo do “Direito ao Esquecimento” do que a existência e o conteúdo do mesmo; com relação ao julgamento do caso concreto a posição deste artigo é de acerto, inclusive com relação ao reconhecimento da repercussão geral da matéria e ao julgamento.
Assim o objetivo desta crítica não é colocar em xeque a liberdade de expressão, mas entendemos que os direitos de personalidade do indivíduo estão superiores a este direito. Infelizmente o que ocorreu neste último julgamento relativo ao caso foi que o STF não aceitou um direito ao esquecimento na extensão pleiteada pelos recorrentes no "caso Aida Curi". O entendimento foi que "é incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais" como também que "eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais — especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral — e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível".
Resumidamente o que a corte trouxe foi a afirmativa de que é incompatível um direito ao esquecimento entendido de uma determinada forma (no caso do impedimento da divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos) todavia há a possibilidade de avaliar, individualmente, se houve excesso e/ou abuso no manejo da liberdade de expressão, no caso do ferimento da dignidade, honra, privacidade, entre outros direitos.
O que aparentemente se verifica é que a corte não foi objetiva no julgamento, mas que acabou não negando a possibilidade de eventuais limites aos discursos considerados abusivos e destrutivos contra outros valores fundamentais, mas que o direito ao esquecimento não possa ferir os direitos a liberdade de expressão e de informação e o direito individual e coletivo à memória.
Em verdade seria muito mais objetivo se a corte tivesse estabelecido critérios para orientar outras decisões que envolvem estes direitos de personalidade e direito de informação (considerados princípios e direitos fundamentais); além disso seria muito mais proveitosos apresentar quais meios seriam constitucionalmente legítimos; protegendo os direitos da personalidade, a dignidade humana; como também apresentando quais meios seriam considerados restritivos as liberdades comunicativas, inclusive apresentando penalização relacionada a responsabilização civil e/ou penal e, direito de resposta, correção e/ou extinção de dados e informações, o que não ocorreu.
Em verdade toda esta análise feita encaminha para a necessidade de uma regulamentação por parte do legislador, para que realmente a questão seja mais bem tratada. Havendo assim segurança jurídica para a questão, e diminuindo as possibilidades de ausência legal e conflito de direitos no caso concreto.
3. CONCLUSÕES
O direito ao esquecimento é um tema bastante complexo. A discussão está no conflito entre direitos considerados basilares ao ordenamento jurídico brasileiro. De um lado, temos os direitos de personalidade com destaque para o direito a honra, vida privada, dignidade da pessoa humana. E, do outro o direito a informação/imprensa, a liberdade de expressão, direito de acesso a informação, entre outros direitos neste sentido. Há ainda um terceiro fator, a possibilidade do indivíduo que incorreu em um erro ser penalizado de forma eterna, a partir do momento que certas informações se mantêm por muito tempo e acessíveis.
Em realidade o arcabouço legal tem tendenciado ao reconhecimento do direito ao reconhecimento, inclusive apresentou-se no decorrer do artigo, o ECA, e o CDC como legislações que abordam a questão e tendenciam ao reconhecimento.
Infelizmente o STF, ao ver deste artigo não acertou quanto ao entendimento relacionado ao tema. Inclusive foi extremamente subjetivo, podendo-se afirmar que foi até omisso quanto a não ter estabelecido critérios para orientar outras decisões de tribunais inferiores que envolvem conflitos entre direitos de personalidade e direito de informação (considerados princípios e direitos fundamentais).
Em verdade seria muito mais proveitoso se o STF apresentasse quais meios seriam constitucionalmente legítimos; protegendo os direitos da personalidade, a dignidade humana; como também apresentando quais meios seriam considerados restritivos as liberdades comunicativas, inclusive apresentando penalização relacionada a responsabilização civil e/ou penal e, direito de resposta, correção e/ou extinção de dados e informações, o que não ocorreu.
A solução para a celeuma está na necessidade de discussão e apresentação de uma lei específica por parte do legislador, balizando a questão e apresentando uma punição plausível para aquele que ultrapassar os limites legais. Contudo, com base em tudo que já foi apresentado o posicionamento deste artigo é de reconhecimento ao direito ao esquecimento como também de que os direitos de personalidade são superiores ao direito a informação em um eventual conflito. Esta afirmativa consubstancia-se no fato que o indivíduo não pode ser penalizado de forma perpétua e a manutenção de informações negativas sobre o mesmo é de certa forma uma penalização eterna.
4. REFERÊNCIAS
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[1] Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário São Lucas, 2021.
[2] Professora orientadora do artigo. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Luterano – CEULJI, Ji-Paraná, RO. Especialista em Direito Administrativo pela Faculdade Dom Alberto, RS. Mestre em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça pela Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR.
Bacharela do Curso de Direito do Ensino Superior do Centro Universitário São Lucas.
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