JOSÉ ALVES MACIEL
(orientador)
RESUMO: O artigo destaca o direito da gestante a um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato em meio à pandemia da Covid-19. Partindo-se desse direito legalmente estabelecido, analisa-se a adaptação do mesmo diante da situação excepcional ocasionada pelo novo corona vírus. Fora dada especial ênfase a negação dos hospitais públicos ao direito de acompanhante à parturiente, amparado nas recomendações do Ministério da Saúde. Dessa forma dialoga-se com os casos concretos em que o Judiciário precisou intervir para assegurar e minimizar possíveis violações aos direitos da mulher em estado gravídico.
Palavras-chave: Corona. Vírus. Direitos. Mulher. Parturiente.
ABSTRACT: The article highlights the pregnant woman's right to a companion during the entire period of labor, delivery and immediate postpartum amid the Covid-19 pandemic. Based on this legally established right, the adaptation of the same in the face of the exceptional situation caused by the new corona virus is analyzed. Special emphasis was given to the denial of public hospitals to the right to accompany the parturient woman, supported by the recommendations of the Ministry of Health. In this way, a dialogue with the specific cases in which the Judiciary needed to intervene to ensure and minimize possible violations of women's rights in pregnancy status.
KEYWORDS: Corona. Vírus. Legally. Woman. Parturient.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. LEI DO ACOMPANHANTE. DIREITO DA GESTANTE AO ACOMPANHAMENTO DURANTE O TRABALHO DE PARTO, PARTO E PÓS-PARTO IMEDIATO. 3. DIREITO AO ACOMPANHANTE MESMO DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19. 4. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
É indiscutível que a pandemia da covid-19 mudou de maneira significativa o modo de viver da sociedade com a implementação de medidas emergenciais ao combate da mesma, no entanto, algumas medidas violam direitos constitucionais, como o direito da gestante a um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
Com o objetivo de impedir a violação de tal direito foi criada a Lei Federal n° 11.108/2005, que assim dispõe em seu art. 19: “Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde- SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, de 1(um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato”. A violação de tal direito ainda era frequente em alguns hospitais, ocorre que com o início da pandemia, os hospitais públicos passaram a proibir a entrada do acompanhante da gestante, com o objetivo de diminuir o risco de contaminação, seguindo assim as recomendações impostas pelo Ministério da Saúde.
É importante frisar que ter um acompanhante nesse momento, não se trata de um mero privilégio à gestante, a presença de uma pessoa de sua confiança, seja o pai ou algum parente, traz nesse momento de vulnerabilidade, segurança e tranqüilidade à parturiente, o que evita um parto longo e traumático, podendo em determinados casos, até evitar o uso de medicamentos.
Com a frequência de tal violação e apesar da divergência sobre o assunto, o Judiciário se tornou um meio cabal para o resguardo do direito da gestante, quando remetidas à Justiça, os Tribunais estão cada vez mais baseando um posicionamento que assegure o direito à parturiente a ter um acompanhante no momento do parto, no entanto seguindo todos os protocolos do Ministério da Saúde.
Apesar de ser um direito resguardado, muitas mulheres estão tendo seus direitos violados em meio a pandemia do Covid-19, com o parto na iminência de ocorrer, muitas gestantes se encontram em momento de medo e insegurança e por muitas vezes não conhecerem a legislação acabam sofrendo as consequências dessas violações.
Sendo assim, buscou-se tratar o presente tema de forma a compreender como essa medida, que visa uma proteção sanitária e diminuição do risco de contaminação, em contrapartida pode ser tão prejudicial a milhares de mulheres que veem seus direitos violados e consequentemente abandonadas em um momento tão importante e único de suas vidas.
2.LEI DO ACOMPANHANTE. DIREITO DA GESTANTE AO ACOMPANHAMENTO DURANTE O TRABALHO DE PARTO, PARTO E PÓS-PARTO IMEDIATO.
O direito social à saúde é um direito humano fundamental previstos nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal, diretamente vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) como um dever do Estado para com todos os seus cidadãos, cuja obrigação é compartilhada pelos entes federados.
A lei 8.080/90, que instituiu o Sistema Único de Saúde, prevê em seu art. 7º, I e II a universalidade do acesso ao serviço de saúde com integralidade de assistência, de forma articulada com ações e serviços preventivos e curativos, assegura, também, a toda mulher, parturiente, atenção integral, não apenas pela equipe técnica de saúde, mas também e principalmente, que o Paciente - em evidente estado de vulnerabilidade - possa ser acompanhado alguém de sua confiança para dar-lhe o necessário e imprescindível apoio durante o período de internação.
A lei 11.108/05, conhecida como a Lei do Acompanhante, determina a obrigação dos serviços de saúde do SUS, da rede própria ou conveniada, a permitir à gestante o direito à presença de um acompanhante de sua preferência em todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto conforme a disposição abaixo:
“Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
§ 1o O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente.
§ 2 As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo.
§ 3 Ficam os hospitais de todo o País obrigados a manter, em local visível de suas dependências, aviso informando sobre o direito estabelecido no caput deste artigo.”
3.DIREITO AO ACOMPANHANTE MESMO DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19.
A lei federal nº 13.979/2020, que dispôs sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do CORONAVÍRUS, responsável pelo surto de 2019, em nenhum momento previu que o direito ao acompanhante seria restringido.
Não há na citada lei nenhuma menção que aprove tal medida. Sendo ainda destacado no artigo 7º, da lei federal nº 13.979/2020, que o Ministério da Saúde possui a atribuição para regulamentar a lei de enfrentamento da emergência de saúde pública: “Art. 7º O Ministério da Saúde editará os atos necessários à regulamentação e operacionalização do disposto nesta Lei”.
Conforme a inteligência do artigo, o Estado, via Secretaria da Saúde não possui atribuição legal para restringir o direito consolidado das mulheres de obter assistência adequada no momento do acolhimento, trabalho de parto, parto e puerpério.
Seguindo o mesmo raciocínio, o item 9.3, da RDC nº 36/2008, da Anvisa, friza que os protocolos, normas e rotinas técnicas precisam estar em conformidade com as leis e com a evidência científica:
“9.3 A equipe do serviço de saúde deve estabelecer protocolos, normas e rotinas técnicas em conformidade com legislação vigente e com evidências científicas”.
Ademais o Ministério da Saúde, no dia 25/03/2020, emitiu a nota técnica nº 06/2020 COCAM/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS sobre a Atenção à saúde do recém-nascido no contexto da infecção pelo novo CORONAVÍRUS SARS-COV-2, ressaltando que as recomendações contidas no presente documento seguem o determinado na Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência decorrente do CORONAVÍRUS responsável pelo surto na saúde pública em 2019. No caso especifico do direito ao acompanhante foi recomendado que:
1.1. ORIENTAÇÕES PARA SALA DE PARTO (PARTO E NASCIMENTO)
[...]
Acompanhantes: garantido pela Lei Federal nº 11.108, de 7 de abril de 2005, sugere-se a presença do acompanhante no caso de pessoa assintomática e não contato domiciliar com pessoas com síndrome gripal ou infecção respiratória comprovada por SARS-CoV-2.
[...]
Ou seja, o Ministério da Saúde em Nota Técnica, estabelece que seja mantida na sala de parto a presença do acompanhante, no caso de pessoa assintomática e que não tenham tido contato domiciliar com pessoas com síndrome gripal ou infecção respiratória comprovada por SARS-CoV -2 (CORONAVÍRUS).
Determinando assim que a relativização desse direito deve ocorrer, excepcionalmente quando a gestante ou o acompanhante apresentem sintomas e tenham prescrição de isolamento.
Em caso de restrição, esta deve ser devidamente justificada em prontuário e a prescrição deverá ser acompanhada dos seguintes documentos assinados pela pessoa sintomática:
“I – termo de consentimento livre e esclarecido de que trata o § 4º do art. 3º da Portaria nº 356/GM/MS, 11 de março de 2020;
II – termo de declaração, contendo a relação das pessoas que residam no mesmo endereço, de que trata o § 4º do art. 3º da Portaria nº 454/GM/MS, 20 de março de 2020.não há qualquer menção à restrição da entrada do acompanhante de escolha da gestante. Portanto, qualquer ato normativo das maternidades no sentido de proibir configura ato ilegal, vez que viola o princípio da legalidade administrativa.”
As Secretarias de Estado da Saúde, no entanto, em sua maioria generalizaram a questão, suspendendo o direito ao acompanhante para todas as pacientes, ou seja, extrapola assim suas atribuições, vez que não há competência legal para restringir direitos.
O Ministério da Saúde, no que lhe concerne, emitiu Nota Técnica nº 09/2020-COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS, datada de 09/04/2020, que objetiva fornecer recomendações aos profissionais de saúde que atuam dando assistência a gestantes e recém-nascidos no pré-parto, parto e puerpério, de acordo com as atuais evidências disponíveis. Na referida Nota Técnica, o Ministério da Saúde recomenda que em regra seja mantida a presença de um acompanhante durante o pré-parto, o parto e o puerpério.
Sendo assim, cumpre-se ressaltar que, de acordo a citada Nota Técnica, a parturiente e o seu acompanhante devem passar pela triagem dos casos suspeitos e confirmados de COVID-19 antes da internação e que, sendo este assintomático e fora dos grupos de risco, o direito ao acompanhante deve ser garantido, conforme a recomendação abaixo:
“2.2. Admissão para parto no contexto COVID-19:
2.3. O acompanhante, desde que assintomático e fora dos grupos de risco para COVID-19, deve ser permitido nas seguintes situações:
2.3.1. mulheres assintomáticas não suspeitas ou testadas negativas para o vírus SARS-CoV-2: neste caso, também o acompanhante deverá ser triado e excluída a possibilidade de infecção pelo SARSCoV-2.
2.3.2. mulheres positivas para o vírus SARS-CoV-2 ou suspeitas: o acompanhante permitido deverá ser de convívio diário da paciente, considerando que a permanência junto à parturiente não aumentará suas chances de contaminação; assim sendo, se o acompanhante não for de convívio próximo da paciente nos dias anteriores ao parto, este não deve ser permitido
Denota-se então que a permanência da eficácia da Lei 11.108/05 já mencionada, que estabelece o direito ao acompanhante antes, durante e depois do parto, ficando então garantido o acompanhamento, este se submetendo aos procedimentos da nota técnica da Secretaria de Atenção Primária à Saúde, referente às medidas de prevenção para os partos durante a epidemia.
Diante de tal ilegalidade do ato administrativo que restringe em sua totalidade o direito da parturiente ao acompanhante fora proposta Ação Civil Pública Coletiva pela Defensoria Pública Estadual contra o estado do Tocantins.
A decisão proferida em 26/08/2021 reconhece a ilegalidade do ato administrativo impugnado, Memorando Circular nº 44/2020/SES/SUHP, referente a restrição em sua totalidade ao direito da parturiente ao acompanhante, diante da ausência de proporcionalidade e razoabilidade com o atual contexto sanitário, conforme se despreende da sentença.
De modo que a decisão também determina ao Estado do Tocantins que apresente Plano de Retomada com o planejamento estrutural e a indicação das medidas de segurança e dos critérios para admissão do acompanhante da parturiente durante a internação nos hospitais e maternidades públicas e conveniadas da rede pública do Tocantins, no prazo de 30(trinta) dias e assegure a aquisição de EPI’s, insumos e materiais de higienização necessários à implementação das medidas de segurança, viabilizando a presença segura dos acompanhantes das parturientes, segundo se extrai da aludida sentença.
Importante destacar que após a prolação da sentença, a Defensoria Estadual e o Ministério público interpôs embargos de declaração pela mesma por entenderem haver obscuridades na decisão no que se refere ao momento do parto e sobre o tempo mínimo para apresentação do teste de corona vírus negativo exigido.
A proibição de acompanhante de parto como medida de enfrentamento a pandemia vivenciada é manifestadamente uma forma de supressão de direitos, que viola um direito dado como inderrogável, de forma que tal proibição ocasiona uma situação de solidão e dor a parturiente em um momento tão importante em sua vida.
Desde o início da pandemia centenas de mulheres tiveram seus direitos violados em não ter consigo um acompanhante de sua escolha, resta claramente comprovado a importância do acompanhante em minimizar as dores e o sofrimento relacionados ao nascimento.
Em razão desse estudo foi possível uma maior reflexão acerca da importância da preservação dos direitos da parturiente e de como a supressão destes pode prejudicar de forma irreparável tanto a parturiente como o nascituro.
Sugere-se então que seja proporcionado a parturiente um suporte contínuo da existências dos seus direitos e a inderrogabilidade que estes possuem, de forma que sejam adotadas medidas que possam ser cumpridas de maneira imediata, de modo que as gestante não precise toda vez recorrer ao judiciário para efetivação do seu direito, pois se tratando de uma gestação, o parto pode vir a ser prematuro e a parturiente ser surpreendida com a violação de seu direito em um momento tão difícil.
Durante este estudo fora presenciado a Ação Civil Pública Coletiva proposta pela Defensoria Pública Estadual contra o Estado do Tocantins que trouxe em sua decisão mais uma vez a asseguração do direito de acompanhante de parto dentro dos cuidados necessários em razão da pandemia, prevalecendo assim o direito da parturiente e reconhecendo a ilegalidade do ato administrativo na restrição do direito da parturiente ao acompanhante.
BRASIL. Lei nº 11.108 de 07 de abril de 2005. Altera a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. Brasília (DF); 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11108.htm>. Acesso em 30 de maio de 2021.
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Bacharelanda em Direito da Universidade de Gurupi.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, ANA CLARA RODRIGUES. Violação do direito da gestante em tempos de pandemia: a proibição de acompanhante no parto como medida de enfrentamento a covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 nov 2021, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57357/violao-do-direito-da-gestante-em-tempos-de-pandemia-a-proibio-de-acompanhante-no-parto-como-medida-de-enfrentamento-a-covid-19. Acesso em: 22 nov 2024.
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