RESUMO: O presente trabalho possui a finalidade de apresentar um estudo sobre a responsabilidade civil pelo erro médico, com possibilidade ou não, discorrendo sobre a possibilidade ou não da ocorrência desse evento. Para tanto, foi considerado posicionamentos doutrinários que demonstraram ao final, o cabimento da responsabilização, desde que esteja configurado que o médico tenha agido com culpa. O estudo é primordial para demonstrar a comunidade universitária acerca da grande precariedade que é a produção de prova em juízo, razão pela qual se observa por vezes inexistência de condenação. Assim, o erro médico passa a ser tratado na justiça como um erro que não poderá ser, de certa forma e em parcela significativa dos casos concretos, tolerado. No entanto, a falta cometida pelo médico é atenuada em razão da dificuldade de se obter prova da conduta médica que levou ao erro. Em razão disso alguns processos apresentam como resultado improcedência no pedido do autor. Eventual ação de danos morais, materiais e estéticos, poderá ser significativamente comprometida, tornando difícil verificar se realmente houve a falha do médico. O operador do direito, seja advogado ou órgão julgador, deverá se valer de todos os meios de provas, possibilitando o devido processo legal.
Palavras-chave: Erro médico. Provas. Responsabilidade civil.
ABSTRACT: The present work has a knowledge of presenting a study on civil liability for medical error, with or without possibility, discussing the possibility or not of the occurrence of this event. For that, it was considered doctrinal positions that demonstrated
at the end, the appropriateness of accountability, since it is defined that the doctor has acted with guilt. The study is essential to demonstrate to the university community about the great precariousness that is the production of evidence in court, which is why it is sometimes observed that there is no conviction. Thus, medical error starts to be treated in court as an error that in most cases it cannot be tolerated. However, the absence committed by the doctor is mitigated due to the difficulty of obtaining proof of the medical conduct that led to the error. As a result, some lawsuits result in the petition of the plaintiff being rejected. Eventual moral, material and aesthetic damages can be significantly compromised, making it difficult to verify if the doctor really failed. The operator of the law, whether a lawyer or a judge, must use all means of evidence to ensure due legal process.
Keywords: Medical error. Evidences. Civil responsability.
Sumário: Introdução; 1. Da atividade e do erro médico; 1.1. Histórico; 1.2. Da atividade médica e relação médico-paciente; 1.3. Dos direitos e deveres dos médicos e pacientes; 1.4. Do erro médico; 2. A responsabilidade médica; 2.1. Prerrogativas morais e legais dos pacientes; 2.2. O excesso de trabalho como causa do erro médico; 2.3. Da prestação do serviço: obrigação de meio e de resultado; 2.4. Ônus da prova e a dificuldade da prova no erro médico; Conclusão. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil pelo erro médico é, sem dúvida, temática que merece especial atenção, sobretudo em tempo de pandemia. O atual momento nos convida à abordagem ora proposta, de modo a compreender a relação entre o instituto da responsabilidade civil e a atividade médica.
Abordar tal temática conduz a compreensão de seu significado, trazendo a diferenciação do seu entendimento comum no qual a ação do médico está ligada a uma expectativa de cura.
Mais ainda, nos propõe a análise da atividade médica pericial em processos judiciais, sendo a problemática de maior relevância no presente trabalho.
Não são poucos os casos em que o próprio perito judicial convocado pelo juiz para a realização do esclarecimento sobre os fatos acaba por ser tentado a não revelar o erro cometido pelo colega de profissão. Além destes existem ainda peritos mal preparados que tendem a proferir laudos equivocados. Diante desta problemática fica muito difícil de comprovar o erro médico, o juiz não poderá se deixar influenciar por opiniões consideradas controversas, seja pela imprensa, familiares do autor ou da vítima ou ainda das conclusões apresentadas pelo perito judicial.
Cabe registrar que o magistrado deverá sempre ser cauteloso, de forma a proceder com imparcialidade, determinando a produção comprobatória complementar a qualquer momento, ou ainda, indeferir um determinado meio de prova, estando ou não convencido da veracidade ou falsidade do fato a ser provado. Neste sentido, o médico deverá apresentar todos os documentos que comprovem a sua inocência, como, por exemplo, o prontuário com o histórico do paciente.
A medicina é uma ciência bastante importante para salvar vidas. No estudo em tela se busca ressaltar para a comunidade que essa importância se faz acompanhada por intensa responsabilidade, na medida em que os erros trarão repercussões na esfera das vítimas e da própria sociedade. Igualmente, nota-se a dificuldade do aplicador do direito compreender como deve ocorrer a comprovação do erro médico, considerando os aspectos de cada caso concreto e, ainda, o próprio corporativismo de setores da classe médica.
O método empregado é o dedutivo e pesquisa bibliográfica e de campo, tendo em vista que partirá de criteriosa análise in loco de certo ambiente, no qual será estudado o objeto do vindouro trabalho monográfico. A pesquisa também é bibliográfica, haja vista que abarcou uma revisão da literatura disponível quanto ao tema.
Ante o exposto, o objetivo do estudo consiste em explicitar os pressupostos concretos para a ocorrência da responsabilidade civil pelo erro médico, com enfoque na produção de provas em juízo.
Desde os momentos considerados como mais remotos da história, a preocupação voltada para a saúde sempre foi uma constante na sociedade. Assim, na Antiguidade, não se concebia uma atividade médica propriamente dita. Existiam apenas pessoas que se dedicavam ao curandeirismo, que não detinham nenhum tipo de conhecimento científico, mas, que por meio dos estudos de determinados fenômenos, adquiriram conhecimento empírico, que se constituiu na arte da cura, com a utilização de porções extraídas de ervas e tratamentos por meio de remédios naturais que eram testados nos próprios doentes.
Os médicos egípcios eram possuidores de um livro com as regras que se obrigavam a obedecer às regras específicas da medicina em um livro médico. Em caso de cura de um paciente, as suas condutas ou técnicas não poderiam ser diferentes do prescrito no livro, do contrário, seria o médico punido. Portanto, verifica-se que “os médicos seriam sempre imunes a qualquer tipo de sanção, de forma independente da prática ou do resultado apresentado pelo paciente” (KFOURI NETO, 2020).
Ainda no século V A.C., mais precisamente na Grécia, por meio do Corpus Hippocraticum (Corpo – ou Código - de Hipócrates) de construção filosófica aristotélica, observa-se o estudo verdadeiro no campo da medicina. Salienta-se que “a culpa médica não é presumível apenas pelo fato de não se obter êxito no tratamento, mas, é necessário analisar e também individualizar com base na conduta praticada pelo profissional” (VIEIRA, 2019).
Porém isso já faz parte do passado e do folclore porque atualmente a medicina não é mais exercida como se sacerdócio fosse. Há, por assim dizer, “uma “mercantilização” dos serviços médicos que começa pela proliferação de universidades com a consequente queda na qualidade de ensino” (SCHAEFER, 2018).
Assim, o estudante, ao optar pelo curso de medicina, não o faz como uma vocação natural, mas como uma opção de sobrevivência futura. Além disso, ainda enfrenta a “baixa remuneração, o que os obriga a ter mais de três empregos simultâneos, cuja consequência é a má qualidade dos serviços médicos, principalmente nos hospitais públicos” (KFOURI NETO, 2020).
Outro fator que interfere na profissão é a proliferação dos planos de saúde que cobram caro de seus associados, mas que remuneram pessimamente os seus profissionais credenciados, enfim, a falência do sistema de saúde no Brasil. Todo esse quadro remete ao estudo da responsabilidade civil por deficiência, erros e falhas na prestação de serviços médico-hospitalares que, para melhor compreensão, deverá ser analisado sobre dois ângulos distintos: quando prestada pessoal e diretamente pelo médico, como profissional liberal e, quando prestada de forma empresarial através dos hospitais, clínicas, casas de saúdes, bancos de sangue, laboratórios e planos de saúde.
O ser humano, para conservar a sua saúde e evitar doenças e não se sujeitar à dor e às enfermidades, recorre ao médico, pois, qualquer pessoa quer sempre manter-se mental e fisicamente sadio. Em tese, “a atividade médica tem o propósito de impedir os males e disponibilizar soluções para manter a saúde dos indivíduos” (KFOURI NETO, 2020).
De fato, a atividade médica é, dentre as atividades profissionais, a que mais está impregnada de nobre importância para a humanidade. Tal importância reside no fato de o corpo humano ser o principal instrumento de trabalho nessa profissão. E “o perfeito desempenho da atividade médica é algo imprescindível para todos os cidadãos, na proteção da vida e da saúde” (VIEIRA, 2019).
Observa Vieira (2012, p.19) que o desempenho da atividade médica é algo tão importante que “[...] uma atitude de omissão do médico, ao contrário de outras profissões, pode causar um dano irreparável para o ser humano”. E por ser imprescindível o bom desempenho do médico é que Lopes (apud VIEIRA, 2019, p.17) define a atividade médica como:
Um conjunto de atos, operações e tarefas próprias desenvolvidas pelos médicos e demais profissionais sanitárias, que normalmente têm lugar sobre o corpo humano e que tendem direta ou indiretamente à conservação, melhora e, em geral, promover as condições da saúde humana, individual ou coletiva, em todas suas faces físicas, psíquicas e sociais.
A atividade médica é baseada em uma série de procedimentos, operações e tarefas próprias dos profissionais da medicina. Pode-se dizer que é uma atividade que tem como objetivo a relação com o corpo humano, com a conservação e melhora da saúde do homem em todos os aspectos, cuja intenção é aproximar-se da cura. Mas mesmo com esse conjunto de procedimentos, a Medicina não é uma ciência exata, pois não possui resultado certo no tratamento de uma doença. Trata a medicina de ser um aglomerado de conhecimentos relativos a fatos ou fenômenos autônomos, dentro de uma experiência englobada por um conjunto de ciências particulares aplicadas à preservação, melhoria e recuperação da saúde humana, para a própria sobrevivência da humanidade (VIEIRA, 2019).
Referidas tarefas, que são desenvolvidas pelos médicos “devem ser entendidas conjuntamente, devido à sua íntima relação. Assim, o interesse social da atividade médica se justifica pela sua finalidade, e esta, ao mesmo tempo, explica a licitude dos atos médicos”. É importante ressaltar ainda que a Carta Magna prevê em seu art. 196 que: ‘‘A saúde é um direito de todos e um dever do Poder Público” (BRASIL, 1988). A previsão legal da saúde enquanto um direito essencial está prevista na Lei n. 8.080/90, cujo artigo 2º preceitua:
Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§1º o dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem aceso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
§2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.
Assim, estimular a saúde humana, não é só competência do profissional médico, mas também do Estado, e que a todos interessa. Quanto à relação entre médico e paciente engana-se quem acha que só quem possui direitos são os pacientes e só quem detém obrigações são os médicos. Segundo Luzia Chaves Viera (2012, p.103), “Todo direito implica obrigação. É muito comum a preocupação em enfatizar o direito do paciente, esquecendo-se ao mesmo tempo de alertar sobre suas obrigações. Não há direito que não venha acompanhado de obrigação”.
Entretanto, “são várias as etapas que compreendem a relação médico-paciente, na qual é avaliada desde o primeiro encontro no consultório, ou hospital, até o fim do tratamento e, se alcançável, a cura do doente” (SCHAEFER, 2018). A relação médico-paciente pode ocorrer de várias formas diferentes. Nesse raciocínio Luzia Chaves Vieira (2012:25) leciona:
Quando o paciente procurar determinado médico para que cuide de sua saúde, e o médico o atende no consultório e quando o médico se encontra em um hospital e atende o paciente em caso de emergência ou urgência, ou em razão de algum convênio ou seguro com uma Instituição hospitalar, bem como se o médico é contratado por uma empresa para atendimento de seus funcionários.
Consequentemente, esses casos estabelecem entre médico e paciente uma relação jurídica da qual emana obrigações, deveres e direitos para cada um. O médico deverá tratar da saúde do paciente, com observância ao princípio constitucional da dignidade da pessoa. E o paciente deverá pagar os honorários médicos, se não estiver sob a custódia do Estado (SUS), ajudar e contribuir na busca da possibilidade de cura.
Desde o primeiro contato estabelecido entre o médico e o seu paciente se forma uma relação contratual e por força deste contrato ambos possuem direitos e obrigações. E dessa relação contratual derivam diversos deveres para o paciente, nos quais, os mais essenciais consistem no dever de o médico informar e do paciente em pagar pelos serviços, em caso do não atendimento pelo Estado.
Primeiramente, sobre o dever de informar, Giostri (2019, p. 170) expõe seu entendimento no qual ressalta a ideia de que: “tais dados dizem respeito aos antecedentes pessoais, patológicos e hereditários do paciente, bem assim, sobre sua enfermidade atual e outras ocorrências médicas, seus hábitos alimentares e a medicação de qual esteja fazendo uso”.
O paciente que não informar corretamente o médico sobre aquilo que o profissional deve saber para a sua intervenção junto ao seu cliente, poderá pôr sua vida em risco, ou em menor proporção, pode sua postura de mal informar, vir a se constituir hipótese de liberação de responsabilidade do médico. Por isso, a importância de não sonegar informações ao profissional (GIOSTRI, 2019).
Como se pode aduzir do texto acima, o doente se sobrepõe a qualquer pessoa sadia e guarda o direito de ser tratado com dignidade e ter toda assistência necessária para o seu tratamento, desde direito a assistência contínua, psicológico, religioso, até o direito de saber a real verdade sobre o seu estado de saúde e consequentemente, sobre sua doença. Tem-se que dentre os vários direitos dos pacientes, um dos mais importante é o direito da informação, previsto na Carta Magna em seu artigo 5º, inciso XXXIII, que assim preceitua:
Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações do seu interesse particular, ou interesse coletivo geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
Não se pode esquecer que “o médico deve praticar os procedimentos indicados, por intermédio de autorização do paciente ou responsável (salvo casos de urgência ou emergência)” (CAVALIERI FILHO, 2016). Assim, ainda segundo o referido autor, “somente em risco de morte é que o médico pode efetuar alguma intervenção clínica ou cirúrgica, contra ou sem a vontade do paciente ou de seus familiares”.
Antes de dissertar sobre os direitos e deveres do médico é necessário acentuar que o trabalho desse profissional não é fundamentado em certezas, posto que, de acordo com o que conduz a atividade da profissão médica, “não se pode rejeitar a existência de perigos intrínsecos a seu ofício, já que tal profissional trabalha com margens de previsibilidade” (GIOSTRI, 2019).
Destaca-se, então, que por não ser fundamentado em certezas, o médico tem o encargo de atuar com zelo no desempenho da sua profissão, comportamento determinado de acordo com o estado da ciência e os métodos consagrados pelos médicos em geral. Outro aspecto a ser evidenciado nesse trabalho científico diz respeito aos deveres médicos, que nas lições de Fernanda Schaefer (2018, p. 35) importa no seguinte:
[...]os médicos possuem deveres em todos os momentos de atendimento ao paciente, ou seja, antes, durante e após o tratamento [...] dever de informar e de aconselhar de forma que o paciente possa compreender suas condições e o tratamento a ser seguido, dever de assistência e de perícia, dever de prudência e de diligência, dever de recomendar qual o melhor tratamento e explicar seus pormenores técnico, dever de manter-se constantemente informado sobre o quadro clínico de seu paciente, dever de vigilância, dever de sigilo quanto às informações confidenciais a que tiver tido acesso no desempenho de sua profissão, dever de guardar a vida humana e, finalmente, o dever de aperfeiçoamento constante, principalmente na área do diagnóstico que passa por transformações constantes devido ao desenvolvimento de novas tecnologia.
Ressalta que o paciente, de acordo com a assertiva, tem o direito de ter todas as informações sobre seu caso, como também cópias de documentações médicas tais como, prontuários, exames, ressonância magnética, anotações de enfermagem, laudos diversos e avaliações psicológicas e tudo que diz respeito ao paciente (KFOURI NETO, 2020). Destaca-se ainda que na visão de Kfouri Neto (2010:33), “[...] o paciente, cônjuge ou filhos têm o direito de gravar ou filmar os atos médicos que sobre ele recaiam”. Com isso, poderá ouvir “[...] posteriormente a fita com mais calma, avaliar o tratamento, evitando interpretações equivocadas do que foi dito pelo médico”
Para não sobejar dúvidas acerca da informação que o paciente deve receber, o dever de informação, não é por si só inerente à atividade médica, mas é um dos direitos básicos do consumidor, em que a informação deve ser adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços. Outro dever intrínseco à atividade médica é o dever de cuidado, que é assegurado pelo dever de assistência, de cuidado ao paciente, o dever de atenção, de “indicar qual o tratamento mais adequado, uma vez que sempre deve informar o estado em que se encontra o paciente e zelar sempre a este dever de cuidado” (SCHAEFER, 2018).
No entanto, mesmo com tantos deveres, não se deve ter o médico como uma criatura dotada de capacidades sobrenaturais, contudo, esse profissional precisa de uma conduta que respeite os procedimentos adequados, pois há de se lembrar que, se trata de vidas humanas, em que os riscos devem ser os mínimos possíveis. Quanto aos direitos dos médicos atente-se para o fato de não ser o Código de Ética Médica a única fonte de direito.
O médico deve se ater ao dever moral de indicar o procedimento adequado ao paciente, sem importância se ético, religioso ou jurídico. Portanto, deve-se rejeitar o exercício de sua profissão em hospitais ou locais onde não há condições dignas de trabalho ou que possam prejudicar o paciente e o de internar e assistir seus pacientes em hospitais particulares, ainda que não faça parte do corpo clínico.
Entre alguns deveres do médico, o que se apresenta mais importante, é o de qualificar-se e atualizar-se permanentemente para o exercício profissional adequado da medicina, tendo que estar informado sobre novas técnicas e equipamentos, conforme expressamente determina o Código de Ética Médica. Antes da realização de qualquer procedimento, principalmente os de risco ou de intervenções jurídicas, “o médico deve pedir e obter o consentimento expresso do paciente, ou na impossibilidade, de seu representante legal ou parentes mais próximos, conforme o expresso no Código de Ética Médica” (VIEIRA, 2019).
A profissão médica deve ainda observância ao Código de Defesa do Consumidor, norma de ordem pública, portanto de cumprimento obrigatório. De modo que o descumprimento do seu dever de informar, por si só, é caracterizado pela falha na prestação do serviço, e na ocorrência de dano, no qual prevalecerá o dever de indenizar.
A profissão do médico é uma atividade de risco. Assim sendo, deve ser exercida com bastante zelo e cuidado para evitar erros, senão veja-se o que diz Irany Moraes (2015, p. 289) define erro médico como sendo “a falha do médico no exercício da profissão”.
No mesmo sentido, tem se em linguagem simples que “o erro médico é a imperfeição de quem exerce a medicina como profissão e causa um dano a alguém em um procedimento médico” (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2018).
No entanto, segue o entendimento de que o profissional não tem o dever de curar, mas é obrigado cuidar do paciente e deve fazer com adequação e com as melhores técnicas que a medicina oferecer. Assim sendo, “o erro médico é a falha no exercício da profissão quando não se utiliza esse preceito de agir com diligência na atuação médica”. Evidencia-se dessa maneira, que a prática da atividade médica, não tem compromisso com o efetivo resultado e, em virtude disso, as possibilidades do que se compõe um bom ou um mal resultado diferenciam no emprego a cada caso concreto e pode ir desde o falecimento do paciente, da simples diminuição de sua dor, de uma mera possibilidade de vida, até a melhora total. (SCHAEFER, 2018).
Para que caracterize erro médico, é preciso que estejam presentes, o dano ao doente, a ação do médico, o nexo efetivo de causa e efeito entre o procedimento médico e o dano causado, a imperícia, imprudência ou negligência, portanto, a combinação desses elementos caracteriza o dano. No entanto, a falta de conhecimento induz a procura de direitos. Nesse diapasão, Fernanda Schaefer (2018, p.60) ensina:
Costumeiramente, pacientes e seus responsáveis confundem a não realização de suas expectativas com erro médico, chegando a procurar o Ministério Público, CRMs e autoridades policiais para formalizar pedido de providência. Compreende-se que estas pessoas, muitas vezes, estão desesperadas com a doença ou com a situação em que seus entes queridos se encontram, mas não se pode admitir que esta visão deturpada do procedimento médico cause o descrédito da profissão e, principalmente que acabe por condenar profissionais sérios e idôneos (SCHAEFER 2018, p.60).
O erro médico ainda se subdivide em erro culposo e erro doloso, erro escusável e erro inescusável. De conformidade com o preceituado acima, o crime configura-se, se doloso, com a vontade do agente que objetiva o resultado ou assume as consequências de produzir o ato ilícito, sendo ainda culposo, se resulta de ato involuntário, mas, que o agente deveria saber dos riscos.
Nesse viés, Irany Moraes (2015, p.289) entende resumidamente que o erro doloso, assim como o crime doloso “[...] é aquele cometido de forma voluntária”. E que “será crime doloso aquele no qual o agente quis o resultado (dolo direto) ou assumiu o risco de produzi-lo (dolo indireto) ”.
Visualiza-se, nesse posicionamento, a preocupação doutrinária em clarear o que seja crime doloso bem como o culposo, no tocante à ação do agente no exercício da profissão, seja ela médica ou outra. De acordo o constante na assertiva é válido destacar que o crime doloso não acontecerá, sem a vontade do agente e nele haverá sua divisão, que nos moldes doutrinários, norteará a identificação da gravidade do ato. Tem-se ainda o dolo eventual pelo qual o agente conscientemente admite e aceita o risco de produzir o resultado. Além disso, “tem-se o erro ocasionado pela ação ou omissão do agente, mediante violação ou não observância de uma norma de conduta, e do qual resulta lesão ou danos” (SCHAEFER, 2018).
Assim, para o autor acima, tanto o erro doloso como o erro culposo possuem muita influência na responsabilidade penal dos médicos e isso pode influenciar também na determinação do valor a ser pago em caráter indenizatório na responsabilidade civil. Em relação ao erro escusável, o referido autor analisa como sendo aquele que era inevitável, de modo que ocorreria mesmo que o suposto autor tivesse tomado todas as cautelas de praxe.
Verifica-se pelo contido no texto retro, que os erros decorrentes das limitações da medicina, portanto, de procedimentos médicos aparentemente corretos e bem assim, os originados na falta de informações a serem dadas pelo paciente, embora existam, não oneram o médico em erro culposo ou doloso. Já o erro inescusável pode ser facilmente entendido. O erro grotesco é o erro inescusável, imperdoável, que impõe àquele que o cometeu o dever de reparar o dano que sobreveio ao paciente, por exemplo, analisar a radiografia invertida e operar a perna não fraturada. (VIEIRA, 2019).
Percebe-se que o erro inescusável, seria aquele que poderia ser impedido pelo agente se ele tivesse tomado os cuidados necessários antes de atuar. Portanto, poderia então não ter ocorrido o erro, assim, a conduta seria evitável. Por todo o exposto, denota-se que, embora exista, determinar o erro cometido por um profissional médico não é uma tarefa fácil, logo, não é possível admitir-se os critérios elencados como absolutos, pois, somente a análise do caso concreto poderá realmente dizer em qual erro se enquadra o médico que realizou um desafortunado procedimento.
“Necessária é a atenção às prerrogativas morais do paciente, sua autonomia como sujeito ativo no processo de tomada de decisões” (GONZAGA, 2020). O paciente, diante de um erro médico, pode se dirigir ao PROCON, à delegacia, ao judiciário ou ao Conselho Regional de Medicina. O profissional incurso em erro médico responde nas esferas: civil, penal, ético-disciplinar e administrativa.
Somada à tutela legal, tem havido iniciativa por parte da sociedade em conhecer seus direitos e de reivindicá-los, quando ameaçados ou lesados. Hoje, além de as pessoas estarem mais bem informadas, existem associações ativas defendendo os direitos das vítimas de erro médico e de seus familiares.
2.1 PRERROGATIVAS MORAIS E LEGAIS DO PACIENTE
O Código de Defesa do Consumidor trouxe elementos que situam a relação médico-paciente em uma relação de consumo. A pessoa do consumidor, no caso o paciente, passou a ter seus direitos defendidos e protegidos pela norma consumerista.
A inversão do ônus da prova é um dos meios usados pelo Código de Defesa do Consumidor para que haja igualdade entre os dois polos da relação de consumo. E tem sido aplicado também na relação médico-paciente.
O inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor admite a inversão do ônus da prova, em favor do consumidor, quando for verossímil o alegado por ele ou quando este for hipossuficiente.
Entende-se por hipossuficiente a pessoa economicamente fraca, que não é autossuficiente. Parece, contudo, que o CDC pretendeu estender esse conceito para limites mais amplos, de vez que não seria insuficiência de recursos financeiros para cobrir as despesas com uma ação judicial, já que a assistência judiciária é assegurada a qualquer cidadão que queira ter acesso à Justiça, artigo 5º inciso I. Mas há hipossuficiência técnica, uma vez que o inciso I, do artigo 4º, gera a presunção legal absoluta ao proclamar a vulnerabilidade do consumidor. Conceituando-o, assim, “como pessoa fraca, se colocada ao lado de produtor ou prestador de serviços, e desprovida de conhecimentos especiais, por isso economicamente inferior” (SANTOS, 2020).
Essa pobreza de conhecimentos técnicos ou científicos sobre o produto ou serviço, transforma o consumidor no elo mais frágil da corrente da comercialização. A vulnerabilidade do consumidor deriva precisamente dessa insuficiência de conhecimentos sobre o produto que adquire ou sobre o serviço que contrata, o que responde por sua incapacidade de produzir, de modo eficiente, as provas do que alega (SANTOS, 2020). Quando se reconhece que o consumidor, em face de uma situação litigiosa, acha-se inferiorizado diante do fornecedor, a inversão do ônus da prova aparece como meio de pôr em equilíbrio a posição das partes no conflito.
Há casos, porém, em que o adquirente de um bem faz arguições mentirosas ao fornecedor para obter reparações pecuniárias indevidas. Esse dado justifica a conduta cautelosa do juiz na aplicação do que se contém no inciso VIII do art. 6º do CDC. (GONZAGA, 2020).
2.2 O EXCESSO DE TRABALHO COMO CAUSA DO ERRO MÉDICO
O excesso de trabalho dos médicos é considerado como uma das principais causas que pode levar ao erro médico. A preocupação com o excesso de trabalho dos médicos não é um tema atual, torna-se imprescindível retratar a saúde dos médicos em razão do excesso de trabalho, visto que a presente profissão é extremamente estafante.
Ao se tratar da questão excesso de trabalho, torna-se necessário analisar a forma como o atendimento médico é organizado, sendo que por vezes traz consigo grande dificuldade no tratamento com o doente, em razão do trabalho ora desempenhado em excesso, bem como, da própria falta de comunicação entre os especialistas, demonstrando claramente não conhecer os riscos ou benefícios das interações de suas ações sobre seu paciente.
A iatrogenia tende a se constituir como um erro médico quando não se observa todos os riscos de um determinado procedimento. O presente problema se fundamenta nas condições de trabalho do médico, sendo o mesmo estrutural, e, portanto, pode ser minimizado ou mesmo solucionado, a partir de um atendimento diferenciado do médico, bem como, da carga horária dele. É importante salientar que é preciso implantar um sistema de saúde que mantenha sempre o médico responsável pelos seus pacientes, trazendo ao mesmo como atribuição uma carga horária mais flexível, totalmente voltada para a saúde do profissional. Ocorre que a realidade das condições do exercício médico traz antigas discussões no campo das ciências, como, sociais, psicológicas, entre outras, demonstrando que as condições ambientais, sob as quais o trabalho passa a ser realizado, tendem a influenciar na qualidade dele.
Ao se utilizar conceito de condições de trabalho, se refere como o sujeito se relaciona com o seu trabalho, de forma a abranger vários aspectos, como: relacionamento com os envolvidos, remuneração, jornada de trabalho, entre outras. Assim, as condições precárias de trabalho ao qual o médico se submete trazem consigo significados diferentes, abrangendo tanto os médicos como os demais profissionais desta área, bem como, os próprios pacientes (SCHAEFER, 2019).
Um médico por meio da pressão social e de sua equipe de trabalho, por vezes é obrigado a atender grande quantidade de pacientes em um período curto de tempo, ou ainda, se vê forçado a exercer um ritmo de trabalho acelerado de forma a aumentar sua renda. Não restam dúvidas que o erro médico advém deste ritmo acelerado que a própria profissão impõe ao médico, levando o profissional por vezes a estafa, e consequente diminuição de seu desempenho.
Nas relações de trabalho, mais precisamente de suas estruturas, estas apresentam mecanismos formais e informais de informações, bem como, ritmo de trabalho, são divididos em duas ordens de problemas, sendo estas: a) Condições estruturais de trabalho que não abrange o número suficiente de trabalhadores preparados; b) Organização de trabalho voltada para as cadeias de comando, bem como, a atribuição de fluxo de informações, entre outras (GONZAGA, 2020).
“As condições consideradas como inadequadas de trabalho tendem a aumentar o estresse, desencadeando grandes problemas que resultam em erro no atendimento”, tanto em relação ao diagnóstico como ao procedimento. Por vezes, o médico na ânsia de terminar logo a consulta do paciente, faz com que ele não suspeite de caso grave, realizando um diagnóstico totalmente superficial, visto que para ele a queixa do paciente não é importante (STOCO, 2019).
Nestes casos o médico não suspeita de caso grave, caindo em erro, sendo que este erro, por vezes, se torna totalmente irreversível. Em muitos casos o médico opta pelo caminho mais rápido ao atender o paciente. Assim, o quadro do paciente passa a ser analisado apressadamente, e um simples relato do cliente ajuda a convencer no diagnóstico dado pelo profissional. Ocorre uma relevância motivacional que tende a influenciar na ação do sujeito social. Percebe-se que um simples diagnóstico poderá ser acometido de erro, mesmo que este seja difícil de ocorrer, visto não existir um julgamento severo por parte do profissional (VIEIRA, 2019).
É neste contexto, que se enxerga claramente figurada a sobrecarga do profissional médico na prática de seu trabalho. Diante desta realidade, é necessário que o profissional que cometeu o erro reconheça o mesmo, e venha a demonstrar a sua culpa.
Dada a necessidade de aprender fazendo, a cirurgia é uma filosofia de jogo de contato com o corpo, que os participantes compartilham em vários graus de intensidade; um erro atribuído a estas categorias é aceito como rotina é inevitável, e tratado como uma oportunidade para repassar os truques do ofício, estes são erros extraordinários que desafiam as suposições tácitas que tornam a ordem social possível.
Os erros que ocorrem nessa categoria são considerados violações morais do responsável e como uma oportunidade de ação corretiva, para que a conversa entre médico e paciente dure o mais rápido possível. Quando você pensa sobre as condições médicas de trabalho, é fácil entender como o estresse pode fazer com que os trabalhadores negligenciem ou apressem as consultas médicas. Portanto, essa correria no processo de consulta muitas vezes é causada pelo tamanho da fila de espera ou pela quantidade de funcionários no local de atendimento. A realidade atual mostra que os problemas estruturais conduzem a graves problemas que vão de encontro às políticas institucionais e, decorrente dos hábitos dos trabalhadores.
Sob o ponto de vista da instituição, se pensa em mecanismos, além de aumento da capacidade de atendimento, de modo a diminuir o estresse laboral, bem como, o risco para o paciente, incorrendo em erros. Normalmente, o que ocorre nas unidades de saúde é a dificuldade de se distribuir o trabalho de forma adequada no decorrer do dia, problema que traz a modificação do ritmo de trabalho médico, resultando no erro do diagnóstico.
O primeiro contato entre o médico e o paciente deve ser de primordial importância e tem que existir uma empatia recíproca. Na obrigação de meio, existe um comprometimento em relação aos meios empregados para que determinada atividade seja realizada. Deste modo, se limita ao compromisso de utilizar conhecimentos específicos, bem como, práticas recomendadas, sempre com máxima diligência com a finalidade de realizar o objetivo pretendido, sem a garantia de que a finalidade será realmente alcançada.
Diante disto, a obrigação de meio não tem a finalidade de assegurar o resultado, isto em razão da impossibilidade de se garantir a realização do fim a que se destina. Por essa razão, ocorrerá o inadimplemento da obrigação apenas quando a atividade não for desempenhada com a real diligência, bem como, com o cuidado devido,
Portanto, na obrigação de resultado, o devedor passa a ser comprometido a atingir um fim determinado, de modo a assegurar o efetivo cumprimento do objeto que fora pactuado. Nesse caso, é possível citar como exemplo deste tipo de obrigação os contratos de prestação de serviço, como, a cirurgia estética feita por um cirurgião plástico, o conserto de um veículo, construção de um edifício, entre outros (VIEIRA, 2019).
Dentro desse contexto, pode-se afirmar que nos contratos de meio, o devedor é obrigado a empregar diligência, de forma a conduzir com prudência o ato de modo a atingir a meta colimada. De um modo geral, a atividade médica é vista como uma obrigação de meio, visto que o médico se compromete a tratar o paciente com diligência, de forma a utilizar todo o seu conhecimento científico. Assim, não se obriga ao mesmo a curar o enfermo, visto que a efetiva cura não depende propriamente do profissional, mas, de fatores externos. Existem, todavia, algumas situações em que ocorre a obrigação do médico em alcançar determinado resultado, como, por exemplo, nas cirurgias estéticas (VENOSA, 2020).
Em virtude disto, em procedimentos cirúrgicos de tal natureza, o que realmente interessa ao paciente é na realidade o resultado que consiste na melhora de sua aparência física.
Várias são as possíveis causas do erro médico. Entre elas, cite-se condições de trabalho, jornadas acima do permitido, fatores psicológicos, entre outros. A presença de conduta inadequada para determinada ação pode colocar em risco a vida ou integridade do paciente pela incompetência, negligência ou imprudência.
Verifica-se que o maior empecilho para a comprovação do ato imprudente é o próprio corporativismo da classe médica, que acaba por agir de forma solidária com os demais colegas de profissão que tendem a cometer erros que levam a julgamento. Esta conduta acaba por comprometer severamente a ação, tornando difícil verificar se realmente houve a falha do médico, é por isso que para a realização de um julgamento justo, “o magistrado deverá se valer de todos os meios de provas para assegurar o devido processo legal” (VENOSA, 2020).
Cabe primeiramente adentrar na grande precariedade que é a produção de prova, razão pela qual se observa por vezes inexistência de condenação, não porque o médico não tenha agido de forma errada, mas por não se conseguir comprovar os fatos que realmente aconteceram.
Em muitos casos, o próprio perito judicial que fora convocado pelo juiz para a realização do esclarecimento sobre os fatos acaba por ser tentado a não revelar o erro cometido pelo colega de profissão. Além destes existem ainda peritos mal preparados que tendem a proferir laudos equivocados. Diante desta problemática fica muito difícil de comprovar o erro médico, o juiz não poderá se influenciar por opiniões consideradas controversas, seja pela imprensa, familiares do autor ou da vítima ou ainda das conclusões apresentadas pelo perito judicial.
Cabe registrar que o magistrado deverá sempre ser cauteloso, de forma a proceder com imparcialidade, determinando a produção comprobatória complementar a qualquer momento, ou ainda, indeferir um determinado meio de prova, estando ou não convencido da veracidade ou falsidade do fato a ser provado. Neste sentido, “o médico deverá apresentar todos os documentos que comprovem a sua inocência, como, por exemplo, o prontuário com o histórico do paciente” (VIEIRA, 2019).
É importante ressaltar que os vários erros ocasionados em razão da conjectura médica, principalmente com relação aos erros de diagnósticos, o magistrado por vezes poderá ser indulgente, mas, deverá sempre usar de severidade no caso de faltas cometidas em virtude da conduta conscientemente culposa, no caso de imperícia, imprudência ou negligência. Com isso, as dificuldades encontradas pelo magistrado para a comprovação do erro médico não poderão ser consideradas como benevolente em razão da medicina ser uma arte conjectural, o operador do direito deve mostrar uma postura totalmente equilibrada, não agindo com rigor excessivo, mas, sendo guiado pelo senso de justiça impetrado pela sociedade.
O artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor traz entre os direitos básicos do consumidor “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo regras ordinárias de experiência”.
Primeiramente, torna-se necessário estabelecer que a inversão presente no Código de Defesa do Consumidor acaba por contrariar a previsão do artigo 333 do CPC, sendo que para este deverá o autor provar os fatos constitutivos de seu direito e a figura do réu a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
Deste modo, com a conversão em favor do réu, é importante salientar que as
partes poderão transigir sobre o ônus da prova, com exceção do fato questionado dizer respeito a direito indisponível, não se permitindo nenhum tipo de acordo ou mesmo transação. Assim, “no direito indisponível não é admitido à transação ou mesmo a confissão, e, não poderá materializar a inversão do ônus por convenção entre as partes” (VENOSA, 2020).
Vale mencionar que, normalmente a inversão do ônus no âmbito judicial nas demandas relacionadas ao consumo é tutelada por meio da lei n. 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Contudo, verifica-se que as relações de consumo apresentam grandes desproporções entre as partes envolvidas, sendo, que, diante disto, o código de defesa do consumidor apresenta regras protetivas à figura do consumidor perante o fornecedor.
Portanto, nas relações de consumo, sempre caberá ao fornecedor a prova de que não é possuidor de responsabilidade, existindo, desta forma, a inversão judicial. Todavia, o Código de Defesa do Consumidor traz a autorização do magistrado para inverter o ônus da prova, sendo sempre em favor do consumidor, desde que este seja possuidor das seguintes hipóteses tidas como alternativas pela própria doutrina majoritária, sendo que, para alguns autores, é imprescindível a presença dos dois pressupostos em conjunto (GONZAGA, 2020).
Em geral, a mera hipossuficiência econômica poderá ocasionar a concessão da assistência judiciária, seguindo a lei n. 1060/50, visto como meio de garantir a justiça gratuita, e alegando um determinado fato, possibilitando o ônus de provar. Logo, quando acontecem erros médicos, a hipossuficiência que se alega não é a econômica, mas, a técnica. Assim, o magistrado deverá ordenar a inversão, procurando observar a superioridade técnica do médico em relação ao doente para a produção de provas que se encontram em prontuários nos hospitais ou clínicas.
Daí é possível verificar a desproporção nas relações inerentes ao consumo entre médico e paciente para a produção de provas, visto que dependem sempre de conhecimentos técnicos ou informações que normalmente se encontram bastante inacessíveis.
No caso de um erro médico, nota-se claramente a diferença entre o médico, possuidor de conhecimento técnico sobre o assunto, e o paciente, que não é conhecedor da ciência, e se encontra em um momento difícil e totalmente fragilizado. Como visto, “a inversão do ônus neste caso traz consigo a relação da questão da hipossuficiência, tendo a mesma o sentido de proteção dos que detém menos conhecimentos técnicos” (VENOSA, 2020).
Diante dessa realidade, a inversão do ônus tem como finalidade contornar todas as dificuldades que a vítima tem em relação a demonstrar ao dano causado pelo médico, sendo que por vezes se torna totalmente impossível, em razão dos termos técnicos que dificultam a compreensão. Desta forma, com a inversão do ônus ocorre a equiparação das partes, sendo fator essencial para a aproximação da real verdade do conflito da lide, possibilitando uma indenização justa por um dano ocasionado, se for o caso. A questão da hipossuficiência retratada no artigo 6º, VIII, não se refere à condição econômica do consumidor, mas, sim, à questão de ordem especialização técnica que abrange o conhecimento restrito apenas ao fornecedor (GONZAGA, 2020).
A inversão representa uma garantia do princípio constitucional da isonomia, visto que o próprio CDC acaba reconhecendo a desigualdade entre as partes na relação de consumo, quando materializa que todo consumidor é vulnerável. Deste modo, o CDC, com a finalidade de igualar as partes, deixando as relações harmônicas, institui a inversão do ônus da prova, desde que se comprove que o consumidor é considerado hipossuficiente e suas alegações sejam verossímeis. É bom salientar que a inversão poderá ocorrer quando o consumidor venha a atuar como autor ou como réu.
Diante de tudo o que foi abordado neste capítulo, pode-se dizer que o ordenamento jurídico brasileiro admite a responsabilização por erro médico, desde que este erro seja comprovado como uma falha no exercício da profissão e esteja imbuído de culpa.
A Constituição Federal de 1988 consagrou a dignidade humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e, portanto, a sua ofensa deve ser reparada civilmente, tanto quanto ao dano material quanto à moral. Nessa senda, tem-se a regra básica de que todo aquele que praticar ato ilícito fica obrigado a reparar a vítima, isso tanto na esfera penal ou civil.
Porém, no que tange à responsabilização civil por erro médico, o assunto encontra posicionamentos diferentes, de forma que não se tem um consenso quanto à possibilidade ou não do cabimento da responsabilidade civil do profissional da medicina que comete um ato ilícito, daí a razão de se ter procurado pesquisar sobre essa temática. O estudo formulado pode concluir que há a possibilidade sim de ocorrer a responsabilização civil pelo erro médico, ou seja, o médico possui a obrigação de reparar qualquer dano que venha a causar ao paciente no exercício de sua profissão.
Mas, a pesquisa demonstrou, também, que para a configuração da responsabilidade civil do médico, devem estar presentes os requisitos da responsabilidade civil. Notou-se, ainda, que a responsabilização civil pelo erro médico é cabível, porque muitas vezes, a conduta do médico é inadequada, inclusive, em alguns casos, por despreparo profissional e falta de condições mínimas de atendimento aos pacientes, situações que facilitam a ocorrência de dano a pessoas usuárias dos serviços médicos.
Constatou-se, ainda, que a caracterização do erro médico deve haver prova inequívoca de sua culpa, ou seja, que se tivesse agido de outra forma o dano que causou ao seu paciente não teria ocorrido, notadamente em casos de cirurgia plástica em que o médico se compromete a alcançar determinado resultado e nem sempre isso acontece, legitimando a vítima a buscar a responsabilização civil pelo dano sofrido. Apurou-se que após a comprovação efetiva do erro médico, a vítima tem o direito de buscar socorro na via judicial, quando a demanda não é resolvida amigavelmente.
Todavia, a pesquisa demonstrou que há uma grande dificuldade de a vítima obter a prova do erro médico, situação que tem gerado a improcedência de pedidos de responsabilização civil do médico que comete ato ilícito no exercício de suas funções.
O Trabalho permitiu constatar que o maior empecilho para a comprovação do erro médico é o próprio corporativismo da classe médica, que acaba por agir de forma solidária com os demais colegas de profissão e, com isso, a pessoa que sofreu o dano pela falha médica continua sendo a parte mais fraca na relação processual, razão pela qual em uma demanda judicial acerca desta matéria, o magistrado deverá se valer de todos os meios de provas para assegurar o devido processo legal, inclusive, fazendo a inversão do ônus da prova.
Evidentemente toda ação gera uma consequência e por isso a falha médica quando devidamente comprovada deve ser reparada, mediante a responsabilização civil do profissional da medicina, que passa a ter o dever de reparar o dano causado pela sua conduta errônea, pois somente assim é que se pode esperar melhora significativa no atendimento dos serviços médicos. Por último, consigna-se que em razão da complexidade da matéria o assunto não se esgotou por inteiro, razão pela qual se espera que surjam outros trabalhos acadêmicos acerca dessa delicada e importante temática.
BRASIL. Código Civil. Vademecum. Saraiva. São Paulo, 2020
BRASIL. Constituição Federal. Vademecum. São Paulo: Saraiva, 2020.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil. Volume II. São Paulo: Saraiva, 2019.
GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico à luz da jurisprudência comentada. 2. ed. rev, atual e ampl. Curitiba: Juruá, 2019.
GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade médica. As obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação. 1. ed. (ano 2001), 5. Reimp. Curitiba: Juruá, 2019.
GONZAGA, Álvaro Luiz Travassos. Vade Mecum Humanístico - Teoria Geral da Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020.
KFOURI, Miguel Neto. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
KFOURI, Miguel Neto. Responsabilidade Civil do Médico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020
MORAES, Irany Novah. Erro médico e a lei. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade Civil do Médico. São Paulo: Juruá, 2018.
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Atlas, 2020.
VIEIRA, Luzia Chaves. Responsabilidade civil médica e seguro: doutrina e jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2019.
Bacharelanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo (FASEC).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, LUCIANA SILVA. A responsabilidade civil pelo erro médico e a atividade jurisdicional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2021, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56896/a-responsabilidade-civil-pelo-erro-mdico-e-a-atividade-jurisdicional. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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