RESUMO: O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está presente na Constituição do Brasil, configurando como um direito que merece maior atenção do Estado e da sociedade, sob o ponto de vista da sua efetividade. O consumismo revela-se como um dos problemas que precisa ser enfrentado para garantir a efetivação do direito ao equilíbrio ecológico, uma vez que a demanda por recursos naturais é crescente. O equilíbrio ecológico necessita ser garantido com vistas a possibilitar a sobrevivência das espécies no planeta.
Palavras chaves: Consumismo. Mercado. Sobrevivência.
ABSTRACT: The fundamental right to an ecologically balanced environment is present in the Constitution of Brazil, like configuring a right that deserves greater attention from the state and society, from the point of view of their effectiveness. Overconsumption is revealed as one of the issues that must be addressed to ensure the realization of the right to the ecological balance, once the demand for natural resources is increasing and faster. The ecological balance needs to be secured in order to permit the survival of the species on the planet.
Keywords: Overconsumption. Market. Survival.
INTRODUÇÃO
O ser humano tem a capacidade de modificar elementos da sua própria vida como diversos outros elementos da natureza, interferindo no equilíbrio ecológico, trazendo consequências danosas para si e para as demais espécies afetadas.
A humanidade também cria o direito, que sob o ponto de vista de considerar-se os direitos mínimos necessários à existência humana digna, estabelece os chamados direitos fundamentais, dentre os quais declara que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A civilização humana se desenvolve e cria um sistema econômico que tem em sua base os ideais de acumulação de riqueza e aferição de lucros, em torno disso a sociedade ocidental, principalmente, se organiza, extrai recursos da natureza e cria produtos apreciáveis pelos humanos, sejam úteis ou inúteis.
Estimula-se os seres humanos para que consumam, comprem o que é útil, necessário e até mesmo o que é inútil, porque o objetivo é aumentar os ganhos, o lucro, de quem produz, negocia, presta serviços.
Nota-se que não há uma preocupação com as consequências do consumo excessivo, mesmo sabendo que para produzir é necessário extrair os recursos da natureza e estes não são infinitos.
Neste trabalho buscar-se-á discutir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, enquanto direito fundamental, e como as intenções do mercado não se compatibilizam com a garantia desse direito, apontando a necessária alteração da direção em relação ao consumismo e ao modo como o ser humano lida com a natureza, para assegurar a sobrevivência da espécie humana e das demais espécies.
A pesquisa bibliográfica é realizada considerando algumas das principais literaturas de Direito Ambiental e de Direito Constitucional, bem assim alguns trabalhos do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que se relacionam com o tema.
1.MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
1.1 O conceito de meio ambiente
A sobrevivência das espécies está diretamente relacionada ao equilíbrio ambiental, sendo que a utilização dos recursos naturais deve observar este equilíbrio, sob pena de ocorrerem graves alterações no ambiente capazes de extinguir algumas formas de vida.
O conceito de meio ambiente não é unívoco, havendo diversas designações para a expressão, a depender do prisma que a análise seja realizada. A conceituação mais utilizada no Direito Ambiental brasileiro abrange três designações para meio ambiente. A primeira refere-se ao meio ambiente natural, que envolve os elementos bióticos e abióticos, não considerados aqui os que sejam frutos da intervenção humana. A segunda designação abrange o meio ambiente artificial, compreendendo as edificações humanas, os espaços naturais modificados pela ação humana. Uma terceira designação aponta o meio ambiente cultural, que envolve os elementos naturais ou artificiais considerados especialmente pela sociedade humana como patrimônio cultural. (THOMÉ, 2013)
O meio ambiente é conceituado então como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.” (SILVA, 2000, p. 20)
Para fins deste trabalho utilizar-se-á como referência de meio ambiente, o conceito de ambiente natural, já que se busca demonstrar o reflexo do excesso de consumo no meio ambiente, em relação à extração de recursos naturais.
Nos termos do art. 3.º, V, da Lei n.º 6.938/81 são considerados recursos ambientais “a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”.
Vê-se que a lei traz um rol de recursos naturais, uma vez que não abrange o meio ambiente artificial. Ressalte-se, contudo, que a Constituição do Brasil de 1988, no art. 20, apresenta um rol bem mais extenso, abarcando os sítios arqueológicos, pré-históricos, paleontológicos, paisagísticos, artísticos e ecológicos, os espaços territoriais especialmente protegidos.
1.2 O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
A Constituição brasileira de 1988, no caput do art. 225, dispõe que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O disposto no referido artigo figura como um direito fundamental previsto na Constituição, conforme compreende Cunha Júnior:
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, reconhecido pela Constituição Federal em capítulo situado no título da ordem social, é um direito fundamental, na categoria direito social, qualificado pela doutrina como direito de terceira geração. (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 1095)
Enquanto direito fundamental impõe-se efetivação.
Os direitos fundamentais, como afirma Bezerra, têm fundamentação na dignidade da pessoa humana, considerado “[...] dignidade como um princípio jurídico que obriga a tratar a todos os seres humanos como fins em si mesmos”. (BEZERRA, 2007, p. 27)
A eficácia dos direitos fundamentais deve impor-se tanto frente ao Estado, quanto em relação aos particulares e, nesse sentido, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pode fundamentar ações em face do Estado, enquanto um dos responsáveis pela preservação e restauração do meio ambiente, conforme dispõe o art. 225, §1.º, I, da Constituição do Brasil. Ao Estado também compete editar legislação eficaz voltada à preservação ambiental, diante do quanto previsto no Princípio 11 da Declaração do Rio de 1992.
Neste passo, ao considerar a necessária efetivação dos direitos fundamentais, Canotilho assevera que:
A positivação dos direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados ‘naturais’ e ‘inalienáveis’ do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes uma dimensão de fundamental rights colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. (CANOTILHO, 2003, p. 377)
Os direitos fundamentais não se contentam com uma previsão infraconstitucional. É preciso, conforme bem esclarece Canotilho, que haja lugar para eles no texto constitucional.
No caso do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição do Brasil elevou-o à condição de direito fundamental, previsto no caput do art. 225. Ressaltando que os direitos fundamentais podem ser reconhecidos, mesmo se não constarem de um catálogo específico, examinando-se com base em um vínculo “do bem jurídico protegido com alguns valores essenciais ao resguardo da dignidade humana [...]” (MENDES & BRANCO, 2013, p. 142).
Nesta direção pode-se afirmar que dentre os valores fundantes do Estado brasileiro tem-se o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, devendo esse valor orientar inclusive a ordem econômica, em consonância com o disposto no art. 170, VI, da Constituição brasileira, no sentido em que aponta Grau:
O princípio da defesa do meio ambiente conforma a ordem econômica (mundo do ser), informando substancialmente os princípios da garantia do desenvolvimento e do pleno emprego. Além de objetivo, em si, é instrumento necessário – e indispensável – à realização do fim dessa ordem, o de assegurar a todos existência digna. (GRAU, 2006, p. 251)
Assim, a ordem jurídica, social e econômica deve orientar-se sob um dos valores fundamentais da República que é a defesa do meio ambiente, pois se encontra para além de um imperativo jurídico, um imperativo de sobrevivência, uma sobrevivência digna, não bastando se garantir o direito ao meio ambiente, mas este ecologicamente equilibrado.
2.O CONSUMO EXCESSIVO E A REPERCUSSÃO NO AMBIENTE
O desenvolvimento do capitalismo abrange desde o escambo ao pagamento por meio de cartões de crédito/débito. Nesse contexto, um dos propulsores do aperfeiçoamento das técnicas de pagamento é o consumo.
O consumo é uma constante na vida dos indivíduos, consome-se com certa frequência, alimentos, bebidas, vestuário, utensílios, equipamentos etc. Há uma necessidade em consumir.
Em razão do consumo, da demanda pelos objetos de consumo, surge a necessidade de produzir para uma demanda crescente.
A Revolução Industrial demonstrou como é possível produzir em larga escala e também fomentar o consumo, gerando ganhos maiores para os produtores, que descobrem na produção uma forma de lucrar.
Na escalada produtiva, busca-se elevar os lucros, alcançar novos consumidores, diversificar os produtos para atender outros perfis de consumidores. Descobre-se que o comportamento dos consumidores pode ser moldado pela propaganda sobre os produtos e suas utilidades.
Na economia de mercado, devem imperar a livre concorrência e a livre iniciativa. Assim, diversos podem ser os produtores, intermediários e prestadores de serviços, a disputar o mercado consumidor.
Trava-se uma luta para seduzir o consumidor e a propaganda intensa de produtos e marcas começa a sofisticar-se, ao ponto de despertar as pessoas para o consumo, pois este demonstra ser a chave de todo o sistema capitalista.
2.1 O consumo enquanto imperativo do mercado
O mercado surge como uma instituição do capitalismo e em muito se socorre do Estado, tendo em vista a proteção do interesse de seus agentes, mormente quando se trata da garantia de segurança jurídica das relações mercantis e cumprimento dos contratos, no sentido apontado por Grau, “a intervenção do Estado na vida econômica é um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, identificando-se, em termos econômicos, com um princípio de segurança.” (GRAU, 2006, p. 35)
Avelãs Nunes descreve o mercado como uma instituição social e política, nos termos abaixo transcritos:
[...] uma instituição social, um produto da história, uma criação histórica da humanidade (correspondente a determinadas circunstâncias econômicas, sociais, políticas e ideológicas), que veio servir (e serve) os interesses de uns (mas não os interesses de todos), uma instituição política destinada a regular e a manter determinadas estruturas de poder que asseguram a prevalência dos interesses de certos grupos sobre os interesses de outros grupos sociais. (AVELÃS NUNES apud GRAU, 2006, p. 30)
Percebe-se daí que o mercado e o sistema capitalista não obedecem a uma ordem natural, mas são criações humanas, servindo a interesses humanos, e atuam no sentido de obter-se uma maximização dos lucros, conforme aponta Eros Roberto Grau, “como o mercado é movido por interesses egoísticos – a busca do maior lucro possível – e a sua relação típica é a relação de intercâmbio, a expectativa daquela regularidade de comportamentos é que o constitui como uma ordem.” (GRAU, 2006, p. 30/31)
No afã de obter-se o maior lucro, o mercado estimula o consumo, mas não se contenta com que as pessoas consumam apenas o necessário à sobrevivência, cria-se uma ambiência tendente ao consumismo, onde o indivíduo em tudo sinta a necessidade de consumir.
Bauman escreve que os membros da sociedade são configurados para consumir,
A maneira como a sociedade atual molda seus membros é ditada primeiro e acima de tudo pelo dever de desempenhar o papel de consumidor. A norma que nossa sociedade coloca para seus membros é a capacidade e vontade de desempenhar esse papel. (BAUMAN, 1999, p. 88)
O mercado impõe um modelo no qual todos são estimulados a consumir, a educação, a mídia, as instituições sociais são envolvidas para formar consumidores.
Ocorre que ao promover a sedução de consumidores, o mercado seleciona aqueles que podem consumir, pois nem todos estão aptos financeiramente para tanto. Para consumir é preciso ter dinheiro.
Uma saída para ampliar o consumo e obter ganhos é o oferecimento de crédito, que surge como um elemento altamente lucrativo para os agentes financeiros, uma vez que os juros se revelam como uma fonte de lucros. (BAUMAN, 2010)
O consumismo é estimulado pela propaganda e alimentado pelo crédito, em termos que a realização de um desejo de consumo pode ser antecipada, principalmente com a utilização do cartão de crédito. (BAUMAN, 2010, p. 12)
Os impulsos para o consumo ocorrem em diversas frentes e o Estado atua no plano de garantir que seus cidadãos sejam consumidores, atendendo à lógica do mercado de ampliar o consumo e, por conseguinte, os lucros.
Uma observação importante feita por Bauman é que a influência do mercado na política tem reduzido o poder dos políticos, fazendo sobressair a vontade do mercado. Com isso, é relevante notar que quando “o estado reconhece a prioridade e superioridade das leis do mercado sobre as leis da polis, o cidadão transforma-se em consumidor”. (BAUMAN, 2000, p. 159) O consumo passa a ser algo estimulado também pelo Estado.
2.2 A estimulação para o consumo e os reflexos negativos no ambiente
Para atender ao anseio do mercado por maiores lucros e garantir uma escalada em direção ao consumo, os produtos serão concebidos para deteriorarem mais rapidamente, o que se chama de obsolescência planejada. Mas não basta isso, se os produtos forem duráveis, ainda assim se encontra outra maneira de seduzir o consumidor a substituí-lo, pois a propaganda de um produto novo logo fará com que se sinta a necessidade de “acompanhar a tendência”, de trocá-lo por um de melhor design ou de uma nova tecnologia, ao que se chama de obsolescência perceptiva.
Os produtos dispostos ao consumidor são constituídos de matéria prima extraída da natureza. Quanto mais produtos se pretenda oferecer no mercado, maior será a quantidade de matéria prima necessária para produzi-los.
O excessivo consumo tende a apressar o esgotamento dos recursos naturais, conforme bem expressa Hansen
[...] a situação na qual nos encontramos é a de uma sociedade de consumo que devora produtos, serviços e tecnologias, gerando com esta avidez o esgotamento dos recursos naturais e pondo em risco a sobrevivência do planeta, das espécies que nele habitam e também da própria espécie humana. (HANSEN, 2012, p. 317)
O imperativo do consumismo vem se demonstrando insustentável, pois são finitos os recursos naturais que servem como matéria prima aos produtos industrializados.
Além disso, durante a produção e após o consumo são gerados muitos dejetos (gases e fluidos tóxicos, resíduos sólidos...) que, se não tratados adequadamente, afetam o meio ambiente degradando-o, pois o processo de produção pode ocasionar diversos tipos de contaminação do ar, do solo e das águas, inviabilizando a utilização destes recursos.
A avidez pelo lucro e pela acumulação de capital no atual sistema de mercado vem transformando rapidamente a paisagem natural, além de provocar danos significativos ao meio ambiente.
Os custos da degradação ambiental, em regra, não são suportados pelos que detêm o capital, mormente em tempos pós-modernos, em que a flexibilização e a mobilidade do capital se revelam como instrumentos do mercado para lidar com as externalidades.
Para Bauman, a globalização traz consigo uma maior mobilidade do capital, trazendo vantagens para os acionistas que podem investir em lugares nos quais não necessitem estar presentes e diante dos seus interesses podem deslocar seu capital deixando para traz consequências sérias às pessoas e ao meio ambiente. O custo ambiental e social, em regra, não é cobrado dos investidores.
Em princípio não há nada determinado em termos de espaço na dispersão dos acionistas. Eles são o único fator autenticamente livre da determinação espacial. E é a eles e apenas a eles que “pertence” a companhia. Cabe a eles portanto mover a companhia para onde quer que percebam ou prevejam uma chance de dividendos mais elevados, deixando a todos os demais – presos como são à localidade – a tarefa de lamber as feridas, de consertar o dano e se livrar do lixo. A companhia é livre para se mudar, mas as consequências da mudança estão fadadas a permanecer. (BAUMAN, 1999, p. 15)
Um mundo globalizado, sob o ponto de vista econômico, possibilitou a mobilidade do capital, mas isso pode trazer um custo social elevado, que é assumido por quem não tem mobilidade.
Quando o ambiente já não é tão favorável, o capital não mede esforços em mudar de lugar. As companhias buscam lugares onde possam produzir a um mais baixo custo, ampliando seus lucros.
Assim, em países nos quais as garantias trabalhistas sejam reduzidas, o rigor na apuração de responsabilidades em face da degradação ambiental seja menor ou as legislações protetivas sejam ineficazes, revelam-se como lugares atraentes para a multiplicação do capital, pela via da industrialização, a um baixo custo ao produtor, que deixa à sociedade local um alto passivo ambiental.
3.O DIREITO AO EQUILÍBRIO ECOLÓGICO E O CONSUMISMO
3.1 A proteção jurídica do meio ambiente e a tensão com o consumo em excesso
O Princípio 1, da Declaração do Rio/92, diz que “os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza”. (ONU, 1992)
Este princípio revela que a preocupação com a preservação ambiental está centrada no ser humano, demonstrando o antropocentrismo como a teoria que fundamenta a referida declaração.
Embora a defesa do meio ambiente sob bases antropocêntricas já se mostre importante, pois os seres humanos passam a pensar a questão ambiental vinculada à própria sobrevivência da espécie, a reflexão deve ir a um campo mais amplo, como bem acentua Machado:
O homem não é a única preocupação do desenvolvimento sustentável. A preocupação com a natureza deve também integrar o desenvolvimento sustentável. Nem sempre o homem há de ocupar o centro da política ambiental, ainda que comumente ele busque um lugar prioritário. (MACHADO, 2008, p. 60)
Ainda sobre este aspecto vale voltar o foco para as considerações de Lourenço & Oliveira, quando perquirem sobre desenvolvimento sustentável e revelam outras reflexões possíveis no plano das preocupações ambientais:
[...] o que se entende por desenvolvimento? A concepção de desenvolvimento, na matriz do Direito dos Animais, da Ecologia Profunda, quando se proclama um progresso qualitativo e não (apenas) quantitativo, a integração com outros seres, a natureza, ao invés de dominação, a contraposição ao consumismo, pautar-se pelo necessário (noção que, embora computada a variação, indica um sentido), o reconhecimento de que seres não-humanos ostentam valor intrínseco, da titularidade de direitos fora da espécie humana, enfim, a postulação de outro paradigma, ruptura com o antropocentrismo, é conciliável com a acepção predominante de sustentabilidade? [...] (LOURENÇO & OLIVEIRA, 2012, p. 286)
O antropocentrismo tem sua importância enquanto propulsor da reflexão que primeiramente tomou conta dos debates globais sobre a defesa ambiental tendo em vista a sobrevivência da espécie humana, mas o progresso necessário deve incluir outras correntes teóricas que reconheçam valores intrínsecos aos seres não-humanos. E a partir daí há muito que reconsiderar sob o que seria desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento passaria a buscar outras matrizes, a partir de onde se possa garantir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, não só para os seres humanos.
O atual padrão de consumo imposto pelo mercado não é compatível com uma ideia de desenvolvimento sustentável, partindo do pressuposto de que o desenvolvimento sustentável não pode se dissociar do equilíbrio ecológico.
O consumo em excesso, ao que se pode denominar de consumismo, é estimulado pelo mercado, que traz como principal meta o lucro, enquanto a sustentabilidade ambiental traz a necessidade de um freio ao consumismo, o que em primeiro momento significa redução de lucro, redução de atividade produtiva. O mercado está disposto a isto?
Garantirem-se direitos aos animais ou à natureza exige um enfrentamento do mercado que lucra com o abate de animais e extração desmedida de recursos naturais. Quem terá força suficiente para impor ao mercado que respeite tais direitos?
Seria necessária uma pactuação entre os Estados, representando seus nacionais, e os principais agentes do mercado, com vistas a construírem alternativas para a anunciada crise ambiental e econômica.
3.2 O equilíbrio ecológico como um imperativo de sobrevivência
O princípio do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado figura como direito fundamental da pessoa humana, reconhecidos na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 1972 e na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, bem assim previsto no art. 225, caput, da Constituição do Brasil.
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado guarda uma relação muito estreita com o princípio do direito à vida e da dignidade da pessoa humana, como bem acentua Thomé:
O direito a um meio ambiente equilibrado está intimamente ligado ao direito fundamental à vida e à proteção da dignidade da vida humana, garantindo, sobretudo, condições adequadas de qualidade de vida, protegendo a todos contra os abusos ambientais de qualquer natureza. (THOMÉ, 2013, p. 66)
Ainda podendo ser relacionado ao “princípio do mínimo existencial ecológico, que apregoa condições mínimas de preservação dos recursos naturais para a sobrevivência de todas as espécies vivas do planeta.” (THOMÉ, 2013, p. 67)
A própria sobrevivência humana exige um mínimo de condições ambientais para manter-se, sendo imperiosa a proteção do meio ambiente, incluindo aqui a ideia de equilíbrio ecológico. O estado de equilíbrio abrangente dos diversos fatores que constituem um habitat ou ecossistema, com todas as suas relações, estaria a caracterizar o que se chama de equilíbrio ecológico. (MACHADO, 2008)
O ser humano não está sozinho no planeta, sua presença depende da de outros seres que habitam o globo. Embora as declarações de direito apontem o homem como titular ao direito de um ambiente ecologicamente equilibrado, saindo de uma leitura jurídico-formal para uma leitura a partir da ecologia profunda pode-se admitir que cada espécie tem um valor intrínseco e que também é sujeita desse direito. Os seres humanos também fazem parte da teia da vida. (CARPA, 2006)
Garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado é um imperativo para a sobrevivência humana e também de outras espécies.
O ser humano tem se apropriado dos recursos que a natureza lhe oferece, explorando-os de forma devastadora, produzindo efeitos que apontam para a escassez destes recursos, o que se tornará uma provável fonte de conflitos.
Os imperativos do mercado em relação ao consumo antecipam os dias de escassez. Esse fator aliado ao crescimento da população humana exige dos seres humanos – seres inteligentes e racionais – que desenvolvam tecnologias e consciência capazes de possibilitar a sobrevivência da própria espécie, respeitando os processos ecológicos e o equilíbrio ambiental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado apresenta-se como um direito que visa a assegurar a própria dignidade humana.
Em uma sociedade de consumo, onde o mercado impõe aos indivíduos que sempre estejam ativamente consumindo em um ritmo crescente, percebe-se que há dificuldades em garantir-se o equilíbrio ecológico, pois para atender à demanda consumista os recursos naturais são explorados em ritmo exaustivo.
O consumo em excesso se revela como um dos fatores que ameaçam a sobrevivência humana e também de outras espécies, pois além de provocar a escassez dos recursos naturais, ainda é responsável pela produção de imensa quantidade de rejeitos, que degradam o ambiente.
A preservação do meio ambiente e a sua restauração se mostram necessárias para que a humanidade se mantenha no plano da existência, por isso é preciso repensar e modificar o estilo de consumo, que vai para além da necessidade real do indivíduo.
Além disso, é preciso transformar o modo como os seres humanos se relacionam com a natureza. Aos que perfilham pelo antropocentrismo entender que a sua sobrevivência depende da existência das demais espécies, não descuidando do equilíbrio ecológico. E aos que adotam os princípios do ecocentrismo, não podem esquecer que o respeito aos demais integrantes da teia da vida deve estar em relação ao ser humano no mesmo plano.
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MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008.
MENDES, Gilmar. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2013.
ONU. Declaração do Rio. Disponível em: http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio 92.pdf. Acesso em 04/08/2013.
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000.
THOMÉ, Romeu. Manual de direito ambiental. Salvador: JusPodivm, 2013.
Mestre em Direito. Especialista em Direito Público e Eleitoral. Bacharel em Direito - UESC. Professor da Universidade do Estado da Bahia
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, João Hélio Reale da. Direito ao meio ambiente e o consumo excessivo como fator de desequilíbrio ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 fev 2025, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/67913/direito-ao-meio-ambiente-e-o-consumo-excessivo-como-fator-de-desequilbrio-ambiental. Acesso em: 05 mar 2025.
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