KARINE ALVES GONÇALVES MOTA [1]
(orientadora)
RESUMO: O artigo discute posicionamentos doutrinários e jusrisprudenciais relativos a validade do contrato de namoro quanto ao afastamento dos efeitos jurídicos da união estável. A relevância e contribuição do tema consiste em conhecer se esse instrumento é válido, pois seu reconhecimento ainda não é pacífico no mundo jurídico. Diante desse cenário firmou-se o seguinte questionamento: quais as discussões acerca da validade do contrato de namoro enquanto instrumento a impedir os efeitos patrimoniais e sucessórios da união estável? Frente a esse problema foram estabelecidos como objetivos: relatar as principais modificações históricas do namoro, demonstrar os efeitos patrimoniais e sucessórios decorrentes da união estável e distinguir o namoro qualificado e a união estável a luz de decisões jurisprudenciais. Para atingir a pretensão proposta utilizou-se o método dialético, realizando a pesquisa bibliográfica, mediante uma abordagem qualitativa e de natureza exploratória. Ao final, constatou-se que o posicionamento predominante da doutrina e da jurisprudência inadmitem a validade do contrato de namoro porquanto a união estável é norma de ordem pública que não pode ser afastada pela vontade dos contratantes, inobstante a existência dessa declaração mútua de namoro para inibir seus efeitos.
Palavras-chave: Contrato de Namoro. Efeitos da União Estável. Namoro Qualificado. Validade Jurídica.
ABSTRACT: The article discusses doctrinal and jusrisprudential positions regarding the validity of the dating contract regarding the departure from the legal effects of the stable union. The relevance and contribution of the theme is to know if this instrument is valid, as its recognition is not yet peaceful in the legal world. In view of this scenario, the following question was raised: what are the discussions about the validity of the dating contract as an instrument to prevent the patrimonial and succession effects of the stable union? Faced with this problem, the following objectives were established: to report the main historical changes in courtship, to demonstrate the patrimonial and succession effects resulting from the stable union and to distinguish qualified dating and stable union in light of jurisprudential decisions. To achieve the proposed claim, the dialectical method was used, carrying out bibliographic research, using a qualitative and exploratory approach. At the end, it was found that the predominant positioning of doctrine and jurisprudence precludes the validity of the dating contract because the stable union is a public order rule that cannot be removed by the will of the contractors, regardless of the existence of this mutual declaration of dating for inhibit its effects.
Keywords: Dating Contract. Effects of Stable Union. Qualified Dating. Legal Validity.
Sumário: Introdução. 1. Principais modificações históricas do namoro. 2. Efeitos patrimoniais e sucessórios da união estável. 3. Distinção entre namoro qualificado e a união estável à luz de decisões jurisprudenciais. 4. Contratos. 4.1 Conceito e requisitos de validade. 4.2 Contrato de namoro. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
Durante muitos anos o namoro era mais reconhecido como um dos estágios a ser superado, uma etapa para que o homem e a mulher se conhecessem e tinha como objetivo o matrimônio e o crescimento da família. Os encontros eram por vezes realizados na porta da casa da moça, não havia maiores intimidades e quase sempre eram vigiados por algum responsável.
Jamais se imaginaria que haveria uma confusão para discernir um namoro e um casamento na prática. Morar junto, ter filhos, beijar na boca e manter relações sexuais eram totalmente repugnáveis e algo a ser realizado somente após a união conjugal.
O Instituto do Direito de Família passou por profundas modificações nos últimos anos, as relações afetivas se transformaram e foram surgindo novos arranjos familiares, a título de exemplo, o namoro qualificado e a união estável. Tem sido cada vez mais recorrente casais que moram juntos, dividem despesas, viajam, usam alianças, compartilham contas bancárias, mas sem o desejo mútuo de constituir família - affectio maritalis.
Embora existam casais conservadores e tradicionais adeptos dos modelos de relacionamentos mais antigos, hoje muitos tem deixado de lado as formalidades que são exigidas para a celebração do casamento e estão passando a residir juntos imediatamente após se conhecerem e passam a viver como se casados fossem mesmo não havendo o desejo de formar família.
Há uma linha muito tênue entre aqueles que são companheiros e vivem uma união estável daqueles que são apenas namorados, o que fez surgir a expressão “namoro qualificado”. E para dificultar ainda mais a distinção, a lei não conceitua e nem regula o namoro.
Imaginemos a seguinte situação hipotética. Duas pessoas estão engajadas em um relacionamento e de repente este chega ao fim. Pode ocorrer que uma parte saia mais afetada que a outra, seja porque suas expectativas na relação foram frustradas ou porque o fim não partiu da vontade de ambos e, como forma de vingança, proponha uma ação judicial de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com partilha de bens em face do ex companheiro e pleiteie parte do patrimônio constituído.
Para evitar esse problema, surgiu a figura do contrato de namoro, instrumento direcionado para os casais de namorados que pretendem afastar a caracterização da união estável e consequentemente impedir os efeitos jurídicos desse instituto, tais como, direitos patrimoniais e sucessórios. Assim, em caso de rompimento do namoro, não há que se questionar em juízo o reconhecimento de união estável.
Não há, no ordenamento jurídico atual, legislação que regulamente esse instituto, sendo discutido o reconhecimento ou não de sua validade. Nesse cenário, indaga-se: quais as discussões acerca da validade do contrato de namoro enquanto instrumento a afastar os efeitos patrimoniais e sucessórios da união estável?
Para tanto, o objetivo geral da pesquisa é discutir a validade do contrato de namoro enquanto instrumento a afastar os efeitos patrimoniais e sucessórios da união estável. Os objetivos específicos consistem em relatar as principais modificações históricas na evolução do namoro, demonstrar os efeitos patrimoniais e sucessórios decorrente da união estável e distinguir o namoro qualificado e a união estável a luz de decisões jurisprudenciais. O artigo utilizou a pesquisa bibliográfica, tendo sido empregado o método dialético, mediante uma abordagem qualitativa, obtendo-se os dados através de materiais e documentos já publicados acerca do tema e usando a pesquisa exploratória para atingir os objetivos. O primeiro capítulo aborda brevemente as principais modificações históricas do namoro para compreender suas mudanças e como ele se reveste atualmente. No segundo capítulo apresenta-se os efeitos patrimoniais e sucessórios da união estável. No terceiro capítulo busca-se distinguir o namoro qualificado da união estável a partir da análise de decisões jurisprudenciais. Por fim, trata-se resumidamente dos requisitos de validade dos contratos em geral e das discussões envolvendo a validade do contrato de namoro.
1 PRINCIPAIS MODIFICAÇÕES HISTÓRICAS DO NAMORO
De início, reputa-se pertinente, para uma melhor compreensão sobre a necessidade de celebração de um contrato de namoro, entender como atualmente se reveste o namoro, tendo em vista que este instrumento contratual surgiu das mudanças em que sofreu esse relacionamento afetivo. Para tanto, é importante traçar um paralelo entre o que era o namoro entre os casais e como ele se dá na sociedade contemporânea.
Na época do Brasil Colonial esperava-se que o rapaz tivesse boas intenções, era ele quem tinha que dar o primeiro passo na corte e devia se comportar moralmente. Era necessário que o pai consentisse para o relacionamento e a moça e o rapaz eram sempre vigiados por alguém de confiança (ARAÚJO, 2010). No século XIX, o domínio da família no namoro tornava impossível qualquer proximidade entre os namorados (D’INCAO, 2010).
Na década de 1950, popularmente conhecida como Anos Dourados, o namoro deveria ser sério e com chances de que o casal subisse ao altar, as moças não deviam desperdiçar seu tempo com namoricos eventuais e os rapazes tinham que demonstrar interesse em formar família e capacidade para sustentá-la. Com relação a duração do namoro, estes seguiam um padrão, nem curto nem longo e a sociedade cobrava que o relacionamento os levasse ao matrimônio (PINSKY, 2010).
Para Chaves (2003), em sua pesquisa de Doutorado acerca dos relacionamentos amorosos na Pós-Modernidade, o relaxamento das normas que norteavam a vida afetiva sexual colaborou para que os estágios das relações afetivas deixassem de ser obrigatórios e observados como se fosse uma sequência lógica a ser cumprida.
Na contemporaneidade o que se observa é que comportamentos tidos antes como inaceitáveis hoje fazem parte do cotidiano de muitos casais. Muitos indivíduos no primeiro encontro têm relações sexuais, no outro dia estão convivendo no mesmo lar e só então passam a se conhecer de fato. Essa celeridade na formação do relacionamento pode contribuir para o surgimento de problemas na relação, levando a uma ruptura da união.
Para o sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman (2008), em sua obra intitulada A Sociedade Individualizada, a insegurança no futuro e o desejo pela felicidade imediata tem feito com que os relacionamentos sejam consideravelmente frágeis e instáveis. Fazendo ainda uma analogia com o mercado consumidor, o autor afirma que as relações são vistas como algo consumível, como mercadorias, ou seja, caso não esteja satisfeito no relacionamento, troque, mude para outro, termine
Se um parceiro é visto nestes termos, então não é mais tarefa de ambos os parceiros “fazer o relacionamento funcionar” - fazê-lo funcionar nas boas e más situações, ajudar um ao outro ao longo dos trechos bons e ruins, podar, se necessário, as próprias preferências, fazer acordos e sacrifícios pelo bem da união duradoura. Em vez disso, é uma questão de obter satisfação com um produto pronto para ser usado; se o prazer derivado dele não se equipara ao padrão prometido e esperado ou se a novidade diminui gradualmente com a alegria, não existe razão para ficar com o produto inferior ou mais velho, ao invés de encontrar outro, “novo e melhorado”, na loja” (BAUMAN, 2008, p. 154).
Frente as inovações do mundo tecnológico, o namoro passou a assumir novos formatos. Por exemplo, não é mais necessário que se conheça alguém pessoalmente para que se inicie um relacionamento, basta apenas um clique em aplicativos virtuais como Tinder[2] e Badoo[3] e pronto. E dessa maneira muitos casais mantém o relacionamento à distância por meio das redes sociais e, como assinala Bauman em Amor Líquido
O advento da proximidade virtual torna as conexões humanas simultaneamente mais frequentes e mais banais, mais intensas e mais breves. As conexões tendem a ser mais demasiadamente breves e banais para poderem condensar-se em laços […] Os contatos exigem menos tempo e esforço para serem estabelecidos, e também para serem rompidos. […] Os espasmos da proximidade virtual terminam, idealmente, sem sobras nem sedimentos permanentes. Ela pode ser encerrada, real e metaforicamente, sem nada mais que o apertar de um botão (BAUMAN, 2004, p. 38-39).
A pós-modernidade de fato trouxe novas interpretações as relações afetivas e os relacionamentos não mais são duráveis. Com grande franqueza menciona Gley Costa (2007, p. 108) que “a palavra de ordem na pós-modernidade é trocar: troca-se porque não atende às expectativas ou simplesmente porque tudo vem como data de vencimento, inclusive as relações amorosas”.
O propósito de formação familiar que permeiava os namoros nas décadas passadas, não mais persiste em grande maioria dos relacionamentos da atual sociedade em que vivemos e as relações afetivas tornaram-se cada vez mais superficiais e breves.
Todas essas tranformações contribuíram para a confusão envolvendo os insitutos do namoro qualificado e união estável no tocante as suas distinções, fazendo com que na atualidade casais busquem os cártorios para lavrarem escritura de contrato de namoro.
A fim de que se entenda os efeitos resultantes da união estável que procuram obstar os celebrantes do contrato de namoro, passa-se no próximo capítulo a discorrer sobre alguns deles. Registre-se, para fins de conhecimento, que existem outras implicações advindas da união estável, como por exemplo, o direito a alimentos, mas que não serão tratados neste artigo.
2 EFEITOS PATRIMONIAIS E SUCESSÓRIOS DA UNIÃO ESTÁVEL
Por anos, antes da vigência da lei que instituiu a união estável, o relacionamento do homem e da mulher que viviam como se casados fossem porém sem a formalização do casamento era conhecido como concubinato. Os direitos decorrentes desse relacionamento e seu reconhecimento não era pacífico no meio jurídico. Contudo, isso foi sendo relativizado diante de novos entendimentos jurisprudenciais e das transformações que o meio social foi sofrendo.
A Lei nº 9.278 de maio de 1996 regulou o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal dando reconhecimento constitucional e status de entidade familiar à união estável, que passou a contar com a seguinte redação “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
O Código Civil, em seu artigo 1.723, determina que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Mesmo sem previsão expressa na norma, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável homoafetiva após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 no ano de 2011.
A formalização da união estável gera efeitos no mundo jurídico. Com relação aos efeitos patrimoniais, a união estável é regida pelo regime de comunhão parcial de bens (artigos1.658 a 1.666 CC/2002), é o que determina o artigo 1.725 da lei civil. Este mesmo artigo determina que os companheiros poderão celebrar contrato escrito para optar por outro regime de bens, bem como para regulamentar a relação, é o chamado contrato de convivência.
Não havendo, pois, contrato em outro sentido, irão se comunicar e ser partilhado meio a meio os bens que sobrevierem durante a união estável. Tratando-se dos efeitos patrimoniais e do regime de comunhão parcial, assinala Maria Berenice Dias (2016, p. 424)
Adquirido o bem por um, transforma-se em propriedade comum, devendo ser partilhado, por metade, quando da dissolução do vínculo. Portanto, quem vive em união estável e adquire algum bem, ainda que em nome próprio, não é o seu titular exclusivo. O fato de o patrimônio figurar como de propriedade de um não afasta a cotitularidade do outro. (DIAS, 2016, p. 424, grifo da autora)
Os efeitos sucessórios da união estável nem sempre foram os mesmos que os do casamento, havia certa discriminação com relação a primeira. Após muita discussão, o Supremo Tribunal Federal em Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 878.694/MG fixou a tese de que é inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, sendo portanto, para ambas as entidades familiares aplicado o disposto no artigo 1.829 do mesmo dispositivo, que trata da ordem de vocação hereditária:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.
Neste sentido, na união estável o companheiro é um herdeiro necessário, ou seja, tem direito à parte legítima da herança deixada pelo de cujus, em outros termos, tem direito à metade dos bens ou patrimônios pertencentes ao falecido, vindo a disputá-la com os outros herdeiros na ordem a qual estabelece o dispositivo transcrito.
São essas implicações patrimonais e sucessórias que os instituintes do contrato de namoro temem e procuram afastar, visando blindar seus patrimônios, vedando quaisquer direitos e obrigações perante o outro e evitando assim disputa judicial em caso de fim de relacionamento.
3 DISTINÇÃO ENTRE NAMORO QUALIFICADO E A UNIÃO ESTÁVEL A LUZ DE DECISÕES JURISPRUDENCIAIS
O ordenamento jurídico pátrio não traz o conceito de namoro qualificado, fato este que torna difícil distingui-lo da união estável porquanto serem tão semelhantes, sendo imperioso buscar e recorrer a decisões jurisprudenciais para aclarar e facilitar essa diferenciação.
Primeiro, tem-se que os requisitos caracterizadores da união estável foram previstos na legislação civil, como já dito anteriormente: convivência pública, continuidade, durabilidade e affectio maritalis. Insta, portanto, discorrer brevemente sobre cada um desses pressupostos.
Para Maria Berenice Dias (2016) não se pode entender a convivência pública de um modo restrito, tendo a lei se referido a um aspecto de mais notoriedade, por exemplo, o caráter público da união estável tem que estar presente no ambiente social em que os companheiros estão inseridos em que se apresentam como um casal.
A continuidade e durabilidade, apesar de a lei não mais exigir requisito temporal para sua configuração, não pode ser instantâneo e superficial, “deve ser prolongada no tempo e sem solução de continuidade” (DIAS, 2016, p. 416).
Para a configuração do requisito subjetivo, affectio maritalis, nas lições de Carlos Roberto Gonçalves (2018) não é suficiente apenas o animus, ou seja, o objetivo de formar família, é imprescindível que haja de fato a construção familiar.
Sublinhe-se que as condições para a configuração da mencionada entidade familiar não são de natureza alternativa, mas sim de caráter cumulativo, posto que na falta de um dos elementos não restará evidenciado a configuração da união estável.
O Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial nº 1.454.643 - RJ, proveniente de ação de reconhecimento e dissolução de união estável c/c partilha de bens, em que a controvérsia de demanda cingia sobre a configuração de união estável ou de mero namoro qualificado, disciplinou que
[..] Não se denota, a partir dos fundamentos adotados, ao final, pelo Tribunal de origem (por ocasião de julgamento dos embargos infringentes), qualquer elementos que evidencie, no período anterior ao casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica da palavra, em que há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de esforços, com integral e irrestrito apoio moral e material entre os conviventes. A só projeção da formação de uma família, os relatos das expectativas de vida no exterior com o namorado, a coabitação, ocasionada, ressalta-se, pela contingência e interesses particulares de cada qual, tal como esboçado pelas instâncias ordinárias, afiguram-se insuficientes à verificação da affectio maritalis e, por conseguinte, da configuração da união estável. 2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado “namoro qualificado” -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família, deve, de fato, restar constituída. 2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. [...] A cronologia do relacionamento pode ser assim resumida: namoro, noivado e casamento. E, como é de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de relacionamento. [...]
(STJ – Resp: 1454643 RJ 2014/0067781-5, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 03/03/2015, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/03/2015)
Infere-se, analisando a citada jurisprudência, duas conclusões. Primeiro, o que difere a união estável do namoro qualificado é a intenção de constituição de família. Segundo, esse ânimo, necessariamente, deve restar caracterizado no presente e não em uma mera expectativa de, no futuro, formar uma entidade familiar. Esse foi o entendimento que levou o STJ, no caso sob análise, a concluir pela inexistência de união estável entre as partes litigantes, mas sim de um namoro, e como consequência da impossibilidade de meação patrimonial.
No mesmo sentido foi o entendimento dado também pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.558.015 – PR quanto ao pressuposto de ordem subjetivo necessário para a caracterização da união estável e que o difere do namoro qualificado
RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. TRANSAÇÃO DE DIREITOS DISPONÍVEIS. DESNECESSIDADE DE HOMOLOGAÇÃO PELO JUÍZO. PRODUÇÃO DE EFEITOS A PARTIR DE SUA CONCLUSÃO. ATO JURÍDICO PERFEITO E ACABADO. ARREPENDIMENTO UNILATERAL. IMPOSSIBILIDADE. […] As relações afetivas são inquestionavelmente complexas e, da mesma forma, o respectivo enquadramento no ordenamento, principalmente, no que respeita à definição dos efeitos jurídicos que delas erradiam. 3. A união estável, por se tratar de estado de fato, demanda, para sua conformação e verificação, a reiteração do comportamento do casal, que revele, a um só tempo e de parte a parte, a comunhão integral e irrestrita de vidas e esforços, de modo público e por lapso significativo. 4. Não é qualquer relação amorosa que caracteriza a união estável. Mesmo que pública e duradoura e celebrada em um contrato escrito, com relações sexuais, com prole, e, até mesmo, com certo compartilhamento de teto, pode não estar presente o elemento subjetivo fundamental consistente no desejo de constituir família. 5. Nesse passo, afastada a configuração da formação de união estável, no caso concreto, reconhece-se como transação particular de direitos disponíveis o acordo firmado entre as partes e apresentado a Juízo para homologação. [...]
(STJ – Resp: 1558015 PR 2015/0136813-3, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 12/09/2017, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/10/2017)
O que se observa e conclui da leitura e análise das ementas jurisprudenciais é que na união estável se faz presente o pressuposto subjetivo – affectio maritalis, requisito esse sem o qual torna impossível o reconhecimento da união estável. Uma vez que não há objetivo de constituição familiar ou que esse intento seja uma mera projeção vindoura, a relação é tida como um namoro qualificado, aí onde reside a distinção entre os dois institutos.
Neste ponto, como bem pronunciou Carlos Alberto Dabus Maluf e Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf
A doutrina divide o namoro simples e qualificado. O namoro simples é facilmente diferenciado da união estável, pois não possui sequer um de seus requisitos básicos. É, por exemplo, o namoro às escondidas, o namoro casual, o relacionamento aberto. Já o namoro qualificado apresenta a maioria dos requisitos também presentes na união estável. Trata-se, na prática, da relação amorosa e sexual madura, entre pessoas maiores e capazes, que, apesar de apreciarem a companhia uma da outra, e por vezes até pernoitarem com seus namorados, não têm o objetivo de constituir família. Por essa motivo é tão difícil, na prática, encontrar as diferenças entre a união estável e o namoro qualificado. (MALUF, C; MALUF, A, 2018, p. 243)
Esta diferença nem sempre se exterioriza no relacionamento, ao contrário dos outros requisitos de cunho objetivo que facilmente são verificados. Isto porque o animus de constituir família, sendo um elemento subjetivo, é a vontade interior do casal, podendo ele ser público ou não e ser somente o desejo de uma das partes. Muitos casais optam por manifestar a intenção de formar família, que poderá ou não se materializar, somente dentro da própria relação, não expondo seus intentos para pessoas estranhas ao relacionamento.
4 CONTRATOS
4.1 Conceito e requisitos de validade
Uma das principais fontes de obrigação no nosso ordenamento são os contratos, os quais possuem natureza de negócios jurídicos e que resultam da conduta voluntária dos contratantes, podendo ser bilaterais ou plurilaterais e tem como fim criar, preservar, modificar ou extinguir direitos e obrigações.
O Código Civil regula os contratos em geral na parte especial entre os artigos 421 e 480. Aplicam-se também aos contratos, as disposições contidas no artigo 104 do diploma civil que disciplina os negócios jurídicos, gênero da qual o contrato é espécie.
Para que o contrato seja válido, é mister que se faça preencher certo requisitos estipulados por lei. Se cumpridos, ele terá sua validade reconhecida e gerará os efeitos que lhe são concerntes; se não preenchidos, o contrato não produzirá efeitos e ensejará sua nulididade ou anulabilidade, a depender da situação.
Os requisitos gerais acham-se no rol do artigo 104 da legislação civil, que regulam os negócios jurídicos, quais sejam: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.
A capacidade do agente diz respeito a aptidão que os contratantes possuem para celebrar o negócio jurídico, a qual é disciplinada nos artigos 3º, 4º e 5º do Código Civil. A licitude do objeto importa em dizer que não seja ele contrário a moral ou aos bons costumes, exemplificando, não pode ser objeto de contrato a compra e venda de drogas ilícitas. O objeto ainda deve ser possível, isto é, que seja viável o seu cumprimento. Por exemplo, não é possível constituir uma relação jurídica cujo objeto seja uma prestação de serviços em um imóvel na lua. Também é necessário que o objeto seja determinado ou determinável, isto significa que a prestação obrigacional deve ser conhecida e certa no momento da constituição da relação jurídica ou, ainda que inicialmente incerta, seja passível de determinação quando de sua execução. O ordenamento civil brasileiro adota a regra que a forma para celebração do contrato é livre, isto é, pode ser pactuado por instrumento público, privado ou de forma verbal. Mas como toda regra tem sua exceção, há situações em que a lei impõe uma forma obrigatória para a realização do ato, sob pena de nulidade do negócio celebrado (GONÇALVES, 2019).
Ainda que não exigido pela lei, alguns doutrinadores, como é o caso de Carlos Roberto Gonçalves (2019), manifestam pela existência de outro requisito, a valoração econômica do objeto. À vista disso, elementos que não são dotados de estimação econômica não interessam a seara jurídica, é o caso de um grão de areia.
Outrossim, há o requisito próprio do direito contratual, o consentimento recíproco ou acordo de vontades. Esse elemento, conforme dizeres de Carlos Roberto Gonçalves (2019), exige que os contratantes estejam de acordo com seus três aspectos: sobre a existência e natureza do contrato, sobre o objeto do contrato e sobre as cláusulas que o constituem. Para não incorrer nos vícios ou defeitos do negócio jurídico, o consentimento deve ser livre e espontâneo, podendo ser tácito ou expresso.
A legislação civil disciplina e regula algumas espécies de contratos, tais como o contrato de compra e venda, o mútuo e comodato. Não obstante, o artigo 425 alude ser legal a celebração de contratos atípicos, ou seja, contratos não previstos expressamente no Código Civil, como é o caso do contrato de namoro, desde que sejam respeitados as regras gerais estipuladas pela lei.
4.2 Contrato de namoro
O Jornal Veja publicou matéria no ano de 2019 noticiando que a procura pelo contrato de namoro aumentou 54,5% (cinquenta e quatro vírgula cinco por cento) nos primeiros meses daquele ano em comparação com o mesmo período do ano anterior. Advogados ouvidos na elaboração da reportagem relataram que esse crescimento pode ter como causa a disseminação de informação acerca desse mecanismo na internet, bem como o receio dos indivíduos em relação aos seus relacionamentos.
Esse instrumento, celebrado a partir da manifestação de vontade dos contratantes, composto por cláusulas de cumprimento obrigatório, que tanto pode ser firmado por instrumento público quanto particular, tem como objetivo consignar que o relacionamento existente é apenas um namoro, não sendo e nem podendo transverter-se em uma união estável para assim, afastar os efeitos dela decorrentes.
Entretanto, o que grande parte dos celebrantes do contrato de namoro podem não saber é que há discussões na doutrina e jurisprudência envolvendo a antijuridicidade ou não desse acordo, cabendo aqui evidenciar as posições acerca do tema.
Dispondo que com a normatização da união estável surgiram especulações de que o namoro seria capaz de ter consequências patrimoniais, motivo que fez surgir o contrato de namoro para obstar a comunicação patrimionial, Maria Berenice Dias (2016), com a brilhanteza que lhe é peculiar, sendo uma das principais referências sobre o assunto, fundamenta que
No entanto, esse tipo de avença, com o intuito de prevenir responsabilidades, não dispõe de nenhum valor, a não ser o de monetarizar singela relação afetiva. […] A única possibilidade é os namorados firmarem uma declaração referente à situação de ordem patrimonial presente e pretérita. Mas não há como previamente afirmar a incomunicabilidade futura, principalmente quando segue longo período de vida em comum, no qual foram amealhados bens. Nessa circunstância, emprestar eficácia a contrato firmado no início do relacionamento pode ser fonte de enriquecimento sem causa. (DIAS, 2016, p. 432-433)
Observa a autora que reconhecer a validade e os efeitos deste contrato daria ensejo para enriquecimento sem causa, uma vez que pode beneficiar uma parte em detrimento da outra que, nas mesma proporção, contribuiu para a formação do patrimônio constituído.
Insurgindo contra a invalidade do contrato de namoro e fazendo críticas ao posicionamento de Maria Berenice Dias, Zeno Veloso no artigo intitulado “é namoro ou união estável”, realçando a normatização da união estável, que enseja efeitos patrimonais, alimentícios e sucessórios, destaca a preocupação daqueles que vivem um namoro e aponta que estes possuem “ o justo receio de que essa situação possa ser confundida com a da união estável” (VELOSO, 2016, p. 2). O jurista, que defende a validade do contrato de namoro, entende que
A meu ver, não se trata de “mercantilizar o envolvimento” ou de “monetarizar o afeto”, como alguns doutrinadores criticam (inclusive, a eminente mestra Maria Berenice Dias, no Manual, antes citado), mas, apenas, de identificar o relacionamento amoroso que mantêm, deixar clara e bem definida a extensão do mesmo, consignar e esclarecer que, pelo menos no momento presente, não passa de namoro. Quer-se prevenir e evitar a alegação da existência de efeitos materiais que podem ser de grande monta, de altíssimo valor. (VELOSO, 2016, p. 3)
No curto, porém esclarecedor artigo, o professor de Direito Civil e Direito Constitucional justifica seu posicionamento na máxima que estabelece que, ao contrário do que ocorre com a administração pública, nas relações privadas é permitido fazer tudo o que a lei não proíbe. Então, se não há lei que proíba a celebração de um contrato de namoro, diante da autonomia privada e do liberalismo, prevalece o princípio de que tudo que não se proíbe, se permite.
João Henrique Miranda Soares Catan (2013), mencionando que como o intuito do contrato de namoro é afastar as questões patrimonais assevera a possibilidade de se inserir na convenção uma cláusula que denominou de “darwiniana”, fazendo alusão a teoria da evolução de Charles Robert Darwin. Defende que o direito deve acompanhar e se adaptar as transformações que ocorrem na realidade social, desta forma, a cláusula deixaria consignado que se o relacionamento evoluir para uma união estável, o regime a incidir será o da separação de bens, resolvendo, portanto, o dilema patrimonial. Para o autor, esse modelo contratual não se empenharia em impedir a configuração da união estável, mas tão somente regular as questões que envolveriam os bens.
Para Rolf Madaleno (2019), após as mudanças que os relacionamentos afetivos suportaram, vindo a se tornar mais descompromissados e possuindo os sujeitos uma maior liberdade, importando na similaridade do namoro qualificado com a união estável, criou-se o contrato de namoro que, em sua visão, não goza de nenhuma validade jurídica. Para o autor, os efeitos que pretende os celebrantes impedir não advém de um contrato, todavia, decorrem “do comportamento socioafetivo que o casal desenvolver” (MADALENO, 2019, p. 1238). Assim, se a relação afetiva vivida evidencia uma união estável mediante a maneira como o casal se comporta, imperioso afirmar que de nada interessa o contrato de namoro de antemão firmado, opção melhor seria se o casal celebrasse um contrato de convivência, optando, logo, pelo regime da separação total de bens.
Na concepção de alguns doutrinadores, a finalidade de formalizar um contrato de namoro tem por objetivo fraudar lei imperativa (artigos 1.723 a 1.727, CC/2002), acarretando na nulidade do negócio jurídico. Nesse viés, Silvio de Salvo Venosa, dispõe
Propendo, portanto, pela corrente que entende que esses contratos de namoro são nulos (art. 166, VI, do Código Civil). Sua finalidade, na massiva maioria das vezes, é proteger o partícipe que possui patrimônio em detrimento daquele que não o tem, com nítida ofensa aos princípios da dignidade humana e do direito de família. Assim sendo, um contrato desse jaez não poderá nunca impedir o reconhecimento da união estável, assim como uma declaração de união estável poderá levar a uma conclusão de sua inexistência. Recorde-se que não estamos no campo dos contratos patrimoniais e sim na seara da família, cujos princípios são diversos. Destarte, muito distante desses pactos está o princípio da pacta sunt servanda. Nesse campo, os fatos superam qualquer escrito! (VENOSA, 2011, p. 84)
Não é diferente o posicionamento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012) acerca do assunto. Na opinião dos ilustres doutrinadores e juristas, sendo a união estável um “fato da vida”, um ato-fato jurídico, uma declaração mútua de namoro não tem o condão de obstar seu reconhecimento e seus efeitos, posto que se trata de norma de ordem pública, sendo pois, nulo.
Nesta linha de raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça em Agravo em Recurso Especial nº 0004779-38.2014.4.02.5101 RJ 2017/0196452-8, decidiu monocraticamente pela invalidade do contrato de namoro, cujo trecho da decisão que aqui interessa se transcreve
[…] A união estável não é inaugurada nem criada por um negócio jurídico. A essência da relação não é definida pelo contrato, muito menos pelo olhar da sociedade, ou de testemunhas em audiência. Essa modalidade de união é uma situação de fato que se consolida com o decorrer do tempo (donde surgiu o requisito “relação duradoura”, ou “razoável duração”) e não depende de nenhum ato formal para se concretizar. Nessa ordem de ideias, pela regra da primazia da realidade, um “contrato de namoro” não terá validade nenhuma em caso de separação, se, de fato a união tiver sido estável.
(STJ – AREsp: 1149402 RJ 2017/0196452-8, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Publicação: DJ 15/09/2017)
No caso em tela, extrai-se da decisão do Ministro Og Fernandes que embora exista um contrato de namoro pactuado, de forma livre e voluntária, este não tem potencial a inibir a existência da união estável se, de fato, esta restar configurada, por ser questão de ordem pública que independe da vontade dos contratantes para sua concretização.
De outro viés, Diego Brainer de Souza André (2019) assinala que é essencial o respeito do Estado para com os acordos ou declarações que regem e tratem de matérias de cunho pessoal e patrimonial, não se podendo antever que o contrato de namoro foi instituído contrário aos ditames jurídicos e objetivando burlar o Poder Judiciário, já que a escolhar de formar família é particular do casal. Conveniente seria que este instituto servisse de segurança para os envolvidos, cabendo ao julgador decidir se a declaração mútua é justa ou não. Ainda assim, presumir-se-á sempre pela validade do contrato, de forma a assegurar a autonomia privada das relações afetivas e patrimoniais.
Nesse cenário, em junho de 2020, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sede de Apelação Cível nº 1000884-65.2016.826.0288 decidiu pela validade do contrato de namoro. A lide, discutia a existência ou não de união estável entre as partes conflitantes. Na primeira instância, a sentença julgou improcedente os pedidos da petição inicial, decidindo pela inexistência da entidade familiar. Inconformada, a parte autora apelou da decisão, alegando que o namoro evoluiu para união estável. O Tribunal, contudo, não acolheu os argumentos da apelante e negou provimento ao recurso
APELAÇÃO. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com partilha de bens. Sentença que julgou improcedente a ação. Inconformismo da parte autora. Não preenchido os elementos essenciais caracterizadores da união estável previstos na lei. Contrato de namoro firmado pelas partes. Caracterizado simples namoro, sem intenção de formação de núcleo familiar. Sentença mantida. Recurso desprovido.
(TJ-SP-AC: 10008846520168260288 SP 1000884-65.2016.8.26.0288, Relator: Rogério Murillo Pereira Cimino, Data de Julgamento: 25/06/2020, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/06/2020)
No voto, o Relator ressaltou que o contrato de namoro pactuado foi firmado em consonância com os requisitos exigidos para validade do negócio jurídico presentes no rol do artigo 104 do Código Civil, não havendo vício de vontade que possibilitaria o reconhecimento de uma casual nulidade, por conseguinte, é dotado de validade.
Para Regina Beatriz Tavares da Silva (2016), o termo “contrato de namoro” é desacertado, porquanto os contratos são celebrados objetivando criar, modificar ou extinguir direitos e em uma relação de namoro não existem direitos nem obrigações, sendo um irrelevante jurídico. A diretora da Associação de Direito de Família e das Sucessões crítica a opinião dos que afirmam que o contrato de namoro é um ato ilícito, pois estes esquecem que
[…] a declaração de namoro serve para provar o que efetivamente existe, ou seja, relação de afeto sem consequências jurídicas. Essa declaração somente pode ser tida como ilícita se falsear a verdadeira relação que existe entre aquelas duas pessoas, ou seja, declararem que há namoro quando, na verdade, o que existe é união estável. (SILVA, 2016)
Citando que a declaração é significativa, por exemplo, em casos de rompimento do namoro em que um dos ex namorados recorra ao Judiciário e queira se enriquecer inadequadamente da união estável que jamais houve, adverte a autora que o documento é perfeitamente lícito e válido se transparecer a realidade do relacionamento.
Nessa concepção, havendo disputa judicial após o término do relacionamento e um dos namorados reclame parte do patrimônio ou, em caso de morte do outro, a partilha da herança, se existir contrato de namoro e for levado como prova para o litígio e o julgador de fato entender que o que existe é um namoro, o que sobressairá será o que foi estipulado no contrato, pois é a exteriorização da vontade dos acordantes.
CONCLUSÃO
Na atual conjectura dos relacionamentos afetivos, ocasianada principalmente pela ampla liberdade sexual e pelas mudanças dos costumes da sociedade contemporânea, surgiu a expressão “namoro qualificado”, relação que se confunde com a união estável, sendo que este produz efeitos de ordem patrimonial e sucessório, enquanto aquele não gera direitos nem obrigações no mundo jurídico. Em virtude da semelhança dos dois institutos, criou-se a figura do contrato de namoro, visando afastar os efeitos da união estável ao deixar registrado que o relacionamento não é nada mais que um namoro qualificado.
A jurisprudência já consolidou o entendimento que a linha que discerne a união estável do embaraçoso namoro qualificado é o ânimo de construção familiar. Na união estável a vontade efetivamente tem que ser no tempo presente ou a família de fato restar constituída, enquanto que no namoro qualificado o desejo ou não existe ou é mera idealização para o futuro.
Se pôde constatar que os tribunais superiores até o momento não fixaram entendimento a fim de pacificar a discussão envolvendo o tema e nem a legislação pátria regulamenta a matéria, em função disso doutrina e jurisprudência divergem sobre a validade ou invalidade do contrato de namoro.
Foi visto que a posição majoritária da doutrina, representada, dentre outros, por Maria Berenice Dias e Silvio de Salvo Venosa, sustentam a invalidade da declaração mútua de namoro no fundamento de que este gera um enriquecimento ilícito de uma parte em malefício de outra, servindo de escudo para o econômicamente mais favorecido, gerando ofensa a princípios basilares do Estado Democrático de Direito. Por conseguinte, o contrato de namoro não terá validade nenhuma. Posicionam-se também pela invalidade do contrato de namoro os eminentes juristas Rolf Madaleno, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, argumentando que a união estável é norma de ordem pública e restará configurada sempre que preenchidos seus requisitos, não podendo ser afastada simplesmente pela vontade dos contratantes.
Na posição minoritária, Zeno Veloso, Diego Brainer de Souza André e Regina Beatriz Tavares da Silva defendem a validade do contrato de namoro, uma vez que não há lei proibindo a formação desse instrumento que pode servir de segurança para a relação amorosa. Sustentam ainda que deve se fazer valer a autonomia da vontade que norteia as relações particulares e, além do mais, não poderá ser considerado ilícito se na verdade o que existir for unicamente um namoro.
Restou constatado que as jurisprudências são discrepantes quanto a matéria, há tribunais que reconhecem a validade do contrato de namoro quando este englobar todos os requisitos de validade do négocio jurídico, enquanto outros negam o seu reconhecimento se porventura ficar evidenciado a existência da união estável, entidade essa que é uma situação fática, não sujeitando-se a nenhum ato para sua concretude.
Afirma-se, portanto, que não obstante a existência desse documento declaratório para coibir a comunicabilidade patrimonial ou o direito à sucessão, se a relação com o passar do tempo alterou-se para uma união estável ou se a realidade de fato for diferente do acordado, o contrato de namoro não terá validade e não se sobressairá a vontade convencionada e sob o relacionamento recairá os efeitos da união estável.
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[1] Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela UNIMAR. Professora do curso de Direito do Centro Unversitário Católica do Tocantins. Advogada. E-mail: [email protected]
[2] O Tinder é um aplicativo de relacionamento online que permite conhecer pessoas de qualquer lugar do mundo para um relacionamento amoroso, novos amigos ou apenas para curtição. Pode ser acessado no seguinte site: https://tinder.com/
[3] O Badoo é uma rede social online mais antiga (2006) destinada as pessoas que queiram iniciar um namoro ou relação de amizade. Pode ser acessado através do seguinte site: https://badoo.com/pt/
Acadêmica de Direito no Centro Universitário Católica do Tocantins - UNICATÓLICA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, YASMIN LOPES. Contrato de namoro: validade jurídica e impedimento dos efeitos patrimoniais e sucessórios da união estável Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jun 2021, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56651/contrato-de-namoro-validade-jurdica-e-impedimento-dos-efeitos-patrimoniais-e-sucessrios-da-unio-estvel. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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