RESUMO: O objetivo do presento artigo é compreender como a dialética da soberania popular e o direito humano à democracia vinculam e, ao mesmo tempo, se concretizam na Administração Pública brasileira, mais especificamente nos municípios que integram a região canavieira do estado de Alagoas, propugnando a participação popular como requisito procedimental das decisões e atos administrativos, sem o qual tais atos estariam viciados, podendo ser considerados irregulares ou, até mesmo, inválidos.
Palavras-chave: Administração pública. Atos administrativos. Participação popular. Dialética da soberania.
ABSTRACT: The purpose of this article is to understand how the dialectic of popular sovereignty and the human right to democracy are linked and, at the same time, materialized in the Brazilian Public Administration, more specifically in the municipalities that integrate the sugarcane region of the state of Alagoas, promoting participation popular as a procedural requirement of administrative decisions and acts, without which such acts would be addicted and could be considered irregular or even invalid.
Keywords: Public administration. Administrative acts. Popular participation. Dialectic of soverignty
Pedro Henrique de Araujo Silva, 17 anos, mora em Capela, cidade incrustada entre os canaviais que monopolizam grande parte da paisagem alagoana. A região canavieira de Alagoas abarca 53 dos 102 municípios do estado, incluindo sua capital, compreendendo uma população de cerca de dois milhões de habitantes e uma área equivalente a pouco mais de treze mil quilômetros quadrados. Excluindo os municípios que integram a Grande Maceió, a região canavieira é composta em sua maioria por cidades com população não superior a 20 mil habitantes, Índice de Desenvolvimento Humano abaixo da média estadual, que já é a pior do Brasil, renda per capita não superior a R$ 300,00 e cujas receitas públicas dependem quase que exclusivamente das transferências de recursos da União e do Estado. Em muitos deles, as plantações de cana ocupam mais de 40% de seu território, podendo chegar a 80%[1].
Pedro Henrique, cursando o terceiro ano do ensino médio na escola pública estadual Professora Edite Macedo, venceu, em 2019, o concurso nacional de redação Jovem Senador, promovido pelo Senado Federal. Junto com estudantes de cada um dos estados brasileiros, passará uma semana em Brasília para vivenciar o trabalho dos senadores[2].
“Interpreta-me ou te devoro”. Assim chamou sua redação. Numa analogia ao enigma da esfinge de Tebas, Pedro escreveu que o “orçamento público no Brasil, por ser complexo e desconhecido por grande parte da população, constitui um verdadeiro desafio para muitos cidadãos que se encontram excluídos de um processo democrático, porque não conseguem acompanhar o que desconhecem em virtude da pouca escolaridade ou da falta de conhecimento político”.
A linguagem técnica de tais documentos, num país com cerca de 40 milhões de analfabetos funcionais, “dificulta ainda mais sua interpretação”, destaca Pedro, para em seguida sentenciar ser “inadmissível para um Estado democrático de direito privar parte de seus cidadãos de decisões políticas tão importantes”.
Ao lado dos funcionais, Pedro também identifica os “analfabetos políticos”, que “preferem ignorar o quanto sua participação é importante para a melhoria da nação”, proporcionando aos governantes “total liberdade de gerir recursos públicos, o que facilita, muitas vezes, o desvio de verbas ou o mau gerenciamento do dinheiro público”.
“Nesse contexto, é necessário que se criem condições de o povo compreender, participar e fiscalizar”, conclui. “Portanto, urge que medidas sejam tomadas para diminuir esse déficit de conhecimento. Para isso, é dever do Estado expressar de forma mais simples e direta como funciona a lei orçamentária”.
A redação de Pedro põe o dedo em tantas feridas da relação do cidadão com o Estado que vale perguntar se é só para o orçamento e se é só em Capela que ela se aplica.
Um exemplo talvez ajude a dar mais amplitude à discussão. Sobre a própria execução orçamentária. A Constituição Federal de 1988 determina, em seu artigo 212, que, a cada ano, os municípios devem destinar para a manutenção e desenvolvimento do ensino, no mínimo, vinte e cinco por cento de tudo que arrecadam com impostos. A isso se convencionou chamar percentual mínimo ou limite constitucional da educação.
Não raro, chegados os últimos meses do ano, os municípios iniciam uma corrida contra o tempo para gastar o que for necessário ao cumprimento desse percentual. Muita dessa afobação se deve ao fato que, pelo artigo 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal, o não cumprimento do limite constitucional pode acarretar a interrupção das transferências de recursos federais e estaduais, principal fonte de receita dos municípios brasileiros. Além disso, a prefeitura pode ter suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado e o prefeito se tornar inelegível por improbidade administrativa, como previsto na Lei Complementar nº 64/90.
Imagine-se, agora, o seguinte cenário. Chegado novembro, um prefeito decide aplicar os recursos que faltam para atingir o limite constitucional da educação na pintura da já desgastada fachada de uma das escolas municipais. Por si só, seria difícil questionar a opção por esse gasto. Acontece que o fogão industrial desta mesma escola está quebrado, prejudicando o cozimento da merenda escolar. Diante dessa nova informação, passa a ser questionável defender a priorização pela pintura em detrimento do conserto do fogão.
Mas é possível imaginar uma situação mais nebulosa. Com o mesmo objetivo de cumprir o percentual mínimo, o prefeito decide comprar notebooks de última geração para serem distribuídos a todos os professores e alunos da rede municipal. Uma decisão que busca melhorar a qualidade de ensino e aprendizagem. Contudo, os professores desta mesma cidade estão com seus salários defasados há anos, bem abaixo inclusive do patamar de remuneração de localidades vizinhas, e decidem entregar, por meio de sua associação, um pedido de reajuste salarial ao prefeito. Diante desse cenário, a decisão entre a aquisição dos notebooks e o reajuste salarial ganha um grau de complexidade maior.
O governo municipal poderia, obviamente, optar por realizar todas elas simultaneamente - pintura, fogão, notebook, salário - e a discussão estaria encerrada. Mas, mesmo se esse prefeito, recluso em seu gabinete, optasse por priorizar somente uma das quatro opções, atingiria o limite constitucional e afastaria o risco de rejeição das contas.
A provocação de Pedro parece pertinente: pode um Estado democrático de direito privar parte de seus cidadãos de decisões políticas tão importantes?
Em sua redação, Pedro recorreu à mitologia grega, mas não precisaria ir tão longe. Seu conterrâneo Djavan parece ter sintetizado, em uma estrofe, a perplexa situação do povo diante das (in)decisões do Estado brasileiro:
Você disse que não sabe se não
Mas também não tem certeza que sim
Quer saber? Quando é assim,
deixa vir do coração[3].
Que fazer quando não se compreende o porquê do Estado dizer sim ou não? Que fazer quando o próprio Estado não sabe explicar por que diz sim ou não?
Onde não há lógica racional, tudo se resolve na emoção. No amor ou no ódio. Soltar essa louca, arder de paixão. Pode até funcionar nas relações privadas, mas não no universo público. Se tudo é decidido no calor do momento, não é possível prever de antemão as ações e reações do Estado e dos governantes. Como se programar quando as decisões tomadas não seguem um padrão? Mais fácil aprender japonês em braille, do que você decidir se dá ou não. Impossibilitado de prever os resultados, não há como o cidadão calcular as consequências de seus atos. Sem conseguir entender, sem poder calcular, como confiar? Nas relações entre o povo e o Estado, a falta de razão é sinônimo de insegurança[4].
Não à toa, essa percepção de falta de ordem e segurança no espaço público e na política é apontada como uma das causas do maior alinhamento a propostas de cunho conservador nas últimas eleições. Como resume um dos entrevistados em recente pesquisa sobre o conservadorismo e as questões sociais[5], “política é aquela coisa: você acredita, mas não confia.”
Para superar esse impasse, é preciso refletir sobre o que se entende e o que se espera das relações jurídicas estabelecidas entre o Estado e os cidadãos. É possível que essa reflexão exija uma análise complementar entre a perspectiva do direito constitucional e do direito administrativo. Comecemos pela visão constitucional.
Parece consenso na análise política contemporânea ter como ponto de partida o deslocamento entre os anseios do povo governado e a prática dos que estão à frente das instituições estatais.
No Brasil, essa tensão entre representantes e representados ganhou maior evidência após o ciclo de manifestações que se iniciou em junho de 2013. Diante de seguidas denúncias de corrupção, lidando com uma aguda crise econômica e sem identificação com ocupantes ou pleiteantes a cargos executivos e legislativos, as manifestações desde então têm tomado um viés fundamentalmente negativista. Esse vazio de representatividade é agravado pelo fato do sistema político partidário brasileiro ser um dos mais fragmentado dentre as democracias atuais[6].
A consequência mais grave desta crise repousa, contudo, sobre um alicerce fundamental do sistema democrático. Desde os embates medievais contra o direito divino dos reis[7], a legitimidade última de qualquer exercício de poder estatal na modernidade reside no consentimento e prevalência da vontade popular. E um descolamento tão agudo entre governados e governantes coloca em xeque o elemento primordial mesmo da democracia moderna: a soberania popular.
Se não há anuência na representatividade institucional, a prevalência da vontade popular não se faz eficaz e a prerrogativa de que todo poder emana do povo - consolidada no art. 14 da Constituição Brasileira - só pode manter-se de pé se o povo for encarado como ícone[8], imagem abstrata que não diz respeito a nenhum indivíduo ou grupo de pessoas em específico, a ser invocada apenas como figura de linguagem legitimadora do discurso de poder.
Nesse cenário, bloqueia-se a cidadania positiva e ativa do povo, rebaixando-o à condição de população, mero conjunto de pessoas que vive em determinado território sem participação efetiva na formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano[9]. Uma cidadania, enfim, fora do lugar[10].
Essa explicação, todavia, dá conta apenas da identificação do problema, mas não de sua superação. A resolução desse impasse exige, portanto, que a pergunta seja colocada em outros termos: quando, de fato, se origina o deslocamento entre soberania popular e Estado?
Tida como responsável por universalizar a afirmação dos valores fundamentais da pessoa humana e dos princípios do Estado Democrático - dentre eles o de que todos os homens nascem iguais e livres e de que a soberania reside na nação, tendo a sociedade o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração -, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão se viu, ainda no calor de sua promulgação, em 26 de agosto de 1789, diante de uma encruzilhada histórica sintomática. É que no dia 22 de outubro daquele mesmo ano, desembarcou em Paris e bateu à porta da Assembleia Nacional uma comitiva de homens livres do Haiti - a mais próspera colônia francesa nas Américas - reivindicando para os habitantes e escravos da ilha os Direitos do Homem[11].
O impasse estava posto. Como poderia uma Assembleia que mal havia aprovado os Direitos do Homem recusar-se a tratar da questão colonial e da escravidão? Houve acalorado embate sobre o tema. Apesar dos protestos da ala mais radical da Assembleia, encabeçada por Robespierre - “vós defendeis sem cessar os Direitos do Homem, mas acreditais neles tão pouco que santificastes a escravidão constitucionalmente” -, acabou prevalecendo a vontade da ala mais conservadora, defensora dos interesses econômicos da burguesia marítima, tendo nas palavras de Antoine Banarve sua mais perfeita síntese: “Esse regime é absurdo, mas está estabelecido e uma pessoa não pode manipulá-la grosseiramente sem desatar a maior das desordens. Esse regime é opressivo, mas dá sustento a vários milhões de franceses. Esse regime é bárbaro, mas um barbarismo ainda maior resultará se interferirmos nele sem o necessário conhecimento”[12].
Negligenciados pelos próceres da Revolução Francesa, os negros escravos do Haiti eclodiram sua própria revolução em 1791 e, após 13 anos de luta contra os exércitos da França, Espanha e Inglaterra, deram origem à primeira revolução de escravos vitoriosa da história, abolindo a escravidão e declarando a independência do país.
Mais do que um dado histórico, este fato pode ser lido como a demonstração prática e basilar da tensão latente entre a vontade política de um povo - o poder popular constituinte - e a aspiração de estabilidade que todo poder constituído busca. O paradoxo democrático é que, embora titular da soberania e sujeito criador da constituição, o povo é sempre temido. Isso porque, numa democracia, o poder constituinte nada mais é do que o povo concreto atuando de forma permanente, existindo ao lado e acima da constituição, com autoridade e força para estabelecê-la, preservá-la e revogá-la[13].
Esse conflito medular entre povo e poder constituído já havia sido identificado por Maquiavel como o pressuposto essencial para se entender a liberdade num regime democrático - não como uma forma política estável, mas como produto de forças em disputa, resultado possível de uma luta permanente. Não há de se falar em busca por segurança, mas em uma ação de criação social que se renova constantemente ao longo da história. É da confrontação perene do poder constituído com a possibilidade real de sua deposição pelo poder popular que se institui a unidade do corpo social. Em Maquiavel, a fundação contínua da liberdade passa a ser um fator de sobrevivência de qualquer sociedade que se pleiteia democrática[14]. Como ele mesmo afirma na conclusão de seus Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio: “Para manter sua liberdade, uma república necessita, todo dia, de novas providências”[15].
Ora, se o conflito entre governantes e governados existe desde os primórdios do Estado Democrático, sendo contínuo o processo de fundação e refundação das leis de uma República, não se trata mais de identificar quando a soberania popular foi supostamente traída pelos governantes, mas sim de compreender a soberania como fruto mesmo do conflito entre poder constituinte e poder constituído, entre representantes e representados, entre povo e Estado.
Sob esse ponto de vista, o poder popular constituinte nunca se transforma em poder constituído e, tampouco, deixa que este se consolide. E é justamente nessa ameaça constante que reside sua força transformadora. Um processo de transformação que não é linear, ascendente, mas engloba períodos lentos - nos quais se sucedem alterações setoriais ou quantitativas - e períodos de aceleração em que se precipitam modificações radicais, saltos qualitativos.
Desta forma, seria mais correto falar em uma dialética da soberania, entendendo-a como a síntese dos elementos colidentes (povo e Estado) que está em constante transformação por carregar em si, ao mesmo tempo, a negação de uma determinada realidade, a conservação de algo essencial que existe nessa realidade negada e a elevação dela a um nível superior[16].
Ao fim e ao cabo, a síntese dialética da soberania superaria também o falso impasse criado pela ideia de crise de representatividade. O conflito entre governantes e governados, a tensão entre povo e poder constituído não é o colapso da democracia, mas seu mise-en-scène, seu espaço próprio de atuação e gestação. A crise de representatividade deixa de ser encarada como uma anomalia do sistema e passa a ser vista como característica intrínseca ao exercício da soberania popular.
É por esse caráter provisório e de constante mutação que a soberania popular nunca alcança a estabilidade necessária para ser capturada em sua integralidade dentro do texto constitucional. A soberania popular não se resume nem se confunde com a superfície das técnicas de sufrágio ou manifestação de vontade popular solidificadas nas constituições[17]. Para além dessa aparência positivada, a essência da soberania popular se manifesta na recriação contínua do social exercida pelo povo concreto, seja por meio do direito de resistência, seja através de manifestações políticas menos formais, externas aos mecanismos legais de representação[18].
Partindo desta visão dialética, seria possível defender que o exercício da soberania popular não se dá apenas através das formas positivadas em Lei, mas se constrói, sobretudo, na prática social contínua de fundação da liberdade por meio do povo enquanto detentor real e ativo do poder constituinte.
A soberania dialética reforçaria, portanto, o condão entre democracia e autogoverno. Mais que votar, consentir ou fiscalizar, o exercício prático do poder popular é entendido como requisito de eficácia social da Constituição em um Estado Democrático.
Essa perspectiva de poder constituinte não estaria em conflito com os pressupostos do Direito Administrativo. Ramo da ciência jurídica que se ocupa das regras e princípios reguladores da relação jurídica entre o Estado e o particular, o Direito Administrativo trabalha com a ideia chave de que, nessa relação com o povo, a Administração Pública deve se nortear e limitar pelo cumprimento da função administrativa[19].
Ao criar o Estado através da Constituição, o poder constituinte, na qualidade de manifestação maior da vontade coletiva, também determina como deve ser a organização desse Estado, sua estrutura geral, os poderes políticos que o compõem e os direitos básicos dos indivíduos e da coletividade que deverão ser respeitados e promovidos[20].
Na tradição do Estado de Direito, com intuito de melhor realizar seus fins e objetivos, a atividade estatal costuma ser repartida em três funções complementares: legislativa, administrativa e jurisdicional. Enquanto a primeira se destinaria à atividade de formação do direito, as outras duas atuariam na sua realização. Na objetiva distinção de Seabra Fagundes, ao legislar, o Estado editaria o direito positivo, ao administrar, aplicaria a lei de ofício e, ao julgar, aplicaria essa lei contenciosamente, como resultado de um processo judicial[21].
Mas essa aplicação da lei de ofício não deve ser entendida como uma ação automática de executar, roboticamente, o que está escrito na letra fria da lei. Primeiro porque, quando se fala em aplicar a lei, não se deve cair no erro comum de restringir essa ação às leis ordinárias criadas pelo legislativo, esquecendo-se da Constituição. Se as leis criadas pelo poder legislativo são uma tentativa de melhor positivar os fins instituídos pelo poder popular constituinte, não haveria lógica em defender um agir estatal que executasse cegamente as leis do parlamento, mesmo que isso significasse o desrespeito ou descumprimento dos próprios preceitos constitucionais. Ao agir, a Administração realiza o Direito e não a lei isolada. O próprio Seabra Fagundes aponta nesse sentido ao esclarecer que “a administração tem como finalidade exclusiva os fenômenos de realização do direito; a legislação é formadora do direito, e a administração executora”. É por isso que Celso Antônio Bandeira de Mello falará em “sistema legal”[22] e autores contemporâneos, como Ricardo Martins, optem por se referir à aplicação do Direito globalmente considerado[23].
Essa aplicação da lei tampouco é automática já que, para concretizá-la, a Administração Pública precisará acomodá-la às distintas situações jurídicas individuais, naquilo que Seabra Fagundes chamou de “trabalho de individualização”, através do qual as situações abstratamente consideradas na lei alcançariam, na prática, as situações concretas do dia a dia compreendidas na generalidade dos enunciados legais. A criação dessas situações jurídicas individuais seria a essência da função administrativa[24]. Não é por outro motivo que Celso Antônio Bandeira de Mello identificará o exercício da função administrativa com a satisfação dos interesses da coletividade[25]. Todo poder que a Administração possa concentrar será instrumental e limitado ao dever de proteger e promover os interesses da coletividade. Daí se falar em poder-dever ou, mais adequado ao grau de importância, dever-poder de atender os interesses públicos por quem exerce a função administrativa.
É de se perguntar, então, se é possível a Administração Pública individualizar devidamente as normas legais, criando as situações jurídicas individuais, sem a participação desses próprios indivíduos nos atos de concretização de seus direitos. Ou questionar como se poderia exercer a função administrativa, entendida como dever-poder de satisfação dos interesses coletivos, sem se garantir que os cidadãos que compõem essa mesma coletividade possam interferir de modo eficaz na tomada de decisão administrativa.
Para responder a essas perguntas é preciso, antes de tudo, melhor compreender o que se entende interesse público.
Muita tinta já foi derramada na busca por essa definição. Apesar de não haver um conceito positivado em lei, não seria errado afirmar que uma das perspectivas mais aceitas na teoria brasileira atual é aquela proposta por Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem o interesse público corresponderia aos interesses individuais em sua dimensão pública[26], ao “conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem”[27]. Nessa visão, o interesse público até poderia se contrapor a um determinado interesse individual, mas não seria possível que esse mesmo interesse público se chocasse com os interesses de cada um dos membros da sociedade[28].
Não parece ser o caso de discutir a correção ou erro desta definição, mas sim de situá-la como fruto de um determinado contexto histórico e político.
Em artigo dos anos 1960[29], o filósofo alemão Gerhart Niemeyer, buscando distinguir interesse público do privado, sistematizou quatro possíveis pontos de vista oriundos da ordem grega, cristã, liberal e marxista.
Mesmo não existindo, na antiguidade grega, uma diferença expressa entre interesse público e privado, Niemeyer encontrou indícios dessa distinção nas reflexões de Platão e Aristóteles sobre os elementos que constituíam a alma humana, dividida entre a razão e a paixão[30].
A parte racional, chamada de logos ou naus, seria uma espécie de prudência comum a todos que habilitaria os homens a viver em paz e amizade. É nessa consciência racional que residiria a essência da comunidade pública para os gregos.
Ao lado desse logos, estaria a paixão, a parte apetitiva da alma voltada para a satisfação das necessidades e a autopreservação. É esse apetite voraz que incitaria a produção e o acúmulo dos bens materiais, fomentando as atividades econômicas e produtivas imprescindíveis à sobrevivência e desenvolvimento da humanidade.
Contudo, para os gregos, o exclusivismo egoístico da paixão só contribuiria para a vida comunitária se comandada pela razão; do contrário, tenderia à desorientação e perversão da sociedade. Seria preciso encontrar um ponto de equilíbrio em que se pudesse gozar os desejos da paixão sem se submeter por completo a eles. A esfera privada da economia estaria, portanto, subordinada à esfera pública do naus. Residiria aí a distinção entre interesse público e privado. Enquanto as atividades econômicas estariam movidas pelo interesse privado, o interesse público seria dirigido pela consciência da ordem racional da justiça.
Se na antiguidade grega o destino do homem estava subordinado à vida em comunidade pautada pela razão, na ordem cristã medieval o fim primeiro de toda humanidade passa a ser a salvação da alma individual. Nessa visão, o martírio de Jesus Cristo, filho de Deus, ao morrer na cruz para a redenção dos pecados da humanidade, exigiria a repressão dos desejos individuais em busca da redenção divina da própria alma, que se transforma no interesse privado primordial. E como essa salvação viria apenas de Deus, todo sistema político estaria subordinado à autoridade superior da lei natural divina. A partir das reflexões de Agostinho e Tomás de Aquino, seria possível conceituar o interesse público da ordem cristã como a garantia do mínimo de paz, ordem e justiça social necessários à redenção das almas, alcançada somente na relação individual dos homens com Deus. Estaríamos, então, diante de um interesse público limitado, que participa indiretamente na salvação humana ao garantir o mínimo de paz social[31].
Na era moderna, o pensamento liberal de John Locke inverterá por completo a lógica grega e cristã a respeito dos fins da ordem pública. Segundo ele, a política serviria, primordialmente, para garantir aos apetites aquisitivos do homem o maior grau de satisfação possível. Como explicita em seu Segundo tratado sobre o governo civil[32], “Deus, que deu o mundo aos homens em comum, deu-lhes também a razão para que se servissem dele para o maior benefício de sua vida e de suas conveniências”[33]. E uma vez que, “através de um consentimento tácito e voluntário, eles descobriram e concordaram em uma maneira pela qual um homem pode honestamente possuir mais terra do que ele próprio pode utilizar[34]”, outra conclusão não se poderia chegar a não ser a de que “o objetivo capital e principal da união dos homens em comunidades sociais e de sua submissão a governos é a preservação de sua propriedade”[35]. A comunidade política se edificaria, desse modo, não mais sobre o que é comum aos seres humanos, mas sobre as necessidades e aspirações individuais. O apetite da propriedade passaria a direcionar a vida em comunidade. O desejo se sobrepõe à razão.
Coube a Adam Smith acrescentar o pensamento liberal de Locke a ideia de que, para se chegar à concepção de uma comunidade que se baseasse unicamente na utilidade privada, seria necessário que os interesses dos indivíduos se auto regulassem de modo a harmonizar os apetites aquisitivos com seus meios escassos de satisfação. A esse ajuste autônomo das atividades econômicas Adam Smith chamou de Mão Invisível.
A satisfação do ímpeto consumista, do acúmulo exponencial de bens e propriedades, passa, então, a ser a régua de avaliação do interesse público. Bom governo e economia eficiente seriam duas faces da mesma moeda. A melhor ordem pública liberal seria aquela que interferisse o menos possível no equilíbrio criado pela Mão Invisível, restringindo-se a proporcionar meios legais e institucionais que criassem maior agilidade e segurança à satisfação dos desejos individuais.
O desenvolvimento histórico da democracia liberal de matriz Lockeana demonstrou, com o passar do tempo, a dificuldade em se consolidar um interesse público tangível derivado dos ajustes autônomos da Mão Invisível, o que poderia pôr em risco a própria satisfação dos interesses individuais. E foi em defesa destes interesses individuais que se passou a exigir uma Administração estatal que supere a posição passiva de proteção negativa para uma promoção pública dos interesses privados. O fim da ordem política deixa de ser a intervenção mínima no equilíbrio da Mão Invisível e passa a ser o de identificar e remover os obstáculos à satisfação do apetite consumidor dos indivíduos.
Em nome dessa satisfação, o governo invade cada vez mais a esfera demarcada dos interesses individuais. O interesse público, nessa perspectiva, passa a ser entendido como “a administração pública das satisfações privadas”[36]. Não é difícil ver nesse governo da satisfação do prazer traços do Estado Democrático de Direito e de Bem-Estar Social consolidado como modelo da ordem política a partir do século 20.
Esse resgate traz nova luz ao conceito de interesse público lapidado por Bandeira de Mello. Isso porque, ao igualá-lo aos interesses individuais em sua dimensão pública, o autor não deixa de se filiar à tradição liberal iniciada por Locke. Identificar o interesse público com o “conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade” é um conceito que se coaduna com uma perspectiva liberal do Estado. Isso significa que, mesmo mais próxima a uma faceta social e igualitária, essa perspectiva, como toda e qualquer posição liberal, ainda restringe o interesse público à defesa da propriedade privada como base da subsistência individual e à satisfação dos apetites egoísticos de ordem econômica.
Essa afirmação não deve ser encarada como demérito, mas sim aclaramento necessário das circunstâncias históricas em que o conceito de Celso Antônio foi cunhado. E se faz necessária para afastar o risco de naturalizar como únicos possíveis os pressupostos liberais. A democracia liberal e o regime capitalista não são onipresentes e imortais, como quer fazer crer a indústria cultural[37]. O consumismo avaro e o propriedade privada absoluta não são as únicos critérios de realização do interesse público. Não era assim na antiguidade grega, e mesmo no medievo cristão. Por que seria no futuro?
A perspectiva marxista de interesse público, como analisada por Gerhart Niemeyer, ajuda a desnaturalizar essa concepção liberal. Para ele, a ideia de interesse público em Marx se distancia tanto da ordem grega como da liberal, ao negar a supremacia da razão e o absolutismo da propriedade privada.
Em primeiro lugar, ao identificar na concretude do trabalho a ação transformadora da natureza que funda e sustenta a humanidade, Marx acaba por refutar qualquer possibilidade de transcendência da razão sobre a vida material[38].
Por outro, sendo o trabalho o elemento primordial da humanidade, qualquer possibilidade de apropriação privada desse trabalho acabaria por colocar em xeque o próprio convívio humano. O trabalho, dessa forma, precisaria ser cada vez mais comunitário, a ponto de a ordem da política ser substituída pela ordem do trabalho. Numa sociedade futura em que se garanta a plena socialização das condições e frutos do trabalho, o interesse público passaria a ser a própria administração estatal do trabalho[39].
Mesmo adotando a visão marxista de centralidade do trabalho como fator essencial de organização da ordem pública, aceitar como consequência desse pressuposto que o interesse público se resumiria à administração estatal do trabalho, como apontado por Niemeyer, é continuar mantendo nas mãos do Estado o monopólio sobre o interesse público. Mesmo que Administração Pública deixe de gerenciar a satisfação do prazer e passe a regular o mundo do trabalho, ainda assim é a razão ensimesmada do Estado que continua se impondo aos interesse privados.
Além dos riscos inerentes a qualquer concentração de poder, que poderia propiciar desvios totalitários similares ao regime stalinista na Rússia soviética, restringir a perspectiva marxista de promoção do interesse público à administração estatal do trabalho é condicionar sua satisfação à pré-existência de um governo controlado pelos trabalhadores. O interesse público, desse modo, jamais se satisfaria numa democracia liberal capitalista. Em última instância, seria preciso a revolução social, a ditadura do proletariado e a substituição do Estado pelo comunismo para alcançar esse fim. Uma alternativa por demais remota no atual contexto histórico.
Ao revés, diante de uma realidade de consolidação momentânea do modelo capitalista liberal, parece mais condizente com a própria perspectiva de centralidade do trabalho apontar para um cenário de construção contínua do interesse público pelos trabalhadores, fruto de uma resistência contra-hegemônica[40] similar à ideia de poder popular constituinte que nunca se transforma em poder constituído e, tampouco, deixa que este se consolide.
Numa democracia liberal capitalista, essa construção contínua e conflitante do interesse público se daria como fruto da luta de classes, da tensão constante entre os interesses dos setores sociais que disputam a hegemonia de poder. É do embate antagônico entre dominantes e dominadas, típica da soberania dialética que envolve a relação entre governantes e governados, que se construiria o que é o interesse público em cada momento histórico.
Essa é, inclusive, uma forma de melhor responder às críticas que vêm sendo atribuídas ao princípio da supremacia do interesse público[41].Isso porque só se pode falar em supremacia do interesse público se ele for entendido não como aquele definido exclusivamente pelo Estado (modelo autoritário), ou pelo poder econômico privado (modelo liberal), mas sim como fruto da tensão entre os distintos interesses privados que compõem a atual sociedade de classes, da síntese dialética e contingente entre os interesses antagônicos do poder econômico e do povo.
Isto dito, pode-se afirmar que, num Estado Democrático de Direito como o Brasil, o melhor interesse público possível, porque oriundo da mais viável composição de interesses numa sociedade capitalista, economicamente desigual e politicamente concentrada como a brasileira, é aquele que tem como norte o que se consolidou na Constituição Federal de 1988. Por esse motivo, concorda-se com Ricardo Martins quando afirma que “o interesse público refere-se à realização dos valores constitucionais, contemporaneamente chamados de princípios constitucionais”, por serem estes a melhor “síntese de todos os interesses juridicamente relevantes”[42]. Contudo, faz-se necessário acrescentar que, por conta da própria origem conflituosa dessa síntese, esses valores constitucionais precisam ser fundados e concretizados continuamente.
O poder popular constituinte não se esvai com o encerramento dos trabalhos da Assembleia Constituinte e posterior promulgação da Constituição. Ele não é substituído pela Administração Pública e chamado a sair de sua letargia em eleições bianuais ou em referendos e plebiscitos esporádicos. Não há como a Administração cumprir sua função de aplicar o Direito, satisfazendo o interesse público ao individualizar a lei em situações jurídicas particulares, tendo ouvidos mudos a esse próprio público.
Se o regime jurídico administrativo, como sintetiza Silvio Luís Ferreira da Rocha, é aquele que busca “imprimir certa racionalidade a um conjunto de princípios e regras existentes no ordenamento jurídico que incidem e disciplinam as relações jurídicas administrativas”[43], e o elemento característico da função administrativa é satisfação das necessidades coletivas[44], esse rigor racional só tem razão de existir se conseguir auxiliar a Administração Pública a conjugar o material fático e jurídico necessários para se encontrar a melhor resposta aos problemas sociais que lhe batem à porta[45] sempre que se vê diante do desafio de individualizar o direito em situações jurídicas concretas, ou, na melhor expressão de Seabra Fagundes, sempre que constituir atos administrativos que “realizam o direito pelo individualização das regras gerais e abstratas constitutivas do direito positivo”[46].
Deste modo, só nos parece possível adotar o conceito de Celso Antônio Bandeira de Mello de ato administrativo como declaração jurídica do Estado[47], se essa declaração for encarada a partir de uma situação comunicativa em que os cidadãos não se encontrem mais numa condição de sujeição irrestrita perante a Administração, mas sim numa perspectiva de paridade jurídica na qual todos os envolvidos estão, em igual medida, subordinados à lei e ao direito[48].
De acordo com a teoria da comunicação, para que ela exista é preciso que uma mensagem seja enviada pelo transmissor através de um código passível de ser compreendido pelo receptor em um determinado contexto. A esse contexto, que engloba as circunstâncias de espaço e tempo em que se encontram o emissor e receptor, dá-se o nome de situação comunicativa. Quando a mensagem não é decodificada corretamente, fala-se em ruído na comunicação.
Esses ruídos ocorrem porque toda situação comunicativa é reflexiva, ou seja, a mensagem enviada do emissor para o receptor importa numa reação deste para aquele. Essa reação pode gerar, inclusive, um questionamento sobre a correição em si da própria mensagem transmitida. É por isso que, numa situação comunicativa, não basta dizer, é preciso provar o que se diz.
Em sua Teoria da Norma Jurídica[49], Tercio Sampaio Ferraz Jr. vê nas normas jurídicas mensagens próprias de uma situação comunicativa. Contudo, distingue-as das demais mensagens porque a norma buscaria garantir a maior segurança jurídica possível, afastando qualquer tipo de ruído gerador de conflitos entre os partícipes da situação comunicativa. Para tanto, devem gozar de exigibilidade e presunção de veracidade, relegando ao destinatário - e não ao emissor - a obrigação de provar que a mensagem não é válida e não pode ser aplicada ao caso concreto.
Entendendo atos administrativos como normas jurídicas, e examinando-os pela perspectiva da situação comunicativa proposta por Tercio Sampaio Ferraz Jr., um dos principais desdobramentos dogmáticos seria de que o ato administrativo passaria a gozar dos atributos de autoexecutoriedade e presunção de legitimidade, gerando efeitos imediatos e ininterruptos até que sua invalidade seja arguida pelo administrado e reconhecida pelo órgão competente. Em última instância, caberia ao administrado provar a invalidade do ato, o erro da mensagem[50].
É de se questionar o quanto essa perspectiva é refém daquilo que o jurista português Pedro Machete chama de relação jurídica administrativa de “supra e infra-ordenação”[51]. Nela, a função administrativa se limita à tutela da legalidade objetiva e o cidadão é colocado numa posição de subordinação frente à Administração, dotada de uma “mais-valia jurídica” que legitimaria a supremacia de suas decisões pelo simples motivo de serem oriundas do poder estatal, independente de seu conteúdo ou do contexto fático e jurídico em que foram tomadas. Um modelo de relação jurídica, poderíamos acrescentar, pautada no dito popular de que “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
Machete contrapõe a esse modelo o que chama de Administração paritária. Nela, o “Estado-Administração deixa de ser caracterizável como um poder que confronta os cidadãos a partir da sua posição de supremacia jurídica; ao invés, e tal como eles, é um sujeito de direitos e deveres”[52]. Substitui-se a mera legalidade objetiva por “uma perspectiva de legalidade democrática em que a Administração, tal como os particulares, apenas pode exercer seus poderes jurídicos que normativamente lhe hajam sido concedidos”[53], tendo como pressuposto e fim último a defesa dos direitos dos cidadãos.
Esse modelo paritário seria mais condizente com o Estado de Direito Democrático baseado na dignidade da pessoa humana e na vontade popular proposto pela Constituição Federal de 1988. A partir dela, Administração e cidadão passam a ser vistos como sujeitos iguais de uma relação jurídica e a defesa do direito não é mais prerrogativa exclusiva do Estado, mas fruto dessa relação de tensão entre o povo e a Administração[54].
Nessa perspectiva, não há de se falar em superioridade de nenhum dos polos partícipes da situação comunicativa envolvendo Administração e administrado. A supremacia residiria na mensagem em si, no interesse público que a norteia, fruto de uma síntese dialética, do melhor consenso possível entre a ruidosa relação do Estado emissor com o cidadão receptor.
Portanto, seria possível dizer, como posto por Maria Sylvia Zanella Di Pietro[55], que a participação popular na gestão e controle da Administração Pública é pressuposto essencial a definir as relações jurídicas administrativas, desde o ponto de vista do pluralismo político próprio do Estado de Direito Democrático. Parece-nos óbvia e de difícil oposição a constatação de que o Estado, agindo unilateralmente, não teria mais condições de proteger e promover a exaustiva gama de interesses públicos consolidados na Constituição de 1988.
Ensimesmada, diante de um contexto social complexo e conflitivo, a Administração Pública se torna cada vez menos capaz de decidir por conta própria qual a melhor forma de concretizar os valores constitucionais. É preciso se abrir ao outro, ao povo, à participação popular, para melhor promover o interesse público fruto do consenso provisório e em constante construção dos interesses particular das classes sociais antagônicas.
Contudo, cabe reproduzir o alerta que a própria Di Pietro traz sobre a adoção dessa visão de Administração paritária na realidade brasileira. Se é inegável que a Constituição de 1988 trouxe avanços significativos na promoção da participação popular, ainda são grandes as dificuldades para sua efetivação, “quer porque muitos dos instrumentos de participação estão previstos em normas programáticas, quer pelo desinteresse da grande massa da população, voltada que está para a própria sobrevivência, quer pelo desinteresse do poder público em implantar esses mecanismos”. Nesse impasse, as decisões administrativas que afetam a vida pública continuam sendo adotadas sob influência quase que unilateral de seletos grupos políticos e setores econômicos. “As pequenas associações e organizações, e mais ainda os indivíduos isolados, apesar da boa vontade dos autores dos textos legais e constitucionais, não têm na democracia pluralista outro meio de participação senão o das eleições”, conclui a autora[56].
Essa constatação de Di Pietro data de artigo escrito originalmente em 1993. Passados mais de 25 anos, permanece inalterável ou haveria avanços legais e teóricos que ajudariam a melhor garantir a participação popular nas decisões e atos administrativos?
No campo teórico, os avanços são inegáveis. Como exemplo, pode-se citar novos posicionamento de autores clássicos, como Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que, em um de seus últimos escritos[57], propugnou por uma visão de Direito Administrativo como instrumento de realização da democracia substantiva do século 21, dando relevância nuclear ao princípio da responsividade. Caracterizada como o coerente comportamento esperado dos agentes públicos em concordância e obediência à soberana vontade dos governados, Diogo de Figueiredo defende que a responsividade é um princípio instrumental da democracia e um dever jurídico autônomo de todo agente do Poder Público, “uma vez que se destina a salvaguardar o núcleo significativo da legitimidade, conciliando a expressão da vontade popular, democraticamente recolhida, com a racionalidade na ação pública”[58].
Autores contemporâneos, como Floriano de Azevedo Marque Neto[59], vão defender a superação definitiva de uma visão de ato administrativo como manifestação unilateral da autoridade estatal, que não confere importância ao cidadão e não leva em consideração a interação com os interesses e atores externos. Marques Neto chega a designar esse ato administrativo de “autista”, por conta de seu “brutal déficit de comunicação com o meio ambiente cultural, social, econômico; sua absoluta indiferença para com os administrados e com a sociedade que, em última instância, são os destinatários e razão de ser da prática desses atos”[60].
Apesar de reconhecer a importância dessas contribuições teóricas, não nos parecer que a relevância da participação popular na construção dos atos administrativos seja fruto, somente, de um contexto contemporâneo. Ao contrário, entende-se que, não de hoje, ela está imbricada ao conceito de ato administrativo. Nesse sentido, a participação popular não seria apenas uma técnica contemporânea de administração consensual, mas sim, por sua relevância, elemento constitutivo do próprio ato administrativo - um de seus pressupostos de regularidade.
Já nos anos 1940, Seabra Fagundes indicava que, no desenvolvimento das relações recíprocas entre Estado e indivíduo, surgiriam situações contenciosas fruto do “choque entre o conceito da Administração Pública sobre as restrições a que o direito positivo submete as atividades particulares e a noção que tem o indivíduo da amplitude dos seus direitos”[61].
Boa parte desses conflitos se resolveria pela subsunção da atividade administrativa aos limites pré-estabelecidos no ordenamento jurídico. Contudo, a variedade e multiplicidade das situações que se apresentam à Administração Pública no trabalho de individualização do Direito aos casos concretos impedem uma prévia regulação que tudo abarca de modo taxativo e uniforme. O exercício da função administrativa seria condicionado, dessa forma, por “uma série de circunstâncias ocasionais” impossíveis de prever. Não sendo útil “descer à rigorosa minuciosidade, o que resultaria em nocivo entrave à realização das finalidades visadas pela atividade administrativa”, Seabra Fagundes postula que, por conta disso, o ordenamento jurídico “permite em muitos casos ao Poder Executivo que seja discricionário em relação à conveniência, oportunidade e modo de agir”[62].
Mas, como essa margem de atuação discricionária não se exerce fora da sujeição à lei e tendo como fim último a melhor realização do interesse público, sob o risco de se transformar em mero poder arbitrário[63], surge então a necessidade de ampliar e aprimorar o controle político-jurídico sobre as atividade administrativa, de modo a garantir sua submissão à ordem jurídica constitucional[64].
Passados quase oitenta anos, a síntese que Seabra Fagundes faz sobre a complexidade que envolve o exercício e controle da atividades administrativas do Estado permanece tão atual, que vale a transcrição extensa: “O seu feitio, puramente ativo, a incidência direta de todos os atos sobre o indivíduo, a variedade das circunstâncias, em face das quais tem de agir, dificultam, por um lado, a sua disciplinação, que não se pode adstringir a cânones rígidos, e, por outro, a fiscalização de seu desenvolvimento, tanto para proteção do indivíduo, como para segurança do bom funcionamento do mecanismo estatal”[65].
Seabra Fagundes vais identificar, então, um tríplice sistema de controle das atividades administrativas composto pelo controle administrativo, legislativo e jurisdicional. O autor focará seus estudos, entretanto, nas nuances relacionadas ao controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, opção que parece ser preponderante na teoria administrativa brasileira desde então.
Apesar de se concordar com a importância crucial da função jurisdicional como instância contramajoritária de defesa e manutenção dos valores e princípios constitucionais, acredita-se que sua relevância na esfera do controle dos atos administrativos precisa ser sopesada diante da realidade dos pequenos municípios brasileiros, imensa maioria dentre os entes públicos no país. Isso porque, no cotidiano de boa parte destes municípios, o Judiciário é uma instância distante e, muitos vezes, inacessível. Estudos do Ministério da Justiça apontam que o acesso à justiça no Brasil consegue ser mais desigual do que o encontrado em outras áreas, como distribuição de renda, educação e saúde. Para se ter uma ideia, enquanto a diferença de IDH entre estados brasileiros chega a 20%, diferenças regionais no acesso à justiça podem alcançar 1000%. Por conta disso, recorrer ao juiz para a revisão de um ato administrativo é rara exceção numa realidade de impossibilidade técnica, econômica e mesmo física de acesso ao Poder Judiciário[66].
O melhor caminho, nessas circunstâncias, parece ser, por uma frente, focar na controle realizado ainda na instância administrativa e, por outra, promover uma revisão ampliativa sobre o que se entende por controle.
Silvio Luís Ferreira da Rocha esclarece que a origem da palavra controle remonta ao seu correspondente em francês - contre-rôle - que significa “cópia de um registro guardada para ser comparada com o registro original, a fim de permitir a verificação de dados”[67]. Apesar dos variados usos que a palavra adquiriu ao longo dos anos, desde aqueles que a aproximam da ideia de direção ou gestão, até os que veem nela um sinônimo de dominação ou centralização, sob o ponto de vista jurídico, o controle passou a ser entendido por um viés mais restrito à vigilância e fiscalização, como uma “verificação de conformidade de uma ação a uma norma que a ela se impunha”[68].
O papel dado à participação popular na gestão e controle da Administração Pública como pressuposto essencial do pluralismo político característico do Estado de Direito Democrático[69], no qual Administração e cidadão passam a ser vistos como sujeitos iguais de uma relação jurídica e onde a defesa do direito deixa de ser prerrogativa exclusiva do Estado e passa a ser fruto da relação de tensão entre o povo e a Administração[70], exige uma superação da ideia de controle popular dos atos administrativos como ação de natureza posterior e adstrita à verificação de conformidade legal.
Não é só no controle ulterior que residiria a participação popular nos atos administrativos. É preciso ampliar a perspectiva do que esse entende por controle popular da administração, para nela incorporar a ideia de gestão e direção, ao lado da fiscalização e vigilância. Desta forma, o foco de atenção do controle dos atos administrativos não estaria na dicotomia entre vinculação e discricionariedade, mas na qualidade e quantidade de participação popular durante o procedimento administrativo de decisão e criação dos atos administrativos.
O trabalho de individualização das regras gerais e abstratas às situações jurídicas particulares, típico dos atos administrativo, deixa de ser entendido como um processo de cima para baixo, em que a Administração encaixa os fatos às normas pré-estabelecidas, e passa a ser visto como um processo de idas e vindas entre os fatos e as normas, em que esta vai se completando pouco a pouco com critérios adicionais suscitados pela realidade fática. Como afirma o jurista espanhol José María Rodríguez de Santiago[71], trata-se, então, de um processo de aproximação progressiva dos fatos à norma, e da norma aos fatos, que permitiria à decisão administrativa produzir um melhor ajuste das circunstâncias relevantes da realidade social às leis e normas que serão individualizadas.
Nessa visão, passa a ser requisito essencial de toda decisão administrativa a identificação dos interesses antagônicos em jogo, atribuindo a importância devida a cada um deles e estabelecendo quais seriam os prioritários em cada caso concreto. Essa perspectiva, além de proporcionar maior racionalidade e segurança ao exercício da função administrativa, fomenta a participação popular e o melhor controle desta sobre os atos da Administração[72].
E é justamente por isso que não se caberia mais restringir o debate à discussão entre vinculação ou discricionariedade no agir administrativo. No trabalho de concretização das normas, a competência vinculada e a discricionária não seriam excludentes, mas complementares[73]. Ora se penderia pela subsunção à legalidade, ora prevaleceria a ponderação sobre a conveniência e oportunidade.
O que passa a ser relevante é a abertura desse processo de decisão à participação popular, que proporcionaria uma maior quantidade e qualidade de informações para se adotar a decisão capaz de proporcionar a melhor resposta possível aos conflitos sociais[74]. Para Rodríguez Santiago, caberia à Administração construir suas decisões mediante uma progressiva acumulação de critérios adicionais que completam e concretizam o texto original da norma, de forma a melhor individualizá-la ao caso concreto objeto de cada decisão[75].
A abertura aos fatos e interesses que a participação popular promove se apresenta, então, como um instrumental metodológico capaz de afastar critérios meramente intuitivos e informações insuficientemente investigadas, proporcionando maior racionalidade ao procedimento de decisão administrativa[76].
Em construção teórica anterior, o português David Duarte[77] já defendia ideia similar de procedimento administrativo como estrutura de integração de interesses organizada em duas fases complementares, a extrospecção instrutória e a introspecção decisória[78]. Na primeira, haveria a aquisição de toda informação necessária à “captação da realidade exterior sobre a qual a decisão vai incidir”[79]. Na segunda, ocorreria a utilização valorativa dessa informação para se conformar a melhor decisão administrativa alteradora da ordem jurídica.
Nessa perspectiva, a razão primordial do procedimento administrativo passa ser sua capacidade de “esgotamento potencial de todos os factores materiais que devam ser integrados para a ponderação”[80], garantindo, assim, a “atenuação da unilateralidade autoritária da decisão conclusiva”[81].
Essa abertura do procedimento de decisão administrativa à realidade social e à participação popular, se não é garantia determinante de uma decisão administrativa justa e eficaz, tem o potencial de, ao menos, diminuir as incertezas e dúvidas relacionadas à própria incompletude do ordenamento jurídico, incapaz de tudo prever e abarcar.
É por isso que, para David Duarte, há uma relação direta entre a participação popular e o princípio da imparcialidade, vez que “esta função transferencial da participação no procedimento administrativo aproxima valorativamente os mecanismos participatórios da realização e optimização do princípio da imparcialidade, estabelecendo que a carreta composição do elenco de elementos da ponderação passa necessariamente pela utilização das faculdades participatórias”[82].
As possíveis resistências, no campo teórico e político, a uma Administração paritária aberta à participação popular só podem ser compreendidas dentro de um contexto de “ódio à democracia”, como argutamente apontado em ensaio homônimo de Jacques Ranciére[83]. Esse ódio, ao contrário do que se possa pensar, não é prerrogativa de certa elite econômica ou fruto de determinado contexto geopolítico. Ao contrário, surgiu junto com a própria democracia. Os haters de ontem e hoje não se opunham necessariamente ao fato de que os governantes possam ser eleitos por qualquer membro da sociedade, mas sim pelo simples fato de que, no regime democrático, qualquer um pode, em potencial, ser alçado a governante.
Não é preciso ser filósofo, sábio, possuir sangue real ou ser enviado dos deuses. Não é necessário ser homem, branco, heterossexual, rico, com MBA em gestão pública, diploma em direito, economia ou administração. Não se exige nem a conclusão do ensino médio. Se todo o poder emana do povo, qualquer do povo pode exercê-lo.
Rancière lembra, inclusive, que, nos primórdios da democracia, os governantes eram escolhidos por sorteio. Nada mais condizente com a radicalidade do pressuposto democrático. Afinal, a impessoalidade randômica do sorteio não restringiria o exercício do poder público a classes sociais específicas ou indivíduos com características pré-selecionadas. Pelo contrário, nela o governo pode — e deve — ser exercido por qualquer um, sem exceção.
Propugnar por uma participação popular como requisito procedimental das decisões e atos administrativos não se justifica apenas pelo pressuposto de que, num Estado de Direito Democrático, o Administração Pública pode e deve ser exercida por todos e por qualquer um, mas também pela constatação de que não existe um administrador iluminado, capaz de tudo prever e abarcar, protegendo e promovendo, por conta própria, a exaustiva gama de interesses públicos consolidados na Constituição de 1988.
Assim como não deve existir o que se poderia chamar de administrador Hulk[84] que, diante da incompletude da lei e da complexidade das situações antagônicas a que é obrigado intervir, desiste da racionalidade e, tal qual a música do Djavan, deixa vir do coração a decisão, mesmo que, para isso, precise esmagar certos direitos individuais. Tampouco seria prudente ter como modelo um administrador Hércules, para se utilizar do método proposto por Ronald Dworkin[85], que buscaria, por meio de uma capacidade quase sobre-humana, avaliar por conta todos as circunstâncias fáticas e jurídicas relacionados ao caso até encontrar a única decisão correta para a situação jurídica individualizada caso.
No campo das decisões administrativas, a melhor luz, para utilizar de outra expressão do próprio Dworkin, não viria da interpretação argumentativa unilateral feita pelo administrador sobre as regras ou princípios que compõem a ordem constitucional, mas sim da participação popular que abre a Administração Pública aos fatos e interesses conflitantes que caracterizam a sociedade de classes capitalista, capazes de melhor identificar o interesse público a ser consensuado e promovido nos atos administrativos.
Se, em sua Theoria das constituições rigidas, de 1934, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello defendia o Poder Judiciário como “oráculo da Constituição”[86], não nos parece indevido, ao fim da segunda década do século 21, identificar na participação popular o oráculo coletivo do interesse público.
Num Estado de Direito Democrático, o escrutínio do público sobre as decisões e atos da Administração Pública deve ser o mais amplo e constante possível. O agente público que promove um ato administrativo está em posição limitada, porque incapaz de abarcar todas as nuances fáticas e jurídicas que envolvem a individualização do Direito aos casos concretos. Sob esse ponto de vista, é possível identificá-lo, metaforicamente, ao diretor de um documentário. Atrás das câmeras, este diretor, primeiro, entrevistará pessoas envolvidas com o objeto de seu filme para, em seguida, na ilha de edição, selecionar as informações e relatos mais importantes do material bruto, concatenando-os em sequências lógicas, de modo a criar um discurso fílmico que passe uma mensagem capaz de, ao ser entendida pelo público, promover nele uma mudança de percepção e ação para além das telas.
De modo semelhante, no trabalho de individualização das regras gerais e abstratas às situações jurídicas particulares, típico dos atos administrativo, o administrador também partiria de uma etapa de extrospecção instrutória, onde buscaria captar o máximo de realidade exterior sobre a qual a decisão vai incidir, para, em seguida, no momento de introspecção decisória, selecionar as informações e interesses coletados através da participação popular para conformar a melhor decisão administrativa alteradora da ordem jurídica dos indivíduos a quem se destina.
A qualidade do documentário, assim como a eficácia do ato, será diretamente proporcional à riqueza do material coletado e editado. A decisão administrativa que melhor promove os interesses públicos, que melhor soluciona os conflitos sociais, é aquela fruto da participação popular, da escuta ativa, da síntese dialética oriunda da latente tensão que envolve a relação jurídica do indivíduo com a Administração Pública.
A textura aberta do direito de que fala Herbert L. A. Hart[87], ao identificar “áreas de conduta em que muitas coisas devem ser deixadas para serem desenvolvidas pelos tribunais ou pelos funcionários, os quais determinarão o equilíbrio, à luz das circunstâncias, entre interesses conflituantes que variam em peso, de caso para caso”[88], também se aplicaria às decisões e atos administrativos.
Na visão de Hart, por conta do pluralismo político que caracteriza todo regime democrático e da própria incapacidade humana para antecipar o futuro, não seria possível um sistema jurídico que tudo antevê e regula, determinando com inteira precisão quando um objeto ou fato corresponderia aos conceitos gerais e abstratos das leis. Por conta disso, haveria graus de indeterminação[89], zonas de foco e penumbra, a serem preenchidos por uma “escolha criadora” exercida pelos tribunais “ao interpretarem uma lei concreta que se revelou indeterminada”[90]. Na palavras do autor, “haverá pontos em que o direito existente não consegue ditar qualquer decisão que seja correcta e, para decidir os casos em que tal ocorra, o juiz deve exercer seus poderes de criação do direito”[91], poder esse restrito e limitado a “resolver as questões específicas suscitadas por casos concretos”[92].
Apesar das muitas críticas que se colocaram à abrangência do poder discricionário judicial que essa “função criadora” concederia aos juízes, nos parece, respeitadas as opiniões divergentes[93], que as respostas de Dworkin e das teorias interpretativistas à ideia de textura aberta hartiana ainda depositam no juiz o poder, quase absoluto, de encontrar a decisão correta para o caso concreto.
Se há uma ressalva à aplicação dos pressupostos de textura aberta e da escolha criadora dos tribunais ao contexto da administração pública brasileira é que, aqui, o poder de criação das decisões administrativas, que determinarão “o equilíbrio, à luz das circunstâncias, entre interesses conflituantes” de que fala Hart, estaria condicionado à participação popular como elemento de direção e fiscalização da promoção dos interesses públicos dentro do Estado de Direito Democrático consolidado pela Constituição Federal de 1988.
É sob esse pano de fundo que nos parece acertado o procedimento de decisão administrativa delineado por Ricardo Martins[94]. Mesmo quem não compartilhe de todos os pressupostos da teoria neoconstitucional adotada pelo autor poderá ver, na trilha por ele proposta, uma forma de melhor concretizar a participação popular na edição dos atos administrativos.
O autor parte da ideia de princípio defendida por Robert Alexy como “mandatos de otimização em que se ordena que algo seja realizado na maior medida possível, dada as possibilidade jurídicas e fáticas”[95]. Nessa perspectiva, “os princípios positivam um valor a ser concretizado, sem definir o meio de concretização, enquanto as regras estabelecem o meio de concretização de um valor”[96]. Sob esse ângulo, o ato administrativo consistiria “ou na aplicação de uma regra e, nesse caso, na aplicação do princípio por ela concretizado, ou na aplicação de um princípio, ainda não concretizado por uma regra”[97].
Desta forma, no procedimento de decisão administrativa, o agente público deve, antes de tudo, apurar se os fatos do caso concreto objeto de sua futura decisão enquadram-se ou não no suporte fático de alguma regra jurídica abstrata. Enquadrando-se, aplica-se a regra. Contudo, constatando que “os fatos ocorridos no mundo fenomênico não se encaixam no suporte fático de regra jurídica alguma, deve o agente, numa segunda etapa do procedimento de decisão, verificar quais princípios incidem”[98].
Martins irá propor, então, que “tanto a definição do princípio mais pesado a ser concretizado pela Administração, como a definição do meio de concretização exigem, muitas vezes, a participação dos destinatários da decisão, que podem revelar novos aspectos fáticos, novos argumentos de convencimento. É no processo administrativo - decorrente da relação processual - que se definem quais são os interesses relevantes para a ponderação administrativa”[99].
Entendendo o procedimento de participação popular na decisão administrativa como uma imposição do Estado Democrático de Direito, ao melhor justificar a decisão tomada pela Administração e obter o consenso social necessário ao seu cumprimento[100], Martins defenderá, então, um processo administrativo de participação em que se assegura, como direito político decorrente do princípio democrático, a possibilidade de todo cidadão conhecer, participar e influir concretamente no processo decisório da Administração[101].
Desta forma, passa-se a exigir o processo administrativo de participação mesmo quando não haja litígio ou acusação, por ser necessário à “correção do conteúdo do próprio ato administrativo, pois a partir dele são definidas as circunstâncias fáticas relevantes, a finalidade pública a ser perseguida e o meio de atuação administrativa”[102].
Não nos parece errado sintetizar, portanto, que diante da textura aberta característica das normas jurídicas, a participação popular no procedimento de decisão administrativa garante uma maior gama de informações e circunstâncias fáticas relevantes capazes de afastar as zonas de penumbra e garantir a melhor concretização dos interesses públicos durante o trabalho de individualização do direito às situações jurídicas individuais, fim último de todo ato administrativo.
Em termos práticos, adotar essa perspectiva de processo administrativo significa defender a participação popular como requisito procedimental sem o qual o ato administrativo estaria viciado, podendo ser considerado irregular ou, até mesmo, inválido. Sua permanência ou não no ordenamento jurídico estaria vinculada à análise do quanto sua falta prejudicou a promoção do interesse público no caso concreto.
Isso porque, seguindo a linha de Seabra Fagundes, adota-se como critério para classificação dos atos administrativos viciosos a afetação maior ou menor do interesse público pela declaração de sua invalidez. Como destaca o autor, “no direito administrativo, importa menos a natureza do defeito em si do que as repercussões que a invalidez do ato, atentas às circunstâncias eventuais, venha trazer ao interesse público, pelo que um mesmo vício pode, muita vez, acarretar consequências diversas”[103]. Desta feita, a partir da natureza e vulto do interesse público atingido, os atos viciosos se dividiriam em: (1) absolutamente inválidos, cujas “razões de interesse público e de moralidade administrativa levariam a fulminá-los”[104]; (2) relativamente inválidos, no quais, “em face de razões concretamente consideradas, se tem como melhor atendido o interesse público pela sua parcial validez”[105]; e (3) irregulares que, por apresentarem defeitos irrelevantes, não afetariam ponderavelmente o interesse público, dada a natureza leve da infringência das normas legais[106]”.
É de se concluir, então, que, quanto maior for a complexidade da norma a ser individualizada pelo ato administrativo, quanto mais conflituoso forem os interesses particulares envolvidos e, por conseguinte, maior tensão existir entre indivíduos e o Estado, maior será a necessidade da participação popular como pressuposto de regularidade do ato administrativo. O não cumprimento desse requisito procedimental, diante dessas circunstâncias, tornaria o ato inválido, exigindo a correção do vício pela extinção do ato ou por sua modificação saneadora. Num Estado de Democrático de Direito, que adota como diretriz a soberania popular no controle e gestão das decisões e atos administrativos, a falta de participação popular acarretará, regra geral, a invalidade do ato.
Retomando o exemplo do início do texto sobre a melhor forma de aplicação de recursos públicos na área da educação em municípios de pequeno porte, é possível afirmar que já existe no ordenamento jurídico brasileiro soluções para garantir a participação popular nessas decisões administrativas.
A começar pela própria Constituição Federal que, em seu artigo 205, estabelece a educação como um direito de todos e dever do Estado e da família, a ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Por conta disso, adota como princípio a gestão democrática do ensino público, conforme consolidado do artigo 206, inciso VI.
Tendo isso em vista, a Lei Federal 11.947, de 2009, positivando como diretriz a participação da comunidade no controle social e acompanhamento das ações estatais (art, 2º, IV), instituiu o Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE, com o objetivo de prestar assistência financeira, em caráter suplementar, às escolas públicas da educação básica das redes estaduais e municipais (art. 22, caput). Esses recursos seriam destinados “à cobertura de despesas de custeio, manutenção e de pequenos investimentos, que concorram para a garantia do funcionamento e melhoria da infraestrutura física e pedagógica dos estabelecimentos de ensino” (art. 23).
Tomando como norte a participação popular e a autonomia das escolas públicas, a Lei Federal avança ainda mais ao prever que os recursos do PDDE seriam repassados diretamente à conta bancária da unidade executora de cada escola, entidade privada sem fins lucrativos integrada por membros da comunidade escolar, incluindo professores e pais de alunos (art. 22).
A decisão administrativa entre a pintura da fachada e o conserto do fogão da escola não seria mais tomada no gabinete do prefeito ou secretário de educação, passando a ser delegada aos atores sociais diretamente afetados pelo futuro ato, incluindo diretores, professores e pais de aluno. Parece pouco discutível o ganho em legitimidade e consenso social, fim último de toda ação jurídica, que o ato administrativo oriundo da decisão tomada pela comunidade escolar possuirá, principalmente se comparada à unilateralidade daquele expedido pelo prefeito ou secretário municipal.
Já na hipótese de conflito entre a aquisição de notebooks e a concessão de reajuste salarial aos professores da rede municipal de ensino, a previsão legal para a participação popular poderia ser encontrada nas recentes alterações à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) promovidas Lei nº 13.655, de 2018.
Seja por seu novo artigo 20, que passa a exigir a consideração das “consequências práticas da decisão” como requisito de necessidade e adequação de toda decisão administrativa; seja pelo teor do artigo 26, que prevê a realização de consulta pública para se “eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público”; ou mesmo pelo artigo 29, que estabelece, na edição de atos normativos pela autoridade administrativa, a possibilidade de prévia “consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão”, a nova LINDB parece adotar a participação popular como diretriz transversal a toda decisão administrativa.
Ao analisar o regime jurídico da consulta pública[107], Vera Monteiro relembra que, há mais de 20 anos, com a Lei Paulista de Processo Administrativo[108] e a Lei Federal de Processo Administrativo[109], a consulta pública se apresenta como “instrumento de participação popular previsto na legislação brasileira para apoiar atividades públicas em geral, com potencial para contribuir para a qualidade da decisão de autoridade administrativa”[110]. Para a autora, contudo, as inovações na LINDB dão um passo adiante ao consolidar a consulta pública como “exigência geral de participação da sociedade nos processos, necessário para justificar e motivar as deliberações”[111], passando a exigi-la como dever prévio e não mera opção. Por conta disso, na visão de Monteiro, a partir da nova LINDB e de seu artigo 29 em particular, todo gestor público, em quaisquer dos poderes, está sujeito ao dever de realizar consulta prévia como condição de validade de ato administrativo normativo[112].
A diretriz de realização de consulta pública prevista na LINDB se apresenta, portanto, como alternativa mais adequada para “considerar as consequências práticas” e eliminar a “incerteza jurídica ou situação contenciosa” que envolveria a decisão entre a aquisição dos notebooks e o reajuste salarial dos professores. A robustez da motivação e justificativa dessa decisão oriunda dos aportes trazidos pela consulta pública seria bem maior do que aquela comumente tomada pela autoridade administrativa reclusa em seu gabinete, limitada a pareceres técnicos e à letra fria da lei.
Diante do enigma da esfinge das decisões administrativas, Pedro Henrique de Araujo Silva aponta o caminho a seguir na frase que encerra sua redação: “o povo, tal como Édipo, também solucionará esse grande desafio e terá condições de participar ativamente de tais deliberações”.
Ao fim e ao cabo, garantir a participação popular nas decisões e atos administrativos é uma resposta do século 21 ao desafio lançado no final dos anos 1920 pela romancista alagoano Graciliano Ramos, quando, na qualidade de prefeito de Palmeira dos Índios, sentenciou que “bem comido, bem bebido, o pobre povo soffredor quer escolas, quer luz, quer estradas, quer hygiene. É exigente e resmugante”[113].
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[1] ALAGOAS, Diversificação Produtiva como Alternativa para a área Canavieira de Alagoas. Maceió: SEPLAG, 2017; e Anuário Estatístico do Estado de Alagoas. Ano 24. v. 24. Maceió: SEPLAG, 2018.
[2]AGÊNCIA SENADO. Estudante de Alagoas é o primeiro colocado em concurso do Jovem. Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/10/07/estudante-de-alagoas-e-o-primeiro-colocado-em-concurso-do-jovem-senador. Acesso em 10 out 2019. A íntegra da redação está disponível em em https://www.tnh1.com.br/noticia/nid/leia-a-redacao-do-alagoano-que-ficou-em-1o-lugar-no-projeto-jovem-senador/. Acesso em 10 out 2019.
[4] Para uma análise mais aprofundada sobre insegurança jurídica: ÀVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.
[5] FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL. O conservadorismo e as questões sociais [recurso eletrônico]. São Paulo. 2019. Disponível em: https://conteudo.fundacaotidesetubal.org.br/downloadconservadorismo Acesso em: 2 out 2019.
[6] NICOLAU, Jairo. Representantes de quem? Os (des)caminhos do seu voto da urna à Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
[7] BOEIRA, Marcus. Suárez e os problemas políticos da modernidade in Francisco Suárez, Defesa da Fé Católica (edição compilada) / tradução de Luiz Astorga, edição de Renan Santos. - Porto Alegre, RS: Concreta, 2015
[8] MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad, 1998.
[9] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 32ª. ed. São Paulo, Saraiva: 2013.
[10] SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar: ensaios selecionados. São Paulo: Companhia das Letras, Penguin Books, 2014.
[11] JAMES, C.L.R. Os Jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos. São Paulo, Boitempo: 2000.
[13] BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição: para uma crítica do constitucionalismo. 1a. Ed. São Paulo, Quartier Latin: 2008.
[15] MACHIAVELLI, Nicollò (1469-1527). Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio. Trad. de Sérgio Bath. 3ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994.
[18] CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
[19] ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Manual de Direito Administrativo. Malheiros: São Paulo, 2013, p. 39.
[20] FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 4 ed. Forense, Rio de Janeiro: 1967, pg. 15.
[22] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34. Ed. São Paulo: Malheiros, 2019, pg. 79.
[23] MARTINS, Ricardo Marcondes. Ato Administrativo. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; MARTINS, Ricardo Marcondes. Tratado de Direito Administrativo - v.5: ato administrativo e procedimento administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, pg. 48.
[28] Na explicação complementar de Ricardo Martins, “a definição do interesse público, dos particulares enquanto partícipes de uma sociedade, leva em consideração o interesse privado desses particulares. E assim o faz pela óbvia razão de que o particular não deixa de tê-lo ao se inserir na sociedade e, por evidente, não tem interesse de seus interesses privados sejam obstados. Assim, seu interesse enquanto partícipe da sociedade (dimensão pública do interesse privado) leva necessariamente em consideração seus interesses privados (dimensão privada do interesse privado” (MARTINS, 2019, 47).
[29] NIEMEYER, Gerhart. O Interesse Público e o Interesse Privado. In: FRIEDRICH, Carl J. O interesse público. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1967.
[30] O resgate histórico feito nesta parte da exposição sobre as ordens grega, cristã, liberal e marxista terá como base as reflexões de Gerhart Niemeyer no artigo supracitado.
[32] LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Rio de Janeiro: Vozes, 1994
[37] Exemplar nesse sentido são os programas infantis A Família Dinossauros, Os Flintstones e Os Jetsons, que adotam a propriedade privada e a sociedade de consumo como padrões atemporais da vida em sociedade na terra.
[38] “É uma questão de aceitar a dignidade do trabalho, seja ele qual for. Politicamente, o âmago é aceitar a dignidade do trabalho. E o trabalho não é uma coisa servil. É algo que exprime a alma da pessoa”, sintetiza Nise da Silveira, médica psiquiatra alagoana, em depoimento integrante do documentário Imagens do Inconsciente, de 1986, dirigido por Leon Hirszman. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=EDg0zjMe4nA. Acesso em 17 nov. 2019.
[40] Os conceitos de hegemonia e contra-hegemonia utilizados neste texto são extraídos do pensamento de filósofo italiano Antonio Gramsci, segundo o qual existe uma impositiva preservação do domínio cultural e da liderança das classes dominantes sobre o status quo da sociedade. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
[41] Um panorama dessas críticas e de possíveis respostas a ela está sistematizada em: GABARDO, Emerson. O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado como fundamento do Direito Administrativo Social. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 4, n. 2, p. 95-130, maio/ago. 2017.
[45] RODRÍGUEZ DE SANTIAGO, José Maria. Metodologia del Derecho Administrativo: reglas de racionalidade para la adopción y el control de la decisión administrativa. Madrid, Marcial Pons: 2016, pg. 129.
[48] MACHETE, Pedro. Estado de Direito Democrático e Administração Paritária. Coimbra. Almedina, 2007, pg. 497.
[50] Neste sentido, Ricardo Martins vai defender que, “por força do atributo da presunção de legitimidade do ato administrativo, a invalidade do ato, se não reconhecida de ofício pela Administração, deve ser impugnada pelo administrado. Esse dever gera, em juízo, a inversão do ônus da prova: regra geral, tem o administrado, quando impugnada a questão no Judiciário, o ônus de provar a invalidade”. MARTINS, Ricardo Marcondes. Atributos do ato administrativo. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/19/edicao-1/atributos-do-ato-administrativo.
[54] “A defesa do direito não é assegurada por causa do Estado, mas, em primeiro lugar, em razão de cada indivíduo que é pensado numa relação de tensão com a Administração” (MACHETE, 2007, pg. 37).
[55] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Participação popular na administração pública. R. Dir. Adm, Rio de Janeiro, 191: 26-39, jan.mar. 1993
[57] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O direito administrativo do século XXI: um instrumento de realização da democracia substantiva. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 11, n. 45, p. 13-37, jul./set. 2011
[59] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A superação do ato administrativo autista. In Os Caminhos do Ato Administrativo, coord. Medauar, Odete e Schirato, Vitor Rhein. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2011, pp. 89/113.
[66] ONU BRASIL. PNUD: Diferenças regionais no acesso à justiça chegam a 1000% no Brasil, Disponível em: https://nacoesunidas.org/pnud-diferencas-regionais-no-acesso-a-justica-chegam-a-1000-no-brasil/. Acesso em 17 nov 2019.
[77] DUARTE, David. Procedimentalização, participação e fundamentação: para uma concretização do princípio da imparcialidade administrativa como parâmetro decisório. Coimbra, Almedina: 1996.
[84] Hulk é um personagem de quadrinhos, livremente inspirado na obra O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Sr. Hyde, de Robert Louis Stevenson. Atingido por radiação, o cientista Bruce Barner passa a conviver com um alter ego dotado de força descomunal que se apodera de seu corpo em situações limítrofes de tensão, passando a agir pautado nos mais primitivos instintos de sobrevivência. De poucas palavras, seu vocabulário se restringe ao bordão “Hulk esmaga!”.
[85] Em suas obras Levando os direitos a sério (1977) e O Império do Direito (1986), o jurista estadunidense Ronald Dworkin apresenta como método de decisão judicial a figura imaginária do juiz Hércules, dotado da resiliência e sabedoria necessárias para esmiuçar e reinterpretar o ordenamento jurídico como um todo à procura da única resposta correta a cada um dos casos em litígio, inclusive os mais difíceis.
[86] BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. A theoria das constituições rigidas. São Paulo: Revista dos Tribunaes, 1934, pg. 130.
[93] Para uma visão sistemática do embate entre as visões positivistas, interpratativistas e pós-postivistas acerca da teoria da decisão judicial, sugere-se a leitura do capítulo primeiro da obra de Georges Abboud, Processo Constitucional Brasileiro. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2019.
[95] ALEXY, Robert. Como proteger los derechos humanos? Proporcionalidad y racionalidad. In: ALONSON, Juan Pablo; CABANILLAS, Renato Rabbi-Baldi. Argumanetación, derechos humanos y justicia. Buenos Aires, Astrea, , p. 25-48, 2017, pg.27.
[96] MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria dos Princípios e Poder Judiciário: a utilização de princípios na fundamentação jurídica In GUERRA, Alexandre Dartanham de Mello. Estudos em homenagem a Clóvis Beviláqua por ocasião do centenário do Direito Civil codificado no Brasil - v. 1. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2018, pg. 29.
[107] MONTEIRO, Vera. Art. 29 da LINDB - Regime jurídico da consulta pública in Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 225-242, nov. 2018.
[108] “Artigo 28 - Quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, autorizar consulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo para a parte interessada.§ 1.º - A abertura da consulta pública será objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que os autos possam ser examinados pelos interessados, fixando-se prazo para oferecimento de alegações escritas. 2.º - O comparecimento à consulta pública não confere, por si, a condição de interessado no processo, mas constitui o direito de obter da Administração resposta fundamentada. Artigo 29 - Antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do processo” (Lei Estadual nº 10.177, de 2018).
[109] Os artigos 31 e 32 da Lei Federal nº 9.784, de 1999, reproduzem os artigos da Lei Paulista citados acima.
[113] RAMOS, Graciliano. Relatórios de Graciliano Ramos publicados no Diário Oficial. Maceió: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2013, p. 44.
Mestre em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicação e Artes da USP. Mestrando em Direito Administrativo pela PUC-SP. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, THALLES GOMES CAMELLO DA. Notas sobre a participação popular nas decisões e atos administrativos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2021, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56906/notas-sobre-a-participao-popular-nas-decises-e-atos-administrativos. Acesso em: 22 nov 2024.
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