RESUMO: Este artigo aborda e estuda a mudança da estrutura familiar aos longos dos anos, e ressalta que através de tais mudanças se fez possível a filiação socioafetiva através do estado de posse de filho e de outros fatores. Trazendo ainda o direito dos filhos afetivos equiparados aos filhos legitimo à luz da Constituição Federal, onde não deve haver diferenças entre estes. O presente artigo certifica através de revisões jurisprudenciais e bibliográficas a socioafetividade como como vínculo real e civil para filiação, não sendo exclusiva a filiação por meio de laços sanguíneos e biológicos. Estuda também a possibilidade do reconhecimento socioafetivo post mortem e a partir deste ponto os possíveis efeitos no direito sucessório. A metodologia utilizada foi o método dedutivo, ou seja, aquele que parte do geral para abordar o particular. Certificando através de jurisprudências, doutrinas e artigos científicos o que foi apresentado no presente artigo.
PALAVRAS-CHAVE: Socioafetividade. Filiação. Sucessório. Post mortem. Posse de filho.
ABSTRACT: This article addresses and studies the change in the family structure over the years, and emphasizes that through such changes, socio-affective filiation was made possible through the state of having a child and other factors. Bringing even the right of affective children equivalent to legitimate children in light of the Federal Constitution, where there should be no differences between them. This article certifies, through jurisprudential and bibliographic reviews, socio-affectiveness as a real and civil bond for affiliation, not being exclusive the affiliation through blood and biological ties. Also studying the possibility of post mortem socio-affective recognition and from this point on the possible effects on inheritance law. The methodology used will be the deductive method, which is defined as the one that starts from the general to address the particular. Certifying through jurisprudence, doctrines and scientific articles what was presented in this article.
KEYWORDS: Socio-affectiveness. Affiliation. Inheritance. Post mortem. Possession of child.
SÚMARIO: 1. Introdução. 2. A Filiação Socioafetiva. 2.1 Posse do Estado de Filho. 2.3 A Filiação Socioafetiva Post Mortem. 3. A Igualdade Juridíca Entre os Filhos. 4. O Direito Sucessório Consequente Da Filiação Afetiva Reconhecida Post Mortem. 5. Conclusão. 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Família, palavra que se originou do latim, famulus que significava grupos de servos ou escravos domésticos pertencentes a um senhor, no qual futuramente teve o afeto e laços consanguíneos como parte do conceito. Era apenas uma unidade econômica, de que exclusivamente o casamento estava vinculado ao seu conceito, levando em consideração somente os laços sanguíneos. Para o Código Civil de 2002, artigo 1.593: “entende-se como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.” Entretanto, nos dias atuais existem diferentes tipos de família e diferentes fatores são responsáveis pela sua formação.
Com a mudança da sociedade e em alguns valores, morais, culturais e sociais, a estrutura familiar vem sofrendo mudanças aos longos dos anos. Para os mais antigos, a família nada mais é do que a figura paterna, materna e os filhos. Não levando em consideração outros fatores importantes como o afeto. Pessoas com o pensamento retrógado, ainda consideram família apenas pessoas ligadas pelo casamento e por laços biológicos.
No momento atual, o conceito vem se adaptando a realidade em que vivemos, no qual existem diferentes tipos de família, como por exemplo: informal, monoparental, anaparental. Sendo possível também, a formação a partir do afeto e da responsabilidade afetiva.
A socioafeitividade é o vínculo familiar formado a partir de grande afeto ou quando existe exercício de função de pai, mãe e irmão. No código civil, a socioafetividade está presente no art.1.593 que dispõe que: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.” sendo assim, possível a paternidade através do afeto, que não há laços sanguíneos, mas há vontade de ser pai, mãe ou filho de quem o reconheça como tal. Sendo também, uma forma de parentesco civil baseada no estado de posse de filho. Havendo filiação socioafetiva.
O conhecimento acerca da filiação socioafetiva e seus efeitos no direito sucessório são de extrema importância para a sociedade, apesar de não ser um assunto recente ou novo, a possibilidade de reconhecimento socioafetivo ainda é desconhecido por muitos, para mais o reconhecimento post portem que é feito após o falecimento do suposto pai ou mãe afetivos.
A pesquisar busca investigar a filiação socioafetiva post mortem e seus efeitos no direito sucessório e ainda expor os diretos dos filhos afetivos equiparados aos filhos legítimos e biológicos, com o objetivo de trazer atenção para o presente tema através do presente artigo.
2 A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
A filiação socioafetiva se dá pelo reconhecimento jurídico da paternidade e ou maternidade sem vínculo biológico, apenas se dá pelo afeto. Se dá pelo vinculo construído pelo tempo ou através do amor e cuidado que existem nas famílias afetivas. Como bem diz certa expressão popular que “pai é quem ama e cria, o resto é biologia.” também há quem diga que: “pai é quem cria, o resto é doador.” ou seja, quando um homem ou uma mulher criam um filho como se seu fosse, pouco importa a ausência do vínculo biológico. Essa relação vai além do dever de ser pai, é o querer. Envolve amor de pais e filho. Está no desejo de construir uma relação afetiva e duradoura. O desejo de ser pai e mãe está além dos laços biológicos, além da consanguinidade.
No código civil, a socioafetividade está presente no art.1.593 que dispõe que: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem” sendo assim, possível a paternidade através do afeto. Assim sendo, onde não há laços sanguíneos. Posto isto, é uma forma de parentesco civil baseado no estado de posse de filho não sendo necessária a relação consanguínea.
A família passou por algumas transformações ao longo do tempo, de acordo com Maria Berenice Dias: "Deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável reforço ao esvaziamento biológico da paternidade” A filiação socioafetiva, segundo Maria Berenice Dias (2011, p. 46): “É definida quando se está presente o que se chama de posse de estado de filho: é reconhecido como filho de quem sempre considerou seu pai”.
Segundo Paulo Lobo a relação de paternidade não depende mais da exclusiva relação biológica entre pai e filho:
“O ponto essencial é que a relação de paternidade não depende mais da exclusiva relação biológica entre pai e filho. Toda paternidade é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não-biológica” (LOBO, 2006, P, 1.).
Ainda, conforme Paulo lobo em “O exame de DNA e o princípio da dignidade da pessoa humana” (2006. p. 72.)
Pai é o que cria. Genitor é o que gera. Esses conceitos estiveram reunidos, enquanto houve primazia da função biológica da família. Afinal, qual a diferença razoável que deva haver, para fins de atribuição de paternidade, entre o homem dador de esperma, para inseminação heteróloga, e o homem que mantém uma relação sexual ocasional e voluntária com uma mulher, da qual resulta concepção? Tanto em uma como em outra situação, não houve intenção de constituir família. Ao genitor devem ser atribuídas responsabilidades de caráter econômico, para que o ônus de assistência material ao menor seja compartilhado com a genitora, segundo o princípio constitucional da isonomia entre sexos, mas que não envolvam direitos e deveres próprios de paternidade.
A paternidade vai além da ligação biológica, está no ensino dos bons costumes e valores. Se dando através da criação e convivência, especialmente na infância e adolescência que é quando os valores e caráter estão se formando. (LOBO, PAULO, 2006. S/N)
O vinculo socioafetivo se faz tão importante quanto o biológico, segundo Luiz Edson Fachin (1996, S/N) a paternidade vai além dos laços sanguíneos, dando assim importância ao laço afetivo. Se fez imprescindível o desenvolvimento do conceito de filiação através do crescimento da verdade afetiva em relação ao vinculo biológico. (DIAS, 2015, p 319)
Sendo levado em consideração a vontade de construir uma relação de pai e filho, mãe e filho se baseando apenas no carinho, amor e cuidado mutuo que existe nessas citadas relações, o vínculo afetivo é mais forte e importante que o biológico.
De acordo com Guilherme Calmon Gama (2003, p 1050.) “melhor pai ou mãe nem sempre é aquele que biologicamente ocupa tal lugar, mas a pessoa que exerce tal função, substituindo o vínculo biológico pelo afetivo” Tornando-se um dos principais fundamentos, a relação de carinho e afeto que existem entre os pais e filhos afetivos.
A filiação socioafetiva pode ser caracterizada por diversos modos, através da adoção, onde o adotado possui os mesmo deveres e direitos do filho biológico; a técnica de reprodução assistida heteróloga, onde não existem laços biológicos, mas sim afetivos que se dá através do desejo e da espera de ter um filho; e pela posse do estado de filho, onde o filho não é juridicamente filho daquele que o criou, mas exerce todos os direitos e deveres de filho legitimo e é reconhecido pela família e sociedade como tal.
2.1 Posse do Estado de Filho
A posse do estado de filho, como o próprio termo propõe pode ser definido por casos em que estão presentes todos os aspectos legais da filiação, isto é, onde desta relação procedem os fatores presentes na filiação legitima, ainda que não haja de forma concreta no ordenamento jurídico.
A posse do estado de filho é quando há reconhecimento no meio social de relação entre pais e filhos, revelando uma paternidade mesmo que não exista vínculo sanguíneo ou adotivo, mas ainda assim é aparente. Atualmente é grande o número de pessoas que são criadas por terceiros, com relação de amor e afeto, existindo assim relação de pais e filhos e sendo reconhecido como tal diante da sociedade.
Trazendo as palavras de Maria Berenice Dias (2011, p. 46): É reconhecido como filho de quem sempre o considerou seu pai. Gomes (2001, p. 324) também diz que a posse de filho é traduzir a capacidade do indivíduo de externar a condição de filho do casal que o criou e educou.
José Boeira afirma que: “(...) a posse de estado de filho e uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação paterno-filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai. (1999, S/N)”.
A filiação socioafetiva se dá a partir da posse de estado de filiação, que de acordo com Lobo (apud Gama, 2008, p. 399) é quando um indivíduo usa do status de filho de outra pessoas mesmo que não seja a realidade legal. Trazendo também a seguinte jurisprudência:
Ação declaratória. Adoção informal. Pretensão ao reconhecimento. Paternidade afetiva. Posse do estado de filho. Princípio da aparência. Estado de filho afetivo. Investigação de paternidade socioafetiva. Princípios da solidariedade humana e dignidade da pessoa humana. Ativismo judicial. Juiz de família. Declaração da paternidade. Registro. A paternidade sociológica é um ato de opção, fundando-se na liberdade de escolha de quem ama e tem afeto, o que não acontece, às vezes, com quem apenas é a fonte geratriz. Embora o ideal seja a concentração entre as paternidades jurídica, biológica e socioafetiva, o reconhecimento da última não significa o desapreço à biologização, mas atenção aos novos paradigmas oriundos da instituição das entidades familiares. Uma de suas formas é a “posse do estado de filho”, que é a exteriorização da condição filial, seja por levar o nome, seja por ser aceito como tal pela sociedade, com visibilidade notória e pública. Liga-se ao princípio da aparência, que corresponde a uma situação que se associa a um direito ou estado, e que dá segurança jurídica, imprimindo um caráter de seriedade à relação aparente. Isso ainda ocorre com o “estado de filho afetivo”, que, além do nome, que não é decisivo, ressalta o tratamento e a reputação, eis que a pessoa é amparada, cuidada e atendida pelo indigitado pai, como se filho fosse. O ativismo judicial e a peculiar atuação do juiz de família impõem, em afago à solidariedade humana e veneração respeitosa ao princípio da dignidade da pessoa, que se supere a formalidade processual, determinando o registro da filiação do autor, com veredicto declaratório nesta investigação de paternidade socioafetiva, e todos os seus consectários (TJRS. Apelação Cível 70008795775; Sétima Câmara Cível; Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis; j. 23.6.2004)
O estado de posse de filho se dá através de vários fatores, entre eles, vale destacar três elementos que são: nome, fama e trato. Nome, é quando há o uso do sobrenome da família, sendo este o menos importante entre os outros, uma vez que mesmo que o indivíduo não faça o uso do nome da família, mas se encaixe no trato e fama, pode haver estado de posse de filho. Fama; quando a sociedade o reconheça como filho do suposto pai afetivo, todos creem que é de fato filho daquele a quem se dispõe chamar de pai. Tem a fama de ser reconhecido por amigos, vizinhos ou pessoas próximas como filho daquele que o criou, e o trato; este está relacionado ao tratamento do suposto pai em relação ao filho, levando em consideração elementos como a criação, educação e o carinho. É a assistência moral, social e emocional dada ao filho.
Nesse diapasão, são as palavras de Maria Berenice Dias que diz:
Para o reconhecimento da posse do estado de filho, a doutrina atenta a três aspectos: (a) tractatus – quando o filho é tratado como tal, criado, educado e apresentado como filho pelo pai e pela mãe; (b) nominatio – usa o nome da família e assim se apresenta; e (c) reputatio – é conhecido pela opinião pública como pertencente à família de seus pais. Confere-se à aparência os efeitos de verossimilhança que o direito considera satisfatória (DIAS, 2016, p. 678).
Entende-se que o estado de posse de filho está na pratica nos direitos e deveres ligados ao parentesco, sendo ele visível e aparente para terceiros. De forma que o indivíduo seja reconhecido como filho daquele que dispõe a chamar de pai. Apesar de não existir, de fato, vinculo biológico ou sanguíneo, o vínculo é dado pelo afeto, sendo assim, reconhecido como vinculo jurídico.
Além dos três fatores anteriormente exposto, alguns doutrinadores afirmam que para assegurar a caracterização da posse de estado de filho, se faz necessária a presença de dois fatores: a continuidade e a notoriedade. A relação deve ser continua e pública.
A notoriedade, afirma que a relação deve ser pública e reconhecida no meio social. Já continuidade se faz necessária, uma vez que para haver vínculo afetivo e significativo em uma relação socioafetiva, é preciso ter convivência, posto que a relação é construída ao longo do tempo junto com o afeto e a confiança. É necessária que a relação entre pai e filho afetivo seja estável.
Assim, de acordo com Luiz Fanchin:
O instituto de que se está a tratar, para a sua caracterização exige que estejam presentes no caso concreto certas qualidades, que ofereçam segurança na afirmação da posse de estado. Há que existir notoriedade do estado de filho, ou seja, a posse de estado deve ser objetivamente visível no ambiente social. Outra qualidade necessária é a continuidade, ou seja, deve apresentar-se uma certa duração que revele estabilidade. Por derradeiro, esses fatos notórios e contínuos não devem gerar equívocos acerca da filiação.
Desta forma, é por intermédio desses entendimentos que o a posse de estado de filho vem sendo aceita pelos doutrinadores e há cada vez mais jurisprudências a favor de tal no ordenamento jurídico nacional.
2.2 A Filiação Socioafetiva Post Mortem
Apesar da socioafetividade e o reconhecimento da paternidade socioafetiva post mortem não encontrar fundamentação concreta e expressa, podemos encontrar respaldo através de doutrinas e jurisprudências, de modo que se ambas se fazem possíveis no ordenamento jurídico brasileiro.
Quando o legislador utilizou o termo “outra origem” presente no artigo 1.583 da Constituição Federal de 1988, ele permitiu que a paternidade fosse dada através de outros meios que não o vínculo sanguíneo, sendo assim, a filiação socioafetiva um meio de parentesco civil.
O código civil de 2002 admitiu diferentes unidades familiares que não fosse apenas aquelas que se dão pelo matrimonio, assim como também homogeneizou os direitos dos filhos, sendo eles biológicos, adotivos ou afetivos. Entretanto, a filiação socioafetiva, como dito anteriormente, não possui fundamentação expressa, mas o ordenamento jurídico possui princípios e doutrinas que são um meio de interpretação e complementação do direito. Segundo Pereira (2004, p.33)
A vida e as relações sociais são muito mais ricas e amplas do que é possível conter uma legislação. Os costumes, como uma importante fonte do direito, vão impulsionando os operadores do Direito para uma constante reorganização do Direito de Família, obrigando-os a buscar em outras fontes do Direito os elementos necessários àquilo que mais se aproxima do justo. Entre todas as fontes do Direito, nos “princípios gerais” é onde se encontra a melhor viabilização para a adequação da justiça no particular e especial campo do Direito de família. É somente em bases principiológicas que será possível pensar e decidir sobre o que é justo e injusto, acima de valores morais, muitas vezes estigmatizantes.
O direito busca nos princípios e jurisprudências eventuais brechas que podem existir no ordenamento jurídico brasileiro, sendo necessária a análise destes para o reconhecimento post mortem.
A possibilidade do reconhecimento da paternidade socioafetiva, mesmo após a morte do suposto pai socioafetivo foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça.
ART. 42, § 6º, DO ECA. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. POSSIBILIDADE. MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DAS PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. 1. A socioafetividade é contemplada pelo art. 1.593 do Código Civil, no sentido de que "o parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem". 2. A comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, prevista no art. 42, § 6º, do ECA, deve observar, segundo a jurisprudência desta Corte, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais sejam: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição. 3. A paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a regular adoção, a verdade real dos fatos. 4. A posse de estado de filho, que consiste no desfrute público e contínuo da condição de filho legítimo, restou atestada pelas instâncias ordinárias. 5. Os princípios da livre admissibilidade da prova e do livre convencimento do juiz (art. 130 do CPC) permitem ao julgador determinar as provas que entender necessárias à instrução do processo, bem como indeferir aquelas que considerar inúteis ou protelatórias. 6. Recurso especial não provido
No reconhecimento da paternidade post mortem na filiação socioafetiva, o desejo de ser reconhecido basta, apesar de necessário que esse vínculo seja comprovado. Nesse sentido, confira o Enunciado nº 256 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:
Enunciado 256-CJF: A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.
Para que seja reconhecida a filiação socioafetiva, é necessário que fiquem demonstradas duas circunstâncias bem definidas:
A) vontade clara e inequívoca do apontado pai ou mãe socioafetivo de ser reconhecido (a), voluntária e juridicamente, como tal (demonstração de carinho, afeto, amor); e
B) configuração da denominada “posse de estado de filho”, compreendida pela doutrina como a presença (não concomitante) de tractatus (tratamento, de parte a parte, como pai/mãe e filho); nomen (a pessoa traz consigo o nome do apontado pai/mãe); e fama (reconhecimento pela família e pela comunidade de relação de filiação), que naturalmente deve apresentar-se de forma sólida e duradoura.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.328.380-MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 21/10/2014 (Info 552)
Expondo também a seguinte jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PATERNIDADEREGISTRAL E BIOLÓGICA. DIREITO À IDENTIDADE BIOLÓGICA. O reconhecimento da paternidade genética e socioafetiva é um direito da personalidade. [...] o vínculo de afeto entre a investigante e o pai registral não pode afastar os direitos decorrentes da filiação, sob pena de violar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. [...] com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais. Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso. (TJ-RS - Apelação Cível: AC 70074023318, Rel. Des. Jorge LuísbfDall'Agnol, julgado em 20 de julho de 2017, 8ª Câm. Cível)
Deste modo, é cabível o reconhecimento de filiação socioafetiva post mortem desde que presentes todos os fatores e características que foram citados no tópico a cima. Considerando também, imprescindível a análise de princípios constitucionais, doutrinas e jurisprudências que embasarão a possibilidade de reconhecimento da paternidade socioafetiva após a morte do suposto pai afetivo.
3 A IGUALDADE JURÍDICA ENTRE OS FILHOS
No código civil de 1916, estava previsto que só era considerado filho aquele que gerado ao longo do enlace matrimonial, sendo considerados ilegítimos os filhos que fossem gerados em situações divergentes a esta, como os filhos incestuosos, adulterinos e os filhos adotivos, que também sofriam com grande diferença em relação aos filhos legítimos.
No código civil de 1916 previa que:
“Art. 338. Presumem-se concebidos na constância do casamento:
I – Os filhos nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II – Os nascidos dentro nos 300 (trezentos) dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite ou anulação”.
Apenas em 1949 com a criação do decreto lei n° 4.737 foram reconhecidos os filhos adulterinos e incestuosos.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição,
DECRETA:
Art. 1º O filho havido pelo cônjuge fora do matrimônio pode, depois do desquite, ser reconhecido ou demandar que se declare sua filiação.
Art. 2º O presente decreto-lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 24 de setembro de 1942, 121º da Independência e 54º da República.
Mas foi somente na Constituição Federal de 1988 que os filhos adotivos passaram a ter os mesmos direitos que os filhos biológicos, sendo proibida a distinção entre eles. Passaram-se a existir diferentes e novas composições familiares.
Trazendo a Paternidade socioafetiva para o âmbito do direito sucessório, e para os direitos do filho afetivo equiparado aos direitos do filho biológico, evidência-se alguns pontos conforme os pensamentos de Maria Helena Diniz (2007, p. 21) o princípio da igualdade dos filhos:
“(a) não pode haver nenhuma distinção entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, direitos, poder familiar, alimentos e sucessão; (b) permite o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento; (c) proíbe que se revele no assento do nascimento a ilegitimidade simples ou espuriedade; (d) veda designações discriminatórias relativas à filiação”.
A igualdade entre filhos é realidade no ordenamento jurídico, é estritamente proibido a distinção entre eles sendo a filiação legitima, adulterina, incestuosa ou afetiva.
Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (Artigo 1596 da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002) O artigo 227, § 6º da Constituição Federal de 1988, equiparou os filhos adotivos, afetivos e biológicos, protegendo-os contra as injustiças decorrentes do Código Civil de 1916 e proibindo distinção entre os filhos. Artigo 227, § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Segundo Gama (2008, p. 329) o parentesco biológico ou afetivo, são válidos não podendo haver diferenças e discriminação no que tange aos direitos sucessórios. Não havendo mais a distinção de filhos, e parte disso foi possível no ordenamento jurídico através da afetividade (SOUZA, HYAGO, 2019, s/n)
O parentesco civil, passou também a adotar além da adoção, a afetividade como vinculo civil, excluindo assim, a desigualdade em relação ao filho legitimo. (BERENICE DIAS, MARIA, 2015, p. 379.)
Todos os filhos, de acordo com a Constituição Federal devem ter seus direitos e deveres resguardados sem a possibilidade de distinção entre eles, sendo assegurado através do princípio da igualdade jurídica entre filhos
4 O DIREITO SUCESSÓRIO CONSEQUENTE DA FILIAÇÃO AFETIVA RECONHECIDA POST MORTEM
A palavra sucessão de acordo com o dicionário Dicio (www.dicio.com.br) significa: “Ato ou efeito de suceder, de vir depois; continuação. Sequência de pessoas, de eventos, de circunstâncias que ocorrem sem pausas ou com pequeno intervalo: sucessão de reis, e de ideias.” Já no meio jurídico, também de acordo com o dicionário Dicio (www.dicio.com.br) significa “transmissão dos direitos e bens de quem faleceu; herança.” Significa transferência por morte do legado ou herança em razão de lei ou testamento.
A herança é um conjunto de direitos e obrigações que se transmite para aquele que está na linha de sucessão, está relacionada a descendência. No direito brasileiro, está estabelecido quem seriam os herdeiros legítimos e os que seriam chamados na falta destes. Os descendentes seriam os primeiros e os demais seriam excluídos na presença do primeiro.
Deste modo, uma vez que provado e reconhecido o filho como descendente do pai afetivo, o estado e direito de filho legítimo pode ser exercido pelo filho afetivo assim como o uso do nome e consequentemente, o uso do patrimônio. Desse modo, Dias (2017, p.819):
“O adotado adquire os mesmos direitos e obrigações como qualquer filho. Direito ao nome, parentesco, alimentos e sucessão. Na contramão, também correspondem ao adotado os deveres de respeito e de obediência. Os pais, por sua vez, têm os deveres de guarda, criação, educação e fiscalização. Art. 1596 do CC: Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
Em se tratando do direito sucessório, Flávio Tartuce (2016, p. 203) aponta o filho afetivo como herdeiro legitimo, mesmo após a morte do pai afetivo, protegendo os direitos sucessórios do filho socioafetivo, assim como legitimo, como já elucidado no presente artigo, não havendo distinção entre eles.
O Código Civil de 2002, como já esclarecido anteriormente, ao instituir que o “parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem” a filiação socioafetiva, poderá ser incluída. Carlos Roberto Gonçalves afirmar que:
“Em face da atual Constituição Federal (art. 227, § 6º), do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 20) e do Código Civil de 2002 (art. 1.596), não mais subsistem as desigualdades entre filhos consanguíneos e adotivos, legítimos e ilegítimos, que constavam dos arts. 377 e 1.605 e parágrafos (o § 1º já estava revogado pelo art. 54 da LD) do Código Civil de 1916. Hoje, todos herdam em igualdade de condições. Mesmo os adotados pelo sistema do diploma revogado (adoção restrita) preferem aos ascendentes. O mesmo ocorre com os filhos consanguíneos havidos fora do casamento, desde que reconhecidos” (2007, p. 43)
Entre os filhos legítimos e afetivos deve haver igualdade. Os tópicos atuais trouxeram novas discursões a respeito de sucessões, existindo jugados onde mesmo após a morte do pai afetivo o filho afetivo não poderá ser impedido de obter o reconhecimento de um direito apenas pela falta de formalização.
De modo que de acordo com o 227, § 6° da CF são: “proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” sendo eles filhos biológicos, afetivos ou adotivos. Trazendo o voto do Ministro Marco Aurélio Dias Toffoli:
“O reconhecimento posterior do parentesco biológico não invalida necessariamente o registro do parentesco socioafetivo, admitindo-se nessa situação o duplo registro com todas as consequências jurídicas daí decorrentes, inclusive para fins sucessórios.”
Além disso, conclui-se que o efeito herança se estende à filiação aos benefícios sociais, de modo que os filhos reconhecidos pelos pais afetivos são também herdeiros necessários da herança testamentária.
5 CONCLUSÃO
Em virtude dos fatos apresentados no presente artigo, percebe-se a evolução do conceito e estrutura da família e os efeitos de tais mudanças ao longo dos anos, mudança essa que tornou possível o afeto como vínculo jurídico, não sendo mais necessário o casamento ou relações biológicas para caracterizar a estrutura familiar.
A partir deste ponto, também se fez possível a socioafetividade como meio de adoção e reconhecimento da filiação, trazendo os filhos do afeto e o estado de posse do filho para o meio jurídico. Onde a paternidade socioafetiva alcançou seu reconhecimento no âmbito jurídico, estando presente no Código civil, jurisprudências e doutrinas.
Dessa forma, a partir da filiação socioafetiva, o princípio da igualdade entre filhos foi utilizado como base para não haver distinção entre eles, sendo filhos biológicos, ou não, buscando também, tal princípio como fonte para interpretação da lei.
Deste modo, temos o reconhecimento da filiação socioafetiva como parentesco civil.
Sendo assim o afeto, amor, cuidado e responsabilidade afetiva como base. Portanto, posto como parentesco civil de outra origem, conforme consta na Constituição Federal, e reconhecido pelo meio jurídico, trazendo consigo todos os direito e deveres que a filiação carrega.
Em relação a filiação socioafetiva post mortem, mostra que apesar de não está expressamente no Código Civil ou na Constituição federal, pode ser caracterizada e efetivada através da análise do estado de posse do filho, sendo caracterizada pelo nome, trato e fama, além de ter o afeto como principal fonte a ser estudada.
Por conseguinte, a aplicação dos direitos sucessórios se faz possível ao filho socioafetivo, sem que haja discriminação, mesmo que reconhecido post mortem, sendo apenas necessária a comprovação da relação afetiva e do desejo do suposto pai afetivo que cuidou e amou seu filho, de reconhecê-lo como tal.
Por fim, vale ressaltar que o conceito de família, assim como o de paternidade sofreram visíveis alterações, pois pai/mãe não é somente aquele que o gerou biologicamente, mas sim o que gerou o filho no coração. “Pai é quem cria, e filho é filho”.
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Graduanda em Direito pela Faculdade metropolitana de Manaus- Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FROTA, Elizabeth Thainá Tavares da. A filiação socioafetiva e seus efeitos no direito sucessório mesmo que reconhecida post mortem. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2021, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57426/a-filiao-socioafetiva-e-seus-efeitos-no-direito-sucessrio-mesmo-que-reconhecida-post-mortem. Acesso em: 22 nov 2024.
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