MANOEL RODRIGO DOURADO LUZ[1]
(coautor)
ANA CLÁUDIA BARROSO[2]
(orientadora)
RESUMO: A preocupação social com as questões ambientais, intensificada em meados do século XX, impulsionou a realização de diversas conferências internacionais – idealizadas, em especial, pelas Nações Unidas – com o fim de rever o modelo desenvolvimentista que desconsiderava o fato de os recursos naturais serem limitados. Destas reuniões nasceu o conceito de desenvolvimento sustentável, que tem influenciado de maneira decisiva as legislações constitucionais e infraconstitucionais de diversos países na elaboração de normas de proteção do meio ambiente, através da criação de instrumentos que buscam compatibilizar o desenvolvimento socioeconômico com a preservação ambiental. No Brasil, a Política Nacional do Meio Ambiente e a Constituição Federal de 1988 trazem o estudo de impacto ambiental como um dos principais instrumentos de análise e controle prévios à implantação de projetos, sendo este um dos mecanismos de tutela ambiental preventiva que mais incorpora o ideal de sustentabilidade em sua execução – seja pelas suas características e requisitos, seja pela sua própria finalidade. Desta forma, tendo em vista a sua importância para a gestão pública ambiental do país, o presente trabalho se propõe a demonstrar como o referido estudo pode contribuir na efetivação desse novo modelo de desenvolvimento que é o desenvolvimento sustentável.
Palavras-chaves: Estudo de impacto ambiental. Desenvolvimento sustentável. Política Nacional do Meio Ambiente. Prevenção.
ABSTRACT: The social preoccupation with environmental issues, intensified in the middle of the 20th century, led to the holding of several international conferences - idealized, in particular, by the United Nations - in order to review the development model that ignored the fact that natural resources were limited. From these meetings the concept of sustainable development was born, which has decisively influenced the constitutional and infraconstitutional legislations of several countries in the elaboration of norms of protection of the environment, through the creation of instruments that seek to reconcile the socioeconomic development with the environmental preservation. In Brazil, the National Environmental Policy and the Federal Constitution of 1988 bring the study of environmental impact as one of the main instruments of analysis and control prior to the implementation of projects, being this one of the preventive environmental protection mechanisms that most incorporates the ideal of sustainability in its execution - either by its characteristics and requirements, or by its own purpose. Thus, in view of its importance for the public environmental management of the country, the present work aims to demonstrate how this study can contribute to the effectiveness of this new model of development that is sustainable development.
Keywords: Environmental impact study. Sustainable development. National Environment Policy. Prevention.
INTRODUÇÃO
A partir de meados do século XX, a percepção de que os recursos naturais são finitos e que o cuidado com o meio ambiente é imprescindível ao próprio crescimento e à busca por uma melhor qualidade de vida, acabou por desencadear uma série de discussões de âmbito global a respeito da necessidade de revisão do modelo de desenvolvimento adotado até então.
Neste contexto, ocorreram várias conferências internacionais, organizadas pelas Nações Unidas, com o objetivo de apontar soluções para a exploração desenfreada da natureza.
Como resultado destas reuniões, tem-se, além da inclusão das questões ambientais no cenário internacional de discussão, a formulação de um novo modelo de desenvolvimento pautado pela harmonização do progresso socioeconômico com a preservação ambiental. Trata-se do, hoje, tão conhecido desenvolvimento sustentável, que visa estimular o consumo consciente dos recursos naturais, a fim de possibilitar a satisfação das necessidades das gerações presentes, resguardando a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades.
Interessante observar que o conceito de desenvolvimento sustentável traz consigo a inovadora noção de multidisciplinariedade, isto é, a noção de que apenas através de uma análise conjunta dos fatores econômicos, sociais e ambientais, é possível se alcançar um modelo de desenvolvimento capaz de conciliar os interesses das atuais e das próximas gerações.
Tornar efetivo este ideal, entretanto, não é tarefa das mais fáceis. Para a sua concretização é imprescindível à criação, a efetivação e a defesa, pelos Estados, de mecanismos que possibilitem um maior controle sobre as ações antrópicas negativas ao meio ambiente.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 fez do meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental, consagrando o desenvolvimento sustentável como uma finalidade a ser verdadeiramente perseguida. Visando isto, previu ações e consolidou instrumentos de políticas públicas ambientais, dentre os quais se encontra a elaboração do estudo de impacto ambiental para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. Este estudo, por envolver uma análise prévia dos impactos ambientais gerados na implantação de um projeto, apresenta-se como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente que mais se identifica com os valores insculpidos na noção de desenvolvimento sustentável, apresentando uma importância notável no que diz respeito à gestão ambiental do país.
Desta forma, este tema é socialmente importante porque traz à baila a preocupação social sobre o estudo do impacto ambiental causado pelo homem, bem como sobre o trabalho constante pelo desenvolvimento sustentável para as presentes e futuras gerações.
Diante dessa situação, a presente monografia tem como principal objetivo de estudo análise sobre o impacto ambiental à luz do desenvolvimento sustentável.
Diante do contexto, os resultados serão apresentados sobre a forma qualitativa, pois darão liberdade ao pesquisador de compreender a presença e as alterações dos aspectos que abrangem o tema.
Nesse sentido, a pesquisa foi desenvolvida a partir de uma revisão de literatura, apresentando como método a interpretação de doutrinas e artigos envolvidos com o tema em estudo. E tem como problemática: se o estudo de impacto ambiental pode contribuir para a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com uma efetiva manutenção da qualidade ambiental e da produtividade dos recursos naturais?
Para tanto, será realizada, primeiramente, uma abordagem a respeito dos movimentos internacionais de proteção do meio ambiente, bem como da legislação nacional sobre o assunto. Em seguida, serão analisados os principais aspectos do desenvolvimento sustentável e como ele está presente na Política Nacional do Meio Ambiente. Por fim, será feito um apontamento das mais importantes características do estudo de impacto ambiental.
1 O DESPERTAR DA PREOCUPAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE
1.1 A contribuição das conferências das nações unidas como principais movimentos internacionais de proteção ambiental
O aumento na dimensão e na escala dos problemas ambientais, principalmente na década de 60, consequência de fatores como o elevado crescimento demográfico, o desenvolvimento e difusão da tecnologia industrial, a crescente urbanização e a ocorrência de uma série de desastres ambientais de proporções antes não vistas, fizeram com que a ideia que se tinha do meio ambiente como fonte inesgotável de recurso começasse a ser questionada, tanto pela sociedade civil, como pela comunidade científica.
Atenta a esta realidade, em 1968, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) convocou a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, realizada dois anos mais tarde, em Estocolmo, na Suécia (BARBIERI, 2017, p. 2). As reuniões preliminares já demonstravam a divergência existente entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Aqueles enfatizavam as questões ligadas à proteção do solo, da água e da atmosfera, incumbindo os países em desenvolvimento de fornecerem instrumentos adicionais de prevenção dos desequilíbrios ambientais causados por décadas de exploração baseada no modelo de desenvolvimento industrial adotado pela Europa Ocidental, Estados Unidos da América e Japão (BARBIERI, 2017, p. 4).
Os países em desenvolvimento, por sua vez, receavam que políticas preservacionistas acabassem por possibilitar a ingerência indesejada em assuntos internos e retardassem o desenvolvimento nacional.
Nesta época, foi grande a repercussão dos relatórios elaborados pelo Clube de Roma, organização informal que tinha por objetivo examinar o complexo de problemas que afligiam e ainda afligem a humanidade, como a pobreza, a degradação ambiental, a expansão urbana descontrolada, o desemprego, os transtornos econômicos e monetários, dentre outros. Para os que compunham a organização, todo este complexo de problemas possui três pontos em comum, apesar de aparentemente distanciados um do outro: ocorrem, mesmo com certa variedade de grau, em todas as sociedades; contêm elementos técnicos, sociais, econômicos e políticos; e, principalmente, atuam uns sobre os outros. (BARBIERI, 2017, p. 4).
Limites do Crescimento, relatório mais famoso do Clube de Roma, segue nitidamente a linha pessimista da corrente neomalthusiana, segundo a qual são poucas as possibilidades de o planeta sustentar o crescimento econômico nos moldes tradicionalmente estabelecidos. O seu texto destaca a enorme desigualdade existente entre os países do hemisfério norte e os do hemisfério sul - aqueles representam a minoria da população mundial, consomem a maior parte dos recursos naturais e gozam de melhor qualidade de vida, enquanto que nos países do sul, milhões de habitantes sofrem com carências básicas, como escassez de alimentos (SILVA, 2018, p. 10).
O relatório alertou para o fato de que caso não houvesse mudanças significativas nas relações ambientais, econômicas e sociais, a produção industrial e a população cresceriam rapidamente para, em seguida, decrescer devido à diminuição dos recursos e ao aumento da taxa de mortalidade pela falta de alimentos e de serviços médicos. Os autores ressaltaram, ainda, que mesmo que fossem duplicados os recursos naturais existentes, o colapso populacional não seria impedido, uma vez que o elevado crescimento industrial, decorrente da maior oferta de recursos, elevaria o nível de poluição para além da capacidade de assimilação do meio ambiente, o que, da mesma forma, aumentaria a taxa de mortalidade e reduziria a produção de alimentos. Enfatizou-se, assim, que a produção industrial e a exploração dos recursos naturais precisavam ser revistas e até mesmo estagnadas. Em síntese, a proposta lançada pelo Clube de Roma era a do crescimento zero para os países mais pobres, como forma de evitar a crise global. (BORGES, 2019, p. 31).
Como antevisto nas reuniões preliminares, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano foi marcada pelo antagonismo entre dois blocos: o dos países desenvolvidos preocupados com a poluição e preservação de recursos estratégicos (como o petróleo, por exemplo), e o dos demais países que, refutando a proposta de crescimento zero, não aceitavam abrir mão do direito de utilizarem seus recursos para alcançar o nível de desenvolvimento dos países ricos.
Entretanto, apesar de todas as divergências, é certo que a conferência obteve resultados importantes. O primeiro deles foi à aprovação da Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, também chamada de Declaração de Estocolmo. Apontada como marco de destaque na regulamentação da preservação do meio ambiente pelo Direito Internacional, ela traz 26 (vinte e seis) princípios sobre as questões ambientais internacionais, tomando-se por base os direitos humanos, a gestão de recursos naturais, a prevenção da poluição, a relação entre ambiente e desenvolvimento, e, até mesmo, a necessidade de se abolir as armas de destruição em massa. (ONU, 2012).
Além disso, foi criado um Plano de Ação para o Meio Ambiente, com 109 (cento e nove) recomendações, subdivididas em três grandes linhas de ação: (a) a relativa à avaliação do meio ambiente mundial; (b) a de gestão ambiental; e (c) a relacionada às medidas de apoio (como a informação, educação e formação de especialistas). (ONU, 2012).
Para zelar pela implementação do plano de ação e coordenar as atividades da ONU no âmbito do meio ambiente, foi instituído, logo após a conferência, o Programada das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que passou a centralizar grande parte das ações da organização em relação às questões ambientais. Com efeito, a criação do PNUMA foi determinante para que, aproveitando-se o clima propício gerado pela conferência, fossem mantidos os debates sobre o meio ambiente nos anos posteriores.
Para Lago (2017, p. 47), “assim, em meio a todas as dificuldades, não se pode deixar de reconhecer que a Conferência de Estocolmo entrou para a história como marco do Direito Ambiental Internacional, elevando o patamar de discussão dos temas ambientais a um nível antes nunca pensado”.
De fato, foi a partir de então que as questões sobre o meio ambiente passaram a integrar os debates e as agendas políticas de quase todas as nações, tendo sido (a) estimulada a criação de órgãos nacionais dedicados à questão ambiental nos países que ainda não o tinham, (b) fortalecido as organizações não governamentais, (c) bem como incentivado a participação da sociedade civil nas questões relacionadas ao meio ambiente. (LAGO, 2017, p. 48).
Tratou-se, em verdade, de uma convocação inicial para se repensar o paradigma econômico e civilizatório do planeta.
Em 1983, por sua vez, foi criada pela ONU a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (WCED – sigla do inglês World Commission on Environment and Development), a qual, sob a presidência de Gro Harlem Brundtland (ex-primeira-ministra da Noruega), publicou, em abril de 1987, o relatório Nosso Futuro Comum, também conhecido como Relatório Brundtland. (BORGES, 2019, p. 34).
Cardoso (2018, p. 23), este relatório foi o responsável por esclarecer o que se entende ainda hoje por desenvolvimento sustável, definindo-o como uma forma de desenvolvimento que assegura as necessidades das gerações presentes, sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades por meio da utilização ponderada dos recursos naturais.
O relatório ressalva que o desenvolvimento sustentável não impõe limites absolutos ao crescimento econômico, mas limitações decorrentes da necessidade de se garantir a preservação dos recursos naturais para as próximas gerações.
Além disso, em seu texto, há a defesa de que os problemas ambientais e a busca pelo desenvolvimento sustentável estão diretamente ligados com o fim da pobreza, a satisfação básica de alimentação, saúde e habitação, e a busca de novas matrizes energéticas que privilegiem as fontes renováveis e a inovação tecnológica.
Foi apresentada, ainda, pelo relatório, uma lista de ações a serem realizadas, não apenas pelos Estados, mas também pelas Organizações Internacionais. Em relação aos Estados, sugeriu-se a adoção de medidas como a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas; a redução no consumo de energia e a ampliação do uso de fontes renováveis; o uso de tecnologias ecologicamente adaptadas na industrialização de países não industrializados; e o controle da urbanização desordenada. Já no que se refere aos Organismos
Internacionais, os objetivos propostos foram a formulação de uma estratégia de desenvolvimento sustentável, a proteção dos ecossistemas supranacionais e a implantação de um programa de desenvolvimento sustentável pela ONU. (CARDOSO, 2018, p. 237).
Os estudos elaborados pela Comissão levaram à realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992.
Esta foi, portanto, a mais importante reunião internacional para discussões sobre temas ambientais, realizada depois da de Estocolmo em 1972.
A Rio-92 (ou Eco–92) foi o grande marco da internacionalização definitiva da proteção ambiental e das questões ligadas ao desenvolvimento. Foi neste momento que a comunidade política internacional admitiu a necessidade da conciliação entre o desenvolvimento socioeconômico e a utilização dos recursos da natureza. (BORGES, 2019, p. 31).
Houve, assim, o reconhecimento do conceito de desenvolvimento sustentável, tendo sido discutidas propostas para que o progresso pudesse se dar em harmonia com o meio ambiente, garantindo a qualidade de vida das gerações presentes e futuras.
A conclusão a que chegaram os países participantes foi a de que era preciso agregar os componentes econômicos, ambientais e sociais, como forma de garantir a sustentabilidade do desenvolvimento.
1.2 A evolução da legislação ambiental brasileira
Desde antes da independência do Brasil são encontrados instrumentos legais relacionados à proteção do meio ambiente, como, por exemplo, o Regimento do Pau-Brasil de 1605, voltado à proteção das florestas e, em especial, das madeiras do pau-brasil, e o Regimento de Cortes de Madeiras de 1799, que estabelecia regras rigorosas para a derrubada de árvores. (STJ, 2013).
Após a independência do país foram sendo editadas, paulatinamente, regras ambientais importantes. Logo em 1850, foi promulgada a Lei nº 601, primeira Lei de Terras do Brasil, que disciplinou a ocupação do solo e estabeleceu sanções para atividades predatórias. (ANTUNES, 2017, p. 64).
Em seguida, em 1911, foi expedido o Decreto nº 8.843, criando a primeira reserva florestal do Brasil no antigo Território do Acre.
O Código Civil de 1916, por sua vez, apesar de refletir uma visão patrimonialista, de cunho individual, trouxe algumas disposições relacionadas ao meio ambiente, principalmente na seção referente ao Direito de Vizinhança e do Uso Nocivo da Propriedade (ANTUNES, 2017, p. 64), o que se observa, por exemplo, do teor do art. 554 ao afirmar que “o proprietário, ou inquilino de um prédio tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam”, e, mais nitidamente, no que dispõe o art. 584: “são proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar para o uso ordinário, a água de poço ou fonte alheia, a elas preexistente”. (ANTUNES, 2017, p. 64).
Em 1934, como decorrência da Revolução de 30 e da Revolução Constitucionalista de 1932, passou a viger uma nova Constituição Federal, a qual possuía um caráter eminentemente intervencionista, em especial, no que diz respeito à ordem econômica e social. Nela, se atribuía à União a competência legislativa sobre “bens de domínio federal, riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, água, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca e sua exploração” (art. 5º, inciso XIX). (BRASIL, 1988).
Paulo de Bessa Antunes observa que a Constituição Federal de 1934, por ampliar as competências legislativas federais nas áreas hoje classificadas como de infraestrutura, de alguma forma, “estimulou o desenvolvimento de uma legislação infraconstitucional que se preocupou com a proteção do meio ambiente, dentro de uma abordagem de conservação de recursos econômicos”. (ANTUNES, 2018, p. 64).
De fato, no mesmo ano da publicação da nova Constituição foi criado, através do Decreto nº 24.634, o chamado Código de Águas – o qual definiu o direito de propriedade e de exploração dos recursos hídricos para abastecimento, irrigação, navegação, usos industriais e geração de energia –, bem como o Código Florestal (Decreto nº 23.793), que impunha limites ao exercício do direito de propriedade a fim de que as florestas fossem preservadas, estabelecendo, para tanto, as regras de exploração florestal e as penas aplicadas àqueles que as transgredissem.
A Constituição de 1937, por sua vez, no que se refere às questões de proteção dos recursos naturais, manteve-se no mesmo padrão da Constituição de 1934. (BRASIL, 1937).
Ainda na década de 30, surgiram outros dois documentos legais relacionados a temas ambientais: o Decreto nº 1.713/37, que criou o Parque Nacional de Itatiaia (Rio de Janeiro) e o Decreto-Lei nº 25/37, que organizou o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. . (BRASIL, 1964).
Em 1940, foi promulgado o Código das Minas (Decreto-Lei nº 1.985), que definiu os direitos sobre as jazidas e minas, estabeleceu o regime do seu aproveitamento e regulou a intervenção do Estado na indústria de mineração, bem como a fiscalização das empresas que utilizavam matéria-prima mineral. Esta lei instituiu, ainda, o dever do proprietário de explorar sua propriedade sem causar qualquer dano ao próximo, evitando a poluição do meio ambiente e conservando-o.
Em 1964, foi editada a Lei nº 4.504, o Estatuto da Terra, que definiu a função social da terra, surgindo como resposta a reivindicações de movimentos sociais que exigiam mudanças estruturais na propriedade e no uso da terra no Brasil. (BRASIL, 1964).
No ano seguinte foi lançada uma nova versão do Código Florestal, na qual foram ampliadas as políticas de proteção e conservação da flora, através, por exemplo, da criação da figura inovadora das áreas de preservação permanente. A partir de então, as florestas e demais formas de vegetação passaram a ser reconhecidas legalmente como bens de interesse comum de todos os cidadãos brasileiros.
No ano de 1967, foram publicados os Códigos de Caça (Lei n° 5.197), de Pesca (Decreto-Lei nº 221) e de Mineração (Decreto-Lei nº 227). Além disso, a recém-editada Constituição Federal atribuiu à União a competência para legislar sobre jazidas, florestas, caça, pesca e águas, além de questões sobre o direito agrário, normas gerais de segurança e proteção da saúde, metalurgia e regime dos portos e da navegação de cabotagem, fluvial e lacustre.
Em 1973, foi criada, através do Decreto nº 73.030 (decreto do executivo), no âmbito do Ministério do Interior, a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), a qual no uso de suas atribuições, em dezembro de 1975, estabeleceu o Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras (SLAP) – conjunto de leis, normas técnicas e administrativas que disciplinam a implantação e o funcionamento de qualquer equipamento ou atividade considerada poluidora ou potencialmente poluidora, no território dos estados brasileiros. (BRASIL, 1973).
Por meio do Decreto-Lei nº 1.413/75, iniciou-se o controle da poluição provocada por atividades industriais, ficando as empresas poluidoras obrigadas a prevenir e corrigir os prejuízos da contaminação do meio ambiente. Já em 1977, foi promulgada a Lei nº 6.453 que estabeleceu a responsabilidade civil em casos de danos provenientes de atividades nucleares.
Em 1981, entrou em vigor a Lei nº 6.938, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) e criou o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Esta lei inovou ao apresentar o meio ambiente como objeto específico de proteção. A partir de então, a avaliação de impacto ambiental ganha importância como instrumento da PNMA.
Neste contexto, foi criado, ainda, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que em 1986 publicou sua primeira resolução (Resolução nº 001), a qual definiu os critérios básicos para elaboração do estudo de impacto ambiental no licenciamento de projetos ou atividades modificadoras do meio ambiente.
2 A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
2.1 Desenvolvimento sustentável: aspectos gerais
A palavra desenvolvimento, cujo conceito já passou por várias transformações ao longo do tempo, é amplamente utilizada em diversos meios e em diferentes contextos, tendo a ela sido incorporados vários adjetivos a fim de melhor qualificá-la (social, humano, econômico, sustentável, etc.). (KRONEMBERG, 2018, p. 17).
O termo desenvolvimento sustentável tem sido largamente abordado nas últimas décadas. Sua conceituação é fruto de uma construção teórica resultante de um longo processo histórico de evolução de paradigmas de relacionamento entre sociedade e natureza, através do qual tem se buscado, em termos conceituais, um vínculo maior entre os aspectos sociais, econômicos e ecológicos do desenvolvimento. (KRONEMBERG, 2018, p. 17).
A noção de desenvolvimento passou a ser associada à de sustentabilidade a partir de meados da década de 1980.
Como visto, a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, através do relatório Nosso Futuro Comum, publicado em 1987, trouxe a primeira definição de desenvolvimento sustentável: “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades” (BRUNDTLAND, 1991, p. 10). A partir de então, a expressão passou a ser amplamente difundida nos diversos segmentos da sociedade, dando origem a reflexões sobre o seu real significado e formas de implementação.
Várias outras definições foram sendo elaboradas, mas sempre conservando a necessidade de gestão dos recursos naturais, tendo em vista o seu uso a curto, médio e longo prazo, entre as várias gerações.
Segundo Gilson Montibeller Filho:
O desenvolvimento sustentável (DS) é um conceito amplo e por esta característica, permite apropriações diferenciadas e ideologizadas por segmentos sociais de interesse. Sua proposição básica de eficiência econômica com eficácia social e ambiental, que significa melhoria da qualidade de vida das populações atuais sem comprometer as possibilidades das próximas gerações, constitui padrão normativo almejado pela maioria das sociedades humanas, hoje. (MONTIBELLER FILHO, 2016, p. 44).
Assim, mesmo que não haja consenso, o conceito de desenvolvimento sustentável, por envolver aspectos econômicos, sociais, políticos e, claro, ambientais, tem o mérito de incorporar a percepção multidimensional de desenvolvimento, favorecendo a eliminação das barreiras entre diferentes disciplinas e diferentes tradições de pensamento, e buscando a interdisciplinaridade para a construção de enfoques mais integrados e democráticos a respeito das questões ambientais. (CHAVES, 2016, p. 4).
2.2 O desenvolvimento sustentável na Constituição Federal
A atual Constituição brasileira é um marco na história do país por cuidar de forma específica da proteção ao meio ambiente. Édis Milaré atenta para o fato de que a Constituição Federal de 1988 é a primeira em que a expressão meio ambiente é mencionada, o que revela, em seu entender, “total inadvertência ou, até, despreocupação com o próprio espaço em que vivemos”. (MILARÉ, 2017, p. 151).
Nela, a matéria, além de possuir um capítulo próprio, é tratada em diversos dispositivos pertencentes a capítulos distintos dado ao seu caráter multidisciplinar.
Conforme aponta o autor acima citado:
[…] o Texto Supremo captou com indiscutível oportunidade o que está na alma nacional – a consciência de que é preciso aprender a conviver em harmonia com a natureza, traduzindo em vários dispositivos aquilo que pode ser considerado um dos sistemas mais abrangentes e atuais do mundo sobre a tutela do meio ambiente. A dimensão conferida ao tema não se resume, a bem ver, aos dispositivos concentrados no Capítulo VI do Título VIII, dirigido à Ordem Social – alcança da mesma forma inúmeros outros regulamentos insertos ao longo do texto nos mais diversos títulos e capítulos, decorrentes do conteúdo multidisciplinar da matéria. (MILARÉ, 2016, p. 152).
No que diz respeito ao desenvolvimento sustentável, o texto constitucional baseou-se, claramente, no conceito esboçado pelo relatório Nosso Futuro Comum, incorporando um dos seus aspectos mais conhecidos que é a “equidade inter-geracional para assegurar a sustentabilidade dos recursos naturais” (KRONEMBERG, 2018, p. 21), isto é, a necessidade de utilização consciente dos recursos naturais para a sua utilização pelas futuras gerações. É o que se observa do teor do caput do art. 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a caput do art. 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).
Interessante notar, ainda, que a Constituição apresenta uma nítida preocupação com a implementação do desenvolvimento sustentável, indicando em seu texto direitos, deveres e instrumentos relacionados à sua efetivação. É o caso, por exemplo, da exigência da realização do estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, contida no art. 225, § 1º, inciso IV.
Com isso, o legislador objetivou “evitar que a norma maior (mas também a infraconstitucional) assuma feição retórica – bonita distância e irrelevante na prática” (BENJAMIN, 2017, p. 67).
Um Acórdão de 2017, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, relativo à Apelação Cível nº 1.0223.03.122909-7/001, à unanimidade de votos, é ilustrativo com relação ao entendimento jurisprudencial predominante nos casos de intervenção em área de preservação permanente, no sentido de admitir-se a aplicabilidade irrestrita do Código Florestal também nas zonas urbanas, independente da existência de plano diretor ou legislação municipal de uso do solo. Trata-se de processo cuja ementa encontra-se vazada nos seguintes termos:
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EDIFICAÇÃO EM MATA CILIAR - ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - IMPOSSIBILIDADE. - A legislação ambiental veda a edificação em área situada às margens de rio, como forma de conferir proteção à mata ciliar. - Se o réu, embora notificado no início da construção a respeito da ilegalidade daquela obra, deu prosseguimento a ela, deve ser condenado a adotar as providências necessárias à recomposição do local. (MINAS GERAIS, Apelação Cível nº 1.0223.03.122909-7/001, 2017).
Em seu o voto o relator destaca que se trata de apelação civil que julgou procedente o pedido inicial para condenar o réu, dentre outras, a obrigação de demolir o “prédio existente no imóvel localizado na Av. JK, 816, bairro Santa Clara, na parte em que a edificação avança sobre os limites da área de preservação permanente, observando a extensão legal de 50m, no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado da decisão.” (STIVAL, SOUSA FILHO, 2019, p. 12).
Afirma o relator que o apelante carece de razão, inclusive porque “o fato de ter havido autorização do Município para a realização da obra pode, no máximo, ensejar a responsabilização desse ente político frente ao apelante, mas não o torna parte legítima para figurar na presente ação civil pública”.
2.3 O desenvolvimento sustentável e os princípios da prevenção e da precaução
Como já mencionado, o desenvolvimento sustentável pode ser entendido como um modelo de desenvolvimento econômico, político, social, cultural e ambiental, que contempla as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades. Trata-se, assim, da busca pelo equilíbrio entre o crescimento econômico, desenvolvimento humano e preservação ambiental.
Diante da necessidade de os Estados se desenvolverem de forma sustentável, têm sido criados e viabilizados instrumentos tanto de reparação de danos ambientais, como de preservação do meio ambiente. Estes últimos, entretanto, vêm ganhando cada vez mais espaço e importância, tendo em vista a constatação de que muitos dos impactos ambientais gerados são de difícil ou impossível reparação.
Neste contexto, os princípios da prevenção e da precaução exercem papel fundamental, uma vez que se antecipam a consumação do dano garantindo a utilização consciente dos recursos naturais.
Apesar de os dois princípios estarem intimamente relacionados, em especial por lidarem com o elemento risco, é possível observar distinções importantes entre eles.
Com efeito, o princípio da prevenção está relacionado com a adoção de medidas necessárias para tratar de eventos previsíveis, atuando no sentido de inibir o risco de dano potencial. Assim, visa evitar que uma atividade sabidamente perigosa venha a produzir efeitos indesejáveis.
Conforme ensinam Joana Setzer e Nelson da Cruz Gouveia, “na prática, o princípio da prevenção tem por objetivo impedir a ocorrência de danos ao meio ambiente, por meio da imposição de medidas ditas preventivas, antes da implantação de estabelecimentos e atividades considerados efetiva ou potencialmente poluidores”. (GOUVEIA; SETZER, 2017, p. 437).
Já o princípio da precaução, atua para inibir o risco de perigo potencial, isto é, atua quando há incerteza científica a respeito dos possíveis impactos ambientais que podem ser gerados por determinado comportamento ou atividade. Cuida, portanto, do perigo abstratamente considerado. (HAMMERSCHMIDT, 2017, p. 374).
Em síntese, se os riscos são conhecidos, trata-se de preveni-los e se os riscos não são conhecidos – há incerteza científica – trata-se de não corrê-los. (WEBER, 2019, p. 8).
Há certa celeuma quanto ao princípio da precaução, no que diz respeito às consequências negativas que sua aplicação traria à economia e ao desenvolvimento científico, principalmente quando se leva em consideração que toda tarefa humana implica em assunção de riscos.
O desequilíbrio ambiental torna-se mais grave.
Se antes nós dependíamos da natureza para dar base à lei, agora estamos assistindo a uma trágica inversão em que o homem usa a lei para salvar a natureza agonizante.
(Miguel Reale: Memórias – 1987)
A Lei n. 6.938/1981, art. 9º, III, já previa, desde a sua primeira edição, a avaliação de impactos ambientais como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. Com a Constituição de 1988, um avanço muito importante foi dado, pois, ficou assegurado em nível constitucional, o estudo prévio de impacto ambiental, no caso de instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (CRFB, art. 225, § 1º, IV). Qualquer obra ou atividade, pública ou privada, que possa apresentar algum risco ao meio ambiente fica sujeita à elaboração do EIA, já que a Constituição não limitou os casos em que se deve realizar este estudo.
A implantação de qualquer atividade ou obra efetiva ou potencialmente degradadora deve submeter-se a uma análise e controle prévios. Tal análise se faz necessária para se anteverem os riscos e eventuais impactos ambientais a serem prevenidos, corrigidos, mitigados e/ ou compensados quando da sua instalação, da sua operação e, em casos específicos, do encerramento das atividades. (MILARÉ, 2017, p. 354).
Impacto ambiental pode ser entendido como qualquer degradação ou alteração do meio ambiente. A definição legal pode ser encontrada no art. 1º da Resolução 01/1986 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) que assim estabelece que:
[...] considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas ou biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas, que, direta ou indiretamente, afetam: I – a saúde, a segurança e o bem estar da população; II – atividades sociais e econômicas; III – biota; IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V – a qualidade dos recursos ambientais. (BRASIL-CONAMA, 2012, p. 922).
Resumidamente, considera-se impacto ambiental o conjunto das repercussões e das consequências que uma nova atividade ou uma nova obra, quer pública ou privada, possa ocasionar ao meio ambiente físico com todos os seus componentes (segurança do território) e às condições de vida da população interessada (qualidade de vida).
Nesse sentido, os críticos do princípio defendem que, por objetivar um nível zero de risco, sua efetivação levaria a uma paralisia no funcionamento da sociedade, implicando em restrições à liberdade de pesquisar e empreender.
Como resposta a tais ponderações, há quem defenda que a aplicação do princípio da precaução deve ser moderada, buscando-se, ao invés de um nível zero de risco, um nível de risco que permita a continuidade do crescimento econômico, mantendo-se, por outro lado, o respeito ao meio-ambiente.
Yasmine Santos Mansur, por sua vez, entende que o princípio da precaução não deve ser visto como impeditivo do crescimento econômico, mas sim como ferramenta capaz de equalizar a preservação da natureza e os demais interesses da sociedade. Para ela,
O princípio da precaução tem o objetivo de equalizar interesses e, como instrumento de gestão dos riscos envolvidos nas atividades humanas, proporciona aos legisladores e políticos de regulação internacional uma nova alternativa para conciliar o desenvolvimento econômico e tecnológico com a preservação do meio ambiente. (MANSUR, 2016, p. 153).
De fato, não se trata se limitar o desenvolvimento da economia ou o progresso científico, mas de proteger a própria existência humana, através da preservação do meio ambiente.
Por fim, tem-se que os princípios da prevenção e da precaução têm sido a base da Política Nacional do Meio Ambiente e dos seus instrumentos, como o estudo de impacto ambiental. Através deste, por exemplo, são dimensionados os danos e analisadas as incertezas que envolvem a implantação de projetos, o que evidencia a influência determinante exercida pelos princípios mencionados.
Assim, mesmo com todas as controvérsias envolvidas, é inegável que os dois princípios, da prevenção e da precaução, objetivam proporcionar meios para impedir a degradação ambiental, motivo pelo qual devem ser observados na busca pelo equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente – logo, na busca pelo desenvolvimento sustentável.
3 POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE: O ESTADO COMO GARANTIDOR DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
3.1 Objetivos e princípios da política nacional do meio ambiente
A Lei nº 6.938/81 inaugurou no país a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), sendo considerada, por isso, um marco na integração e harmonização das políticas públicas ambientais brasileiras.
Nas palavras de Édis Milaré, “a Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938, de 31.08.1981, foi, sem questionamento, um passo pioneiro na vida pública nacional no que concerne à dinâmica da realidade ambiental”. O autor ressalta, ainda, que:
A partir de sua vigência, enriquecido que foi por posteriores regulamentações, são incontáveis os benefícios ambientais auferidos; incalculável tem sido sua influência na definição de políticas públicas e na estruturação dos Sistemas de Gestão Ambiental. Hoje, com mais de um quarto de século de sua vigência, podemos dizer que a Política Nacional do Meio Ambiente significou – senão uma revolução pacífica – ao menos uma auspiciosa evolução no relacionamento da sociedade brasileira com o meio ambiente. (MILARÉ, 2016, p. 325).
Trata a Política Nacional do Meio Ambiente, da constituição de um conjunto de objetivos, princípios, instrumentos e penalidades, instituídos a fim de incluir as questões ambientais dentre as prioridades das políticas públicas do país.
Por fim, tem-se que a Lei nº 6.938/81 instituiu um esquema por meio do qual os diferentes níveis de governo devem trabalhar de forma integrada na proteção e melhoria da qualidade ambiental.
3.2 A importância do estudo de impacto ambiental como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente
3.2.1 Conceito e objetivos do estudo de impacto ambiental
O estudo de impacto ambiental, como espécie de avaliação de impacto ambiental, foi inspirado na Nacional Environmental Policy Act (NEPA) – regulamentação norte-americana de 1969, que instituiu a avaliação de impacto ambiental na forma de uma declaração de impacto ambiental (Environmental Impact Statement/EIS) (GARCIA, 2018, p. 21) –, e introduzido no país como um dos mais importantes e complexos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, pela Lei nº 6.938/81. Nas palavras de Paulo de Bessa Antunes:
Dentre todos os instrumentos previstos na política nacional do meio ambiente, um dos mais complexos é o estudo de impacto ambiental. A complexidade é primeiramente (i) técnica, em função do conjunto de disciplinas que devem ser utilizadas na realização de um estudo de impacto ambiental adequado, (ii) jurídica, pois o papel legal desempenhado pelo EIA não é trivial. Existe, também, uma grande complexidade (iii) política, que é ocasionada pela participação popular nos processos de licenciamento e, ainda, há uma complexidade (iv) institucional, em função do papel desempenhado pelo EIA como instrumento para a tomada de decisão. (ANTUNES, 2017, p. 369).
A Constituição Federal acabou por consolidar a importância do estudo de impacto ambiental no sistema de gestão ambiental brasileiro, impondo a obrigatoriedade da sua realização para a implantação de obras ou atividades potencial ou efetivamente causadoras de significativa degradação ambiental. (BRASIL, 1988).
Sempre que possível, deve-se desprender esforços em prol da manutenção e recuperação do meio ambiente, ainda que seja necessário disponibilizar grandes quantias de dinheiro e dedicação por um longo decurso de tempo. Em decisão do ministro Herman Benjamin:
No decorrer do processo, as rés defenderam-se com o argumento de que “a restituição do ambiente destruído ao status quo ante, a recomposição da natureza virgem, mediante a escavação e remoção de milhares de toneladas de lixo pútrido e contaminado, é medida inconcebível” (fl. 603). E que “tanto é juridicamente inconcebível, quanto economicamente absurdo impor à legítima proprietária da gleba que destrua suas benfeitorias, para exumar o solo do mangue extinto soterrado sob espessa camada de lixo” (fl. 615).
Ora, inconcebível é, após a Constituição Federal de 1988, que valorizou a preservação dos "processos ecológicos essenciais" (art. 225, § 1°, inciso I), e em desrespeito frontal ao Código Florestal de 1965, pretender-se dar ao manguezal outra destinação que não seja aquela condizente com a intocabilidade que a lei lhe atribui, como Área de Preservação Permanente. E, na ausência de clara utilidade pública ou interesse social, desnaturá-lo para ilícita e unilateralmente dele se apropriar e afetá-lo a finalidades individuais, retirando-o da disponibilidade coletiva e das gerações futuras. Fosse um bem móvel, a hipótese, no Direito Penal, configuraria furto. Sendo imóvel, do que se trata? (...)
Se os manguezais são bens públicos de uso comum do povo, é óbvio que, por isso mesmo, apresentam-se como imprescritíveis e inalienáveis. Se é assim, impossível a sua desafetação ou desclassificação jurídica tácita em razão do fato consumado: aterrados ou não, permanece a utilidade pública que justifica a sua proteção. E para os infratores, abre-se a via da responsabilidade civil (também penal e administrativa), contra eles surgindo o dever de recuperar o ecossistema degradado e indenizar os danos eventualmente causados.
(STJ, REsp n. 650.728, Rel. Min. Herman Bejamin, Brasília, D.J. 23.10.2017, p. 10-11)
Como bem pontua a desembargadora federal MARGA TESSLER, o uso da Teoria do Fato Consumado, em especial, por juízes singulares, demonstra, em diversos momentos, a própria inoperância daqueles, enquanto que os Tribunais Superiores continuam a consagrar o prestígio da mesma. (TESSLER, 2017, p. 95-101). Utilizar a Teoria do Fato Consumado é um meio cômodo de resolver litígios que perduram no Judiciário, sem atentar para suas consequências maléficas.
3.2.2 Formalidades do estudo de impacto ambiental
O Decreto nº 88.351/83 – posteriormente revogado pelo Decreto nº 99.274/90 –, ao regulamentar a Lei nº 6.938/81, que instituiu, como visto, a Política Nacional do Meio Ambiente, conferiu ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) a competência para fixar os critérios básicos segundo os quais devem ser exigidos os estudos de impacto ambiental para fins de licenciamento. No uso de suas atribuições, o CONAMA então editou a Resolução nº 01/86, que disciplinou de maneira minuciosa a aplicação do aludido instrumento.
Logo em seu art. 2º, a suprarreferida resolução estabeleceu que o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente dependeria da elaboração deste estudo e do seu respectivo relatório, trazendo em seus incisos um elenco exemplificativo de tais atividades.
É importante observar, entretanto, que quase, senão todas, as atividades humanas causam algum tipo de modificação no meio ambiente.
Por fim, é necessária a apresentação de um programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados.
3.3 Do impacto ambiental e o instrumento de efetivação do desenvolvimento sustentável
A constatação de que os recursos naturais disponíveis não são infinitos, impulsionou, como abordado, uma revisão no modelo de crescimento adotado mundialmente, para que nele fosse incluída a preocupação ambiental. A partir de então, surgiu à noção de desenvolvimento sustentável fundamentado no tripé: desenvolvimento social, crescimento econômico e preservação do meio ambiente.
Não se trata de modismo ou de assunto sem relevância, mas da real percepção de que o homem vive em uma eterna troca com o meio ambiente, e que esta relação, por ser recíproca precisa ser preservada como forma de manutenção da própria dignidade humana.
A qualidade do meio ambiente é fator que interfere diretamente na qualidade de vida das pessoas que nele estão inseridos, envolvendo a saúde, o bem estar e a justiça social.
Desenvolver com sustentabilidade é, por isso, um desafio a ser verdadeiramente perseguido e que só pode ser alcançado com a criação, a efetivação e a defesa de instrumentos capazes de integrar as questões ambientais às prioridades da gestão pública. A própria Constituição Federal brasileira prevê a existência do meio ambiente equilibrado e sadio como um direito fundamental.
A Política Nacional do Meio Ambiente, por sua vez, prega de maneira incisiva a necessidade de que o desenvolvimento se dê forma harmônica com a preservação dos recursos naturais, de modo a possibilitar que as gerações futuras deles possam usufruir. Mais do isso, ela prevê instrumentos que, se efetivamente implementados e executados da maneira correta, podem contribuir para o desenvolvimento sustentável.
O estudo de impacto ambiental se apresenta, sem dúvida, como um dos mais relevantes destes instrumentos, por abranger uma análise prévia e complexa dos diversos fatores envolvidos na implantação de um projeto, servindo de parâmetro para a decisão do Poder Público a respeito da sua viabilidade ou não. (GARCIA, 2018, p. 12).
A imprescindibilidade da realização do estudo de impacto ambiental nos casos de implantação de projetos que possam causar significativa degradação ambiental é tão imperiosa que o Supremo Tribunal Federal já julgou inconstitucional normas de Constituições
Estaduais que afastavam a necessidade da sua elaboração. Foi o caso da decisão que declarou inconstitucional dispositivo da Constituição de Santa Cataria que, em afronta ao disposto no art. 225, §1 º, IV da CF, dispensava a efetivação do estudo prévio de impacto ambiental nos casos de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais:
Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 182, § 3º, da Constituição do Estado de Santa Catarina. Estudo de impacto ambiental. Contrariedade ao art. 225, § 1º, IV, da Carta da República. A norma impugnada, ao dispensar a elaboração de estudo prévio de impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais, cria exceção incompatível com o disposto no mencionado inciso IV do § 1º do art. 225 da CF. (ADI 1.086, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 7-6-2001, Plenário, DJ de 10-8-2001).
Sobre a importância da realização do estudo de impacto ambiental, Édis Milaré afirma que:
Como modalidade de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é hoje considerado um dos mais notáveis instrumentos de compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente, já que deve ser elaborado antes da instalação de obra ou de atividade potencialmente causadora de significativa degradação, nos termos do art. 225, §1º, IV da CF/1988. (BRASIL, 1988).
No mesmo sentido, José Afonso da Silva defende que o estudo prévio de impacto ambiental deve ter como verdadeiro objetivo compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. (SILVA, 2013, p. 197). Por meio dele é possível evitar que empreendimentos atraentes do ponto de vista econômico sejam realizados em detrimento da saúde, da natureza e do bem estar da população.
Anote-se que o estudo de impacto ambiental é realizado a fim de identificar as prováveis alterações nas diversas características biofísicas e socioeconômicas do meio ambiente causadas na implantação de uma obra ou atividade. É engano, então, pensar que este estudo deve tratar apenas dos impactos gerados sobre a natureza, isto é, sobre o ambiente natural. A sua peculiaridade e o que lhe confere um caráter especial, é, justamente, o fato de incorporar perfeitamente a ideia de desenvolvimento sustentável, através da análise conjunta e multidisciplinar dos diversos fatores que são influenciados e que influenciam na execução de um projeto.
Além das repercussões no meio físico e biológico, o estudo de impacto ambiental, apresenta uma análise cultural, demonstrando como o empreendimento irá afetar as comunidades locais e a qualidade de vida das pessoas envolvidas, prezando pela manutenção da dignidade humana.
Por este motivo, não se deve entender o estudo de impacto ambiental como impeditivo do desenvolvimento das atividades econômicas. Pelo contrário, ele é um mecanismo que traz as questões ambientais para o conjunto de condições que devem ser levadas em consideração na implantação de um projeto ou no exercício de uma atividade, daí a sua importância.
Saliente-se que o caráter preventivo do estudo de impacto ambiental é mais um dos aspectos que faz dele um importante instrumento de efetivação do desenvolvimento sustentável. Através da prevenção e da precaução é possível planejar, evitar danos, e garantir que o crescimento seja acompanhado de uma verdadeira gestão dos recursos naturais.
Com efeito, na atual fase de desenvolvimento vivenciada pelo país, é importante não esquecer o que a história tem demonstrado ao longo do tempo: grande parte dos impactos ambientais é gerada como consequência do rápido crescimento econômico, sem o controle e manutenção dos recursos naturais. Assim, o amadurecimento do estudo de impacto ambiental, como instrumento de gestão e de planejamento, pode transformá-lo, de fato, em uma alavanca importante de efetivação deste novo modelo de desenvolvimento que é o sustentável.
Diante de tudo o que foi apresentado e estudado, é possível concluir, primeiramente, que as Conferências das Nações Unidas sobre temas ambientais foram as grandes responsáveis por divulgar, tornando pública e mundialmente reconhecida, a crise ambiental instaurada devido ao uso predatório dos recursos naturais, que muitos julgavam ser inesgotáveis.
Como maiores contribuições destes movimentos internacionais em prol do meio ambiente, tem-se (a) a construção de um novo modelo de desenvolvimento que tem sido almejado por diversos países, capaz de conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a preservação ambiental, e (b) a criação de normas internas de proteção ambiental e instrumentos de efetivação do desenvolvimento sustentável. Dessa forma, pode-se afirmar que o estudo de impacto ambiental pode sim contribuir para a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com uma efetiva manutenção da qualidade ambiental e da produtividade dos recursos naturais, tanto a níveis nacionais quanto a nível mundial.
Nas palavras de Nicolau Dino de Castro e Costa Neto “neste ponto reside à importância das inúmeras conferências internacionais, atuando como mola propulsora da ‘juridicização de aspirações e exigências sociais’ e da instituição de mecanismos de controle e promoção da higidez do meio ambiente em diversos Estados” (CASTRO, 2013, p. 14).
No contexto nacional, por sua vez, tem-se que a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) foi o grande marco na regulação e implementação de políticas públicas ambientais, instituindo, além de princípios e objetivos, os instrumentos necessários para atendê-los.
A Constituição Federal de 1988, de outro lado, teve um papel primordial na ratificação da importância do cuidado com o meio ambiente, ao dar a este um tratamento específico e abrangente, e ao incluir, também, a previsão de mecanismos aptos a buscar a concretização do novo ideal de desenvolvimento.
Dentre todos os instrumentos constantes tanto na Política Nacional do Meio Ambiente, como na própria Constituição Federal, o estudo de impacto ambiental se apresenta de forma especial por constituir uma análise prévia, complexa, envolvendo todos os elementos do conjunto que é o meio ambiente, a fim de evitar os impactos negativos advindos da implantação de obras ou atividades.
Ao longo das exposições feitas a respeito das características, e, principalmente, dos requisitos do estudo de impacto ambiental, bem como das diretrizes constantes na Política Nacional do Meio Ambiente e da concepção de desenvolvimento sustentável, foi possível observar que, se por um lado é necessário dar cumprimento ao modelo de desenvolvimento compatível com a preservação ambiental, com a justiça social e com a qualidade de vida, por outro, o estudo de impacto ambiental aparece como um dos principais instrumentos que, ao levar todos esses fatores em consideração no momento de apontar a viabilidade ou não de um projeto, contribui para a sua efetivação.
Não é à toa a afirmação de Antônio Herman Benjamin de que hoje, “é impossível falar-se em proteção ambiental sem que se mencione o estudo de impacto ambiental” (BENJAMIN, 2011), dada a sua importância e seu caráter multidisciplinar e inovador.
Trata-se, de fato, de instrumento fundamental para que o desenvolvimento sustentável se concretize, haja vista a imprescindível vinculação entre preservação do meio ambiente e o crescimento econômico e social de uma população. Por certo, a sua idônea e constante utilização poderá contribuir para uma melhor estruturação da gestão pública ambiental do país.
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Graduanda em Direito pela Universidade pela Faculdade São Lucas – Porto Velho.
Por: gabriel de moraes sousa
Por: Thaina Santos de Jesus
Por: Magalice Cruz de Oliveira
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