RESUMO: Este Artigo tem por objetivo apresentar a situação da guarda compartilhada de animais em casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus donos, e verificar quais as implicações provocadas com a ausência de regras sobre a questão. Assunto ainda novo na legislação pátria. Muitos desses animais acabam se tornando membros efetivos das famílias, portanto, quando essa família se desfaz, como quando há a separação do casal responsável pelo lar, existe uma questão que tem se tornado constante: quem fica com o Pet? Sendo assim, é prioridade se estabelecer princípios legais para pautar tal situação. Para encontrar parâmetros que a subsidiem, a metodologia empregada foi a pesquisa bibliográfica e documental, vislumbrando também a fundamentação legal dos institutos aqui analisados. Foi feito uma breve análise no que tange guarda compartilhada de crianças, pois, tomadas as devidas proporções, segue interesse parecido e os mesmos personagens envolvidos, levando em consideração o amor e afeto que esses animais.
Palavras-chave: Animais de Estimação -Guarda Compartilhada - Legislação
ABSTRACT: This Article aims to present a situation of the shared custody of animals in cases of litigious dissolution of the society and of the conjugal bond between its owners, and to verify which are the ones provoked with the absence of rules on the issue. Still a new subject in the national legislation. Many animals end up becoming effective members of families, so when that family falls apart, as when there is a separation from the couple responsible for the home, there is a question that has become constant: who stays with the Pet? Therefore, it is a priority to establish legal principles for the situation. In order to find parameters that support it, the methodology employed was bibliographic and documentary research, also envisioning the legal foundation of the institutes here obstacles. A brief analysis was made regarding the shared custody of children, since it recovers the proper proportions, follows a similar interest and the same characters involved, taking into account the love and affection that these animals have.
Keywords: Pets - Shared Guard - Legislation
Sumário: 1. Introdução – 2. Guardas Compartilhadas 2.1 Guarda compartilhada de crianças; 2.2 Guarda compartilhada de animais 2.3 Crianças e animais: guardas compartilhadas 3. Conclusões. 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Vivemos em um mundo de milhões de pessoas preocupadas com a relação entre o número total de habitantes e a necessária quantidade de alimentos para atender à demanda mínima desse contingente, visando a preservação e a perpetuação da espécie humana.
Obviamente, com o aumento populacional, será necessário aumentar o contingente ocupado em plantar muito mais e produzir ainda mais, para suprir as necessidades básicas e os anseios de tantos indivíduos.
Nessa multidão, constata-se haver muitas famílias que optaram por não se perpetuar, ou seja, escolheram por não ter filhos. Na maioria dos casos, é uma decisão consensual, embasada em fundamentos subjetivos, não necessariamente decorrente da preocupação com eventual escassez de alimentos, fato que poderia afetar gerações futuras.
Por outro lado, muitos desses casais, ou dessas pessoas, escolheram ter um animal em seus domicílios. Dessa forma, há inúmeros indivíduos que se completam e incontáveis famílias que se suplementam com o que o senso comum chama de animal de estimação.
Esse tema, que vem sendo discutido progressiva e exponencialmente em todas as camadas sociais, é propósito do projeto de lei que cria no Brasil o marco regulatório dos animais de estimação de autoria do senador Luis Carlos Heinze, que esclarece que o objetivo é, além de reconhecer a importância que esses animais têm para o ser humano, conferir segurança jurídica aos segmentos econômicos envolvidos no setor (AGENCIA SENADO, 2020)..
Pelo projeto PL 6590/2019, os animais de estimação são definidos como seres de senciência e sensibilidade, devendo ser protegidos contra maus-tratos, com plena condição de bem-estar. São destinações principais deles, entre outras: companhia, lazer, terapia, criação, guarda, trabalho, auxílio a pessoas com deficiência, esportes, participação em torneios e exposições, reprodução para melhoramento genético e trabalhos especiais (AGENCIA SENADO, 2020).
Esses animais passam a ser considerados essenciais à boa qualidade de vida do homem na sociedade, estando assegurado a eles uma vida digna. Por isso, devem ter acesso à água limpa, alimentação completa, balanceada e adequada à espécie.
Também devem ter acesso a zelo e exercícios, acompanhamento médico-veterinário e provimento de medicamentos quando necessário. Também devem ter segurança e condições adequadas de transporte. (AGENCIA SENADO, 2020).
Não raro, é possível identificar locais em que se encontram até mais de um exemplar de estimação. Em consulta a dados oficiais do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constata que o Brasil é o segundo país na quantidade de animais de estimação. Os números de 2018 indicam a presença de 139,3 milhões desses animais. São 54,2 milhões de cães, 39,8 milhões de aves, 23,9 milhões de gatos, 19,1 milhões de peixes e 2,3 milhões de outras espécies (répteis, anfíbios e pequenos mamíferos). O Brasil já tem mais cães e gatos do que crianças em seus lares (INSTITUTO PET BRASIL, 2018).
Paralelamente, é de se constatar que, se no passado a logística (saúde, alimentação, higiene corporal, transporte, etc.) para criação e manutenção desses animais era extremamente deficiente e/ou insuficiente, hoje há um qualificado espectro encarregado deste suporte.
A indústria de pets tem crescido e movimentado o mercado. Existem diversos produtos específicos para esses novos clientes, que variam de comidas fitness até serviços de hotelaria.
A cadeia produtiva brasileira ligada à área (Cadeia Pet) também já é a segunda maior do mundo no ranking de faturamento com produtos e serviços (perdendo apenas para os Estados Unidos). São os segmentos Pet Food, Pet Care, Pet Vet, comércio, serviços técnicos e criatórios. (AGENCIA SENADO, 2020).
A Cadeia Pet é um dos setores que mais gera postos de emprego. Levantamentos mostram que, até o final de 2018, gerou aproximadamente 2 milhões de empregos diretos. No ano passado, novos investimentos alcançaram R$ 420 milhões, que deverão ser de R$ 2,1 bilhões em 2025, segundo as projeções do próprio setor (AGENCIA SENADO, 2020).
Sendo assim, outras necessidades e inter-relacionamentos foram surgindo, foram estimulados neste novo ambiente, onde os pets são amados e, alguns, são tidos, até, como membros da família.
Resguardado o equívoco, decorrente de eventual exagero de argumentação, quando se observam sintonia e, até, interdependência, entende-se razoável presumir que certos animais têm uma aguda percepção de pertencimento.
E, ao que parece, visando a uma convivência harmoniosa e pacífica, esse sentimento seria o responsável pelo rápido entendimento sobre o que deve e o que não deve ser feito por eles.
Aqui, refulge cristalina a oportunidade conveniência e necessidade de serem citados dois ensinamentos de Burrhus Frederic Skinner.
Conforme o festejado psicólogo e escritor, os humanos modelam condutas baseadas em procedimentos objetivos na coleta de dados, rejeitando a introspecção behaviorismo, utilizando o comportamento dos animais não como forma de poder estudar as particularidades que os animais possuem quanto aos seus comportamentos, mas para procurar leis universais que regem o comportamento dos organismos (SKINNER, 1953).
O segundo é o conceito de Condicionamento Operante, que é o procedimento através do qual é modelada uma resposta no organismo através de reforço diferencial e aproximações sucessivas, resposta que gera uma consequência que afeta a sua probabilidade de ocorrer novamente; se a consequência for reforçadora, aumenta a probabilidade, se for punitiva, além de diminuir a probabilidade de sua ocorrência futura, gera outros efeitos colaterais (SKINNER, 1953).
Além de uma forte presunção de que animais têm acentuada percepção de pertencimento, é de se conjecturar que a forma de tratamento dispensado a eles influencia substancialmente em sua sensibilidade.
Postas tais informações, evoca-se um acontecimento que vem aumentando nas famílias: o fim de relacionamento conjugal. Antes, havia a anulação, o desquite, a separação e, agora, o divórcio, com toda uma legislação que, se não torna o fato menos doloroso, pelo menos mostra-se mais ágil e mais justo para ambas as partes.
Há algum tempo, nesse evento, priorizavam-se exames referentes a aspectos econômicos. A partir de 1977, e subsequentemente, a legislação modernizou-se e, hoje, procura-se identificar os perversos efeitos sociais do desfazimento e a forma de amenizá-los em cada um dos envolvidos: o casal, os filhos e a família em geral.
Nesse diálogo é oportuno invocar uma situação que, para muitos, é extremamente importante: a presença de animais de estimação, cujo grau de afeição por eles pode motivar, inclusive, serem considerados como integrante da família.
Sem dúvida, um dos fortes motivos que contribuía para a demora do divórcio era a falta de consenso sobre a guarda de filhos. Felizmente, a Lei 13.058/2014, que trata da guarda compartilhada, veio pacificar o conflito. Contudo, há um vácuo em relação à guarda desses animais.
Este trabalho se propõe a identificar as semelhanças entre o compartilhamento de guarda de animais de estimação e o compartilhamento de guarda de crianças. Como objetivos específicos, serão aqui identificadas as características do processo de compartilhamento de guarda e analisada a proposta da lei de custódia compartilhada de animais e, finalmente, serão verificados os pontos comuns e os que se diferem nos dois tipos de compartilhamento.
Para embasar tal trabalho, foi realizada uma pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas.
Para uma adequada comprovação de que a pesquisa realizada é uma pesquisa bibliográfica, o pesquisador deve propor um problema de pesquisa e um objetivo que estejam em consonância e que a resposta que será buscada está nos livros, artigos, teses, dissertações e ainda, com o advento da internet, muitos dados poderão ser buscados na rede, ou ainda, a resposta encontrada seja o contrário do que está nos livros e artigos. (ELIAS GARCIA, 2015)
Sendo assim, a pesquisa bibliográfica aqui realizada foi o aporte necessário para conduzir este trabalho.
A seguir, serão apresentados dois modelos de guardas compartilhadas. O primeiro, e mais comum, se refere à guarda de crianças. Logo após, a guarda compartilhada de animais de estimação. Este último, ainda sob vários olhares e análises jurídicas.
2.1 GUARDA COMPARTILHADA DE CRIANÇAS
Conforme apresentado inicialmente, este trabalho visa a debater uma questão que, a par de ser relativamente antiga, não está muito bem definida até os dias atuais: a guarda compartilhada de animais de estimação.
Por outro lado, constata-se que o Direito vem aprimorando e trazendo enorme contribuição para que se consolide a legislação relativa à guarda compartilhada de crianças. Em razão disso, optou-se por examinar a regulamentação dessas duas guardas, confrontá-las e tirar uma conclusão sobre suas equivalências.
Portanto, reitera-se, o embasamento para construir o pensamento, identificar decisões em vigor ou mesmo em andamento e apresentar a pesquisa sobre este tema - a guarda compartilhada de animais - é advindo das leis de guarda compartilhada de crianças.
Começou-se por examinar a Lei 13.058, de 23 de dezembro de 2014, efetivamente, um marco na regulamentação da guarda. Ali estão previstos dois tipos de guarda: a guarda unilateral e a guarda compartilhada. Conforme essa nova lei, essa última deve ser priorizada, em detrimento daquela, que, até então, era a regra, e que hoje é considerada injusta.
Nessa lei está prevista que, na guarda unilateral, os filhos moravam com um dos pais, considerado o maior responsável pelas decisões que afetavam a criação desses menores.
Se esse genitor tinha responsabilidades, o outro tinha certos direitos, definidos pelo juiz, como, por exemplo, o de visitas e o de acompanhar a educação dos filhos. Em paralelo, recebia certas obrigações, como o pagamento de pensão alimentícia.
Opostamente, na guarda compartilhada, responsabilidades, direitos e obrigações são distribuídos igualitariamente. Vale dizer que, dentre várias outras situações, as decisões envolvendo procedimentos relativos à criação dos filhos, busca de procedimentos para lhes dar uma vida saudável, o fluxo de convivência alternada, são resultantes de deliberação consensual.
Objetivamente, vem a lume o conceito de guarda compartilhada, apresentado por Sílvio de Salvo Venosa (2012, p. 185):
“A ideia é fazer com que pais separados compartilhem da educação, convivência e evolução dos filhos em conjunto. Em essência, essa atribuição reflete o compromisso dos pais de manter dois lares para seus filhos e cooperar de forma conjunta em todas decisões”.
Ainda que de passagem, parece interessante discorrer sobre a Guarda Alternada, uma ocorrência que, às vezes, é confundida com a Guarda Compartilhada. Recorre-se à Mestre em Direito Público, Rosangela Paiva Epagnol (2003, s.p.), que orienta sobre essas duas guardas:
"A guarda compartilhada de filhos menores é o instituto que visa a participação em nível de igualdade dos genitores nas decisões que se relacionam aos filhos, é a contribuição justa dos pais, na educação e formação, saúde moral e espiritual dos filhos, até que estes atinjam a capacidade plena, em caso de ruptura da sociedade familiar, sem detrimento, ou privilégio de nenhuma das partes. (...)”
Não são poucas pessoas envolvidas no âmbito da guarda de menores que vislumbram um vínculo entre a Guarda compartilhada e guarda alternada.
Porém, acredita-se que nada há que se confundir, pois, uma vez já visto os objetos do primeiro instituto jurídico, não resta dúvida que dele apenas se busca o melhor interesse do menor, que tem por direito inegociável a presença compartilhada dos pais, e parece que, etimologicamente o termo compartilhar, traz a ideia de partilhar + com = participar conjuntamente, simultaneamente.
Ideia antagônica à guarda alternada, cujo teor o próprio nome já diz. Diz-se de coisas que se alternam, ora uma, ora outra, sucessivamente, em que há revezamento. Diz-se do que ocorre sucessivamente, a intervalos, uma vez sim, outra vez não.
Aliás, segundo a mesma autora, tal modelo de guarda não tem sido plenamente aceita perante os tribunais, pelas suas razões óbvias, ou seja, ao menor cabe a perturbação quanto ao seu ponto de referência, fato que lhe traz perplexidade e mal-estar no presente, e nos futuros danos consideráveis à sua formação no futuro.
Apesar de obrigatória, a guarda compartilhada ainda suscita dúvidas que acabam por prejudicar sua efetiva implementação.
Todos os comportamentos e procedimentos fluem para um objetivo final: a saúde de crianças e adolescentes. Complementa-se com o conceito de Saúde, fixado pela Organização Mundial de Saúde (OMS): “é o completo bem-estar físico, mental e social, e não só a ausência de doenças” (IAMANDÚ, 2019).
Fechando este capítulo, numa síntese, é correto afirmar que a guarda compartilhada, em ocorrendo o fim de vínculo conjugal ou de união estável, é um procedimento alternativo que pode trazer reflexos extremamente positivos na vida dos filhos (relacionamento afetivo, crescimento físico e emocional) e na vida do ex-casal (com ênfase no exame e nas soluções consensuais). Desde que o processo se alicerce em decisões consensuais e instrumentalizado com informações técnicas.
2.2. GUARDA COMPARTILHADA DE ANIMAIS
A partir do tópico anterior, pressupõe-se que as informações e observações citadas anteriormente, permitem entender-se, genericamente, o que ocorre quando lares com crianças são desfeitos, e que providências ou quais alternativas há, de momento, para que os danos colaterais sejam o mínimo possível.
Mesmo lembrando que a presença de animais em lares seja secular, as respostas a esses questionamentos, ainda hoje, carecem de maiores contribuições técnicas, para um adequado exame, minimamente, sob a óptica jurídica, psicológica, sociológica.
Porque, sem dúvida, referido questionamento é um fato social emergente, essa busca por decisões justas que atendam às partes envolvidas. E, por certo, não se está falando apenas do casal litigante, mas, também, e muitas vezes, do interesse de crianças, as quais, em maioria, costumam entender os animaizinhos de estimação como membro da família.
Provavelmente, a enorme afeição que as pessoas, principalmente as crianças, têm por esses animais, pode ser uma das vertentes que compõem o clamor para um novo enquadramento, uma nova conceituação do que seja Família, até então, com estrita observância de consanguinidade.
Assim, é de se destacar o foco que a expressão humanidade vem recebendo, sendo um fator interveniente extremamente importante para serenar ânimos, reduzir estresses, manter a harmonia, mesmo que em mínimos níveis de tolerância, quando ocorre litígio entre casais.
No Michaelis, Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa, encontra-se o siginificado do termo - humanidade - como: “1. Totalidade das características peculiares à natureza humana; 2. Conjunto dos seres humanos; 3. Sentimento de compaixão entre os seres humanos”. (MICHAELIS, s.p).
Consultado, o Google pareceu oferecer conceituação mais robusta, abrangente e moderna: 1. Conjunto de características específicas à natureza humana; 2. Sentimento de bondade, benevolência, em relação aos semelhantes, ou de compaixão, piedade, em relação aos desfavorecidos. (GOOGLE, s.p)
E, em razão dessa abordagem de humanidade, seja bondosa ou benevolente, seja de compaixão ou de piedade, é que emerge a necessidade de se reconhecerem princípios de convivência e de se fixarem parâmetros para que isso ocorra, exatamente para que se instale um ambiente alegre, feliz, em razão da reciprocidade de tratamento que deve haver entre racionais e irracionais de estimação, mesmo quando ocorre separação de casais.
Os animais conquistaram um espaço de ser humano na casa de seus tutores, trata-se de um questionário conduzido pela Associated Press nos Estados Unidos, que confirmou essa hipótese, revelando que metade dos tutores consideram os seus animais domésticos membros totais da família (como se fosse biológico) e outros 36% consideram os animais membros parciais da família (é da família, mas não é igual aos humanos) (JUSBRASIL, s.p).
No que tange à legislação, é possível afirmar-se que, juridicamente no Brasil os animais possuem status de coisa, ao contrário de certos países, como a Nova Zelândia e a França, que modificaram suas legislações conferindo aos animais o status de seres sencientes, ou seja, retirando-os definitivamente da condição de coisa. Outros países, como a Alemanha, Suíça e Áustria fazem constar em seus textos legais, expressamente, que animais não são objetos.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88), em seu Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo VI (Do Meio Ambiente), artigo 225, fixou que:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (BRASIL, 1988).
Antes da promulgação da CF/88), dentre outros dispositivos que se referiam aos animais, temos a Lei das Contravenções Penais:
“Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:
Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis.
§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.
§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público. (BRASIL, 1988)
Após a CF/88, foi sancionada a Lei 9.605/98 que, por abordar condutas lesivas à natureza, recebeu o nome de Lei da Natureza.
No Brasil, desde 2015, tramita, no Senado Federal, o Projeto de Lei nº 351, que visa a incluir no Código Civil em seu art. 82, um parágrafo único: “animais não serão considerados coisas” (SENADO FEDERAL, s.p.).
Registre-se que, desde 2014, tramita na Câmara Federal um projeto objetivando a incluir no art. 2º do Código Civil:
“Art. 2 – A. Os animais gozam de personalidade jurídica sui generis que os tornam sujeitos de direitos fundamentais e reconhecimento a sua condição de seres sencientes.
Parágrafo único: São considerados direitos fundamentais a alimentação, a integridade física, a liberdade, dentre outros necessários a sobrevivência digna do animal”.
O desafio de encontrar o ponto de equilíbrio, que satisfaça integralmente interesses de casais litigantes e, também, conforme já se falou, dos filhos desses casais, já chegou, inclusive aos Tribunais.
Transcreve-se, a seguir, parte de artigo, de autoria de Michelle Sanches Barbosa Jeckel, advogada, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos, em que apresenta algumas sentenças já prolatadas. Por entender-se que é um precioso conteúdo, o trecho é aqui trazido ipsis litteris:
“O tema da guarda e regulamentação das visitas envolvendo animais de estimação é desafiador e constitui algo novo para os Tribunais quando o assunto versa sobre ações de divórcio e dissolução de união estável, todavia, muitas lides já chegaram ao Judiciário e vêm sendo decididas de maneira muito acertada.
É o caso de uma decisão proferida em sede de apelação cível interposta na Sétima Câmara Cível do Tribunal do Rio Grande do Sul, onde o marido recorreu para que a decisão de primeira instância fosse modificada em alguns pontos, entre eles a determinação de que o cachorro de estimação do casal ficasse sob a guarda da mulher, para tanto, sustentou que o animal foi um presente paterno, razão pela qual ele deveria deter a guarda do cãozinho, contudo, não obteve êxito, já que os desembargadores negaram o pedido alegando que na caderneta de vacinação do cão chamado Julinho, não constava o nome do homem como proprietário, mas sim da mulher, o que levou a concluir que era ela quem cuidava do animal de estimação, devendo a guarda permanecer com ela” (JECKEL, 2015).
Assim, observa-se que já existem casos e decisões comentados sobre o citado assunto. Pode-se concluir que, brevemente, outros fatos serão descritos e analisados sobre a ótica jurídica.
Está se cumprindo uma tendência de relevar a vida do animal de estimação tal qual a de um ente humano querido. Muito ainda há que se debater, mas os primeiros passos foram concluídos com sucesso.
2.3. CRIANÇAS E ANIMAIS: GUARDAS COMPARTILHADAS
Por certo, ao se discutir este tema, tão instigante quanto preocupante, é absolutamente necessário considerar-se nossa realidade fática, onde a família exerce papel fundamental na sociedade.
Evidentemente, fala-se de uma família onde preponderam a convivência harmoniosa, a alegria e a felicidade decorrentes desse convívio.
Contudo, não raro, encontram-se casais que, independente de tempo de união, surpreendem com a separação, seja consensual, seja via procedimento litigante.
Sendo adultos, ajuizados ou não, são responsáveis por seus atos. E, lamentavelmente, não há um número expressivo que se preocupa com a repercussão, da separação de pais, junto às crianças, em seus filhos. Significa dizer que as crianças ficam traumatizadas, quando isso ocorre através de consenso, e, acredita-se, bastante traumatizadas, quando é resultado de separação litigiosa.
Incertezas, melancolia, revolta, sensação de abandono e outros tristes sentimentos podem apossar-se das crianças.
Ultimamente, em razão do acelerado aumento de animais de estimação nas famílias, a questão da separação exige e tem sido vista por uma nova perspectiva: a dos animais.
Tendo como referência a Senciência, é possível afirmar-se que os animais têm sensações, sensibilidade e sentimentos. Vale dizer, eles têm a correta percepção do que lhes acontece, do que lhes rodeia.
É possível inferir-se, então, que, ocorrendo a separação de casais, a percepção intuitiva provoca reações específicas nos animais de estimação, semelhantemente ao que ocorre com as crianças.
Conforme se abordou anteriormente, a Justiça brasileira não mais trata a questão da separação, apenas, sob o ângulo de interesse do casal. Esse fato social tem sido examinado conforme o interesse dos membros da família.
Isso está devidamente fixado em legislação específica. A guarda compartilhada de crianças é uma realidade já conhecida. E, em boa hora, é divulgada a notícia de que, certamente, em breve, será aprovada legislação que regulamenta a guarda compartilhada de animais.
Assim, serão respeitados desejos, aspirações, interesses de seres que têm sentimentos muito semelhantes: crianças e animais de estimação.
Desta forma, é fácil presumir que ambas as leis tenham interpretação igual, pois, sob a visão de vários legisladores, referem-se a incapazes. O animal, tal qual os filhos, são de responsabilidade dos pais, seja enquanto estiverem juntos, seja quando se separarem, se isso for o caso.
Tal decisão acalenta a muitos que, preocupados com os pets, entendem que eles requerem cuidados especiais, pois são acolhidos em lares que lhes cuidam e lhes direcionam o mesmo amor tal qual a um familiar.
Sendo assim, em caso de separação de um casal, dono de pet, estará assegurado o seu cuidado junto aos donos, mesmo que estes não estejam mais juntos.
3. CONCLUSÕES
Conhecida a realidade fática que envolve a guarda de crianças e a guarda de animais, é possível extrair-se algumas inferências.
Em relação à primeira, é defeso afirmar-se que a questão está relativamente bem definida, em razão de legislação moderna, abrangente, visto que buscou uma resultante que decorreu de vertentes distintas, assim considerados aspectos jurídicos, emocionais e financeiros, respectivamente, de interesse, da mulher, do homem e dos filhos.
E aqui deve ser dada ênfase à Guarda Compartilhada que, certamente, bem entendida, compreendida, internalizada e praticada, tem sido responsável por soluções exitosas, em relação ao destino que será dado às crianças.
O ponto fulcral tem sido a predominância de uma nova postura: receptiva, de espíritos desarmados, de despojamento de interesses individuais, dando lugar a comportamentos que, efetivamente, priorizam o interesse dos filhos.
Já, em relação à segunda (guarda de animais), não há, ainda, uma situação pacificada, ensejando que desfechos fiquem à mercê de boa vontade, do humor das partes, em detrimento imediato dos animais e, mediato, de crianças que se apegaram a esses amigos. Não se tem, no Brasil, um marco regulatório de animais.
Felizmente, uma boa notícia é que, por iniciativa do senador Luis Carlos Heinze, do RS, tramita no Senado Federal um projeto que cria, neste país, o marco regulatório dos animais de estimação, atualmente na fase de análise pela Comissão de Meio Ambiente (CMA).
Ressalte-se que a PL 6.590/2019 identifica e enaltece a importância que esses animais têm para o ser humano, além de trazer segurança jurídica aos segmentos econômicos que atuam nesse nicho, nessa promissora área comercial. Aliás, o próprio autor do projeto já se manifestou em relação à geração de novos postos de trabalho e ao exponencial crescimento de investimentos.
A fonte de inspiração dessa medida legislativa foi, exatamente, a legislação que trata da Guarda Compartilhada de Crianças. Sem dúvida, de grande assertividade.
Aprovada essa lei, os animais deixarão de ser vistos como coisas, meros bens móveis. É o reconhecimento da senciência que, certamente, merecerá aprofundamentos em seus estudos, solidificando o entendimento, a percepção atual de que, de fato, eles sentem alegria, dor, fome, medo e, até mesmo, amor.
Indubitavelmente, face sua abrangência, o veículo que vai amenizar conflitos de interesse, em relação à guarda de animais, em casos de separação, é a aprovação da PL 6.590/2019.
É evidente que se somarão a ela alguns comportamentos individuais, resultantes de amparo psicológico ou decorrentes de firmeza de caráter e, ainda, pela maneira filosófica de ser, de viver.
Ao final, fica a expectativa de que a PL 6.590/2019 seja aprovada e entre em vigor o mais rapidamente possível, em razão de se entender de matéria de relevante interesse social. Visando a compartilhar esse entendimento, insere-se, em anexo, o original de citada PL.
REFERÊNCIAS
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MICHAELIS. Dicionário online Michaelis. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/. Acessado em: 01 Mai 2021.
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VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil. Direito de Família, Volume 6, 12ª edição. São Paulo, Editora Atlas, 2012.
Bacharelanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo - FASEC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NEVES, Jarlene Barros. Similaridade jurídica entre a guarda de animais e a guarda de crianças Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 maio 2021, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56555/similaridade-jurdica-entre-a-guarda-de-animais-e-a-guarda-de-crianas. Acesso em: 22 nov 2024.
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