VALDIRENE CÁSSIA DA SILVA[1]
KARINE ALVES GONÇALVES MOTA[2]
(orientadoras)
RESUMO: O presente artigo busca apresentar a forma que a legislação vigente estabelece a obrigação alimentar do menor na ausência dos pais. Diante disso, a pesquisa girou em torno do seguinte problema: de que modo a legislação vigente estabelece a obrigação alimentar do menor na ausência de seus genitores e em quais situações esta é aplicada? Por sua vez, foi possível atingir os seguintes objetivos: apresentar os delineamentos históricos da família, analisar a natureza jurídica do direito aos alimentos, compreender quem são os sujeitos da obrigação alimentar e qual a ordem em relação à solidariedade familiar e definir quais são as características da obrigação alimentar em relação às necessidades do menor diante o dever de sustento. No intuito de chegar em uma conclusão em relação ao problema supracitado, foi realizada um pesquisa bibliográfico-exploratória, na qual utilizou-se o método dedutivo, através de uma abordagem qualitativa. Por fim, concluiu-se que apesar da hiperatividade do dever de alimentar e da possibilidade da decretação da prisão civil contra dos avos em face do inadimplemento no pagamento da pensão alimentícia, verificou-se que há outros meios que são mais eficazes e menos danosos para solucionar este dilema.
Palavras-chave: Descumprimento; Direito a alimentos; Obrigação Avoenga; Prisão Civil.
ABSTRACT: The present article seeks to present the way that the current legislation establishes the maintenance obligation of the minor in the absence of his parents. In view of this, the research revolved around the following problem: how does the current legislation establishes the obligation of food to the minor in the absence of his parents and in which situations this is applied? In turn, it was possible to achieve the following objectives: present the historical delineations of the family, analyze the legal nature of the right to food, understand who the subjects of the obligation to food are and what is the order in relation to family solidarity and define what are the characteristics of the obligation to food in relation to the needs of the child before the duty of support. In order to reach a conclusion regarding the aforementioned problem, a bibliographical-exploratory research was carried out, in which the deductive method was used, through a qualitative approach. Finally, it was concluded that despite the imperativeness of the duty to feed and the possibility of the decree of civil imprisonment against the grandparents in face of the default in the payment of the alimony, it was verified that there are other means that are more effective and less harmful to solve this dilemma.
Keywords: Noncompliance; Right to food; Grandparents obligation; Civil prison.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Pressupostos Iniciais do Direito da Família; 1.1. Sujeitos de a Obrigação Alimentar e a Ordem da Solidariedade Familiar; 2. Características dos Alimentos em Relação a Necessidade do Menor; 2.2. Obrigação Alimentar Avoenga e a Prisão Civil. 3. Considerações Finais. 4. Referências.
INTRODUÇÃO
Inicialmente, é necessário compreender que os alimentos são um suporte essencial para o pleno desenvolvimento de uma pessoa de forma digna e plena, e que por isso é um dos institutos fundamentais do direito de família, que nestes casos atua como um garantidor das necessidades essenciais daqueles que não podem prover os meios de seu próprio sustento.
A obrigação alimentar decorre do vínculo parental e é amparada por dois princípios garantidores que abrangem o dever familiar de prestar alimentos aos que necessitam o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da solidariedade. A família se baseia sobre o princípio da solidariedade ocorrido entre seus pertencentes e tal solidariedade é imposta aos parentes, principalmente os de 1º e 2º grau em linha reta, com o condão de fornecer os alimentos aos membros mais próximos que se encontram necessitados, devendo ser respeitado os laços de afetividade.
Sob esta ótica, é necessário tecer comentários acerca da à Constituição Federal e o Código Civil de 2002, principalmente em seu artigo 1.696 que versa sobre o direito à prestação de alimentos, colocando-o como recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
A prestação de alimentos a menores de idade é uma garantia constitucional, estabelecida como um direito social e amparada pelo princípio da dignidade humana, para que haja equiparação de direitos, bem como, garantia de vida digna ao beneficiário. Comumente é possível ver a pensão alimentícia prestada pelos genitores do menor em decorrência de divórcio ou de situações em que a guarda do absolutamente ou relativamente incapaz se vê distante de seus pais, como por exemplo, a guarda concedida aos avôs.
Nesse diapasão, a legislação também tutela a possibilidade de os avós ou familiares próximos cumprirem a obrigação de alimentos, uma vez que é observada a solidariedade familiar nesse contexto, devendo ser respeitada a linha sucessória, visto que a responsabilidade dos avôs é subsidiária. Assim, sendo os pais chamados para cumprir tal obrigação e constatando-se que os mesmos não reúnem condições de arcar com o encargo alimentar, os avós podem ser chamadas ao cumprimento dessa incumbência.
Nos casos em que a pensão alimentícia não é paga ou simplesmente atrasada, a lei prevê uma medida excepcional de prisão civil para o devedor, neste caso, os pais. No entanto, como visto, há situações que os avôs deverão arcar com a despesa, nestes casos, não há precisão legal determinando a prisão civil ou não, restando aos tribunais decidirem a respeito, e ainda assim não existe um consenso na jurisprudência.
Desta forma, o presente artigo possui o objetivo de estudar a forma que a legislação vigente estabelece a obrigação alimentar do menor na ausência dos pais, apontarem algumas das peculiaridades desta relação, compreender quais são os sujeitos que integra tal atribuição em decorrência dos laços de afetividade e grau de parentesco, para então verificar a possibilidade e prisão civil nos casos do não pagamento da pensão alimentícia avoenga.
Para o desenvolvimento deste estudo, se utilizou uma abordagem qualitativa com enfoque no método dedutivo, de modo que serão utilizados os tipos de pesquisa bibliográfica e exploratória com base em diversas fontes, tais como: livros, artigos, legislação vigente e a jurisprudência atual, de modo a encontrar os diferentes entendimentos a respeito do conteúdo desenvolvido, para construir possibilidades e soluções existentes.
Por fim, no decorrer deste artigo, serão apresentados os principais conceitos do direito da família e dos alimentos, assim como, a sua natureza jurídica e sujeitos da pensão alimentícia e a ordem em relação à solidariedade familiar, as características da obrigação alimentar em relação a necessidade do menor e, por último,como ocorrer a responsabilização dos avós pelos alimentos e os efeitos de seu descumprimento.
O Direito da Família é uma área jurídica que cuida das relações familiares como adoção, divórcio, pensão alimentícia, entre outros. Ao iniciar o estudo do desse instituto é preciso compreender o próprio conceito de família e o contexto na qual está inserida. Tradicionalmente, a família é composta pela união de marido e mulher bem como, consequentemente, de pais e filhos.
Na verdade, a família deve ser tratada como um “núcleo social primário”. Estes laços de uniões familiares originam-se das épocas primitivas. No início da civilização “era o instinto que comandava os relacionamentos, aproximando-se o homem e a mulher para o acasalamento, à semelhança das espécies irracionais” (RIZZARDO, 2019, p. 51). Percebe-se que, desde o tempo da sociedade primitiva, a unidade familiar era uma relação natural constituída por laços sangue ou afinidade com o objetivo de fortalecer determinado grupo.
Em muitas comunidades, o poder familiar era exercido exclusivamente pelo pai, conhecido como patriarcalismo, como chefe e detentor dos bens, sendo que para a esposa restava o mero dever conjugal.
No direito romano, o termo exprimia a reunião de pessoas colocadas sob o poder familiar ou o mando de um único chefe – o pater familias –, que era o chefe sob cujas ordens se encontravam os descendentes e a mulher, a qual era considerada em condição análoga a uma filha. Submetiam-se a ele todos os integrantes daquele organismo social: mulher, filhos, netos, bisnetos e respectivos bens. Estava à família jure próprio, ou o grupo de pessoas submetidas a uma única autoridade (RIZZARDO, 2019, p. 51).
Em certo ponto na história, por intenção estatal, tornou-se regra que a família somente seria instituída pelo casamento. Chegou ao ponto em que, para que um indivíduo, normalmente a mulher, possa ter valor jurídico e aceitação social, deveria estar chancelado pelo matrimônio (DIAS, 2016, p. 21). O casamento sempre foi um marco nas relações familiares, indispensável, em algumas culturas e a única forma de composição familiar. Era através deste instituto que alianças eram firmadas e os grupos fortalecidos.
A composição familiar já foi mais ampla durante o tempo que a fonte de renda estava centrada na zona rural e abrangia uma quantidade maior parentes em linha reta e colateral, mas que devido à migração para os centros urbanos foi sendo diminuída porquanto a busca de novos empregos e a ocupação de espaços de familiares cada vez menores, resultando em uma moradia “exclusiva dos parentes em linha reta e em bastante proximidade de graus”. A sociedade humana foi construída a partir das uniões familiares que fazem parte da comunidade e da política estatal que, como visto, protege a família ao mesmo tempo em que se fortalece como instituição. (MADALENO, p. 2020, p. 101).
Como um pilar da sociedade, a família tem um papel crucial no desenvolvimento social. É nela que reside a responsabilidade primária de educar, socializar e instituir os valores de cidadãos os indivíduos que irão integrar o grupo. A própria Constituição da República Federativa do Brasil (CFRB) de 1988 consagra este valor ao prever em seu art. 226:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
§7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (grifo nosso) (BRASIL, 1988).
Além do papel principal como base na sociedade, destaca-se que a Constituição aboliu a idéia de que o homem ou marido deverá reger a família, mas que o casal deve ser responsável de forma conjunta pela tomada de decisões. Não obstante, verifica-se que o legislador somente previu a família em sua composição tradicional, de um homem e uma mulher, no entanto, está não é mais a realidade social.
Atualmente, a família possui um conceito plural de forma que há vários formatos e nenhuma hierarquia entre elas, pois todas as famílias são asseguradas pela Constituição (CASSETTARI, 2018, p. 147). Pode-se falar, inclusive, em novas formas de composição familiar, pois, como verificado, há vários tipos de famílias, como:
Família matrimonial: é aquela que deriva do casamento (art. 226 da CF).
Família informal: é aquela em que não há uma forma rígida para ser constituída, como ocorre na união estável, que é uma união informal (sem forma solene).
Família mono parental: é aquele chefiado por uma única pessoa, o homem ou a mulher, e ocorrem na hipótese de separação, divórcio e viuvez. Também está prevista no art. 226 da CF.
Família socioafetiva: é aquela formada quando a posse do estado de filho gera uma afeição, em que duas pessoas se tratam como pais e filhos.
Família que vive em multiparentalidade: é aquela em que uma pessoa tem três ou mais pais em seu registro de nascimento.
Família homo afetiva: é aquela formada por pessoas do mesmo sexo. Essa expressão foi criada por Maria Berenice Dias.
Família mosaica: é aquela formada por pessoas que já foram casadas por diversas vezes, e que trazem para essa família filhos de vários relacionamentos (os meus, os seus e os nossos filhos). É um exemplo de família reconstituída.
Família Ana parental: é formada pela união de pessoas com ou sem vínculo de família, por exemplo, duas irmãs que moram juntas, ou amigas que estão estudando e vão morar fora da cidade de origem em um imóvel alugado.
Família eudemonista: a família eudemonista ou afetiva é aquela que admite ser a felicidade individual ou coletiva o fundamento da conduta humana moral, o que a aproxima da afetividade. Trata-se de um conceito moderno que se refere à família que busca a realização plena de seus membros, ou seja, a felicidade, caracterizando-se pela comunhão de afeto recíproco, a consideração e o respeito mútuos entre os membros que a compõem, independentemente do vínculo biológico (CASSETTARI, 2018, p. 147).
Neste ponto, a legislação brasileira é conservadora. Apesar da realidade de hoje não ser a mesma de ontem, nem dos anos anteriores, ela se modifica, o que, consequentemente, se reflete na lei. É por isso que o conceito de família abordado em lei “[...] nunca consegue corresponder à família natural, que preexiste ao Estado e está acima do direito. A família é uma construção cultural” (DIAS, 2016, p. 21).
Ainda assim, as normas de direito existencial que regem o Direito da Família no Código Civil são, em seu cerne, de ordem pública, pois estão relacionadas aos direitos fundamentais da “pessoa humana e direito patrimonial, que são normas de ordem privada, pois se relacionam aos regimes de bens” (CASSETTARI, 2018, p. 146).
O direito a uma alimentação adequada foi sacramentado pelo artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. No Brasil, este direito somente foi incluído na Constituição Federal de 1988 em 2010 por meio da Emenda Constitucional 64/2010 (BRASIL, 2014). Os alimentos não estão necessariamente ligados à comida, mas a todos os direitos sociais previstos na Constituição. Notadamente, o conceito jurídico dos alimentos é que é um “conjunto das prestações necessárias para a vida digna do indivíduo” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 790).
Independentemente de sua definição, o alicerce familiar está construído sob o papel primário da criação dos filhos e de forma secundária no apoio social e financeiro a todos os membros. Existem diversas formas de contribuições alimentícias, as mais relevantes recebem a seguinte classificação:
Alimentos naturais: são aqueles indispensáveis à subsistência, sobrevivência, do alimentado. O cônjuge culpado só tem direito aos alimentos naturais, ou seja, aqueles indispensáveis à sobrevivência, consoante o art. 1.694, § 2º, do Código Civil.
Alimentos civis ou côngruos: são aqueles que têm por objetivo manter a condição social do credor.
Alimentos legais: são aqueles previstos na lei, ou seja, os decorrentes de parentesco ou entre cônjuges e companheiros, do art. 1.694 do Código Civil.
Alimentos voluntários: são aqueles que decorrem da vontade da parte. Como exemplo, citamos o legado de alimentos (legado é um bem específico e determinado que uma pessoa deixa para outra por testamento, e pode se dar na forma de pensão alimentícia), consoante o art. 1.920 do Código Civil. [...]
Alimentos indenizatórios: decorrem da pensão alimentícia devida a título de lucros cessantes, quando ocorre o falecimento de uma pessoa em virtude da prática de um ato ilícito. [...]
Alimentos provisórios: são aqueles arbitrados pelo juiz, na ação de alimentos, antes da sentença.
Alimentos provisionais: são aqueles fixados em sede de ação cautelar, podendo ser essa cautelar de alimentos, de divórcio, de separação, ou seja, sempre que for cautelar serão alimentos provisionais. Os alimentos provisionais também podem ser concedidos na ação de investigação de paternidade, cumulada com alimentos, em razão da inexistência de prova pré-constituída de paternidade.
Alimentos definitivos: são os alimentos fixados em sentença transitada em julgado ou em acordo (extrajudicial ou judicial).
Alimentos compensatórios: são os alimentos devidos no caso de ruptura do casamento ou da união estável, para restabelecer o equilíbrio financeiro que vigorava antes da extinção, no regime da separação absoluta de bens, quando o cônjuge ou companheiro não tiver bens ou condições para manter o nível de vida, compatível com a condição social a que se acostumou. [...]
Alimentos intuitufamiliae: são os alimentos fixados para o grupo familiar, sem a indicação de percentual individual, por exemplo, três filhos. [...]
Alimentos transitórios: são os alimentos fixados por prazo determinado, para que o ex-cônjuge ou o ex-companheiro possa regressar ao mercado de trabalho (CASSETTARI, 2018, p. 172).
Os alimentos possuem o objetivo de garantir o direito à vida que por sua vez é um direito da personalidade e, portanto, intransmissível e irrenunciável, como resguarda o art. 11 do Código Civil Brasileiro ao dizer que “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária” (BRASIL, 2002).
O Estado tem interesse direto no cumprimento das normas que impõem a obrigação legal de alimentos, pois a inobservância ao seu comando aumenta o número de pessoas carentes e desprotegidas, que devem, em consequência, ser por ele amparadas. Daí a razão por que as aludidas normas são consideradas de ordem pública, interrogáveis por convenção entre os particulares e impostas por meio de violenta sanção, como a pena de prisão a que está sujeito o infrator (GONÇALVES, 2018, p. 240)
Os alimentos “devem garantir acesso à educação (escola), à saúde (plano de saúde), à moradia (aluguel, condomínio), ao lazer (cinema, teatro), à segurança, dentre outros direitos” (CASSETTARI, 2018, p. 171). A pensão alimentícia serve para atenuar a pobreza e a insegurança financeira de crianças e adolescentes em desenvolvimento, bem como, de adultos que por qualquer motivo, encontram-se incapacitados de prover o próprio sustento.
Esta tese é sustentada pelo art. 6º da Constituição Federal de 1988, que prevê os direitos sociais, bem como o próprio direito à alimentação, como essenciais para a garantia da dignidade da pessoa humana:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (grifo nosso) (BRASIL, 1988).
Ainda assim, o Código Civil de 2002 não trouxe um conceito único de alimentos, esta definição é extraída do conteúdo dos legados no art. 1.920 o qual afirma que “o legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor” (BRASIL, 2002).
A natureza jurídica dos alimentos é mista, ou seja, é composto por normas de direito patrimonial e extrapatrimonial, classificando-se como um direito de conteúdo patrimonial e finalidade pessoal, uma vez que os alimentos se encontram no direito econômico tanto do alimentante quanto do alimentando (GONÇALVES, 2018, p. 241).
Por último, reitera-se que todos os itens que compõem o conceito dos alimentos possuem um papel fundamental na vida humana, afinal, crianças bem providas tendem a se tornarem adultos mais saudáveis, também são mais prováveis de frequentar a escola e serem bem-sucedidas. Este é um instituo crucial que deve ser constantemente reforçado, pois, por vezes, embora muito necessário, não é algo que algumas famílias queiram pagar, e nestes casos é imperativo que as repercussões legais sejam aplicadas.
A obrigação alimentícia é derivada do Direito de Família, do casamento e do parentesco. Na maioria das culturas, há uma norma social implícita de que as famílias tenham algum cuidado com seus parentes, geralmente idosos e crianças. No caso de pais e filhos, ambos os pais têm a responsabilidade de sustentar seus filhos financeiramente, em especial quando estes são menores de idade.
Pode-se afirmar que o objetivo da pensão alimentícia do menor é dividir os custos associados à criação dos filhos. Nos casos de divórcio, quando um dos pais tem a custódia do filho, cabe ao outro genitor pagar uma pensão alimentícia de forma assistencial. Cumpre ressaltar ainda que, a obrigação de sustentar não é condicionada ao casamento, mas sim a paternidade ou maternidade, de forma específica, e ao parentesco, de forma geral.
A fundamentação dos alimentos está firmada na solidariedade humana e econômica presente entre os membros de uma família. Existe um mútuo auxílio familiar que foi legalizado como norma jurídica. Inicialmente, era apenas uma obrigação moral, “que no direito romano se expressava na equidade, ou no offiIciumpietatis, ou na caritas” e que com a evolução das relações sociais e do direito, tornou-se uma obrigação, em alguns casos, sustentar os parentes (GONÇALVES, 2018, p. 240).
O direito aos alimentos dimana do próprio direito à vida, que ao mesmo tempo é princípio de Direito Natural e de DireitoPositivo. Para que o direito à vida se efetive, indispensável que a ordem jurídica ofereça aos indivíduos instrumentos eficaz de
sua proteção. Um deles, iniludivelmente, é o direito de exigir, à pessoa da família, as condições básicas de subsistência (NADER, 2016, p. 713).
Como visto, a pensão alimentícia deixou de ser mera opção moral para se tornar uma obrigação jurídica consolidada por lei. De fato, este conceito é o primeiro previsto Subtítulo III, do Capítulo VI Título II, Livro IV que versa sobre o Direito de Família e dos alimentos no art. 1.694 do Código Civil de 2002:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia (grifo nosso) (BRASIL, 2002).
Os sujeitos, titulares ou credores de direito da obrigação alimentícia, são distinguidos como alimentando, e trata-se das pessoas físicas nas relações familiares de casamento e de união estável e os idosos que não possuem condições de prover o próprio sustento (VENOSA, 2017, p. 388). Estes sujeitos são pessoas que absolutamente dependem do auxílio de sua família e que sem ele não possuem condições de sustento sozinhas, no entanto, para que seja concedido este benefício o sujeito deverá ater-se a algumas condições.
Para que haja a concessão dos alimentos destacam dois requisitos que formam o binômio: necessidade e capacidade:
O objeto de a prestação alimentar, seu quantitativo, varia de acordo com os graus de necessidade e possibilidade. Como esses graus são suscetíveis de variação no tempo, o quantum debeatur é mutável. Se o alimentando começa a trabalhar, mas percebe valor insuficiente ao atendimento de suas necessidades primárias, o direito aos alimentos permanece, mas o seu quantitativo deve ser diminuído. Na comunidade familiar, a obrigação alimentar é recíproca. Não apenas os pais e os avôs se obrigam; igualmente, os filhos, os netos, os irmãos. É possível que o atual devedor, futuramente, seja credor da própria pessoa a quem presta alimentos (NADER, 2016, p. 711).
Além dos requisitos legais do parentesco, o auxílio alimentício somente é concedido mediante a comprovação da necessidade. Para isso, o titular do direito deverá comprovar que não possuir recursos nem bens para ser auto-suficiente. Há a presunção deste requisito quando se trata de filho menor de idade (LÔBO, 2011, p. 382).
Já o dever jurídico de prover se caracteriza quando “a prestação não subtrai do alimentante as condições básicas de sua sobrevivência e de seus dependentes”. O dever de prover os alimentos não é infinito, se a necessidade ou capacidade desaparecer “ipsofacto, cessam o direito e o dever” (NADER, 2016, p. 711). Em relação aos filhos, esse dever decorre da vulnerabilidade destes durante o seu período de crescimento.
Como demonstrado, há o dever dos pais de sustentarem seus filhos, no entanto, podem ocorrer situações em que nenhum dos pais tem condições de prover o seu próprio sustento. Não havendo parentes que possam assumir a obrigação, o art. 1.697 do Código Civil reza que “na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes guardadas a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais” (BRASIL, 2002).
Vale dizer, importa não somente a necessidade do credor ou a capacidade econômica do devedor, mas, sim, a conjunção dessas medidas de maneira adequada. A fixação de alimentos não é um “bilhete premiado de loteria” para o alimentando (credor), nem uma “punição” para o alimentante (devedor), mas, sim, uma justa composição entre a necessidade de quem pede e o recurso de quem paga (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 792-793).
Assim sendo, “nos alimentos derivados do parentesco [...], o direito à prestação é recíproco entre pais e filhos, extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros” (VENOSA, 2017, p. 383-388). Desta forma, a falta de parente alimentante acontecerá em uma situação de não somente inexistência, mas também de incapacidade de algum deles de prover a alimentação.
Como a obrigação familiar decorre do princípio da solidariedade em todos os membros da família, tem-se que na ausência dos pais, por qualquer razão que seja os avôs que deverão assumir a responsabilidade com os netos, vez que conforme dita ao art. 1.696 do Código Civil “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros” (BRASIL, 2002). Isso significa dizer que, devido à falta dos pais e ao vínculo de parentesco, os avôs que incorreram no pagamento da pensão alimentícia.
Ressalta-se ainda que, há casos em que havendo vários parentes de mesmo grau que podem prover o sustento de outro, a obrigação será dividida entre eles, para que na medida de suas possibilidades, cada um concorra com parte do valor devido ao alimentando (VENOSA, 2017, p. 383-388). Desta forma, atende-se ao princípio da divisibilidade da obrigação alimentícia, conforme o art. 1.698 do Código Civil de 2002:
Art. 1.698: Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide (BRASIL, 2002).
Apesar de haver possibilidade de transmitir e concorrer à obrigação, como descrito no artigo citado, deve-se esclarecer que, antes da tentativa de chamar outros parentes, que não sejam os titulares para responder ação de alimentos, é necessário que todos os recursos em face do réu tenham sido esgotados, de forma que esteja devidamente comprovada a sua incapacidade de cumprir a obrigação.
Assim, não poderiam os avôs ser chamados a contribuir se o detentor da guarda trabalha ou tem algum recurso. [...] A equivocada interpretação que se está dando à lei, além de livrar a responsabilidade dos avôs, sinaliza o surgimento de um perigoso antecedente: a desoneração de um dos pais de prover ao sustento do filho, se este reside com o outro que tem renda própria (DIAS, 2016, p. 949)
Portanto, via de regra, os pais devem prover os filhos e em seguida, mas somente depois de comprovada a sua insuficiência de recursos, são chamadas os avôs. Para isso, não basta provar que o pai ou a mãe possuem renda baixa, é preciso provar que estão desamparados para prover as necessidades básicas dos seus filhos. Em todos os casos, o juiz deverá decidir qual a melhor opção para o alimentado.
O art. 1.703 do Código Civil dispõe que “para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos” (BRASIL, 2002).
Nesse sentido, esta obrigação é reafirmada pelo art. 22 do Código da Criança e do Adolescente, ao afirmar que “aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais” (BRASIL, 1990).
O dever de sustentar o filho menor de 18 anos, resultante do poder familiar, configura-se na provisão da subsistência material, ou seja, no fornecimento de alimentação, vestuário, moradia, educação, medicamentos, de condições de sobrevivência e desenvolvimento do alimentado (AMIN, 2019, p. 250).
Via de regra, estando os filhos dependentes do poder familiar, cumpre aos pais o dever de prover o seu sustento. No entanto, após a maioridade o dever de sustentar se materializa sobre o direito à assistência material, o qual se trata de um amparo recíproco imposto por lei aos membros da família (NADER, 2016, p. 710). “Tratando-se os alimentos de dever comum aos pais, seu valor será, proporcionalmente, dividido por ambos, levando-se em linha de conta a condição social e os recursos de cada um” (AMIN, 2019, p. 97). O art. 1.695 do Código Civil de 2002 ainda diz que:
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento (BRASIL, 2002).
Esta norma preceitua o princípio básico dos alimentos, o qual também indica que o valor da prestação a ser fixado será de acordo com as necessidades do alimentando e as possibilidades do alimentante, como dita o parágrafo 1º, do art. 1.694 do Código Civil (BRASIL, 2002).
As normas jurídicas atuais não fazem distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, de forma que nos casos previstos em lei é obrigação dos pais proverem sustento e alimentação aos filhos, mesmo após a maioridade. A depender da situação, o não cumprimento do cumprimento do dever de alimentar pode acarretar na suspensão ou perda do poder de família (VENOSA, 2017, p. 389). Esta é uma das razões que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula 594:
O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente independentemente do exercício do poder familiar dos pais, ou do fato de o menor se encontrar nas situações de risco descritas no art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou de quaisquer outros questionamentos acerca da existência ou eficiência da Defensoria Pública na comarca (Súmula 594, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/10/2017, DJe 06/11/2017) (BRASIL, 2017).
Por fim, o art. 1.707 do Código Civil de 2002 indica quatro características básicas da obrigação alimentícia em sua redação ao pregar que “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora” (BRASIL, 2002).
A primeira e a segunda são a irrenunciabilidade e a indisponibilidade, no sentido de que os direitos aos alimentos não podem ser renunciados ou cedidos à outra pessoa, devido a sua natureza diretamente ligada a garantia do direito à vida.
Além disso, há a possibilidade de recusa temporária dos alimentos, “de modo que, embora se recusando hoje uma prestação alimentar e outra amanhã sempre se estão em condições de, a qualquer momento, retomar o exercício do direito de exigir alimentos dos parentes que os devem” (RIZZARDO, 2019, p. 1135). Mesmo nos casos de prescrição prevista no art. 206, parágrafo 2º, do Código Civil, as prestações que serão atingidas são apenas as relativas a 02 anos da data do vencimento (BRASIL, 2002).
A terceira é a vedação a cessão, da qual se extrai que “o direito a alimentos é pessoal, motivo pelo qual não pode ser objeto de cessão” e a quarta é a vedação a compensação “para que um crédito seja considerado penhorável, é imprescindível que ele possa ser objeto de uma relação passível de transferência, o que, definitivamente, não é o caso da pensão alimentícia” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 799).
Também há alimentos nos casos da guarda física compartilhada, pela qual ambos se dividem com os filhos, por exemplo, quando fica estabelecido a permanência do menor por 15 (quinze) dias com cada um dos pais (MADALENO, 2018, p. 592). Não há previsão legal expressa que determinam a forma que será fixada os alimentos na guarda física, de forma que não se pode presumir que apesar da partilha do tempo de convívio com os filhos, também haverá a partilha dos custos alimentícios.
É necessário explicar, que a guarda física não quer dizer uma repartir pela metade ou períodos iguais o tempo de convivência, assim como, o fato de ambos os pais trabalharem não significa que recebem os mesmos rendimentos, e acima de tudo, o interesse dos filhos deve prevalecer através da adequada quantia que não pode deixar der ser paga apenas porque os filhos vivem uma parte do tempo com um dos pais.
Os alimentos não dizem apenas com o interesse privado do alimentado. Há interesse geral no seu adimplemento. Por isso se trata de obrigação regulada por normas cogentes de ordem pública: regram não derrogável ou modificável por acordo entre particulares (DIAS, 2016, p. 914)
É mais comum que os alimentos sejam fixados após a separação de um casal, e que esta ruptura causa um abalo na relação familiar e na economia familiar. Além do valor material, os alimentos possuem a função social de evitar o sofrimento dos filhos atendendo às suas necessidades, especialmente nos casos de separação, nos quais a dor afetiva pode sobrepor-se ao sofrimento material.
Devido a sua essencialidade, os alimentos não podem deixar de serem providos, nem o menor pode deixar de recebê-los, mesmo diante da incapacidade dos pais de atenderem as suas necessidades. Diante disso, o art. 1.698 do Código Civil previu que comprovada em juízo, à incapacidade dos pais de proverem os alimentos, deverá ser chamada os parentes mais próximos para concorrerem ao encargo.
O dever de sustentar e cuidar dos filhos menores pertence aos pais, mas quando estes não possuírem recursos financeiros para atenderem as necessidades de sua prole, os avós podem ser chamados para suprir esta carência, por exemplo, no caso do falecimento de um dos pais e o sobrevivente não possui condições financeiras para, por si só, cuidar dos filhos, em caso pai ou mãe ausente ou que mora em local desconhecido. Para que isto ocorra, alguns requisitos deverão ser observados. O primeiro é a impossibilidade dos pais de proverem o sustento dos filhos, o segundo é a necessidade dos netos e o terceiro é a capacidade socioeconômica dos avôs de entregarem os alimentos, sem prejudicar o próprio sustento.
Como explicado, o dever alimentar advém do princípio da solidariedade familiar, do dever de reciprocidade de prestar alimentos e do vínculo de parentesco nas linhas reta ou colateral. A reciprocidade, pois, é uma responsabilidade de um parente com o outro, quem paga alimentos hoje, amanhã pode precisar e em vez de devedor, pode se tornar credor na relação jurídico-familiar.
Pela regra do art. 1.697 do Código Civil, depois dos pais, os parentes mais próximos dos filhos pela linha ascendente são os avós. Devido a irrepetibilidade dos alimentos, antes de chamar os avós para assumir o encargo, é imperativo demonstrar a prova da incapacidade dos pais em relação ao sustento dos filhos. A prova da deverá ser apresentada pelo alimentado em juízo, quando requerer a substituição dos pais pelos avôs no pagamento da pensão alimentícia.
Maria Aracy Menezes da Costa radicaliza sua contrariedade doutrinária com relação aos alimentos avoengas, escrevendo que “os netos não devem viver de acordo com as possibilidades econômico-financeiras de seus avós, mas sim de seus pais. Se o pai ganha um salário mínimo, é dentro desse salário que ele vai criar o seu filho. No entanto, mesmo estando presentes estes argumentos nas decisões, há conclusões reiteradas no sentido de condenar os avós a prestações alimentares que excedem, muitas vezes, as verdadeiras necessidades dos netos. Tais decisões invadem a vida privada dos idosos, desrespeitam seu direito à intimidade, frustram seus planos de fim de vida, confiscam suas economias”(MADALENO, 2018, p. 1.240).
O dever de alimentar dos avôs ou obrigação alimentícia avoenga somente pode ser efetivada havendo a impossibilidade de ambos os pais de satisfazerem o encargo, pois “o dever de alimentos dos pais é consequência natural do poder familiar, ao passo que a obrigação estendida aos avôs surge da solidariedade familiar, [...]” e que ainda quem um dos genitores não possua condições, a obrigação alimentar é transmitida ao outro (MADALENO, 2018, p. 1.239).
Esse foi o entendimento consolidado pela 2ª seção do Superior Tribunal de Justiça que em 08 de novembro de 2017, publicou a Súmula 596, a qual dispôs que “a obrigação alimentar dos avôs tem natureza complementar e subsidiária, configurando-se apenas na impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais” (BRASIL, 2017). Assim sendo, a responsabilidade dos avôs possui caráter de complementaridade e excepcionalidade, de forma a obrigação primária de sustentar os filhos, é dos pais, e a obrigação avoenga é uma exceção.
Há ainda, a possibilidade de chamar os avôs a assumirem o encargo em face do inadimplemento reiterado de um dos pais ao pagar a pensão alimentícia. No entanto, os avôs somente serão obrigados a arcar com as novas prestações, não podem ser executados pelo débito dos alimentos não pagos pelo genitor.
A equivocada interpretação que se está dando à lei, além de livrar a responsabilidade dos avôs, sinaliza o surgimento de um perigoso antecedente: a desoneração de um dos pais de prover ao sustento do filho, se este reside com o outro que tem renda própria. Com isso se está transferindo a um dos genitores a obrigação de prover sozinho à família. Quem detém a guarda fica com mais o ônus de manter os filhos, bastando que tenha algum rendimento, ainda que modesto. Essa postura gera desarrazoada angularização da obrigação alimentar: o dever de prestar alimentos passa de um dos pais para o outro e só depois é que se transmite aos ascendentes (DIAS, 2016, p. 949).
Os avôs também podem ser chamados para complementarem a pensão alimentícia que apesar de ser paga por um dos pais, não satisfaz todas as necessidades dos filhos, por exemplo, a inserção dos netos no plano de saúde ou o pagamento da mensalidade escolar, dentre outros.
Outro fator é que a obrigação alimentícia não é natural dos avôs que, neste caso, agem como suplentes ou substitutos de qualquer dos pais por tempo indeterminado, mas que havendo uma mudança na situação econômica de maneira fazendo com que possa voltar arcar com a pensão, retornando os pais a posição inicial de provedores, desobrigando os avôs pelo direito de sub-rogação.
Somente depois de demonstrada a impossibilidade de todos os mais próximos em suportar o encargo alimentar é que se pode configurar a obrigação dos ascendentes mais remotos. Dessa forma, se viabiliza a postulação de alimentos contra os avôs quando o pai e a mãe não possuem condições de arcar com o sustento dos filhos. Se apenas um dos pais apresenta condições, deve assumir sozinho a mantença do filho (COSTA, 2011, p. 116):
O chamamento dos avôs não acontece de forma imediata ou automaticamente, pois só irá ocorrer se o necessitado da pensão, por vontade própria, demandar contra os parentes pelo auxílio. Por isso, alguns doutrinadores entendem que ao assumirem a obrigação alimentícia, os avôs incorreram em de um litisconsórcio passivo necessário, no entanto, a posição majoritária e jurisprudencial é de que seja um litisconsórcio facultativo (MADALENO, 2018, p. 1.241).
Na prática, comprovada a incapacidade da mãe ou pai de prover os alimentos, é comum ser ajuizada uma ação apenas contra os avôs do genitor que não pode pagar, mas há um entendimento no sentindo que a obrigação avoenga deve ser dividida entre os quatro se estiverem vivos, assim o pólo passivo deve incluir todos os avôs. Embora, como dito, trata-se de um litisconsórcio facultativo simples e não de um litisconsórcio necessário, é mais prudente que todos os avôs sejam incluídos, pois apesar de não haver uma obrigação solidaria entre eles, há uma obrigação conjunta e todos devem cooperar na proporção de suas possibilidades.
Em caso do inadimplemento de qualquer dos pais no pagamento da pensão alimentícia, a Lei prevê algumas sanções como protesto e penhora de bens e valores, sendo a mais severa, a prisão civil. Esta penalidade está fundamentada pelo art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;(grifo nosso) (BRASIL, 1988).
Essa modalidade de prisão é excepcional e somente ocorre nos casos previstos em lei. Como se pode extrair do art. 528, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil:
Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
[...]
§ 3º Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses(grifo nosso) (BRASIL, 2015).
Ademais, o alimentado só poderá requerer a prisão do alimentante em relação às três últimas parcelas não vencida, ou seja, caso o dever não pague, nem justifique a impossibilidade de arcar com o pagamento dos três últimos meses de pensão alimentícia, como se denota na Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao dispor que “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo” (BRASIL, 2006).
Da mesma maneira, pode ocorrer também, o inadimplemento do pagamento por parte dos avôs. Devido à natureza complementar da obrigação avoenga, há um posicionamento defendido por Maria Berenice Dias que afirma que não é cabível a prisão dos avôs vez que “ocorrendo o inadimplemento do encargo imposto aos avôs, grande é a celeuma quando é decretada a prisão dos mesmos. Inclusive em face do Estatuto do Idoso que lhes outorga especial proteção” (DIAS, 2016, p. 950). Desta forma, aos avôs não deveria ser aplicada nenhuma sanção, não são eles os devedores e sim, os pais já que somente são acionados os avôs para suplementar a impossibilidade financeira dos genitores.
Por outro lado, há o argumento de que os avós em razão da indispensabilidade da obrigação alimentar, é injustificável o não pagamento da pensão alimentícia, sendo cabível a “conversão da execução pelo rito da coerção pessoal para o rito expropriatório, com a aplicação de meios executivos mais adequados e eficazes para a satisfação da dívida alimentar dos avôs” (SPADER, 2019, p.55).
Em relação à prisão por motivo civil dos avôs que, na maioria dos casos, são idosos ou de idade avançada, inclusive com poucas condições de saúde, não são capazes de suportar uma prisão, razão pela qual se entende não ser possível a aplicação desta medida.
O Estatuto do Idoso não menciona nenhuma proibição da prisão civil, contudo, é preciso ressaltar a que se trata de uma lei que se fundamenta no princípio da proteção integral das pessoas idosos e que de acordo com o seu art. 1º proíbe de forma expressa qualquer violação a sua dignidade “assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (BRASIL, 2003).
Desta forma, observadas as peculiaridades do caso e do devedor, o juiz em obediência ao princípio da menor onerosidade do devedor previsto no art. 805 do Código de Processo Civil (CPC) poderá entender a aplicação de medida diversa que a prisão:
Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.
Parágrafo único. Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados (BRASIL, 2015).
Portanto, apesar da indispensabilidade dos alimentos, percebeu-se que em caso da decretação da prisão dos avôs poderá haver uma violação dos seus direitos fundamentais, isso devido ao fato de que a maioria dos avôs são pessoas idosas e que se a elas impostas esta sanção, poderá trazer mais prejuízos que benefícios a causa. Dessa forma entende-se que, como mencionado, há outros meios menos gravosos para coagir os avôs inadimplentes ao cumprimento da obrigação alimentícia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a evolução do Direito de Família no Brasil, é tangível a mudança na dinâmica familiar em que o pai possuía o poder incontável como de chefe e provedor da casa, outra é que adquirir patrimônio era visto como a função prioritária da família, de forma que os interesses econômicos prevaleciam sobre os interesses sociais.
A legislação brasileira em relação as normas familiares colocavam o matrimônio como a única forma legitima de se constituir uma família base, tornando a união como uma das bases da sociedade.Devido a metamorfose das relações sociais e das leis, a família, não importando a forma que foi constituída, tornou-se um dos fundamentos do Estado de Direito brasileiro, que passou a conceber a possibilidade de separação e divórcio.
A partir desta transformação legislativa, sugiram outras situações sociais, dentre as quais se destacou a pensão alimentícia, que apesar de ser uma obrigação solidária entre os parentes, é mais comum que seja paga aos filhos em caso de pais separados, como forma de promover o seu sustento esuprir as suas necessidades básicas.
Os alimentos possuem características singulares que os tornam essenciais para o pleno desenvolvimento de uma pessoa: são irrenunciáveis, indisponíveis, impenhoráveis e irrecusáveis. Trata-se de garantias legais para a prestação dos alimentos a pessoa necessitada de forma que não haja escusas para o não pagamento.
Em caso de inadimplemento, existem algumas hipóteses legais em que o alimentado poderá acionar o dever em juízo e requerer o cumprimento da obrigação, tais como, a penhora de bens e valores e a prisão civil. Há ainda a possibilidade de os avôs serem chamados ao processo, caso reste comprovado que um dos pais não possui condições financeiras de arcar com o encargo.
A prisão civil deve ser entendida como medida coercitiva e excepcional com o objetivo de forçar o pagamento, neste caso, da pensão alimentícia. E como exposto, é uma das duas situações legais que ensejam a detenção por não pagamento de dívida. Sendo a obrigação de natureza alimentar, ao devedor que não a cumprir pelos últimos três meses poderá ser requerida a sua prisão.
Ao fim, como os avôs podem ser chamados ao processo em substituição aos pais devido as suas condições financeiras precárias, verifica-se que a prisão civil também poderia ser aplicada aos avôs como último recurso, tendo em vista a aos fatores de idade e saúde dos avôs, que normalmente enquadram-se como pessoas idosas. Dessa forma, concluiu-se que diante das peculiaridades físicas e psicológicas dos avôs, é mais favorável a todas as partes do processo, se outras medidas sancionatórias fossem aplicadas como meio de coerção em caso de inadimplemento do pagamento da pensão alimentícia avoenga.
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[1]Doutora e Mestre em Educação (UFBA). Professora da Unicatólica. Membro do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Saúde, da Universidade Federal do Tocantins-Brasil. r
[2]Mestre em Direito pela Universidade de Marília. Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Professora de direito do Centro Universitário Católica do Tocantins. Advogada.
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Victória Lopes de Figueredo. A obrigação alimentar avoenga e a (im)possibilidade de prisão civil em caso de descumprimento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2021, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56796/a-obrigao-alimentar-avoenga-e-a-im-possibilidade-de-priso-civil-em-caso-de-descumprimento. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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