MÁRCIA PEREIRA DA SILVA ROCHA
(coautora)
JOÃO SANTOS DA COSTA
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho procura abordar criticamente a criminalização ou não da alienação parental, trazendo à tona a discussão sobre o Direito Penal como política criminal de emergência, família e seus princípios, a lei da alienação parental, bem como o amparo aos filhos presentes nesse contexto de divórcio. Pois, entende-se, que toda criança tem o direito de conviver de forma harmônica com seus genitores após a separação. É de suma importância a abordagem desse tema, considerando que se trata de um tema atual, sendo necessária a garantia da proteção dos direitos da criança e do adolescente inserido nesse contexto. Presencia-se uma verdadeira disputa entre os pais que não conseguem transpor as dificuldades relacionadas a um divórcio litigioso onde a prole se torna objeto de guerra. Dentre as fontes de pesquisa, além de produções acadêmicas publicadas em plataformas digitais, foram revisadas obras doutrinárias no campo de abordagem do objeto, numa conexão interdisciplinar entre direito penal e direito de família, com ênfase na alienação parental. Portanto, o que se pretende mostrar que há outra solução para resolver esse assunto, o qual não seja na esfera penal, pois ao tratar sobre família e a integridade física e psicológica da criança e/ou do adolescente, é preciso antes de tudo enxergar um ambiente em que deve ser constituído de afetividade, solidariedade, confiança e respeito.
PALAVRAS-CHAVE: Família. Alienação Parental. Crime.
1. INTRODUÇÃO
No presente artigo, iremos abordar criticamente a criminalização ou não da alienação parental, a função do Direito Penal como política criminal de emergência e a sua função sociojurídica no sistema brasileiro, além de abordar de forma fragmentária seus princípios.
A criminalização de conduta é vista pela criminologia como uma grave distorção do sistema, que utiliza o direito penal como meio para a solução de problemas da estrutura social os quais dependem de políticas públicas e não de tipificação como crime.
Ao abordar sobre a alienação parental não podemos deixar de tecer sobre família. Família é uma realidade social, constituindo um núcleo em que repousa toda uma organização social. É na família que se estabelecem as primeiras regras de convivência, confiança e respeito. O art. 25 do Estatuto da Criança e do Adolescente preceitua família da seguinte forma: “conjunto de pessoas que possuem grau de parentesco, laços sanguíneos, de convivência e sempre baseados na afetividade”. O conceito de família abrange diversas formas de organização. Com o passar do tempo, aconteceu uma evolução no formato dos casamentos surgindo com isso, diferentes tipos de famílias, ocorreu a diversificação na formação das famílias. Esse conceito, a partir de então, passou a ser pautado essencialmente no afeto e na solidariedade, coexistindo os vínculos de sangue, de direito e de afetividade.
Dentro desse contexto de diversificação, destaca-se a formação dos diversos núcleos familiares. Família nuclear, família parental, família homoparental e família comunitária. Mas, o problema nasce justamente do desfazimento dessas famílias, ocorrendo com isso um fenômeno chamado alienação parental.
Dessa forma, fica evidente, que a alienação parental fere um direito que é fundamental da criança, que é a convivência familiar harmônica, sendo ainda, um descumprimento dos princípios fundantes de deveres em relação à autoridade dos pais ou decorrentes de tutela e guarda. A alienação parental é um fenômeno presente nas separações conjugais litigiosas, de maneira que seus efeitos estão sendo discutidos no âmbito do Direito de Família como meio de se obter solução, a fim de proteger a parte mais prejudicada em todo esse conflito, qual seja, a criança e o adolescente advindos do relacionamento conjugal.
Uma vez suscitado o divórcio, surge a necessidade de assegurar o direito de visitas, o qual ultrapassa o contato físico, mas assegura o direito de o progenitor participar ativamente da vida dos filhos e dar continuidade ao vínculo familiar.
Maria Berenice Dias (2017) salienta que a alienação parental acontece quando um dos genitores, gerados pelo desejo de vingança, embute a ideia na cabeça do filho, que sofre com a possível perda decorrente da separação dos pais, que o mesmo foi abandonado pelo outro genitor, com o único intuito de afastá-lo do pai ou da mãe.
No âmbito jurídico brasileiro, essa conduta passou a ser positivada, por conta de inúmeras condutas irregulares, presenciadas no judiciário. Por ausência de lei que regulamentasse e que permitisse uma maior atuação do Estado-Juiz para solucioná-la foi criada a lei n.º 12.318/2010, que trata da alienação parental, criada no dia 27 de agosto de 2010, com objetivo principal de conferir maiores poderes aos juízes, a fim de proteger os direitos individuais da criança e do adolescente, vítimas de abusos exercidos pelos seus próprios genitores.
Nesse imbróglio que envolve o desfazimento das relações conjugais e a ruptura de toda uma entidade familiar, os mais prejudicados são os filhos advindos dessa união, onde a aceitação do fim se torna mais difícil considerando que eles não possuem maturidade para lidar com a situação de disputa enfrentada pelos pais, gerando um grave abalo emocional e psicológico. Antes do advento das modificações, principalmente no Direito de Família e no Código Civil, a sociedade moderna tinha a ideia de que em caso de dissolução da sociedade conjugal, a guarda dos filhos era preferencialmente da mãe. Isso porque, antes havia a noção de que a mãe teria um instinto materno, que garantiria à criança um desenvolvimento saudável, daí criou-se o mito de que a mulher seria a mais apta a ficar com a guarda dos filhos.
Diante disso, com as alterações de paradigmas da sociedade contemporânea e dada a concepções igualitaristas dos direitos e deveres de homens e mulheres e, o respeito às diferenças garantidas pela Constituição Federal de 1988 e, pelos Tratados e Convenções Internacionais, se incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro o novo conceito de família, que introduziu no cotidiano dos casais o partilhamento de direitos e obrigações. E esse é o dilema da alienação parental, a criança em meio ao conflito dos pais.
2. DIREITO PENAL E SUAS FUNÇÕES NO SISTEMA JURÍDICO
2.1 O caráter fragmentário do direito penal: instrumentos de resoluções de conflitos próprios da afetividade.
No âmbito jurídico, o Direito Penal, possui funções de garantia e controle social, papéis protetivos e punitivos, mas de forma geral, visa à proteção de bens jurídicos. Diante disso, cada norma protetiva ou de caráter regulador de direito ou de caráter impositivo de proibição, vai ter um bem jurídico, pois há algo que está sendo protegido e garantido dentro do sistema jurídico.
O Direito Penal possui também, como função, o controle social, uma dominação estatal da sociedade, em que o Estado assume a função de controlador e coordenador da sociedade, a fim de equilibrar o contraposto entre o interesse punitivo e o interesse de preservação da liberdade, pois a dignidade de todos e de cada um é indispensável para qualquer atuação jurídico-penal. Conforme Barcelos (2016) “[...] a ineficiência estatal se apresenta flagrante, exigindo, desta forma, que o Poder Judiciário intervenha como último recurso para uma sociedade carente de gestores que defendam, efetivamente, o interesse da maioria”.
Essa ineficiência do estado faz com que muitas situações por menores que se apresentem, sejam judicializadas. No ordenamento jurídico, a alienação parental ainda não é vista como crime, pois não há punição para tal fato especificamente. Criminalizar a alienação parental significaria torná-la um crime, ou seja, uma conduta que deverá ser punida dentro da esfera penal, cabendo a pena de prisão. Mas, o Estatuto da Criança e do Adolescente, possui mecanismos de punição, tais como o estabelecimento de multa, entre outros, não se mostrando necessária a inclusão de sanção de natureza penal, cujos efeitos poderão ser prejudiciais à criança ou ao adolescente, detentores dos direitos que se pretendem assegurar com o projeto. Portanto, ao Estado enquanto Jurisdição compete analisar fato praticado, as consequências destes e, por fim, contrabalancear a necessidade/adequação e utilidade persecução penal, tendo em mente que o direito penal deve ser a última opção, substituído por todas as outras, existentes no âmbito jurídico.
O princípio da fragmentariedade é uma das características do princípio da intervenção mínima, juntamente com a subsidiariedade. Esse caráter fragmentário é uma consequência da adoção de tais princípios intervenção mínima, lesividade e adequação social.
Por esta razão, implica-se a necessidade de que todos que atuam no Direito Penal repensem seu papel, em vez de usar penas alternativas, optar por mecanismos eficazes de implementação, cumprimento e fiscalização de tais penas, em vez de punir, racionalizar o direito penal e resguardar a punição para questões que atinjam de forma mais gradativa os direitos fundamentais.
2.2 Política Criminal de emergência na Estrutura Social
O Direito Penal de emergência surge a partir da resolução de conflitos sociais, em decorrência do clamor da sociedade em que impõe que a justiça seja feita para combater os criminosos, sem levar em consideração alguns pontos fundamentais para resolver os problemas da sociedade, o que acarreta a criação desenfreada das leis penais e processuais penais, que ingressam no ordenamento jurídico, a fim de endurecer de forma relativa o tratamento dos criminosos.
A política emergencial criminal adotada pelo direito penal possui um rito desproporcional, que por vezes tem somente uma intenção imediatista em dar uma rápida solução para um determinado problema sem levar em consideração os elementos essenciais das normas penais, gerando consequências ineficazes para a sociedade.
A política criminal que observamos na atualidade nacional furta-se do modelo garantista, eis que procura dar guarida a anseios imediatistas, oferecendo respostas e atuando em conformidade com as pressões sociais sem nem mesmo se ater a verificação de sua eficácia instrumental como meio de prevenção ao delito. (FERRAJOLI, 2014, p.97)
Dentre os princípios que norteiam o Direito Penal, o princípio da ofensividade ou lesividade merece destaque dentro do assunto abordado no presente artigo. Esse princípio parte da premissa de que o direito penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe a autonomia. Afinal, a lei penal não deve ser vista como primeira alternativa para resolução de conflitos sociais, em especial a alienação parental, pois essa é resultado da dissolução conjugal, desfazimento de núcleo familiar, o qual é essencialmente composto de afetividade e solidariedade. Portanto, o Direito Penal deve ser a última ratio, ou seja, a última cartada para resolução de conflitos sociais, quando não há uma lei penal incriminadora. Em outras palavras, não é todo bem jurídico protegido que merece a proteção integral do Direito Penal, devendo o Estado interferir de forma respeitosa na esfera íntima do cidadão.
Em suma, o Direito Penal de emergência resta caracterizado pelo endurecimento das normas penais como resposta às demandas sociais por segurança pública, contribuindo com a expansão punitiva e o aumento exacerbado da população prisional, como meio de resolver todos os problemas da sociedade. Como o próprio nome diz emergencial é uma política penal decorrente, que surge diante de forte influência política e efeitos midiáticos, incentivando dessa forma a populismo punitivo como meio de resolver todos os problemas da sociedade.
2.3 Direito Penal no âmbito das relações familiares: dos crimes contra a família.
A família, bem jurídico tutelado pelo Direito Penal brasileiro, merece total atenção e proteção do estado. Por esta razão, o Código Penal, dedicou o título VII aos crimes contra a família, com a finalidade de resguardar a família de forma que a harmonia e respeito sejam garantidos no núcleo familiar.
O Código Penal disciplina no Título VII da parte especial os crimes contra a família, dividido em quatro capítulos, a saber: Crimes contra o casamento; Crimes contra o estado de filiação; Crimes contra a assistência familiar; Crimes contra o pátrio poder, a tutela e a curatela.
A Constituição Federal concede proteção especial à família, tendo em conta o importante papel do núcleo familiar na promoção da dignidade da pessoa humana, possibilitando o pleno desenvolvimento da sua personalidade. O artigo 226 estabelece que a família é a base da sociedade, tendo uma proteção especial por parte do Estado. O Estado tem o dever de dar proteção especial à família, independente de sua origem. Portanto, as normas penais que tutelam a família não podem se limitar aos cônjuges, sob pena de descumprimento da lei maior.
O artigo 235 do Código Penal descreve o crime de bigamia, onde alguém sendo casado não poderá contrair um novo casamento, pois isso afeta de tal modo a paz social, pois tem como objeto jurídico a preservação do casamento monogâmico. Sendo citado por Pereira (2016) “a palavra polygamia, tem origem grega e, literalmente, significa a união de uma pessoa com muitos cônjuges ao mesmo tempo, referindo-se tanto ao homem quanto à mulher”.
De acordo com Pereira (2016) a importância da família está em ser o núcleo formado e estruturador do sujeito. Como se pode perceber, a família é considerada um núcleo, uma base de toda uma sociedade. É na família onde se concentram todos os valores para um desenvolvimento social humanitário e consciente.
Ainda sobre os crimes contra o casamento, além da bigamia tem: induzimento ao erro essencial e ocultação de impedimento que está previsto no art. 236 do código penal; conhecimento prévio de impedimento; simulação de autoridade para celebração de casamento; simulação de casamento.
De acordo com Guilherme Nucci (2019, p. 938): “Contrair casamento significa ajustar a união entre duas pessoas de sexos diferentes, devidamente habilitadas e legitimadas pela lei civil, tendo por finalidade a constituição de uma família”.
Nos crimes contra o estado de filiação, o objeto jurídico é o estado de filiação, segundo NUCCI (2019) o elemento subjetivo do tipo é a inscrição no registro civil de nascimento não ocorrido. O bem jurídico em questão é a segurança do estado de filiação, pode-se dizer que a característica mais importante do crime é a falsidade de documento público. Dentro dos crimes contra o estado de filiação ainda tem: Parto suposto; Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido e sonegação de estado de filiação.
O Direito Penal nos crimes contra a assistência familiar busca tutelar, imediatamente, a manutenção do núcleo familiar, no que concerne a sua subsistência material e moral, bem como o reforço das obrigações éticas, jurídicas e econômicas de assistência. Os sujeitos ativos desse tipo penal são: cônjuge, os ascendentes e descentes. Os passivos são: cônjuges, o filho menor de 18 anos, ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 anos, bem como qualquer descendente ou ascendente não importando o grau de parentesco. Existe ainda dentro dos crimes contra a assistência familiar: abandono material; entrega de filho menor a pessoa inidônea; abandono intelectual e abandono moral.
Nos crimes contra a tutela e curatela, o objeto jurídico é a proteção ao poder familiar. A lei penal visa proteger a família, a ela equiparada, para fins assistenciais. Destacam-se o induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes e subtração de incapazes. No entanto, pode-se frisar que o bem juridicamente tutelado é o poder familiar, a tutela e a curatela, sendo o sujeito ativo, qualquer pessoa, o pai, a mãe ou uma pessoa que tenha responsabilidade pela criança.
3 DA FAMÍLIA E SEUS PRINCÍPIOS
3.1 Família: conceito, evolução, afetividade e solidariedade
Família é uma realidade social, constituindo o centro que rege toda a organização social. É na família que se estabelecem as primeiras regras de convivência, confiança e respeito. O art. 25, do Estatuto da Criança e do Adolescente preceitua família da seguinte forma: “conjunto de pessoas que possuem grau de parentesco, laços sanguíneos, de convivência e sempre baseados na afetividade”.
A família tem sua importância para a construção de uma sociedade solidária, esta, é o núcleo natural e fundamental da sociedade, pois a mesma é considerada uma instituição sagrada e necessária, merecendo total atenção e proteção estatal, Gonçalves (2019, p. 17) aborda “Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado”.
O conceito de família abrange diversas formas de organização. Com o passar do tempo, aconteceu uma evolução no formato dos casamentos surgindo com isso diferentes tipos de famílias, ocorreu a diversificação na formação das famílias. Esse conceito a partir de então, passou a ser pautado essencialmente no afeto e na solidariedade, coexistindo os vínculos de sangue, de direito e de afetividade, citado por Pereira (2016) “O afeto autorizador e caracterizador de uma entidade familiar deve estar acompanhado de outros elementos como solidariedade, responsabilidade, cumplicidade, vivência e convivência”.
No contexto de diversificação, destaca-se a formação dos diversos núcleos familiares: família nuclear, família parental família homoparental e família comunitária. Mas, o problema nasce justamente do desfazimento dessas famílias e seus múltiplos efeitos, dentre os quais pode sobrevir o fenômeno chamado Alienação Parental.
A alienação parental acontece quando um dos pais tenta desqualificar o outro diante dos filhos, isso acontece, na grande maioria das vezes, com o acontecimento da separação conjugal, onde um dos cônjuges não consegue elaborar ou lidar de forma adequada com o sentimento de rejeição, surgindo de forma instintiva o desejo de vingança que leva a um processo de desmoralização e descrédito do ex-parceiro.
Segundo DIAS (2017) o sentimento de rejeição, o sentir-se vencido, preterido, desqualificado como objeto de amor, pode gerar impulsos destrutivos que ensejam sentimentos de vingança que faz os pais a se utilizarem dos filhos para uma espécie de acerto de contas do débito conjugal. Essa situação acaba por comprometer a imagem que o filho tem do outro genitor. A figura do alienador se manifesta principalmente no ambiente da mãe, considerando que é a mulher indicada para exercer a guarda dos filhos, porém, o alienador pode manifestar-se na figura do pai em relação à mãe ou ao seu companheiro e em um sentido mais amplo isso pode ser identificado até mesmo em outros cuidadores.
No entanto, a alienação parental é quando ocorre uma crise forte de sentimentos de ansiedade e temor em relação a um dos genitores, sendo que acontece quando um dos genitores, treina a criança para romper laços afetivos com outro cônjuge. E, também, pode ser definida como um distúrbio da infância que aparece no contexto de disputas de custódia de crianças, isso acontece, quando um dos genitores, instrui, faz lavagens cerebral na criança e contribui para caluniar o genitor alvo, causando o fenômeno da alienação parental.
3.2 Dissolução do vínculo conjugal: proteção e amparo aos filhos
Os artigos 1.583 a 1.590 do Código Civil de 2002 tratam sobre a proteção dos filhos. No tocante à guarda dos filhos está ficará no poder de quem oferecer melhores condições para a criança. A regra inovadora do art. 1583 do código civil, amolda-se ao princípio do “melhor interesse da criança”, identificado como direito fundamental na Constituição Federal (art. 5º, §2º) em razão da ratificação pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança – ONU/89 (GONÇALVES, 2019, p. 281).
Segundo, DINIZ (2021), o casamento é a base da família, sendo dessa forma, um dos institutos do direito privado, mais importante. Portanto, é dele que irradiam suas normas fundamentais, que faz parte como um todo de um Direito Matrimonial, e dentro desse direito temos as normas que disciplinam o fim do casamento. Já a guarda dos filhos, faz parte do Direito Protetivo do Direito de Família. Dessa forma, a dissolução do casamento válido, entre vivos, opera-se por meio do divórcio. Durante a vigência do casamento, a questão da guarda dos filhos é um tema entre os cônjuges, pois ambos os pais exercem o poder familiar de forma harmônica e conjuntamente, conforme preceitua o art. 1.631 do Código Civil.
Diante da dissolução da sociedade conjugal, cabe aos pais disciplinar acerca da guarda, o direito de visitas e a pensão alimentícia dos filhos caso seja menor e incapaz.
Segundo QUEIROGA (2011), a palavra guarda é empregada para definir a proteção aos filhos, amparo, vigilância. No Direito de família, refere-se ao direito e dever dos pais de ter em companhia os seus filhos e ampará-los e protegê-los, de acordo com a lei. Nesse caso, em regra, cabe aos pais definirem a modalidade da guarda, e caso não haja um acordo entre eles, o juiz poderá decidir de forma diversa ao acordado, ou em caso de dissenso entre os pais, buscando o melhor interesse do menor.
A guarda unilateral é atribuída a um dos genitores, ou a alguém que o substitua, é na guarda unilateral que ocorre a diminuição do convívio da criança com o genitor, esta situação acarreta prejuízos ao desenvolvimento emocional da criança, facilitando nesse modo, os atos de alienação parental. A guarda compartilhada é a divisão da responsabilidade e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto.
É um modelo de guarda que não se encaixa em todas as situações, devendo ser indicada sempre que por conveniência de modo que seja benéfico aos filhos. Nesta, o tempo de convivência deverá ser dividido de forma equilibrada entre os pais responsáveis, conforme preceitua o art. 1.583 do Código Civil, podendo também ser estabelecida mediante consenso ou determinação judicial, cabe também, uma ação autônoma por iniciativa dos próprios pais. Esse tipo guarda ajuda os filhos a superar as complicações que vem da separação, inclusive a ausência de amparo parental e consequentemente sensação de abandono efetivo, por isso essa é a guarda mais indicada para evitar a alienação parental. No entanto, a guarda compartilhada, se não exercida de modo democrático e recíproco, acaba acontecendo a mesma situação, motivo pelo qual deverá ser precedida com cautela e equilíbrio.
É imprescindível a proteção aos filhos advindos dos conflitos da separação e, não os envolver em disputas e desafetos, priorizando desse modo a saúde emocional, física e psicológica deles. Em um cenário de tantas mudanças, é primordial que os pais estejam preparados para apoiar e proteger os filhos. Se isto não acontece, pode vir a ocorrer, no decorrer do tempo, uma disputa entre os progenitores para manter a prole consigo, desencadeando assim a alienação parental, no qual a criança é programada a odiar um de seus pais, sem nenhuma justificativa, influenciando a criança a tomar certas atitudes que causam prejuízos nas relações entre pais e filhos.
3.3. Alienação Parental e sua Fundamentação Legal - Lei 12.318/2010
A Lei da alienação parental foi promulgada em agosto de 2010 e traz no bojo do artigo 2º o conceito de alienação parental descrito a seguir:
Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Esse fenômeno pode ocorrer não somente por parte dos genitores, mas pode ser por parte da pessoa que detém de cuidado para com a criança ou o adolescente, podendo ser um dos avós, tios ou outro responsável. A alienação parental surge como consequência na grande maioria das vezes, de uma separação conjugal litigiosa, onde os únicos afetados são as crianças provenientes desse relacionamento, pois, elas acabam por tornar-se o objeto principal desse conflito.
A alienação parental trata-se de um comportamento provocado na criança por parte de um dos genitores, colocando a criança contra o genitor alvo, para que ela o odeie, sem ou com justificativa, de modo que a própria criança ingresse na trajetória de desmoralização do genitor desmoralizado. Conforme a lição de Maria Berenice Dias (2017), a alienação parental também costuma ser chamada de implantação de falsas memórias. No entanto, sua análise, relaciona-se com a convivência familiar, em que gera a aproximação dos pais com os filhos, e quando ocorre a separação dos genitores, há uma disputa entre eles, gerando grandes conflitos.
É de grande importante ressaltar como esse cenário se estabelece. Entre as situações que desencadeiam a alienação parental entra o jogo das manipulações, onde armas de todos os tipos são utilizadas, principalmente as falsas acusações de abuso sexual, que de tanto reproduzidas, são tidas como verdade pelo genitor e pelo filho, vítima de toda situação. Quando levado ao conhecimento do judiciário, a situação torna-se ainda mais delicada, pois exige do magistrado uma atitude, e do outro lado há o receio de que tal denúncia não seja verdadeira, causando um mal-estar ainda maior para a prole que ficará privada do convívio daquele que eventualmente não lhe causou mal.
Conforme esse cenário, sendo ou não verdadeiro as acusações, a criança já é vítima. Sendo verdade, irá sofrer as consequências do abuso, se falso, será vítima de abuso emocional, pois esse tipo de situação irá acarretar sentimentos de culpa na sua vida ao tornar-se adulto e tomar consciência de que foi cúmplice de uma injustiça.
Diante disso, a alienação parental, caracteriza-se com uma espécie de vingança, em que o genitor guardião que quer se vingar do ex-cônjuge, aproveita-se da superioridade que detém por estar responsável pelo cuidado da prole, tenta fazer com que o outro genitor se submeta às suas vontades ou se afaste dos filhos.
Todavia, criminalizar a alienação parental não se apresenta como solução adequada frente às demandas atuais principalmente pelo caráter fragmentário que apresenta o direito penal. O caráter emergencial atribuído ao direito penal é um mecanismo construído de forma inadequada, pois, surge perante o clamor da sociedade em obter uma solução de forma imediata. Portanto, considerando que essa característica leva o descumprimento da efetivação da tutela de outros bens jurídicos, entre eles, conflitos que acontecem dentro do núcleo familiar, vez que, a solução para esse tipo de conflito nem sempre precisa ser judicializada.
Conforme preceitua Cezar Roberto Bitencourt (2019), o princípio da intervenção mínima ou última ratio, tem como função orientar e limitar o poder incriminador do Estado. A criminalização de uma conduta só se concretiza se for o único meio necessário para a proteção de um bem jurídico, pois se outras formas de sanções ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para tutela do bem, a sua criminalização será inadequada e desnecessária. Portanto, se para o controle da ordem jurídica for suficiente medida cível ou administrativa, serão essas que devem ser empregadas e não as penais. Por esta razão, que o direito penal deve ser a última ratio, ou seja, deve atuar somente quando os demais ramos do direito forem incapazes de conceder a tutela devida aos bens juridicamente relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade.
3.4. Políticas Púbicas para solução de problemas na estrutura social
Para a lei, alienação parental também é um ato de violência psicológica, pois segundo o legislador isso interfere diretamente na formação psicológica da criança e do adolescente envolvido nessa disputa. Porém, como dito anteriormente não é na esfera penal que se resolve conflitos sociais, como é o caso da alienação parental.
Como intuito de resolver problemas sociais e, romper com a política criminal de emergência, surge no âmbito social brasileiro às políticas públicas sociais.
Ao elaborar políticas públicas voltadas para a família, a missão do Estado é de ajudá-las a desenvolver a autonomia necessária para seu fortalecimento. Isso significa que o poder público tem um papel de suporte, não de protagonista: uma política pública familiar é eficaz na medida em que capacita as famílias a atuar de modo livre e responsável (BRASIL, 2020).
Políticas Públicas Sociais são ações voltadas ao bem-estar geral da população, compostas de um conjunto de programas, ações e decisões de iniciativa federal, nacional e municipal. A política é uma interação entre o Estado e a sociedade, conforme aborda Barcellos (2016, p. 116) “Deve-se destacar que as políticas públicas são concretizadas em nome do público, podendo ser implementadas pelo próprio Estado, mas também por outros ramos da sociedade”.
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos é uma pasta do Governo Federal que trabalha dentro dessa perspectiva de implementação de políticas públicas de amparo e suporte às famílias. Um dos objetivos é cultivar a solidariedade intergeracional familiar, ou seja, cultivar o fortalecimento do vínculo familiar, que é o que buscamos mostrar no presente artigo (BRASIL, 2020).
Neste sentido, cabe destaque o programa intitulado “Famílias Fortes”, que tem como principal objetivo o fortalecimento dos vínculos familiares. Consiste em uma metodologia que abrange sete encontros semanais para famílias que tenham filhos de uma determinada faixa etária. A cada encontro é trabalhada uma problemática dentro do contexto familiar. Para que seja realizado esse encontro, é escolhido um articulador que portará um manual onde constam as diretrizes do programa, como atividade a ser realizada a cada encontro, tempo de reunião e vídeos que abordam as temáticas a ser trabalhadas. Esse material está disponível no site do Governo Federal na aba dos Ministérios e está disponível para os municípios que desejam trabalham essa perspectiva (BRASIL, 2020).
O vínculo familiar é possível ser cultivado mesmo com o desfazimento conjugal, pois, entende-se, que a separação ocorreu para o casal, os filhos advindos dessa relação não podem ser apartados de uma convivência familiar. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Sua importância também é suscitada dentro da Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelecendo que a família é o núcleo natural e fundamental de toda uma sociedade (BRASIL, 2020).
O que se desfez foi o casamento, não o núcleo familiar, este, continua existindo e deve ser preservado. Pois, o conceito de família é muito abrangente, ultrapassa a ideia de que existe família se existir um pai e uma mãe que vivem na mesma casa. Família de um modo geral é onde a pessoa tem afinidades, baseados no afeto, não possui um conceito rígido ou imutável. A família é de suma importância para o ordenamento social, tanto que seu reconhecimento é previsto no art. 226 da Constituição Federal.
O estudo em questão abordou alienação parental, e a forma de garantir que a criança e ao adolescente tenham uma convivência saudável com seus genitores mesmo após o desfazimento do vínculo conjugal. Analisou-se de forma crítica o uso do direito penal como política emergencial. Por esta razão, esta pesquisa passou pelo direito penal, crimes contra a família, da proteção dos filhos, lei da alienação parental e políticas públicas como forma de solução para fins de assistência à família ao invés de criminalizar a alienação parental.
Após esta breve exposição, chegamos a alguns questionamentos, criminalizar a alienação parental seria a solução? Será que usar a política criminal de emergência solucionaria essa questão? No entanto, não são eficientes essas condutas, são necessárias políticas públicas para solução e não de tipificar como crime.
Em suma, acredita-se que as políticas públicas voltadas à prevenção da alienação parental devem ser criadas e incentivadas, buscando a conscientização dos familiares sobre os prejuízos que podem emergir a todos, e principalmente à criança, que é o alvo desses conflitos. Portanto, ao invés de criminalizar a prática de alienação parental, recomenda-se que o Estado deve se ocupar em estabelecer políticas públicas de assistência à família e à criança e ao adolescente, para dessa forma evitar tal prática.
5. REFERÊNCIAS
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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Direito Penal, volume 4. 13. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2019.
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Bacharelanda no Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CUNHA, Danielle Rodrigues da. Criminalização da alienação parental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jun 2021, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56646/criminalizao-da-alienao-parental. Acesso em: 22 nov 2024.
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