RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo fazer uma reflexão do Direito Curvo a partir do poema “A flor e a Náusea” de Carlos Drummond de Andrade. A proposta é discutir como os ensinamentos da corrente de pensamento do Direito e Literatura podem contribuir para a movimentação e curvatura do Direito através das metáforas do poeta brasileiro. Primeiro, fez-se uma retomada do que é o Direito Curvo, posteriormente, uma análise do poema, e, por fim, como o último pode ser um ponto de reflexão para o primeiro segundo uma perspectiva do Direito e Literatura. A conclusão é que podem ser feitas várias aproximações e paralelos com a teoria espanhola e que essas associações representam a proposta do autor de revolucionar o nosso olhar para o Direito.
Palavras-chave: Direito Curvo. Direito e Literatura. Carlos Drummond de Andrade. Virada linguística. Hermenêutica jurídica.
ABSTRACT: The present work aims to reflect on Curved Law based on the poem “A flor ea Nausea” by Carlos Drummond de Andrade. The proposal is to discuss how the teachings of the current of thought in Law and Literature can contribute to the movement and curvature of Law through the metaphors of the Brazilian poet. First, there was a resumption of what Curved Law is, later, an analysis of the poem, and, finally, how the latter can be a point of reflection for the first according to a perspective of Law and Literature. The conclusion is that several approaches and parallels can be made with Spanish theory and that these associations represent the author's proposal to revolutionize our view of Law.
Keywords: Curved Law. Law and Literature. Carlos Drummond de Andrade. Linguistic turn. Legal hermeneutics.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O Direito Curvo. 3. As curvaturas do poema de Drummond. 4. Considerações Finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Há mais de 300 anos antes de Cristo, surge a famosa obra Ética a Nicômaco de Aristóteles que marcou o pensamento ocidental sobre as questões morais. No Livro V, o autor nos apresenta diversos conceitos e reflexões sobre a Justiça e como ela deveria compor o meio social. Destacamos no início deste trabalho, a relação que Aristóteles estabelece entre equidade e justiça.
O filósofo enaltece a importância crucial da equidade dizendo ser até mesmo mais importante que o justo legal, tendo em vista que ela é um corretivo da justiça legal diante de sua generalidade que não abarca todos os contextos e realidades sociais. É nesse ponto que Aristóteles utiliza uma metáfora com a régua de Lesbos. Tal régua era conhecida por ser uma régua de chumbo usada pelos construtores na região de Lesbos, porém, ela não era uma régua rígida, pelo contrário, ela se adaptava a forma da pedra (V, 1137b – 1138a).
Ou seja, o que Aristóteles quer nos dizer é sobre a flexibilidade e maleabilidade do Direito frente a uma realidade específica, é o uso de uma sabedoria prática sem que haja o desrespeito das leis prévias. Bom, esse ajuste a superfícies circulares deixou de ser bem quisto com a modernidade e o positivismo jurídico. A partir desse tempo histórico que tem início no século XVI e XVII, o racionalismo e a certeza da lei são postos como solução indiscutível para os estados autoritários. O que não se percebia é que se estava saindo de uma prisão e entrando em outra.
Tal concepção racionalista, certa e sem maleabilidade entra em colapso diante da realidade múltipla e diversa existente, logo, é nesse contexto que recorremos a teorias alternativas do Direito buscando formas mais justas e adaptáveis de conceber a sociedade. Um desses movimentos teóricos é o chamado Direito Curvo proposto por González (2013) e que iremos abordar no próximo capítulo.
O objetivo do presente trabalho é apresentar a teoria do Direito Curvo e estabelecer paralelos entre tal teoria com o poema “A flor e a náusea” de Carlos Drummond de Andrade. A justificativa dessa interlocução[1] é a de que a teoria do Direito Curvo integra o movimento do Direito e Literatura que busca modificar o nosso olhar do Direito, buscando expandir e trazer novas contribuições ao mundo jurídico que traga mais justiça, tendo em vista os diversos problemas enfrentados pelo Direito positivista ao longo do século XX. Consideramos, portanto, que a aproximação do Direito com o poema do autor brasileiro seja uma porta para pensar e desconstruir paradigmas que enjaulam o pensamento jurídico.
2. O DIREITO CURVO
Em uma conferência no ano de 2012, o autor espanhol José Calvo González (1956-2020) preconizou uma teoria chamada Direito Curvo que integra o vasto movimento que propõe a interlocução entre Direito e Literatura. Para construir a sua teoria do Direito Curvo, Gonzalez (2013) estabelece antes três tópicos, quais sejam: (a) a influência do racionalismo cartesiano e da lógica dedutivista na ordem jurídica; b) a teoria pura do direito em interlocução com o cubismo; e c) as novas ondulações do direito. Após essa construção histórica de mudanças do Direito, o autor finalmente chega ao que chama de Direito Curvo.
No primeiro tópico, Gonzalez (2013) afirma que os juristas da era iluminista no século XVII e XVIII, apreciavam os geômetras, a racionalidade e o conhecimento das ciências exatas como a física e a matemática e queriam transferir esses métodos para o campo do Direito. Como grandes expoentes desse pensamento, o autor cita Hobbes, Wolff e Descartes, grandes autores que moldaram uma era do pensamento filosófico que tinha como pilar fundamental a lógica e o método. Para que isso fosse possível, há a necessidade de se estabelecer axiomas – verdades que são estruturais – para, posteriormente, chegar aos teoremas que são as conclusões lógicas dedutivas.
Na sequência, o autor apresenta o segundo tópico que é a relação da Teoria Pura do Direito e do cubismo que dão continuidade a tradição de conceber o direito como geométrico. A Teoria Pura do Direito, cabe frisarmos, é baseada num sistema de validade e certezas universais, no qual o direito é:
uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental - pressuposta. A norma fundamental - hipotética, nestes termos - é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora (KELSEN, 1998, p. 247).
Ou seja, todo ordenamento jurídico deve seguir uma hierarquia entre as normas de forma objetiva em respeito a lógica, caso isso não aconteça, haverá um problema de validade da norma que faz com que ela não tenha legitimidade. Mas como isso se relaciona com a geometria? O sistema de escalonamento aqui mencionado e toda a Teoria Pura do Direito possui uma forte ligação com a geometria cubista, pois em ambas, há um primado pela forma pura. Se no cubismo há o apreço pelas formas geométricas como podemos observar nos quadros[2] artísticos emblemáticos dessa corrente artística, também podemos observar um rigor estrutural na teoria kelseniana de respeito ao que é ou não é uma norma em função da sua forma (GONZALEZ, 2013).
Outra convergência entre a Teoria Pura do Direito e o cubismo é o fator estático e dinâmico, seja das normas seja das figuras geométricas. Segundo o autor espanhol “o cubismo introduz dinâmica, da mesma forma como consegue a Pirâmide Normativa ao proporcionar o caráter não somente estático da ordem jurídica, mas também dinâmico, e isto a um só tempo e em um mesmo plano” (GONZALEZ, 2013, sp[3]). Salientando que cada degrau de uma pirâmide é também formado de cubos.
Se antes, falávamos de um direito com viés jusnaturalista a serviço da racionalidade iluminista, aqui o positivismo se apresenta no mesmo tempo do cubismo, ou seja, não se trata de uma mera coincidência e sim um reflexo de um contexto-político específico.
O próximo tópico, em já uma aproximação do Direito Curvo, o autor aborda as novas ondulações do direito, isto é, novas formas de conceber o direito que fuja do rigor que vimos anteriormente. Gonzalez (2013) cita, portanto, diversas teorias nesse sentido como: o Direito flexível (Carbonier, 1969), o Direito dúctil (Zagrebelsky, 1992), o Direito frágil (Arnaud, 1993) e o Direito solúvel (Jean-Gut Belley, 1996). Para o autor há uma confluência entre essas teorias que permite vez outras facetas do direito que antes eram ocultadas pela rigidez do racionalismo e do positivismo.
Fazendo o mesmo movimento de relacionar com o campo artístico, o autor destaca o cubismo sintético que é o aparecimento de formas que possuem algo de arredondado como figuras ovais ou telas ovaladas. Para o autor, esse movimento se equipara no mundo jurídico com essas novas teorias que propõe flexibilidade e maleabilidade do Direito, porém destaca que isso pode ser um problema para o Direito porque:
a fuga das análises formais as conduz a uma entrega que, por vezes, chega a ser demasiadamente incondicional para a substância do objeto (que, no Direito, é um juízo), tornando problemática a linha configuradora de sua natureza jurídica instituinte. Através da forma – também quando esta é elástica, adaptável e fluída – um objeto deve, de todo modo, mostrar-se juridicamente reconhecível. Se a forma não corresponde a uma propensão de totalidade canônica identificável, será forma elástica, adaptável ou fluída, porém forma instável. O grande perigo do Direito ondulado é a sua desintegração em Direito instável, tornando-se – como de fato sucede com a proposta extrema de “liquefação jurídica” – uma geometria metafísica (GONZALEZ, 2013, sp).
Ou seja, a forma também tem sua importância para o Direito. Eis que chegamos, finalmente, na teoria do Direito Curvo. Gonzalez (2013) inicia essa seção afirmando sua discordância com as últimas teorias mencionadas que propõem elasticidade e adaptabilidade do Direito, fazendo a defesa de um direito que “se empena, se arqueia e se curva”. Mas como isso é possível? A resposta é a de que o Direito Curvo é um paradoxo, pois “transcende a oposição entre conceitos antitéticos e auto excludentes, integrando-os em um mesmo plano, de maneira que, dinamicamente, ambos se compõem e se descompõem, não sendo mais possível uma compreensão estática e separada” (GONZALEZ, 2013, sp).
Deste modo, a proposta do autor espanhol é que não haja uma abdicação da forma pura, mas que também essa forma não seja uma prisão plana sem saídas. A curvatura se encaixa nesse sentido, porque é uma forma que propõe circularidade e descentralização dos campos fixos de estabelecimento do Direito, ou seja, um ponto de questionamento da tradição das próprias fontes do Direito. O autor cita que um novo sistema quem vem sendo aplicado chamado de feedback, trazendo o exemplo do Tribunal Europeu de Direitos Humanos que passou a considerar “vida familiar” a união entre pessoas do mesmo sexo a partir das mudanças que ocorreram no direito interno dos estados europeus (GONZALEZ, 2013, sp), ou seja, cria um movimento retroalimentar entre direito interno e externo em que há giro e movimentação dos lugares tradicionais do Direito, e é isso que significa a curvatura do Direito por ele proposta.
O autor diz que o Direito Curvo é uma geometria variável, pois é uma forma de recuperação do cubismo por outra perspectiva que envolva movimento vez que analisa um objeto jurídico através de rotações e curvas de diversos ângulos para que se possa, justamente, fazer com que haja uma multiplicidade de perspectivas. O autor constata, portanto, que há “dois elementos definidores do Direito curvo: a circularidade jurídica e a descentralização dos lugares clássicos (dos topoi[4]) de imputação jurídico-normativa.” (GONZALEZ, 2013, sp).
Gonzalez (2013) finaliza sua proposta com o adendo de que sua teoria não é uma proposta de fechamento teórico, pelo contrário, diz que os juristas devem descobrir modelos e desenhar novos paradigmas e que o Direito Curvo é apenas a sua proposta, que pode ser entendida como uma bela metáfora.
3. AS CURVATURAS DO POEMA DE DRUMOND
O poema “A flor e a náusea” de Carlos Drummond de Andrade lançado no ano de 1945 se localiza na chamada Segunda Geração Modernista que se caracteriza por trazer temas cotidianos, com humor, ironia, e que combine o elevado e o banal, ou o grave e o grotesco. Tal movimento artístico também é fortemente marcado pelos questionamentos do mundo e das coisas, dos problemas e das injustiças sociais. (ALVES, 2007, p. 1). É importante destacarmos que o contexto histórico-social e político vivido por Drummond é marcado pela violência da Segunda Guerra Mundial e pela repressão de um governo autoritário e ditatorial varguista no Brasil, logo, é por essa razão que há diversos poemas do autor mineiro que tratam sobre a destruição.
Há, portanto, a externalização de um descontentamento com o tempo-presente e a expressão de um mínimo de esperança para um futuro utópico mais justo. É o que podemos ver em diversos versos do poema “A flor e a náusea” vez que:
representa a explosão revoltada do indivíduo diante do mundo em que vive ao mesmo tempo em que mostra a esperança quando do aparecimento de uma flor que perturba. É através de um passeio pela rua cinzenta que o sujeito depara-se com a náusea; vê-se enjoado e tem o desejo de vomitar sobre tudo o que lhe incomoda e perturba. No entanto, nem tudo está perdido, pois é desse enjoo, revolta, náusea e ódio que brota uma flor feia, que nem se consegue classificar, mas que fura o asfalto. Isso acontece ao mesmo tempo em que parece armar-se uma tempestade, que é símbolo de uma violenta perturbação na ordem desse tempo de nojos, enjoos e vômitos (ALVES, 2007, p. 5)
Mas como podemos associar toda essa raiva, asco e revolta anunciada por Drummond com a teoria crítica e literária do Direito? Podemos considerar que o autor nos provoca acerca dos olhares de normalidade a tudo que nos gira ao redor. Levando isso para a interpretação do Direito Curvo podemos pensar um olhar reto, em metáfora, para dizer daquele olhar sobre o mundo que não se expande e não se internaliza. É um olhar raso e que não tem movimento. Há uma passividade em que todos aceitam as injustiças, os governos totalitários e as guerras, vemos, portanto, um mundo estático e conformado: é o tédio que fala Drummond conforme podemos observar nos seguintes versos:
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres, mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
(ANDRADE, 2012, p. 26) (grifo nosso)
O que pode romper com esse tédio? O movimento. Seja o movimento do nascer uma flor (mesmo que feia), ou o movimento do qual expõe González (2013) em o Direito Curvo. O rompimento do status quo opressor envolve rotação, giro, pois isso faz com que haja múltiplos olhares frente as realidades. Há a libertação da linearidade utilitarista, havendo um horizonte com infinitas possibilidades para se pensar a sociedade.
Interessante observarmos que a esperança para tantos problemas não é uma flor em sua forma idealizada, isto é, bela, integra, perfumada e colorida. Pelo contrário, observemos os seguintes versos:
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
(ANDRADE, 2012, p. 26-27) (grifo nosso)
Ou seja, Drummond reinventa o significado da flor, fazendo um movimento linguístico para demonstrar a força que tem essa flor em furar o duro e rígido asfalto, ou seja, ela é mais revolucionária que uma simples flor tradicional. Ela não possui cor e nem possui a beleza e é mais revolucionária do que uma simples flor devido ao tempo-histórico que ela está inserida, mas mesmo sendo feia ela continua sendo uma flor. Ou seja, por mais que haja tanta desilusão diante da alienação das pessoas e violência do Estado, surge uma esperança feia, mas que ainda sim é uma esperança.
Consideramos, portanto, sob o enfoque aqui preconizado, que Drummond realiza dois movimentos curvos[5] em seu poema: a) o movimento que vai contra o tédio e a alienação das pessoas diante da do racionalismo moderno e do capitalismo; e b) o movimento de uma esperança feia que é a simbologia de nascer uma flor no asfalto, mas que continua representando uma esperança para um futuro mais justo.
Esses movimentos curvos explicitados é o que podemos relacionar com o Direito Curvo e que também fazem parte da proposta do Direito e Literatura, uma vez que a literatura pode configurar um método de abertura de caminhos. Considerando que não há um certo ou errado, que não há regras e predeterminações, a literatura é uma verdadeira morada da liberdade, por isso, é um mergulho infinito.
Entendendo que a hermenêutica é fundamental nesse processo de abertura frente aos textos jurídicos, um autor de suma importância é Heidegger em sua teoria que abrange a virada linguística. O autor alemão sustenta que dentro da filosofia – ciência estrutural que guia as demais ciências humanas - trabalhamos com um plano de categorizações guiado por um plano de relações lógicas e predicativas, deixando de lado uma pergunta fundamental que é investigar como que surge a linguagem, isto é, como surge a possibilidade do discurso (HEIDEGGER, 2001).
Ao contrário das ciências exatas que buscam exatidão para explicar um fenômeno, as ciências humanas são fruto de uma compreensão que envolve historicidade, que se realiza através do discurso. Logo, o Direito está inserido num tempo-histórico do qual não se pode fugir, mas para buscar seu entendimento através da hermenêutica deve-se primeiro reconhecer o mistério do qual estamos inseridos, e depois, em um processo contínuo e sem fim buscar o desvelar, considerando sempre o dasein com relação ao outro e consigo mesmo (HEIDEGGER, 2002). Sobre o ser-aí e essa historicidade discursiva que nos constitui, Drummond nos diz no poema em destaque: “O tempo pobre, o poeta pobre/
fundem-se no mesmo impasse.”, ou seja, não tem como dissociarmos eu e tempo histórico, estamos presos em nosso tempo, mas isso não nos impede de buscarmos a liberdade que fura o asfalto ou a justiça em sociedades tão alienadas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando os desafios do Direito no tempo-presente, bem como, em toda história da humanidade, podemos afirmar que não temos a pretensão de finalizar a discussão de como enfrentar devemos enfrentar os seus problemas, e nem apontar um caminho correto para a realização da Justiça. Se assim o fizéssemos estaríamos sendo contrários a ideia de movimento e abertura propostos pelo Direito e Literatura, pelo Direito Curvo e por Drummond.
Pode-se perceber que o movimento que traz a curvatura não é algo que foi proposto somente no século XXI, vimos que já em Aristóteles - com a metáfora da régua de Lesbos - a importância da maleabilidade do Direito para que haja equidade, e, portanto, Justiça. Tal valor se perdeu com o tempo e com a certeza do racionalismo iluminista trazendo prisões formalistas. Posteriormente, em uma tentativa de nos livrar de tanta rigidez propôs-se uma abertura por completo – a ausência total de forma – que fez com que ficássemos ainda mais perdidos sobre qual rumo pertence ao mundo jurídico. Eis que surge um pensamento, que envolve o Direito e Literatura, que busca conjugar liberdade e forma, o chamado Direito Curvo. Através dos pilares que envolvem a circularidade jurídica e a descentralização dos lugares clássicos de imputação jurídico-normativa, o Direito Curvo busca revolucionar a maneira de olhar o Direito, para que se tenha movimento e que haja também forma, em uma associação artística poderia ser considerado como o Neocubismo ao colocar a curvatura como sua principal forma.
O Direito é, antes de tudo, uma orientação linguística que envolve, consequentemente, um processo hermenêutico. Isso fora negligenciado durante anos na tradição jurídica, e que, com o Direito e Literatura podemos perceber que seja uma alternativa de construir curvaturas e modelagens para a existência de um Direito que seja de fato justo.
Como podemos aprender a curvar o Direito? Um método que pode nos salvar é através da Literatura. A literatura nos permite viver a liberdade e nos colocarmos como hermeneutas a todo instante através da imaginação, o que provoca a expansão da visão que antes era única e reta. Esse exercício é um movimento rotacional que abarca a multiplicidade e diversidade, ou seja, nos faz experimentar sentimentos e vivencias que vão além daquelas que são propriamente nossas. Ou seja, é um exercício de alteridade em sua forma mais plena e contra o tédio frente a realidade social conforme diz Drummond. É a libertação. A literatura é a flor feia que nasce no asfalto cinza do Direito. O nascer da flor é o movimento curvo.
REFERÊNCIAS
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TRINDADE, André Karam. Direito, literatura e emancipação: um ensaio sobre o poder das narrativas. Revista Jurídica (FIC), v. 44, p. 86-116, 2016.
[1] Tal interlocução foi proposta pelo professor Dr. Fernando José Armando Ribeiro na disciplina Direito e Literatura que integra o Programa de Pós graduação em Direito da PUC Minas.
[2] Como exemplo, podemos citar quadros de Pablo Picasso, artística que marcou a corrente artística do cubismo como em A guitarra (1913), Os três músicos (1921), Mulher no espelho (1932) e La Guernica (1937).
[3] Foi utilizada a versão kindle do livro “O direito Curvo” de Gonzalez (2013), por isso a sinalização “sp” como sendo “sem página”.
[4] Topoi é uma expressão que tem origem na Grécia Antiga, usada por autores como Aristóteles, que quer dizer “lugar comum”, “ideias de bom senso aceitas por todos”. Nesse contexto quer dizer que é uma ideia central, um consenso dominante ou uma base estruturante do Direito.
[5] Colocamos aqui “movimentos curvos” a partir da teoria do Direito Curvo como sendo movimentos que deslocam os olhares tradicionais em busca de mais justiça.
Mestranda em Direito, na linha de pesquisa Teoria do Direito e da Justiça, pelo Programa de Pós Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas, CAPES Nota 6). Pesquisa de mestrado financiada pela CAPES. Bacharel em Direito em 2018 pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHOUCAIR, Bárbara dos Santos. Reflexões sobre o Direito Curvo a partir de “a flor e a náusea” de Drummond Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 ago 2021, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57094/reflexes-sobre-o-direito-curvo-a-partir-de-a-flor-e-a-nusea-de-drummond. Acesso em: 22 nov 2024.
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