THIAGO OLIVEIRA FRANCO[1].
(orientador)
Resumo: A pandemia do novo Coronavírus (Covid-19) está provocando impactos em todas as áreas da economia global. A circulação de pessoas nas lojas restringidas e o distanciamento social imposto aumentou a demanda do comércio eletrônico consideravelmente. Embora esse número já esteja em constante aumento devido a era digital estar em ascensão. O presente artigo busca analisar o impacto do rápido avanço da tecnologia sobre os contratos consumeristas, sobretudo no período da pandemia da Covid-19, tendo por base a pesquisa bibliográfica. Serão analisados dados disponibilizados por diversas instituições, privadas e públicas acerca de índices a respeito do tema, além da doutrina pertinente. Também se tem o condão de investigar e evidenciar as mazelas trazidas à tona com o rápido avanço desta modalidade contratual, buscando as possíveis soluções do Direito Digital.
Palavras-chave: COVID-19. Coronavirus. Pandemia. Consumidor. E-commerce.
Abstract: The new Coronavirus (Covid-19) pandemic is impacting all areas of the global economy. The circulation of people in restricted stores and the imposed social distance increased the demand for e-commerce considerably. Although that number is already on the rise due to the digital age being on the rise. This article seeks to analyze the impact of the rapid advancement of technology on consumer contracts, especially in the period of the Covid-19 pandemic, based on bibliographic research. Data made available by various institutions, private and public, will be analyzed on indexes on the theme, in addition to the relevant doctrine. There is also the ability to investigate and highlight the problems brought to the fore with the rapid advancement of this contractual modality, seeking possible solutions for Digital Law.
Keywords: COVID-19. Coronavirus. Pandemic. Consumer. E-commerce.
Sumário: Introdução. 1. COVID-19 e a economia global. 2. Vulnerabilidade do consumidor. 3. Aceleração do Direito digital. 4. Práticas abusivas na pandemia da COVID-19. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Desde a antiguidade o homem realiza diversas permutas, as práticas comerciais faziam parte do cotidiano. Sylvio (2018) aduz que dentro deste cenário, de uma economia cada vez mais massificada e sofisticada, não era possível tolerar o desequilíbrio entre as partes, quando uma delas era vulnerável, seja sob o ponto de vista econômico, técnico ou fático. Destarte, houve uma posterior interferência estatal, afim de manter o equilíbrio nos contratos desta natureza, visto que o risco do consumo recaía quase integralmente sobre os ombros do consumidor.
Ainda de acordo com Sylvio (2018), no final do século XIX, surgiram as primeiras preocupações em torno do mercado de consumo. Foi, então, que tudo mudou, com o advento da Constituição Federal de 1988, sintomaticamente chamada de Constituição Cidadã. Mônica (2020) entende que a defesa do consumidor apenas se tornou tema relevante no sistema jurídico brasileiro quando consolidada pela Constituição de 1988 e pelo Código de Defesa do Consumidor de 1990.
Sendo assim, Bolzan (2014) conceitua o direito do consumidor como “ramo do direito que lida com as relações jurídicas entre fornecedores de bens e serviços e seus consumidores”. Contudo, após mais de 30 anos após a promulgação da norma de proteção ao consumidor, as relações de consumo passaram por demasiadas mudanças, especialmente se comparadas com o período referente às medidas de enfrentamento à Covid-19.
Com o avanço do mundo digital se viu celebradas novas formas de contratos, que antes eram celebrados com papel e caneta ou tacitamente. Atualmente grande parte dos contratos são celebrados pela internet, o chamado e-commerce ou comércio eletrônico. Tarcísio (2020) elucida que contratação eletrônica é aquela celebrada via computador, em rede local ou na internet. Desta forma, podemos entender o e-commerce como um tipo de transação comercial feita por meio de transmissão eletrônica de dados
Contudo, com o advento da quarentena os números a respeito das contratações eletrônicas cresceram ainda mais. Segundo dados do Webshoppers (2020), de 1º de janeiro até 30 de abril de 2020, já foi atingido 32% do resultado de todo o ano anterior, estipulando-se que o e-commerce já é 48% maior que no mesmo período de 2019.
Conforme Fernandes (2020), “Se a internet está proporcionando o crescimento exponencial das operações econômicas, temos por consequência um crescimento exponencial dos contratos firmados por tais meios [...]”. Ou seja, o crescimento do e-commerce é uma consequência de diversos fatores, tal como o avanço tecnológico e da informática como um todo.
O número de usuários de internet no Brasil em 2019 chegou a 134 milhões, ou 74% da população acima de 10 anos de idade, com 71% dos domicílios com acesso à rede, aponta pesquisa da TIC Domicílios (2020). Ocorre que, conforme já foi mencionado, esse fenômeno foi acelerado em virtude da quarentena.
COVID-19 (Coronavirus Disease 2019) é uma doença infeciosa causada pelo coronavirus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), ela é potencialmente grave e tem grande taxa de transmissão, inclusive a nível global.
No dia 20 de maio de 2021 o número de casos da COVID-19 ultrapassou 15,8 milhões, sendo mais de 439 mil mortos em decorrência de complicações trazidas pela doença, segundo dados disponibilizados pelos ministérios da saúde e pela OMS em maio de 2021. Entretanto, foram adotadas medidas de restrição e de distanciamento social para minimizar e achatar a curva de contágio.
Fato é que não dá para nossa sociedade se safar ilesa das consequências do isolamento social, dentre outras medidas tomadas. Ocorre que o consumidor, que já é vulnerável presumidamente, se vê ainda mais vulnerável, principalmente aqueles que já não tinham o hábito de comercializar pela internet, pois esta é de mais difícil fiscalização, caso comparemos com as lojas físicas.
Cabe ao direito se adaptar a essa nova realidade que se impõe, trazendo segurança para as relações jurídicas realizadas virtualmente. Desta forma, ensina Martins (2016) “Diante das novas formas de regulação social próprias do processo de globalização [...] a garantia dos valores fundamentais reclama por uma intervenção mais incisiva, seja a nível estatal, comunitário ou supranacional.”. Contudo, apenas com um legislativo mais ativo poderemos chegar a uma segurança jurídica razoável para trazer confiança ao consumidor na realização de contratos eletrônicos.
Este trabalho se encontra dividido em 4 seções, sendo a primeira uma análise sobre a economia global e como esta foi impactada pela Covid-19. A segunda seção trata a respeito da vulnerabilidade do consumidor, fazendo uma abordagem bibliográfica a respeito do tema. A terceira seção abarca acerca da forma com que a pandemia alavancou os números do e-commerce, estes que já estavam naturalmente em ascensão devido à diversos fatores. Finalizando foram abordadas na quarta seção as práticas abusivas durante a pandemia, sendo apresentada a conclusão posteriormente.
O presente artigo justifica-se pela relevância econômica e social, uma vez que procura analisar o sistema jurídico de proteção do consumidor em face das novas relações de consumo e mazelas trazidas à tona com o advento do novo Coronavírus, e suas consequências para o consumidor, essencial para o desenvolvimento, além das medidas jurídicas adotadas para a superação da crise da pandemia COVID-19. Considerando o seu caráter teórico a pesquisa foi realizada de forma predominantemente bibliográfica, com análise de livros, artigos científicos, monografias e teses, além de dados divulgados por agências públicas e privadas a respeito da pandemia.
1 COVID-19 E ECONOMIA GLOBAL
A COVID-19 é uma doença infecciosa respiratória causada pelo vírus SARS-COV-2[2], se tratando de uma grande família de vírus comuns em muitas espécies diferentes de animais. Inicialmente, em 2019, foi detectado em Wuhan, na China e espalhou-se pelo mundo impactando intensamente a vida das pessoas. Se trata de doença extremamente contagiosa e o meio mais eficaz contra sua propagação, além da vacinação em massa, é o isolamento social, informa a Organização Mundial da Saúde[3]. Os sintomas incluem tosse, febre e cansaço. Contudo, na maioria dos casos os sintomas são leves. Cerca de 80% das pessoas contaminadas não apresentam sequelas, mas há maiores índices de agravamento em casos de pessoas com comorbidades[4].
De acordo com estudo da Comissão econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL, 2020), o novo coronavirus está trazendo efeitos negativos econômicos e sociais graves, tanto em curto quanto a longo prazo, mas apenas a duração, as medidas sociais e econômicas tomadas poderão afirmar com precisão acerca da intensidade e profundidade dos danos. Projeções da comissão indicam que em 2020 a taxa da extrema pobreza se situou em 12,5% e a taxa da pobreza atingiu 33,7% da população da américa latina e que como consequência da forte recessão econômica, o PIB terá uma queda de -7,7%.
Vivanco (2020), entende que as organizações públicas, privadas e os consumidores de produtos, serviços e atividades serão as mais afetadas pelo problema de saúde ocasionado pelo vírus SARS-Cov-2, a COVID-19, refletindo na redução de vendas e alterações no consumo; o que apresenta grandes desafios aos governos e setores produtivos, para saírem da estagnação econômica gerado pelo estado de exceção e condição de emergência.
Em 30 de janeiro de 2020 a OMS declarou a epidemia uma emergência internacional. Desde quando foi declarada a epidemia global, os países têm buscado meios para evitar a transmissão desta enfermidade, seja impondo medidas como o uso de máscaras em locais públicos, sejam medidas mais duras como a restrição da circulação de pessoas e até mesmo lockdown, todas adotadas no Brasil.
Blanco (2020) destaca que “o lockdown é uma imposição estatal obrigatória do fechamento total do comércio, das áreas de lazer e de qualquer local público em que tenha circulação de pessoas, exceto estabelecimentos essenciais, como supermercados, farmácias e hospitais”. Sendo o distanciamento social, popularmente chamado de quarentena, mais brando, uma vez que essa técnica consiste em uma recomendação médica para as pessoas que testaram positivo para o SARS-CoV-2, para os que tiveram contato com algum paciente infectado ou para aqueles que estão aguardando o resultado do teste de contaminação.
O Brasil adotou tanto as medidas de distanciamento social, quanto as de lockdown na maioria dos estados, tornando obrigatória a utilização de máscaras, bem como a proibição de aglomeração de pessoas a fim de retardar a aglomeração destas. Nesse sentido, segundo a CNN BRASIL (2020): “diversos estados e municípios determinaram o isolamento de suas populações e incentivaram as pessoas, principalmente os idosos, a ficarem em casa”.
Lunardelli pontua que sem a adoção de tais medidas, haveria inevitavelmente o colapso do sistema de saúde, que não conseguiria dar conta da demanda, pois não haveria leitos hospitalares, respiradores, equipamentos de proteção individual, tampouco profissionais da saúde, enfermeiros, biomédicos, epidemiologistas, etc. em número suficiente.
Na data de 12 de abril de 2021 o número de pessoas contaminadas no mundo ultrapassa 163 milhões. Já as pessoas mortas em decorrência de complicações da COVID-19 ultrapassam 3.398.982 no mundo, cerca de 439 mil apenas no Brasil[5].
MCKIBBIN (2020) aduz que os prejuízos econômicos acontecem em todos os países do mundo, não apenas nos mais afetado pela COVID-19, e pode levar à perda média do PIB de 6,7%. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)[6] o crescimento da economia no mundo pode cair pela metade, considerando o pior cenário.
2 VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR
Com uma tentativa de humanização do capitalismo, a sociedade industrial, de acordo com Brito (2018) trouxe concepções de contratos que tem como base a igualdade entre os contratantes. O legislador buscou proteger a parte mais fraca dessa relação, o consumidor, na medida em que é leigo contra o melhor informado.
Saad (2002) nos lembra que o consumidor se trata do destinatário final, ou seja, aquele que adquire o bem ou o serviço para usar em seu próprio proveito, sendo ele pessoa física ou jurídica. Nos termos do artigo 2° do Código de Defesa do Consumidor, “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. ” Equiparando-se ao consumidor, desta forma, a coletividade de pessoas que haja intervindo nas respectivas relações consumeristas.
A vulnerabilidade do consumidor é o cerne do CDC, uma vez que se explica na insuficiência, na fragilidade de o consumidor se manter imune a práticas lesivas sem a intervenção auxiliadora de órgãos ou instrumentos para sua proteção. Trata-se de presunção absoluta, prevista no artigo 5° da constituição federal e no artigo 4° do código de defesa do consumidor. Sendo a vulnerabilidade nada mais que o reconhecimento que uma das partes é mais indefeso na relação contratual. Nesse sentido, Bessa (2009) elucida que a fragilidade do consumidor é o principal motivo de sua proteção jurídica pelo Estado. O consumidor é a parte mais vulnerável nas mais diversas e variadas relações jurídicas estabelecidas no mercado de consumo.
Moraes (2009) explica que o princípio da vulnerabilidade do consumidor é de mesma importância que a dignidade da pessoa humana, indispensáveis, de forma que, para o autor, vulnerabilidade, sob o enfoque jurídico, é, então, o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade ou condição daquele sujeito mais suscetível na relação de consumo, tendo em vista a possibilidade de que venha a ser ofendido ou ferido, na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do sujeito mais potente da mesma relação.
Dobarro e Araujo (2016) corroboram com a tese de que os consumidores devem se encontrar em igualdade com a outra parte, não podendo ser enfraquecidos diante de um sistema capitalista que amplamente se dispõe aos que tem maior poderio econômico, demonstrando assim a intensa ligação entre o princípio da vulnerabilidade do consumidor e o princípio constitucional da dignidade de pessoa humana, este que trata a proteção de todos os bens jurídicos efetivos à pessoa humana.
O princípio da dignidade da pessoa humana está elencado no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal, o que autentica em sua distinção em relação aos direitos fundamentais, já que foi posicionado no texto constitucional como fundamento da República, tendo desempenho de valor estruturante do ordenamento jurídico, a ser corporificado pelos direitos e garantias fundamentais.
“O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. [...]” (SARLET, 2009, p. 65).
De acordo com Rizatto (2018), quando vislumbramos o artigo 4° e o artigo 6° do código de defesa do consumidor, podemos chegar à conclusão que o consumidor não só é vulnerável por falta de conhecimento do sistema produtivo, bem como não tem informações técnicas e muito menos informações sobre o resultado. Esta fraqueza é de ordem técnica e econômica. Por outro lado, o leque de possibilidades de contratação por meio do consumidor já nasce limitado, uma vez que apenas se pode optar pela oferta disponibilizada unilateralmente pelo fornecedor, tendo como base primária a obtenção de lucro.
Este princípio tem se tornado mais transparente com o avanço do comércio eletrônico, uma vez que o marketing invasivo se acentua no caso da internet, por propiciar que se faça publicidade na própria casa do consumidor, induzindo a expectativas irresistíveis de comportamentos de consumo não apenas nele. Conforme o autor Newton de Lucca (2012), na rede virtual o marketing invasivo ganha potência, visto que pode chegar ao consumidor em qualquer hora ou lugar, sendo este, alvo de constante.
Mônica (2020) entende que a presunção de vulnerabilidade do consumidor não deve comprometer o desenvolvimento econômico, indispensável para o bem-estar e progresso social de toda a comunidade. A lei 14.010/2020 é um exemplo, segundo a autora, que apresenta uma mudança de paradigma, ao justificar-se como um mecanismo para preservar as relações jurídicas e proteger os vulneráveis nesse período de pandemia, só que no caso em questão, ao propor a suspensão de um direito do consumidor, o termo “vulneráveis”, no que se refere ao artigo 8º da lei, parece estar relacionado às empresas afetadas pela crise.
3 ACELERAÇÃO DO DIREITO DIGITAL
Não muito tempo atrás, a internet não passava de um sonho de um mundo ultra tecnológico. A informação era pouco acessível, bem como de elevado valor, tornando-a centralizada e monopolizada. No meio jurídico tudo se resumia a papeis, burocracias e prazos. Muitas mudanças ocorreram nas últimas décadas e nos encontramos em uma sociedade totalmente diferente e privilegiada, já que houve uma quebra de paradigmas, substituindo toda aquela informação burocratizada em algo novo, algo muito mais fluido e acessível.
Peck (2016) salienta que a nova era da informação nos traz muitas mudanças. Inclusive no Direito, tento em vista que este emana da sociedade e acompanha suas transformações, exigindo-se uma mudança mais aprofundada em sua própria forma de ser exercido e pensado, bem como em sua prática cotidiana.
Por outro lado, Bessa (2009) aduz que, nesse contexto, de relações massificadas concluídas com cada vez maior agilidade, verifica-se que os contratos de adesão, aqueles em que em que os direitos, deveres e condições são estabelecidos pelo proponente, são a realidade do mercado de consumo brasileiro, basta observar que lojas de departamento e eletrodomésticos, bancos ofertando linhas de crédito, e o acesso aos serviços de água, luz, telefone e energia elétrica, estão presentes tanto em grandes quanto pequenos municípios.
Quebras de paradigmas não muito distantes na linha temporal e a presença de tecnologias cada vez mais avançadas na área da informática propiciaram para o surgimento dos contratos eletrônicos e da sua futura hegemonia contratual, sendo eles os contratos de consumo. Predominava-se a contratação de bens e serviços realizados de maneira presencial, algo que vem se modificando com o passar do tempo. O consumidor vem exponencialmente migrando sua participação no comércio para o meio eletrônico, seja por comodidade, seja por melhores preços ou até mesmo pela facilidade de se encontrar as melhores ofertas online.
Ocorre que o fenômeno do crescimento do e-commerce é algo que já existia, mas vem sendo intensamente massificado em virtude do impacto causado pelas medidas de distanciamento social impostas pelos governos para frear o novo coronavírus. O estudo de Zwanka & Buff (2020) prevê que o impacto da pandemia trará mudanças no comportamento do consumidor e apontam que as compras online serão uma prática durante e após esse problema de saúde pública. Inclusive, muitos consumidores compraram pela primeira vez online no último ano.
Hoefel e Tripoli (2020) aduzem que a Covid-19 acelerou o processo de digitalização do Brasil e o consumidor brasileiro começou a realizar online atividades que não imaginava antes da crise, tais como a utilização de aplicativos de bem-estar, serviços de telemedicina, ensino à distância, online streaming, dentre outros.
De acordo com pesquisas da Ebit/Nielsen (2020), a média de crescimento das vendas online durante a pandemia está por volta de 20%. Por outro lado, ocorreram mudanças nas categorias mais compradas, tendo em vista que anteriormente as categorias mais vendidas eram moda e acessórios, tendo perdido cerca de 87% das vendas totais, além da perfumaria e cosméticos/saúde. O consumidor acabou substituindo-os por produtos de higiene, limpeza caseira e mercearia. Também obtiveram um avanço as categorias de telefonia, comida caseira, eletrodomésticos e informática.
Adrienko (2020) informa que os produtos mais comprados globalmente durante a pandemia são papel higiênico, luvas descartáveis, freezer, quebra-cabeça, livro para colorir, purificador de ar, esteira, bicicleta ergométrica, tapete de ioga, geladeira, bola de exercícios e equipamentos de exercício, o que demonstra uma busca por atividades em casa.
Da mesma forma, de acordo com Jones (2020), o impacto da COVID-19 é significativo para o e-commerce mundial e as vendas para 2023 ultrapassarão $6.5 trilhões em 2023.
Destarte, os comércios aumentaram grandemente quantidade de entrega realizadas por intermédio de aplicativos, muitos deles estão usando aplicativos de mensagem como whatsapp por não terem uma plataforma online própria. Empresas que não se prepararam e que não tinham o foco no online, precisaram urgentemente se adaptar às novas formas de venda online. As vendas por telefone, whatsapp, redes sociais são formas para iniciar a oferta de modo não presencial.
Ocorre que, com as novas tecnologias, o consumidor se tornou ainda mais frágil, pois o marketing nos meios digitais ocorre de maneira muito mais intensa, inclusive de forma direta, por meio de propagandas massivas e prática abusivas, assim como a mineração de dados, monitorando o comportamento do usuário nas redes por meio de cookies de rastreamento e demais tecnologias que afrontam a dignidade da pessoa humana, tudo isso em prol do lucro.
Silvia (2015), entende que a desmaterialização proporcionada pelo comércio eletrônico é um agravante, tendo em vista que o fornecedor não tem mais “cara”, mas sim apenas uma marca, trazendo à tona intensa impessoalidade ao negócio jurídico, pois o mesmo se sujeita às práticas da oferta e da publicidade.
De acordo com pesquisa realizada pela agência Nielsen (2020), houve aumento na porcentagem de consumidores que pretendem continuar comprando online seus alimentos, produtos de cuidado pessoal e produtos para a casa após o período da pandemia.
4 PRÁTICAS ABUSIVAS NA PANDEMIA DA COVID-19
O primeiro impacto que pode ser notado imediatamente, desde quando foi declarada a pandemia, foi, de fato, o aumento exorbitante no preço dos produtos de prevenção à COVID-19, bem como o álcool em gel, máscaras e luvas[7]. Ocorre que muitos comerciantes se aproveitaram da situação, aumentaram injustificadamente o preço de produtos. Para Eckardt (2020), esta conduta se configura como prática abusiva, vedada ao fornecedor, nos termos do artigo 39, inciso X, do CDC.
A procura e a venda pelos itens mais aclamados como preventivos do contágio do vírus (máscara e álcool em gel) cresceu vertiginosamente em todo país e isto está causando o esvaziamento de prateleiras de farmácias e estabelecimentos congêneres os fornecedores acabam se aproveitando de maneira contestável de uma situação seríssima de saúde pública, aumentando a cada dia o preço de tais bens de consumo de primeira necessidade. Note-se que são as práticas desses fornecedores que estão oportunizando o consumo predatório desses itens, ainda mais quando se leva em consideração a exclusão de pessoas mais pobres, já que essa parte da população ficará sem acesso a eles e, assim, mais exposta ao risco de contaminação.
Nesse sentido, Freitas (2020) informa que Práticas, portanto, abusivas e lesivas aos consumidores na medida em que os fornecedores, valendo-se do momento de excepcionalidade, abusam de seu poder econômico ou de suas técnicas profissionais com o intuito de impor condições vantajosas sobre o consumidor, elevando sem justa causa, o preço de produtos ou serviços, em direta afronta direta aos incisos IV e X, do art. 39 do CDC.
O CDC compreende que as práticas abusivas, dentre outras, a prática de elevar o preço de equipamentos de proteção individual e alimentos da cesta básica de maneira injustificada, em especial em épocas de emergência sanitária ocasionada por pandemias como, por exemplo a pandemia da COVID-19, algo que também vai de encontro com o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que as pessoas mais carentes são as mais suscetíveis a serem vítimas do novo coronavirus, em virtude de já se encontrarem em situação de vulnerabilidade social, de forma que é ainda mais agravada se não tiverem acesso aos meios necessários de prevenção.
Blanco (2020), entende que o comerciante possui a liberdade para fixar o preço nos produtos que comercializa, contudo, o valor deve ser compatível com a natureza da mercadoria, para que não seja constatada uma tentativa de lucro desleal do vendedor, diante da crise vivenciada. Da mesma forma, Eckardt (2020) aduz que apesar da livre iniciativa ser um princípio fundamental, deve haver uma ponderação para evitar que existam abusos do direito, e acabem por prejudicar os consumidores, que são os mais vulneráveis com esta situação.
Após as determinações de isolamento, contudo, o foco se deu na impossibilidade de os consumidores adimplirem seus contratos relativos às suas necessidades básicas e de sua família, como água, luz, internet, gás encanado e outros serviços essenciais
Muitos consumidores, por exemplo, se depararam com a continuidade da cobrança das mensalidades das academias, mesmo diante do fechamento de tais empresas em razão do isolamento social, ou seja, diversos consumidores continuaram quitando a mensalidade, mesmo sem poderem utilizar o estabelecimento. Ocorre que a referida prática é completamente ilegal e viola os direitos consumeristas, pois o risco da atividade foi assumido pela empresa e não pode ser repassado para o consumidor.
Um setor bastante afetado foi o aéreo, clientes viram suas passagens aéreas serem canceladas, bem como, prezando pela própria segurança, solicitaram o reembolso ou a remarcação das viagens, muitas vezes sendo cobradas tarifas e até mesmo a retenção do valor das passagens. Em virtude da dificuldade de resolução desse dilema extrajudicialmente, diversos consumidores passaram a ajuizar ações com pedidos para obter o valor pago ou a remarcação das viagens. Nesse sentido, a jurisprudência:
“JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. CONSUMIDOR. PASSAGEM AÉREA. AQUISIÇÃO POR PROGRAMA DE MILHAGEM. DESISTÊNCIA DOS PASSAGEIROS. CANCELAMENTO COM ANTECEDÊNCIA. POSSIBILIDADE DE RENEGOCIAÇÃO DOS ASSENTOS. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO QUANTO AO VALOR CORRESPONDENTE DAS PASSAGENS. MULTA CONSIDERADA ABUSIVA. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DEVIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I. Trata-se de recurso inominado interposto pela parte ré em face da sentença que a condenou a restituir a quantia de R$ 1.640,48 (um mil, seiscentos e quarenta reais, quarenta e oito centavos), correspondente ao total da multa cobrada pela remarcação das passagens adquiridas pela parte recorrida por meio de programa de milhagem. Em suas razões, requer, preliminarmente, a suspensão do feito pelo prazo de 90 dias, prorrogáveis por mais 90, em razão dos imprevistos ocasionados pela pandemia de COVID-19. No mérito, narra que se trata de ação indenizatória na qual a parte autora pleiteia a devolução integral do valor despendido com remarcação de passagens aéreas promocionais adquiridas por meio de programa de milhagem. Defende a exigibilidade da taxa de remarcação/cancelamento de passagens aéreas, conforme previsto no contrato de transporte aéreo e consoante informado aos clientes previamente à aquisição dos bilhetes e no sítio digital da recorrente. Argumenta que o reembolso integral apenas seria possível se a parte recorrida tivesse adquirido as passagens no perfil mais avançado (TOP) ou se tivessem solicitado o cancelamento em 24 horas após a compra. Argumenta que o art. 7.º da Portaria 676/GC-5 do Comando da Aeronáutica estabelece que pode ser descontado de 10% do saldo reembolsável a vinte e cinco dólares americanos, o que somente se aplica às tarifas cheias, não incidindo sobre as promocionais. Com esses argumentos, requer a suspensão do feito e, no mérito, que o recurso seja provido para que os pedidos iniciais sejam julgados totalmente improcedentes. II. Recurso próprio, tempestivo e com preparo regular (ID 16170358). Contrarrazões apresentadas (ID 16170413). III. Não merece prevalecer o pedido de suspensão do feito, pois no âmbito do TJDFT os atos processuais estão sendo realizados de maneira virtual, conforme estabelece a Portaria Conjunta n. 50, de 29 de abril de 2020. IV. À falta de regulamentação legal expressa acerca do reembolso de passagens aéreas, encontra aplicação a norma estabelecida no art. 740 do Código Civil para o contrato de transporte em geral. O dispositivo legal estatui que o passageiro fará jus ao reembolso pelo valor pago, independentemente do motivo da desistência, desde que haja o pedido de cancelamento em tempo hábil para a renegociação. A norma encontra-se em consonância com as diretrizes protetivas da Lei 8.078/90 (CDC), como os incisos II e IV do art. 51, que, respectivamente, consagram a abusividade e consequente nulidade das cláusulas contratuais que subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga ou estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas ou que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. Sendo assim, eventual cláusula contratual que estipule a perda total do valor pago é nula, uma vez que ofende diretamente expresso texto legal. Precedentes: (Acórdão n.1159992, 07414027320188070016, Relator: JOÃO LUÍS FISCHER DIAS 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 20/03/2019, Publicado no DJE: 28/03/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.) e (Acórdão 1172970, 07486586720188070016, Relator: ARNALDO CORRÊA SILVA, Segunda Turma Recursal, data de julgamento: 22/5/2019, publicado no DJE: 30/5/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.) V. Pela mesma razão, ou seja, por contrariar expressa previsão legal e tendo em consideração a hierarquia entre as normas, não merece prevalecer o art. 7.º, § 2.º da Portaria 676/GC-5 do Comando da Aeronáutica, segundo o qual "o reembolso de bilhete adquirido mediante tarifa promocional obedecerá às eventuais restrições constantes das condições de sua aplicação". Como dito, o Código de Defesa do Consumidor, diploma revestido de legitimidade democrática porque oriundo da vontade popular representada pelo Poder Legislativo, estatui a nulidade das cláusulas que impõem ao consumidor onerosidade excessiva, de forma que a Portaria do Comando da Aeronáutica não tem o condão de autorizar a prática. VI. No caso em exame, restou incontroverso que a parte recorrida buscou a resolução contratual em tempo hábil para renegociação das passagens, atraindo a incidência do dispositivo legal acima referido. VII. Outrossim, não tendo a parte recorrente formulado pedido recursal subsidiário, nem esclarecido qual o valor correspondente às passagens aéreas, uma vez que foram pagas por milhas, merece prevalecer a sentença, que determinou a devolução integral da multa paga pela parte autora por falha no dever de informação. VIII. Recurso conhecido e não provido. Sentença mantida. Custas recolhidas. Condeno a parte recorrente vencida ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte autora/recorrida, fixados em 10% do valor da condenação. IX. A súmula de julgamento servirá de acórdão, consoante disposto no artigo 46 da Lei nº 9.099/95.”
(Acórdão 1262537, 07059144720198070008, Relator: ALMIR ANDRADE DE FREITAS, Segunda Turma Recursal, data de julgamento: 7/7/2020, publicado no DJE: 17/7/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Como uma tentativa de resolver a questão do setor aéreo foi editada a medida provisória n° 925 de 2020 que dispôs medidas emergenciais. Targa e Squeef (2020) afirmam que o objetivo da referida Medida Provisória foi o de evitar o colapso do setor aéreo, resguardando assim os interesses dos passageiros-consumidores que tiveram seus direitos rechaçados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em relação à vulnerabilidade, observou-se considerável alteração nas relações de consumo à distância, mais de 30 anos após à edição do Código de defesa do consumidor. De um lado, o empoderamento do consumidor através das mídias sociais e da avaliação de fornecedores; do outro, a possibilidade de utilização massiva de dados coletados por meios digitais como mecanismo de persuasão para vendas.
Observa-se ainda que a quarentena trouxe um consumidor prematuro ao ambiente do e-commerce, o que faz com que sua vulnerabilidade seja acentuada, uma vez que é um ambiente de difícil fiscalização e o consumidor fica à mercê de práticas abusivas, como o marketing agressivo entre outras coisas.
Ocorre que com o advento do coronavírus, muitos comerciantes se aproveitaram da situação e aumentaram exorbitantemente o preço dos produtos, principalmente daqueles de higiene com comprovada eficácia no que diz respeito ao combate da COVID-19, prática esta vedada por nosso ordenamento jurídico.
A orientação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor é que os consumidores adotem uma conduta ativa, comparando os preços das empresas concorrentes e o preço atual com aquele fixado antes da pandemia, além de analisar a quantidade de ofertas daquele produto no mercado, devendo acionar os órgãos de defesa dos direitos consumeristas ao se deparar com os mais variados tipos de abusos, que atuarão aplicando a penalidade adequada ao caso concreto (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 2020, online).
Diante dos fatos apresentados, conclui-se que neste momento é imprescindível que o Estado se faça presente, regulando e monitorando, na medida do possível, as relações de consumo e preservando livre iniciativa. Destarte, o direito do consumidor nasceu da necessidade de se equilibrar a relação contratual, uma vez que inicialmente o consumidor suportava os riscos quase que exclusivamente. Da mesma forma, tanto o legislativo quanto a jurisprudência trilham passagens para a efetivação da proteção ao consumidor, em detrimento a práticas desonestas, abusivas, que tomam força em situações delicadas, de vulnerabilidade, como a vivenciada.
REFERÊNCIAS
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bacharelando do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, Romário Soares. Vulnerabilidade do Consumidor: E-commerce na Pandemia da COVID-19. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2021, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56681/vulnerabilidade-do-consumidor-e-commerce-na-pandemia-da-covid-19. Acesso em: 22 nov 2024.
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