ANANIAS RIBEIRO OLIVEIRA JUNIOR[1]
(orientador)
Resumo: O objetivo deste trabalho é discorrer sobre a prescrição intercorrente no bojo da execução fiscal com base na legislação que ora disciplina a matéria – artigo 40 e parágrafos da Lei nº 6.830/80, em concomitância com as novas teses definidas pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, pela sistemática dos repetitivos (artigo 1.036 e seguintes do CPC/15), do Recurso Especial nº 1.340.553/RS, uma vez que trata-se de um debate atual que pode afetar mais de 27 (vinte e sete) milhões de processos de Execução Fiscal. Utilizando-se do método monográfico, o presente artigo propõe a avaliar as teses e os obstáculos que a prescrição intercorrente enfrenta no processo de execução fiscal.
Palavras – Chave: Prescrição intercorrente. Execução Fiscal. Lei de Execução Fiscal. Termo inicial.
Abstract: The purpose of this work it is discuss the intercurrent prescription within the scope of tax enforcement based on the legislation that now regulates the matter - article 40 and paragraphs of Law 6.830/80, in concomitance with the new theses defined by the Superior Court of Justice, in the judgment, by the systematic of the repetitive ones (article 1.036 and following of CPC / 15), of Special Appeal nº 1.340.553 / RS, because it is a topic that can affect more than 27 (twenty-seven) million tax enforcement proceedings. Using the monographic method, this article proposes an evaluation of the theses and the resolution that the intervening prescription faces in the tax enforcement process.
Keywords: Intercurrent prescription. Tax Enforcement. Tax Enforcement Law. Initial term.
SUMÁRIO: Introdução. I. Constituição do crédito tributário. II. Paralelo entre os institutos da Prescrição e da Decadência. III. Prescrição intercorrente em matéria tributária. IV. Análise do Recurso Especial Repetitivo nº 1.340.553/RS em concomitância com o artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais. Conclusão. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A prescrição intercorrente é um fenômeno jurídico milenar e tem como berço o direito romano. Mesmo sendo milenar, as discussões acerca desse fenômeno permeiam as eras atuais em virtude da sua complexidade, as quais, no Brasil, remontam ao início do período da redemocratização - nos idos do ano de 1989, período no qual o STJ já trabalhava com a ideia de prescrição intercorrente em matéria de execução fiscal, com referências expressas a esse instituto eminentemente processual em seus julgados[2].
Com base nas interpretações das regras do jogo, na teoria analítica dos jogos de linguagem de Ludwig Wittgenstein (2004. p. 28-41), as regras da prescrição incluem em seu conteúdo jurídico a sabedoria do tempo e seu limite ou o seu fim, impedindo a perpetuação de relações sociais conflituosas.
Sendo assim, em meio à importância de imposições de limites às relações conflituosas em execuções fiscais, a análise da prescrição nas execuções fiscais e dos prismas jurídicos advindos do julgamento do recurso repetitivo, REsp 1.340.553/RS, relatado pelo Ministro Mauro Campbell Marques, são de suma importância para compreender a sistemática para a contagem da prescrição intercorrente no processo executivo fiscal.
Além disso, com a entrada em vigor do Código de Processo Civil, em março de 2016, esse tema passou a merecer maior atenção, uma vez que o artigo 10 do novel diploma processual inclui, por certo, o reconhecimento da prescrição intercorrente e dispõe:
O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício
Portanto, considerando a indiscutível relevância do tema, o presente artigo partirá da análise da prescrição intercorrente, mediante uma perspectiva geral, para, em seguida, evoluir à análise propriamente dita da prescrição intercorrente na execução fiscal, correlacionando-a com o julgado do STJ.
I. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Segundo a teoria adotada no Código Tributário Nacional, quando a situação definida em lei como fato gerador do tributo é verificada no mundo dos fatos, nasce a obrigação tributária. Em tal definição há dois conceitos importantíssimos que necessitam ser esclarecidos, os conceitos de hipótese de incidência e fato gerador.
A hipótese de incidência é a situação de fato, descrita previamente em lei como motivo de incidência de determinado tributo. Nos dizeres de Bernardo Ribeiro de Moraes (1984, p.160), a hipótese de incidência é:
[...] a situação geral e abstrata que aparece com a promulgação da lei tributária, que contém pressuposto de fato tido juridicamente como necessário e suficiente para dar nascimento à respectiva obrigação tributária, ao lado de uma determinação de certa consequência jurídica, no caso de se concretizar essa hipótese legal de incidência.
Enquanto isso, fato gerador consiste no elemento fundamental para que exista a obrigação tributária e é definida como a concretização do fato que a lei previamente pressupôs de maneira abstrata. É, portanto, o ato jurídico, tipificado na hipótese de incidência que efetivamente ocorreu.
Dessa maneira, nascerá a obrigação tributária quando houver a subsunção do fato (fato gerador) à norma (hipótese de incidência). Essa obrigação consiste num vínculo jurídico transitório entre o sujeito ativo (credor) e o sujeito passivo (devedor) e tem por objeto uma prestação pecuniária.
A rigor, portanto, o crédito tributário se constitui com a obrigação tributária e tal crédito tributário representa o momento de exigibilidade da relação jurídico-tributária. Seu nascimento ocorre com o lançamento tributário (art. 142 do CTN), o que nos permite defini-lo como uma obrigação tributária “lançada” ou, com maior rigor terminológico, obrigação tributária em estado ativo. Luciano Amaro (2008, p. 298) conceitua crédito tributário como:
O nascimento da obrigação tributário independe de manifestação de vontade do sujeito passivo dirigida à sua criação. Vale dizer, não se requer que o sujeito passivo queira obrigar-se; o vínculo obrigacional tributário abstrai a vontade e até o conhecimento do obrigado: ainda que o devedor ignore ter nascido a obrigação tributária, esta o vincula e o submete ao cumprimento da prestação que corresponda ao seu objeto. Por isso, a obrigação tributária diz-se ex lege.
Como dito anteriormente, o crédito tributário surge a partir do lançamento, o qual é um ato (ou procedimento) cuja competência recai sobre um agente público, denominado de auditor fiscal, e somente este tem a condição de formalizar o crédito, que nada mais é que a obrigação tributária líquida.
Nesse contexto, é por meio do lançamento tributário que o Fisco identifica quem materializou a hipótese de incidência do tributo e, a partir desse momento, torna a obrigação exigível. Todo esse procedimento é legalmente denominado de lançamento, conforme se pode extrair do art. 142 do CTN, abaixo transcrito:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Sendo assim, o crédito tributário corresponde ao título representativo do direito do Estado de cobrar tributo, ou seja, de exigir do sujeito passivo o pagamento do objeto da obrigação tributária principal. Nesse passo, diz-se, seguindo a linha de entendimento do STJ, que “o crédito tributário não surge com o fato gerador. Ele é constituído com o lançamento (artigo 142 do CTN)”. (REsp 250.306/DF, 1ª T., rel. Min. Garcia Vieira, j. 06-06-2000).
Nesse contexto de constituição do crédito tributário, no que se refere ao prazo decadencial para a prática do lançamento, nas modalidades de lançamento de ofício e por declaração, o prazo preclusivo para que a Administração pratique o ato é de cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte ao que o lançamento poderia ter sido efetuado (art. 173, I, CTN), salvo se antes do primeiro dia do exercício seguinte a autoridade administrativa praticar algum ato tendente à formalização do crédito tributário, hipótese na qual se antecipa o dies a quo do lustro decadencial (parágrafo único do art. 173, CTN).
Em se tratando de tributos lançados por homologação, o lustro decadencial se inicia com a prática do fato gerador pelo sujeito passivo, salvo se este agir com dolo, fraude ou simulação, hipótese na qual, por interpretação sistemática do Código Tributário Nacional, o início da contagem se desloca para o primeiro dia do exercício seguinte ao que o lançamento poderia ter sido efetuado (art. 150, § 4˚ c/c art. 173, I).
Diante de tal explanação, destaca-se que a compreensão acerca do crédito tributário e sua constituição é de suma importância para compreender os limites temporais dessa cobrança.
II. PARALELO ENTRE OS INSTITUTOS DA PRECRIÇÃO E DA DECADÊNCIA
Como dito anteriormente, o mundo social e o mundo do direito necessitam de limites temporais, assim como todas as normas jurídicas exigem uma regulação temporal. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p.33) leciona:
Tanto isso é verdade que não há como se conceber qualquer regulação normativa isenta de referência temporal, o que, aliás, serve para demonstrar sua absoluta neutralidade. Deveras: ou a lei fixa um tempo dado ao regular certa situação ou, inversamente, não fica qualquer limite. Em ambos os casos, há uma referência temporal. Numa é demarcada, noutra é ilimitada, mas ambas levam em conta o tempo, seja medido, seja continuado.
É diante de tal necessidade que surgem os fenômenos da prescrição e da decadência. Durante certo período, houve uma equiparação indevida, por assim dizer, entre ambos os institutos. Aliás, compreensível tal equiparação entre os dois fenômenos, até porque, conforme o professor Antonio Luis da Câmara Leal (1959, p.11), a distinção entre a prescrição e a decadência é um dos problemas mais árduos da Teoria Geral do Direito Civil.
Historicamente, reforça essa dificuldade de comparação e consolidação entre os dois institutos o fato de que o Código Civil de 1.916 (Código Bevilaqua) tratou os prazos decadenciais como sendo de prescrição, entre os artigos 161 e 179 (Título III – Da Prescrição – Código Civil de 1916).
Posteriormente, o professor Agnelo Amorim Filho destacou a diferença entre os institutos e reforçou uma subdivisão entre os direitos subjetivos feita por Chiovenda, que classificava essa modalidade de direitos como: (i) direitos potestativos e; (ii) direitos a uma prestação.
Ao reforçar a subdivisão dos direitos potestativos de Chiovenda, o professor Agnelo Amorim Filho defendeu que os prazos tidos como decadenciais são aplicados aos direitos potestativos, ao passo que os prazos tidos como prescricionais aplicam-se aos direitos a uma prestação. Consolida-se, nesse momento, o critério útil (no que se propõe) para a diferenciação entre os institutos.
No âmbito tributário, a prescrição e a decadência são institutos distintos de extinção do direito à exigibilidade do crédito tributário. Insta observar que, enquanto a prescrição refere-se à perda da ação de cobrança do crédito já lançado, a decadência é a perda do direito de efetuar este lançamento, isto é, de constituir o crédito tributário. A decadência extingue o direito, enquanto a prescrição tem por objeto a ação.
Como dito anteriormente, a decadência está prevista no artigo 173 do CTN, senão vejamos:
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue- se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
O prazo decadencial inicia-se desde o momento em que há o surgimento do direito (ocorrência do fato gerador). Em contrapartida, a prescrição inicia-se desde o momento em que o direito é violado, ameaçado ou desrespeitado, porque é justamente neste momento que advém a ação contra a qual a prescrição se destina.
Em suma, a decadência supõe um direito que, embora nascido, não se tornou efetivo pela falta de exercício e a prescrição supõe um direito nascido e efetivo, mas que pereceu pela falta de proteção pela ação, contra a violação sofrida.
III. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
Como dito anteriormente, por meio do lançamento tributário o Fisco identifica quem materializou a hipótese de incidência do tributo e, a partir desse momento, torna a obrigação exigível. Caso o devedor espontaneamente não pague o tributo devido, ele terá que suportar com o seu patrimônio o cumprimento dessa obrigação, e isso ocorrerá com a inscrição desse débito em dívida ativa, a qual é feita pela Fazenda Nacional – dívida ativa tributária – e é quem promove a execução fiscal.
Destaca-se que, diferentemente do processo de conhecimento, trata-se de execução por quantia certa e tem como foco principal a expropriação que se realiza em favor do credor. Ou seja, através dos meios executórios, deve-se buscar a satisfação dos créditos do exequente e, caso não haja pagamento ou impugnação por parte do devedor, começa a fluir o prazo prescricional.
A análise da prescrição intercorrente em matéria tributária deve ser feita sob algumas premissas legislativas e jurisprudenciais. São estas: o artigo 40 da LEF e o artigo 174 do CTN; e a súmula 314 do STJ.
O artigo 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal prescreve a reserva de lei complementar em matéria de prescrição de créditos tributários:
Art. 146. Cabe à lei complementar: (...)
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
Nessa matéria, considerando a norma constitucional que dispõe a respeito da lei complementar como via adequada para disciplinar a prescrição relacionada ao crédito tributário, intensificaram-se as discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca dos prazos prescricionais no bojo da Lei de Execução Fiscal (uma lei ordinária) e sua relação com o artigo 174, I do Código Tributário Nacional, norma recepcionada com status de lei complementar.
Originalmente, a redação do artigo 174, I do CTN previa que a prescrição se interrompia pela citação pessoal feita ao devedor. Em momento posterior, a Lei Complementar nº 118/05 mudou a redação do artigo 174, I do CTN para dispor que é o despacho judicial com ordem de citação em execução fiscal que interrompe a prescrição. Sendo assim, fica clara a intenção do legislador em tratar de um prazo de prescrição intercorrente no artigo 174, I do CTN, o qual destaca:
Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;
Por seu turno, ao adentrarmos no processo de execução fiscal, verificamos situações em que a Fazenda Pública não consegue localizar bens passíveis de penhora, mesmo promovendo o regular prosseguimento da execução fiscal.
Nesse contexto, a regulamentação deste instituto no Direito Tributário ocorreu recentemente com a Lei n° 11.051/2004, pelo artigo 6° que introduziu no artigo 40, § 4° da Lei das Execuções Fiscais n° 6.830/1980 e esclarece acerca da cobrança judicial da dívida ativa da fazenda pública:
Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. § 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)
Assim, quando desconhecida a localização do executado ou dos bens passíveis de penhora, haverá uma causa a justificar a suspensão do processo, fazendo então com que fique suspenso também a prescrição.
Em um quadro comparativo entre os dois dispositivos que abordam a prescrição (artigo 174 do CTN e artigo 40 da LEF), destaca-se que o STJ consolidou o entendimento de que a aplicação do artigo 40, parágrafo 4º da Lei de Execução Fiscal era imediato em razão do seu caráter de norma processual.
Sendo assim, a possibilidade inequívoca de reconhecimento da prescrição intercorrente, de ofício, em execução fiscal, era regra processual de aplicação imediata, alcançando, inclusive, executivos fiscais ajuizados antes de sua vigência[3].
Em análise mais aprofundada da súmula nº 314 do STJ, extrai-se a seguinte redação:
Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente.
Com a edição da súmula supracitada, publicada em 8 de fevereiro de 2006, convém destaque o sistema da prescrição intercorrente na execução fiscal foi subdividido em 2 partes, por assim dizer, o que totaliza um prazo de 6 (seis) anos em termos de prescrição intercorrente.
Na primeira parte, trabalha-se da seguinte forma: (i) termo inicial – falta de localização de bens penhoráveis ou devedores (artigo 40, caput, da Lei 6.830/80) e; (ii) termo final – o prazo de 1 (um ano) no transcurso da suspensão da execução fiscal (artigo 40, parágrafo 1º da Lei 6.830/80).
Na segunda parte, trabalha-se dessa forma: (i) termo inicial – fim do prazo de 1 (um) ano de suspensão da execução fiscal (artigo 40, parágrafo 2º da LEF) e; (ii) termo final – os 5 (cinco) anos do prazo quinquenal de prescrição ordinária (artigo 174 do CTN c/c artigo 40, parágrafo 1º da LEF).
Ademais, imprescindível destacar que a compatibilidade entre o § 4º da LEF e a Súmula 314 do STJ é plena. O professor James Marins discorre a respeito:
Além disso, após esta alteração legislativa, o STJ adotou a Súmula nº 314, publicada em 8 de fevereiro de 2006, assentando que “em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o prazo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”. No entanto, esta súmula tem origem em julgados prolatados anteriormente à nova lei, de modo que não há incompatibilidade entre o novo parágrafo 4º do art. 40 da LEF e a súmula nº 314 do STJ, sobretudo considerando-se que o próprio STJ admite pacificamente que o caráter processual da norma enseja sua aplicação imediata mesmo aos processos em curso.
Em suma, existem, portanto, dois prazos que passaram a ser admitidos pela doutrina: contagem do despacho que ordena o arquivamento (artigo 40, § 4° da LEF) ou início após findo o prazo de 1 ano de suspensão do processo por não localização do devedor ou de seus bens (artigo 40, § 2° da LEF).
IV. ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO Nº 1.340.553/RS EM CONCOMITÂNCIA COM O ARTIGO 40 DA LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS.
O precedente vinculativo RESP 1.340.553/RS trata especificamente da prescrição intercorrente nos processos de execução fiscal e trouxe novos olhares acerca da prescrição intercorrente, além de nova sistemática para a contagem dessa prescrição nas ações que tramitam sob o rito da Lei Federal nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais), que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública.
Importante destacar que, segundo o próprio Ministro Mauro Campbell Marques, o intuito da lei é fazer com que as execuções fiscais já ajuizadas não fiquem escondidas em recantos do Judiciário ou do Fisco, e por isso fora estabelecido prazo para a localização do devedor, bem como para a localização de bens passíveis de penhora.
Isso porque é cediço que muitas execuções se arrastam ao longo de anos sem, sequer, perspectivas de alcançar o objetivo da execução fiscal: a expropriação em favor do credor.
Basta evidenciar que no ano de 2019, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e o Superior Tribunal de Justiça firmaram acordo para que houvesse a desistência de cerca de 3 (três) mil processos de execução fiscal, classificados por “baixa recuperabilidade” na forma da Portaria nº 443, de 12 de junho de 2017, o que demonstra o grande volume de processos executórios sem chances de êxito na cobrança do crédito tributário.
Além disso, já era possível o reconhecimento da prescrição intercorrente antes do advento da Lei 11.051/2004, tendo o referido diploma legal inaugurado a possibilidade de ser a referida prescrição decretada de ofício. Ademais, entende o STJ que tal dispositivo, por se tratar de norma processual, aplica-se imediatamente aos processos em curso. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ARQUIVAMENTO. ÉPOCA ANTERIOR AO ADVENTO DA LEI N. 11.051/04, QUE INTRODUZIU O § 4º AO ART. 40 DA LEI N. 6.830/80. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. OCORRÊNCIA.
APLICAÇÃO CONJUNTA DO § 2º DO REFERIDO DISPOSITIVO COM O ART. 174 DO CTN. PRECEDENTES.
1. Da análise do art. 40 da Lei n. 6.830/80, verifica-se que somente com o advento da Lei n. 11.051/04, com a introdução do § 4º do referido dispositivo legal, é que restou expressamente consignada na LEF a prescrição intercorrente após a decisão que ordenar o arquivamento do feito. Contudo, antes mesmo da edição da Lei n. 11.051/04 esta Corte já adotada orientação no sentido de que o § 2º da LEF - o qual trata do arquivamento do feito após um ano de suspensão quando não localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis - deve ser interpretado à luz do art. 174 do CTN - que trata da prescrição quinquenal para a cobrança de crédito tributário - a fim de evitar a extensão indeterminada do lapso prescricional.
Nesse sentido: REsp 418.160/RO, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 04/04/2005; REsp 613.685/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 07/03/2005; AgRg no Ag 275.900/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 01/08/2000.
2. Recurso especial não provido.
(REsp 1221467/AM, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 14/02/2011) (grifei)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL.
PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. POSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DE OFÍCIO PELO JUIZ, DESDE QUE SEJA OUVIDA PREVIAMENTE A FAZENDA PÚBLICA. APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI 11.051/2004.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido da possibilidade de se caracterizar a prescrição intercorrente do crédito em sede de execução fiscal, tendo em vista que o art. 174 do Código Tributário Nacional deve prevalecer sobre os arts. 8º, § 2º, e 40, da Lei de Execuções Fiscais. No entanto, tal prescrição, por envolver direitos patrimoniais, não poderia ser decretada de ofício. Precedentes.
2. Todavia, a partir da edição da Lei 11.051, de 30 de dezembro de 2004, a qual introduziu o § 4º no art. 40 da Lei 6.830/80, passou-se a admitir a decretação de ofício da prescrição intercorrente, depois da prévia oitiva da Fazenda Pública, para que esta possa suscitar eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional, o que, como demonstrado, ocorreu no caso dos autos.
Precedentes.
3. A lei supramencionada deve ser aplicada imediatamente, na medida em que se trata de norma que dispõe sobre matéria processual, alcançando inclusive os processos em curso.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1027100/PE, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/02/2009, DJe 30/03/2009).
Nesse contexto, as teses definidas no julgamento do REsp nº 1.340.553/RS, para efeitos dos artigos 1.036 e seguintes do CPC/15 (sistema de repetitivos), foram as seguintes: (i) conferir caráter automático tanto ao termo inicial do prazo de 1(um) ano de suspensão do processo (artigo 40, § § 1º e 2º da LEF) quanto ao termo inicial do prazo prescricional correspondente, a partir do transcurso do prazo de 1 (um) ano de suspensão processual – independentemente de petição da Fazenda Pública ou pronunciamento judicial; (ii) para efeitos de interrupção da prescrição, apenas possui efeito a efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação – dispensa-se o mero peticionamento em juízo; (iii) a atuação da Fazenda Pública na dinâmica da prescrição intercorrente deve ser sempre pautada pelo critério da demonstração do prejuízo; (iv) no reconhecimento judicial da prescrição intercorrente, o magistrado deve delimitar os marcos legais na contagem do prazo.
As teses ficaram definidas da seguinte forma na ementa do julgado:
(...)
4.1) O prazo de 1 (um) ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, §§ 1º e 2º da lei 6.830/80 - LEF tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução;
4.1.1) Sem prejuízo do disposto no item 1, nos casos de execução fiscal para cobrança de dívida ativa de natureza tributária (cujo despacho ordenador da citação tenha sido proferido antes da vigência da LC 118/05), depois da citação válida, ainda que editalícia, logo após a primeira tentativa infrutífera de localização de bens penhoráveis, o Juiz declarará suspensa a execução.
4.1.2) Sem prejuízo do disposto no item 1, em se tratando de execução fiscal para cobrança de dívida ativa de natureza tributária (cujo despacho ordenador da citação tenha sido proferido na vigência da LC 118/05) e de qualquer dívida ativa de natureza não tributária, logo após a primeira tentativa frustrada de citação do devedor ou de localização de bens penhoráveis, o Juiz declarará suspensa a execução.
4.2) Havendo ou não petição da Fazenda Pública e havendo ou não pronuciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) durante o qual o processo deveria estar arquivado sem baixa na distribuição, na forma do art. 40, §§ 2º, 3º e 4º da lei 6.830/80 - LEF, findo o qual o Juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato;
4.3) A efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação (ainda que por edital) são aptas a interromper o curso da prescrição intercorrente, não bastando para tal o mero peticionamento em juízo, requerendo, v.g., a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens. Os requerimentos feitos pelo exequente, dentro da soma do prazo máximo de 1 (um) ano de suspensão mais o prazo de prescrição aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) deverão ser processados, ainda que para além da soma desses dois prazos, pois, citados (ainda que por edital) os devedores e penhorados os bens, a qualquer tempo – mesmo depois de escoados os referidos prazos –, considera-se interrompida a prescrição intercorrente, retroativamente, na data do protocolo da petição que requereu a providência frutífera.
4.4) A Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos (art. 245 do CPC/73, correspondente ao art. 278 do CPC/15), ao alegar nulidade pela falta de qualquer intimação dentro do procedimento do art. 40 da LEF, deverá demonstrar o prejuízo que sofreu (exceto a falta da intimação que constitui o termo inicial - 1., onde o prejuízo é presumido), por exemplo, deverá demonstrar a ocorrência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição.
4.5) O magistrado, ao reconhecer a prescrição intercorrente, deverá fundamentar o ato judicial por meio da delimitação dos marcos legais que foram aplicados na contagem do respectivo prazo, inclusive quanto ao período em que a execução ficou suspensa.
No que diz respeito à Súmula 314 do STJ, ela foi utilizada como fundamento para o caráter automático do termo inicial do prazo de suspensão a que alude o artigo 40 da LEF. Esse fundamento foi utilizado pelo Ministro Relator Benjamin no REsp nº 1.340.553, sob o argumento de que o leading case que originou a Súmula 314 do STJ rechaçou a interpretação de que o prazo de suspensão depende de peticionamento da Fazenda Pública ou determinação judicial expressa. Nesse sentido:
A compreensão de que o prazo de suspensão do art. 40, da LEF somente tem início mediante peticionamento da Fazenda Pública ou determinação expressa do Juiz configura grave equívoco interpretativo responsável pelos inúmeros feitos executivos paralisados no Poder Judiciário ou Procuradorias, prolongando indevidamente o início da contagem do prazo da prescrição intercorrente. Essa interpretação equivocada já foi rechaçada no leading case que originou a Súmula n. 314/STJ (EREsp. n. 97.328/PR), onde se analisou situação em que foi penhorado bem e dez (10) anos depois foi dada vista à Fazenda Pública que simplesmente requereu a penhora de um outro bem e alegou falta de intimação (violação ao art. 25, da LEF).
Ali decretou-se a prescrição intercorrente contando-se de forma automática os prazos de suspensão e arquivamento, pois sequer houve despacho expresso de suspensão. Considerou-se então desnecessária a intimação da Fazenda Pública.
Ademais, ao analisar o caso concreto, o relator Campbell ressaltou que, conforme a jurisprudência do STJ de que o fluxo dos prazos do artigo 40 é automático, o prazo de um ano de suspensão tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor e/ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido. "O que importa para a aplicação da lei é que a Fazenda Nacional tomou ciência da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido. Isso é o suficiente para inaugurar o prazo, ex lege", lembrou.
Com isso, após o decurso de determinado tempo sem que a parte interessada promova de fato esforços para assegurar o andamento da execução, deve-se estabilizar o conflito, pela via da prescrição intercorrente, para que não sejam mitigados os princípios informadores do sistema tributário.
Por fim, quanto à extinção do processo em razão da prescrição intercorrente, o acórdão arremata a questão ao determinar que o magistrado, quando reconhecer por sentença a prescrição intercorrente, nos termos do artigo 40 da LEF, deverá fundamentar delimitando os marcos temporais que foram aplicados, ou seja, demonstrar a ocorrência do prazo de um ano de suspensão, bem como a ocorrência do prazo de cinco anos de prescrição.
Sendo assim, ao ser intimada para se manifestar acerca da prescrição intercorrente na execução fiscal, mesmo que haja discordância por parte da Fazenda Pública, o magistrado pode, ainda sim, extinguir o processo de execução, desde que a decisão seja devidamente motivada.
Após a presente análise, é possível concluir que a principal intenção do julgado em questão é impor limites às execuções fiscais para que não se perpetuem no tempo, principalmente àquelas execuções nas quais os diversos meios de tentativa de constrição já foram utilizados pela Fazenda Pública, porém, não lograram êxito.
O STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.340.553/RS, fez uma verdadeira construção de uma dinâmica de operação da prescrição intercorrente ao decidir como deve ser feita a interpretação do artigo 40 e parágrafos da Lei de Execução Fiscal.
Nesse contexto, ser diligente não é mais adotar providências de forma tempestiva, mas sim adotar providências produtivas, ou seja, que alcancem o objeto almejado em tempo hábil, o que otimiza o trabalho do judiciário.
Diante desse novo entendimento, a definição de inércia ganha força uma vez que a inércia não está mais somente no “não atuar” da Fazenda Pública, mas também no fato de que pode ser caracterizada por diligências efetivas ou não, frutíferas ou não.
Sendo assim, dado o momento em que a Fazenda Pública obtém êxito na busca de constrição de bens patrimoniais (constrição total ou parcial), interrompe-se o curso da prescrição intercorrente. No caso inverso, sendo infrutífera a diligência, o curso prescricional permanece.
O instituto da prescrição intercorrente adquire extrema importância como mecanismo para evitar a protelação da execução fiscal por longos e intermináveis períodos, proporcionando a segurança jurídica imprescindível para todo estado democrático de direito e esse entendimento só possível pois, com o avanço dos sistemas de informação e monitoramento, a Fazenda Pública tem plenas condições obter os dados que necessita para propor as ações de execução fiscal e encontrar os bens dos contribuintes inadimplentes de modo a ver satisfeitos seus créditos.
O grande número de execuções ficais que se perpetuam no Judiciário podem causar lentidão nos julgamentos e prejuízosao acesso à justiça. Resta clara, portanto, a necessidade de se promover um trabalho maciço a fim de se extinguiros processos alcançados pela prescrição intercorrente.
Para tanto, os magistrados, em concomitância com os tribunais e seus servidores, devem zelar pela aplicação do artigo 40 e parágrafos da Lei de Execução Fiscal e os operadores do direito deverão sempre verificar os diversos processos em que atuam que, porventura, tenham sido alcançados pela prescrição intercorrente, para, enfim, requerem a extinção do feito com decisão de mérito, terminando por extinguir também o crédito tributário, visando consolidar a segurança jurídica, a celeridade processual e o acesso à justiça nos processos de execução fiscal.
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[1] Ananias Ribeiro de Oliveira Júnior, Orientador do artigo. Advogado. Professor de Direito Tributário na Universidade Federal do Amazonas. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Foi Procurador da Fazenda Nacional no Amazonas, Auditor Fiscal de Tributos do Município de Manaus e Procurador do Município de Manaus. Endereço eletrônico: [email protected].
[2] AÇÃO RESCISÓRIA. EXECUÇÃO FISCAL – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. OCORRÊNCIA, IN CASU, DADA A PARALISAÇÃO DO FEITO, POR MAIS DE CINCO ANOS, SEM QUE FOSSE CITADO O DEVEDOR, POR CULPA EXCLUSIVA DO EXEQUENTE – PROCEDÊNCIA DA AÇÃO (STJ – 1º SEÇÃO – AR Nº 26 – MIN. REL. AMÉRICO LUZ, MIN. VER. GERALDO SOBRAL, DJ 04/12/1989 P. 17870.
[3] Precedentes nesse sentido: STJ, REsp 849.494/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 25-09-2006; REsp 810.863/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 20-03-2006; REsp 794.737/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ de 20-02-2006; REsp 1.034.251/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 15-12-2008; REsp 980.074/PE, Rel. Min. Denise Arruda, DJe 23-03-2009
Graduanda do Curso de Bacharel em Direito na Universidade Federal do Amazonas. Servidora Pública do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas na Vara Especializada da Dívida Ativa Estadual. Foi estagiária voluntária no Tribunal Regional do Trabalho da 11° Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FIGUEIREDO, Emanuelle Rodrigues de. Prescrição intercorrente na ação de execução fiscal e os prismas jurídicos advindos das novas teses definidas pelo Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jun 2021, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56661/prescrio-intercorrente-na-ao-de-execuo-fiscal-e-os-prismas-jurdicos-advindos-das-novas-teses-definidas-pelo-superior-tribunal-de-justia. Acesso em: 22 nov 2024.
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