RESUMO: O presente artigo busca estudar, explicar e evidenciar as implicações das Fake News na sociedade, tendo em vista, principalmente, a era da globalização, abordando o direito à liberdade de expressão, assim como as hipóteses de abuso do direito, no ordenamento jurídico brasileiro, alcançando o tema de novos danos. A pesquisa proposta pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. O trabalho fez uma análise do conceito de responsabilidade civil, de direitos fundamentais e ponderação de direitos. A discussão teve com base o Código Civil e Código de Processo Civil, para entender a responsabilização civil do agente pela propagação de fake news. O mesmo foi elaborado por meio de pesquisa bibliográfica e exploratória, com análise qualitativa dos materiais coletados, além de análise de conteúdo da doutrina, jurisprudência e legislação pertinente. Assim se diz que as Fake News se inserem como elemento ocasionador de danos, não somente morais ou materiais, sendo possível a hipótese de danos sociais em função do resultado da conduta de disseminação de notícias falsas na sociedade contemporânea.
PALAVRAS-CHAVE: Fake News. Responsabilidade Civil. Liberdade de Expressão. Discurso de ódio.
ABSTRACT: The present article sought to study, explain and evidence the implications of Fake News, mainly in view of the globalization era, seeking to address the right to freedom of expression, as well as the cases of abuse of rights, in the Brazilian legal system, reaching the issue of new damages. The proposed research belongs to the legal-sociological methodological strand. The work analyzed the concept of civil liability, fundamental rights and the weighting of rights. The discussion was based on the Civil Code and Code of Civil Procedure, seeking to understand the agent's civil liability for the propagation of fake news. It was elaborated through bibliographic and exploratory research, with qualitative analysis of the collected materials, besides content analysis of the doctrine, jurisprudence, and pertinent legislation. Thus, it is said that Fake News is inserted as an element that causes damages, not only moral or material, being possible the hypothesis of social damages due to the result of the dissemination of false news in contemporary society.
KEYWORDS: Fake News. Civil Liability. Freedom of Expression. Hate Speech.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Responsabilidade Civil. 3 Impacto das Fake News na Sociedade. 3.1 A liberdade de expressão e o discurso de Ódio. 3.2 As Fake News e a vacinação. 3.3 Fake News e as eleições. 4 Tratamento jurídico das Fake News no cenário Mundial. 5 Analise Jurisprudencial. 6 Conclusão. 7 Referências.
1 INTRODUÇÃO
O termo “Fake News” teve uma grande evidência nos últimos anos, podemos defini-la como conteúdo que são propagados nas redes sociais como se fossem uma notícia, com cunho jornalístico, entretanto, as informações contidas são comprovadamente falsas.
Não há exatamente um motivo para a criação das fake News, alguns tem a intenção de criar uma manchete sensacionalista para que ocorra um grande acesso em sites para ganharem visibilidade. Outros criam com o intuito de espalhar boatos e reforçar certos pensamentos políticos, sociais e econômicos.
Vale ressaltar que, qualquer que seja a informação, por mais simples que seja, acaba induzindo pessoas ao erro. Com a velocidade dos meios de comunicação hoje em dia as notícias se espalham em questão de minutos, fazendo com que um grande número de pessoas sejam enganadas por esse tipo de informações falsas.
Um exemplo que pode ser citado foi durante o período eleitoral, onde um grupo de pessoas especializadas em criar fake news espalharam nas redes sociais certos boatos, que foram propagados em grande massa, alcançando milhões de pessoas, ocorrendo, assim, uma certa influência em seus votos e posicionamentos políticos.
Em todos os casos de fake News, suas consequências podem vim a ser desastrosas, ocasionando danos sociais por conta da disseminação de notícias falsas dentro da sociedade. Perante o exposto, cabe a análise: qual a responsabilidade do Direito diante das fake News?
Desde que o bombardeio de fake News iniciou, diversos países começaram a ter iniciativas para combater essa propagação. A União Europeia se posicionou com a disposição de lutar contra o problema, começou a monitorar diariamente as fake News tirando-as de circulação assim que são identificadas.
Diante do alcance e da dimensão da lesividade que pode ocorrer por conta das notícias falsas fora necessário que ocorresse algum tipo de regulamentação na internet. Mediante o estudo desse assunto um fato que cabe analisar é a Lei n.º 12.965/14, o Marco Civil da Internet, a qual regula o uso da internet no Brasil por meio de princípios e direitos, sempre atenta a preservação e mantendo a rede neutra.
Nesse contexto, a cada momento cresce a necessidade de uma tutela para os bens jurídicos que acabam sendo eventualmente ofendidos. Um dos meios para que ocorra a maior proteção desses bens é a possibilidade de ocorrer a responsabilidade penal e civil.
A Lei 13.834 de 2019 foi sancionada com o intuito de punir quem propaga as fake news com finalidade eleitoral (BRASIL, 2019c). Outra criação foi a ‘Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) - Fake News, que tem a intenção de investigar os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público.
Por mais que algumas medidas tenham sido tomadas para tentar evitar a propagação das fake News, ainda há muito o que ser discutido. Por ser algo muito abrangente e difícil de estruturar, os sistemas atuais ainda não conseguem dar conta, em razão disso há a necessidade de um estudo mais profundo sobre esse fenômeno que vem prejudicando as informações dentro da sociedade.
Mediante o cenário mundial, a escolha do tema torna-se importante pelo fato de ser muito discutido sobre a liberdade de expressão como um direito absoluto, e que esse argumento é usado para que informações sejam divulgadas, sendo elas verdadeiras ou não, ou seja, é importante compreender até onde a liberdade de expressão pode ser usada e o momento em que começa o combate contra as fake News.
A análise desse tema não está apenas no valor acadêmico, mas também com o intuito de estimular uma maior discussão aprofundada, e fornecendo parâmetros e argumentos jurídicos, direta ou indiretamente, que dizem respeito a problemática envolvida.
2 A Responsabilidade Civil.
Quando falamos de responsabilidade civil pelas fake News vale entender que a lei a qual dispõe sobre o Marco Civil da Internet (Lei n° 12.965/2014) não dispõe de forma específica sobre a responsabilidade civil do usuário das redes sociais, sendo assim, se valendo do Código Civil para essa análise.
A responsabilidade civil pode surgir de vários fatores, como podemos entender de acordo com Flávio Tartuce:
“A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida. Neste sentido, fala-se, respectivamente, em responsabilidade civil contratual ou negocial e em responsabilidade civil extracontratual, também denominada responsabilidade civil aquiliana, diante da Lex Aquilia de Damno, do final do século III a.C., e que fixou os parâmetros da responsabilidade civil extracontratual (TARTUCE, 2018, p. 594)”.
No nosso ordenamento jurídico brasileiro a responsabilidade civil se encontra no Código Civil em seu artigo 927, que tem a seguinte redação:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, 2002) ”.
De acordo com os ensinamentos de Gagliano e Pamplona Filho (2018, P.154), por responsabilidade civil temos a ideia de atribuição das consequências danosas da conduta ao agente, sendo assim, para a sua configuração, a referida atuação lesiva deva ser contrária ao direito, ilícita ou antijurídica.
Atualmente, tendo em vista a sociedade moderna, o dano passou a ter novas proporções, sendo mais facilmente identificado por conta das mudanças sociais e tecnológicas contempladas.
Dizer que os danos aumentaram em nosso século envolve certo turismo. Se nós, no início do século passado engatinhávamos nas possibilidades tecnológicas, se sequer conhecíamos a televisão ou o avião, se uma notícia demorava lentos meses para partir da Europa e até chegar até aqui, hoje, desnecessário dizê-lo, a situação modificou-se de modo impensável. É possível até afirmar, sem muito medo de errar: talvez a mais otimista das previsões não previsse que chegaríamos aonde chegamos, em possibilidades tecnológicas. (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2015, p.789).
Pelo que já fora exposto nesse trabalho admite-se que a utilização de fake news se entende por ser uma disseminação de notícias falsas sobre determinado indivíduo, grupo, ou situações ocorridas. Sendo assim, a partir do que se tem previsto acerca da responsabilização civil no Brasil, tal conduta também pode ser passível de condenação.
Diante das situações de falsas notícias sendo espalhadas em massa, houve significativo crescimento de demandas dessa natureza.
Conforme o entendimento de Sobral, podemos observar que:
“No âmbito legal e jurídico, observa-se uma crescente demanda referente aos problemas oriundos deste livre acesso e geração dessas informações nas quais os atores sociais ora se apresentam com emissores, ora receptores, ou vice-versa, e cujo conteúdo não se tem controle tendo em vista que pode/ ser alterado inúmeras vezes pelos usuários devido à velocidade de sua propagação, ensejando não apenas insegurança sobre sua a veracidade, bem como o seu uso indevido com cometimento de abusos que podem violar e atingir os direitos da personalidade gerando responsabilidade para aquele que comete o ilícito (SOBRAL, 2018, p.1)”.
De acordo com o ensinamento de Cíntia Lima “o sistema jurídico da responsabilidade civil está fundado na ideia de dano local ou dano regional, mas, tendo em vista a comunicação em massa transfronteiriça das redes sociais, a extensão do dano é muito maior” nas fake News (LIMA, 2015, p. 157).
Fora o dano é necessário que haja a análise da conduta do agente que ocasionou o dano mencionado, que se modifica quando há um propagador de notícias falsas e aquele que expõe em seu provedor tais informações.
Quando lemos o ponto de vista de Guimaraes e Silva, entendemos que a propagação da Fake News, evidencia uma conduta, de uma maneira que, a publicação de uma notícia falsa ou que contenha elementos falsos é uma conduta humana comissiva. Vislumbra-se, também, a hipótese de conduta omissiva no caso de responsabilidade civil jornalística pelo descumprimento do dever de verificação das Fake News, quando veículos jornalísticos replicam Fake News de outras mídias. (GUIMARAES e SILVA, 2019, p. 1) ”
Pelo fato de que em muitas situações a atuação jornalística é presente, torna-se indispensável trabalhar a liberdade de manifestação dos indivíduos. Por conta disso, quando se fala sobre o direito constitucional à liberdade de expressão é necessário que se entenda o limite da utilização deste pelo fato que existe o direito a dignidade da pessoa humana, ou seja, direitos violados das vitimas por fake News.
Pelo entendimento de Guimaraes e Silva, sobre os limites impostos pela lei em publicações na internet, é importante compreender que:
Logo, atrelada a questão da internet e das redes sociais, depreende-se que os sujeitos têm o direito de expressar suas opiniões no ambiente digital e de realizar publicações em tal ambiente uma vez que não extrapolem os limites impostos pela lei. Nesse sentido, na hipótese que o façam surgirá a responsabilidade pelos danos causados advindos das ações que pratiquem, de forma a reparar o dano sofrido e restaurar a normalidade das relações sociais. [...]. Nessa esteira, a lei civil estabelece que para além do ato ilícito constate no art. 186, uma nova modalidade é elencada no art. 187, a figura do abuso de direito. Tal hipótese é verificada quando determinado sujeito, titular de um direito subjetivo ou potestativo, o exerce para além dos limites impostos pela lei, os bons costumes, fins econômico-sociais para a qual aquela situação jurídica lhe fora concedida e especialmente, a boa-fé. (GUIMARAES e SILVA, 2019, p. 1).
Nesse contexto, a partir do que foi exposto é possível entender que um fato essencial para se determinar a responsabilidade civil em decorrência de fake News é a constatação dos requisitos legais somados à má-fé, imprudência ou excesso na conduta do agente.
De acordo com os ensinamentos de Frias (2018, p.43) as fake News são todas as informações que comprovadas falsas possam prejudicar uma pessoa ou um grupo de pessoas, e que tenha sido posta em circulação por má-fé. De acordo com Braga (2018; p.8), se diz respeito a uma disseminação, por qualquer meio de comunicação, de notícias falsas com o interesse de atrair a atenção para desinformar ou obter vantagem política ou econômica.
3 Impacto das Fake News na sociedade.
Grupos de pessoas por todo o mundo estão tendo suas vidas afetadas pelas histórias falsas que circulam hoje na internet. Desde os mais insignificantes, os quais não geram um dano negativo até os mais absurdos, os quais envolvem o direito a imagem e a integridade da pessoa humana são os que circulam atualmente pela web.
Quando se fala de rede social, entende-se por ser ambientes artificiais no ciberespaço e nele as pessoas podem compartilhar notícias, ideias, costumes, diferentes informações, essa realidade foi gerada pela necessidade do ser humano em ter uma interação além das relações pessoais. (RECUERO; 2009. P. 52)
No que diz respeito ao impacto das redes sociais na vida das pessoas, pode-se observar conteúdos ditando padrões de comportamentos sobre certos grupos, até que, involuntariamente, ele sé expanda para toda a sociedade, o qual a massa irá propagar. A situação funciona como uma reação em cadeia, começando pelos maiores, os influenciadores, e seguindo para os influenciados e depois para o povo distante que não era o público-alvo. (BRANCO; 2017. P[?]).
O termo “fake News” impactou a sociedade e teve sua popularização expandida em 2016, o mesmo surgindo no meio da temporada de eleições presidenciais dos Estados Unidos da América. Nessa época, muitos boatos foram espalhados, contra e a favor de candidatos, influenciando na votação que aconteceria naquele ano.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), podemos observar que:
[...] a internet trouxe novos desafios também na aferição de veracidade das notícias. Se antes a limitação de um boato dificilmente transpassava os limites de uma cidade ou, quando muito, de um país, hoje o boato torna-se global sem grandes dificuldades, com consequências imprevisíveis. (IBCCRIM, 2018, p. 2).
O fator mais preocupante quando se trata de fake News não é necessariamente o fato de existirem pessoas com a má intenção de cria-las e propaga-las, mas pela dificuldade em descobrir a veracidade daquela noticia, pelo fato de que, a grande parte dos leitores somente leem e passam adiante sem procurar saber as fontes das notícias. Essa pesquisa foi realizada por Vosoughi, Roy e Aral (2018; p. 707-710) onde investigaram a difusão de fake news compartilhadas na rede social Twitter durante 2006 e 2017, provando que as informações falsas eram propagadas muito mais rápido do que as verdadeiras. E, ao contrário do que a crença popular acredita, essas notícias são espalhadas em grande maioria por humanos e não robôs.
3.1 A liberdade de expressão vs discurso de ódio.
Quando se aborda o tema de liberdade de expressão, a qual encontramos no art. 5º, II, da CF/88, percebe-se que há varias modalidades de Liberdade de Expressão, podendo ser apontadas: a Liberdade de Manifestação do Pensamento, Liberdade Artística, Liberdade Científica, Liberdade de Imprensa, entre outras.
Algumas limitações existem quando falamos, por exemplo, da livre expressão de pensamento, podendo ser encontrada no art. 5º, IV, da CF/88, possui como uma limitação a este direito o fato de ser vedado o anonimato: “IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Sendo assim, percebe-se que esse direito fundamental possui uma proteção limitada, sendo ligada a necessidade de informação de quem expressa aquela opinião.
Em relação a liberdade de imprensa, as limitações a tal liberdade debatida, encontra-se no artigo 220 da CF/88, no § 1º, por mais que no § 2º, do mesmo artigo, expressamente vede toda e qualquer censura, in verbis:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Nesse contexto, se entende que a liberdade de impressa possui limitações e para que as informações jornalísticas circulem é necessária uma atenção aos incisos IV, V, X, XIII e XIV do art. 5º da CRFB, os quais dizem respeito uma possível indenização por danos morais à imagem, o direito de resposta, da honra, entre outros. Com isso, se percebe que a liberdade de expressão é dividida em espécies, quando diz respeito aos casos concretos, tendo cada uma suas próprias limitações.
Esse direito pode ser entendido também como um direito de defesa frente ao Estado, estando dentro do bloco de direitos individuais, liberais ou de 1ª dimensão. Quando se fala dessa dimensão, se entende que os direitos abrangidos por ela são os quais o Estado deve não interferir sobre a esfera de liberdade individual. (GILVEY; 2013, p. 2)
Outra limitação a ser apontada é o respeito ao direito do próximo, como por exemplo, a sua honra. Um dos debates que ocorrem em relação as fake news, é sobre as charges políticas, as quais não possuem o intuito de manchar a imagem, mas de fazer uma crítica através do riso. Nesse momento, vale acrescentar as palavras do Min. Ayres Brito na ADI 4.451, no qual relatou que “a locução humor jornalístico enlaça pensamento crítico, informação e criação artística”. (MENDES; GONET BRANCO, 2017, p. 277-278).
Entretanto, fora afirmado nesse mesmo momento que o dever de equidistância e imparcialidade jornalística não tem o mesmo significado do que uma impossibilidade a uma posição crítica. Fora mencionado também que, no contexto eleitoral, é de costume ser aceitáveis manifestações contundentes, própria das disputas político-partidárias (MENDES; GONET BRANCO, 2017, p. 277-278).
Quando se discute sobre as fake News, percebe-se que não só colocam em risco o compromisso com as informações verdadeiras, mas com a vida de diversos grupos que foram alvejados pelo efeito difundido pela mídia das fake news. Ocasionando assim que, os discursos de ódio, ganhassem o protagonismo ao serem utilizados como enxerto na elaboração de notícias falsas em escala global.
As fake News acabam por aproveitar a polarização política ou afetiva para se beneficiar com a aceleração da disseminação das mesmas. Pode-se se citar um exemplo que ocorreu em junho de 2017, um áudio surgiu com a informação que a Organização das Nações Unidas teria enviado 13 navios com 1,8 milhões de refugiados muçulmanos para o Brasil e que uma cidade estava sendo construída para abrigar essas pessoas, no entanto, essa noticia acabou se tornando viral em diversas redes sociais. (GOMES; 2019, p. 27)
No mesmo áudio ainda havia a afirmação de que a Lei de Migração, Lei 13.445, de 24 de maio de 2017, havia sido deferida por conta da influência do estado iraniano sobre alguns parlamentares brasileiros, que teriam sido subornados para cumprirem a agenda desse grupo. Na mesma mensagem o autor confirmava que o resultado dessa ação seriam “vários atentados, com dominação, com invasão de igrejas, estupro de mulheres, sequestro de meninas, de mulheres. Porque eles fazem isso naturalmente”. (GOMES; 2019, p. 27)
Esse acontecimento é um exemplo bastante comum do que acontece por conta das fake News, e, a partir dele, pode-se retirar algumas características pertinentes a esse fenômeno de notícias falsas que acabam ocasionando o discurso de ódio, como uma atribuição a um grupo identificado, uma estigma de criminoso, assim também como o chamado para alguma ação contra esse grupo especifico que supostamente estaria vindo ao Brasil causar balburdia.
Tendo uma visão do cenário brasileiro quando se diz respeito do normativo-constitucional, além das colisões e tensões normativas o qual o Poder Judiciário enfrenta frequentemente, vale ressaltar um dos julgados marcantes realizados pelo Supremo Tribunal Federal referentes ao tema liberdade de expressão, destacando o discurso de ódio e fake news.
Ao mesmo tempo em que a Constituição brasileira defende a liberdade de expressão, se encontra também em seu texto, no Artigo 5º, XLI, que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, procurado defender o princípio da dignidade da pessoa humana, considerado valor fundante do Estado e da democracia.
Se entende por discurso de ódio, um discurso que se baseia no preconceito direcionado a um grupo ou individuo, com a motivação de humilhar os mesmos, podendo, muitas vezes, alcançar atos de violência e de apologia de crimes. O termo hate speech, discurso de ódio, atua de acordo com a raça, cor, nacionalidade, religião, orientação sexual, etnicidade ou gênero de uma pessoa, implicando na ofensa da vítima.
De acordo com o entendimento de Potiguar, o discurso de ódio pode surgir da seguinte forma:
“O discurso de ódio pode surgir tanto na forma explícita, óbvia, evidente e, portanto, teoricamente fácil de ser combatida, como também pode vir mascarado por sutilezas que transmitem sua mensagem de intolerância e desprezo de forma indireta.” (POTIGUAR, p.12).
Um dos casos mais conhecidos por hate speech é o Caso Ellwanger (HC 82.424/RS), na qual foi o que mais repercutiu em termos de análise crítica pelo STF por conta da interpretação do princípio da liberdade de expressão para julgar um típico caso de discurso negacionista de fatos históricos comprovadamente admitidos, sendo um ato facilmente enquadrado no discurso de ódio.
O Ministro Celso de Mello no caso defendeu que a liberdade de expressão, a qual é protegida constitucionalmente, não abrange a incitação ao ódio público, pelo fato de que isso feriria o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual também é protegido constitucionalmente, tido como um elemento fundamental da República.
Refiro-me ao princípio indisponível da dignidade da pessoa humana, que, mais do que elemento fundamental da República (CF, art. 1º, III), representa o reconhecimento de que reside, na pessoa humana, o valor fundante do Estado e da ordem que lhe dá suporte constitucional.
(...)
A intolerância e as consequentes práticas discriminatórias, motivadas por impulsos racistas, especialmente dirigidos contra grupos minoritários, representam um gravíssimo desafio que se oferece à sociedade civil, a todas as instâncias de poder no âmbito do aparelho de Estado e ao Supremo Tribunal Federal. (BRASIL. STF. Habeas-Corpus n° 82.424-2. Relator Ministro Moreira Alves.)
Ainda na visão desse ministro, o caso Ellwanger não constitui uma situação de conflituosidade entre valores essenciais, pelo fato de que a dignidade da pessoa humana e a igualdade se caracterizam por serem limitações externas à liberdade de expressão. Desse modo, Mello argumentou que os comportamentos abusivos que visam disseminar o ódio contra outros indivíduos não podem ser considerados uma forma de expressão, mas um crime.
Já o Ministro Gilmar Mendes se posicionou afirmando que o conceito de raça decorre de concepções históricas, políticas e sociais, sendo assim, não somente científica. Na análise do hate speech, Gilmar citou Kevin Boyle, o qual defendeu existir um conflito entre dois direitos democráticos – a liberdade de expressão e o direito à não-discriminação (igualdade política). Sendo assim, o Ministro Gilmar Mendes julgou ser possível a utilização de livros como instrumentos de crime de discriminação racial, conforme já criminalizado em cortes europeias.
Da mesma forma, não se pode atribuir primazia absoluta à liberdade de expressão, no contexto de uma sociedade pluralista, em face de valores outros como os da igualdade e da dignidade humana. Daí ter o texto constitucional de 1988 erigido, de forma clara e inequívoca, o racismo como crime inafiançável e imprescritível (CF, art. 5º, XLII), além de ter determinado que a lei estabelecesse outras formas de repressão às manifestações discriminatórias (art. 5º, XLI).
É certo, portanto, que a liberdade de expressão não se afigura absoluta em nosso texto constitucional. Ela encontra limites, também no que diz respeito às manifestações de conteúdo discriminatório ou de conteúdo racista. Trata-se, como já assinalado, de uma elementar exigência do próprio sistema democrático, que pressupõe a igualdade e a tolerância entre os diversos grupos. (BRASIL. STF. Habeas-Corpus n° 82.424-2. Relator Ministro Moreira Alves.)
Nesse contexto, Mendes se baseou no princípio da proporcionalidade para solucionar a colisão entre liberdade de expressão e igualdade. Esse método que possui etapas específicas para que a ponderação seja fundamentada do peso relativo de cada princípio no caso concreto. De acordo com o Ministro, o princípio da proporcionalidade é uma exigência positiva e material quando se diz respeito a atos restritivos de direitos fundamentais, pois combate o “limite do limite” na restrição de tais direitos. (MARINHO, p. 223).
A partir dessa análise, entende-se que, alguns usam a liberdade de expressão como argumento para admitir o discurso do ódio como manifestação legítima, ainda que com prejuízo aos ofendidos. Quando na verdade, o que ocorre é a Liberdade de Expressão, tutelada pelo Estado Social tendo restrições importantes ao seu poder de autodeterminação, para que seja repudiado e evitado o discurso do ódio.
3.2 Fake News e a vacinação
Quando entendemos a dimensão da propagação de notícias falsas, percebemos o quanto nos encontramos prejudicados por conta delas. De acordo com a pesquisa do Instituto Ipsos (Instituto de pesquisa), atualmente, o Brasil estar em primeiro lugar na lista de países que mais acredita em fake News, relatando que 62% dos brasileiros acreditam nessas notícias.
O Ministério da Saúde, em 2018, desenvolveu um espaço na internet, ou seja, um sitio eletrônico com o intuito de combater as Fake News e se comprometeu a esclarecer as notícias se fundamentando em evidencias cientificas e suas fontes. Essa medida se fez necessária pelo fato de que aplicativos de trocas de mensagens estavam dificultando o entendimento da população acerca de doenças. No período de 29 de janeiro a 31 de março de 2020, foi possível identificar 70 registros de fake News de acordo com o banco de dados do Ministério da Saúde.
A propagação desses tipos de notícias falsas é indicada como uma das razões principais para a dificuldade de aceitação das medidas preventivas e dos cuidados que foram estabelecidos pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e pela ciência em prol da saúde coletiva. (BERTOLLI; 2019. P.16)
As informações encontradas apontavam, principalmente, para quatro tipos de registro com ligação a COVID-19, dando informações sobre os discursos de autoridades da saúde, prognósticos da doença, medidas protetivas e sobre vacinação. Com o estudo realizado o resultado da tipificação das 70 Fake News sobre a pandemia de COVID-19 possibilitou perceber que elas possuem interferências nos comportamentos e na saúde da população. (SANAR MEDICINA; 2020 [?])
A disseminação de grupos contra a vacina nas redes sociais, sendo uma grande parte no Brasil, fez com que houvessem diversas notícias irreais sobre os efeitos da vacina, entre as principais estava: A vacina irá modificar o DNA dos seres humanos; A vacina contém na sua composição células de fetos abortados; as vacinas são parte de uma conspiração de Bill Gates para implantar microchips em seres humanos; Voluntários dos testes já morreram por terem se submetido ao uso das vacinas. (SANAR MEDICINA; 2020 [?])
Além disso, a fake news: “ingerir álcool com uma alta concentração pode desinfetar o corpo e matar o vírus”, uma das que mais circularam durante o período pandêmico, fez com que estudos apontassem que 5.876 pessoas foram hospitalizadas, 800 mortas e 60 ficaram cegas. (SANAR MEDICINA; 2020 [?])
O diretor geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, relatou que a desinformação formada por grupos que propagam fake News sobre a vacina é uma grande ameaça à saúde mundial, e, em suas redes sociais, publicou o seguinte pedido: “As principais organizações digitais têm uma responsabilidade: garantir que seus usuários possam acessar informações sobre vacinas e saúde. Queremos que os atores digitais façam mais para tornar conhecido em todo o mundo que vacinas funcionam”, disse Adhanom.
Com isso, percebe-se que as fakes news contribuem para que a descrença na ciência, nos cientistas e na saúde pública aumente cada vez mais. Ademais, notícias de procedimentos que são falsamente eficazes se espalham com a mesma velocidade, como foi o caso da hidroxicloroquina como um possível “tratamento precoce” e a ideia de isolamento vertical como argumento contra o distanciamento social (ORTEGA; 2020. P.1).
Assim, conclui-se que esse conteúdo faz com que haja uma manipulação individual, cada cidadão acredita naquilo que é mais conveniente aos seus próprios interesses religiosos, sociais e políticos. E em situações como as que o mundo enfrentou no último ano, a disseminação desse tipo de mensagem pode ser letal.
3.3 Fake News e as eleições
Durante as eleições presidenciais dos Estados Unidos, o Buzzfeed, um sítio eletrônico muito popular que pode ser acessado por meio do Facebook, fez uma análise sobre os impactos das fake news no momento do período eleitoral. Um ponto destacado na pesquisa foi que 20 falácias a respeito das eleições que surgiram através de sites enganosos e blogs resultaram em mais de 8,711,000 compartilhamentos, reações e comentários no Facebook.
O estudo também percebeu que, nos últimos meses que ocorreu a campanha, o principal conteúdo eleitoral dos canais de notícias ultrapassava o de notícias falsas sobre as eleições no Facebook, entretanto, quanto mais as eleições se aproximavam, o número de compartilhamento das fake news na plataforma disparou e ultrapassou o do conteúdo das principais agências de notícias.
Durante as eleições de 2016, muitas fake news foram provocações abertas aos candidatos. Essas notícias tem o poder de atingir certo grupo de eleitores, induzindo os mesmos a mudarem de opinião sobre aquele candidato no qual viriam a votar, ou seja, uma forma de manipulação.
O BuzzFeed Brasil fez uma análise com dez fake news que foram mais viralizadas sobre a Lava Jato que na sua grande maioria envolvia algum partido político ou possível candidato à presidência. Sendo assim, percebe-se que as fake news não causam uma consequência negativa somente no âmbito individual, mas coletivamente. Em 2017, foi noticiado pelo jornal Estadão que:
[...] cerca de 12 milhões de pessoas difundem notícias falsas sobre política no Brasil, de acordo com levantamento do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) da Universidade de São Paulo (USP). Se considerada a média de 200 seguidores por usuário, o alcance pode chegar a praticamente toda a população brasileira (MARTINS, 2017. P.2).
De acordo com a reportagem publicada no site do jornal EL PAÍS, o mestre em Políticas Públicas Rafael Schmuziger Goldzweig comentou que:
“[…]Estudos provam que o ambiente virtual teve uma influência grande na eleição de Donald Trump em 2016, e a forma como grupos que o apoiavam usaram as mídias sociais beneficiou o candidato. Grupos de extrema direita, que representavam 11% dos seguidores do então candidato, foram responsáveis por cerca de 60% dos retweets para ele durante o período eleitoral. A tendência se seguiu em outros países – na campanha do Brexit, nas eleições da Alemanha e da França, entre outros. No Brasil, a situação não é diferente. O sucesso do candidato Jair Bolsonaro é, em parte, explicado pelo seu alcance nas mídias sociais e o apoio de grupos que o capitalizam.
Vale ressaltar que, o Poder Judiciário se faz protagonista de um combate contra as fake news e contra as desinformações. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante a campanha eleitoral de 2018, desenvolveu um link em seu site, buscando esclarecer aos eleitores sobre as notícias difundidas no ambiente virtual, e para que ocorra com eficiência o mesmo possui a colaboração de agências de checagem de conteúdo.
Ademais, isso comprova a necessidade de informação e pesquisa que, todos os indivíduos como cidadãos do país possuem, antes de escolher quem irá nos representar em cada eleição.
4 Tratamento jurídico das fake News no cenário mundial
Como já dito anteriormente nesse artigo, as fake News não se caracterizam por serem apenas informações espalhadas sem produzir consequência, pelo contrário, essas notícias por terem uma grande facilidade em se proliferar e não possuírem senso crítico, possuem um potencial de lesividade e influencia muito alto, ao ponto de terem efeito em situações como as eleições.
Nos tempos atuais, com essa propagação exagerada, vários países começaram a desenvolver alternativas com o intuito de combater as fake News, fazendo com que fique o alerta para a comunidade mundial da importância do combate a essa causa.
A União Europeia se prontificou em combater esse problema, começou monitorando e retirando do ar as fake News o mais rápido possível, tomando cuidado para não colidir com nenhum direito de liberdade fundamental. (EUROPEAN COMISSION; 2017)
O Roadmap fora criado para o combate a fake news e desinformação online, de 09/11/2017. Neste documento, a União Europeia possui o pressuposto de que no centro da democracia existe o acesso universal à informação confiável, por mais que não sejam poucas as pessoas que ainda têm dificuldade em discernir informação e jornalismo de propaganda. (EUROPEAN COMISSION; 2017)
Vale ressaltar que, a Alemanha, em 2017, desenvolveu o Ato para Cumprimento da Lei nas Redes Sociais (Netzwerkdurchsetzungsgesetz). Nessa lei encontra-se que provedores de redes sociais tem a obrigação de bloquear ou remover conteúdos falsos e ilegais que foram publicados, e possuem o prazo de um dia, ou seja, 24 horas, que começa a ser contado a partir da reclamação ou determinação judicial. (BUNDESAMT FÜR JUSTIZ; 2017)
Outro ponto a ser destacado é a Lei que entrou em vigor nas Filipinas em 20 de julho de 2017, chamada de “Anti-Fake News Act of 2017”, criada com o intuito especifico de combater a propagação das notícias falsas, na qual proíbe sua criação e disseminação.
A lei estabelece penas, pecuniárias e restritivas de liberdade, para quem vier a descumprir, ou seja, quem criar ou circular fake News. (SENATE OF THE PHILIPPINES; 2017)
Vale dizer que o Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América, não ficou muito atrás quando se fala do combate a esse problema mundial. O Ato Político da Califórnia para Redução de Ciberfraudes tornou ilegais os denominados atos de cibe fraudes. Esses atos de cibe fraudes podem ser entendidos como aqueles que impedem o acesso a informações políticas de caráter verdadeiro, acabando por tornar ilegal que ambientes na Internet semelhantes a outros que veiculem informações de cunho político possuam registros. (LEGISLATIVE INFORMATION; 2017).
Portanto, a internet não é “terra sem lei”, como muitos acreditam. Atualmente, como relatado, o campo virtual está tendo a cada dia mais um foco para que crimes como os já citados, venham a ser evitados.
5 Análise Jurisprudencial.
É necessário analisar uma decisão ocorrida no Tribunal de Justiça do Espírito Santo. A decisão em questão analisou a aplicabilidade do princípio da razoabilidade do direito de informação e manifestação levando em consideração a responsabilização daqueles que utilizam de forma imprudente, in verbis:
Em consagração ao artigo 5º, incisos IV, IX e XIV, da CF/88, o artigo 3º, inciso I, da Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet), estabelece como princípio do uso da internet no Brasil a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, resguardando-se, contudo, em seus incisos II e VI, a necessária proteção da privacidade, bem como o direito à indenização pelo eventual dano material ou moral sofrido, na forma do inciso X, do artigo 5º, da CF/88. O direito à liberdade de expressão, no qual se inclui o de manifestação jornalística, deve ser exercido com razoabilidade e extrema cautela, notadamente diante das consequências devastadoras e muitas vezes irremediáveis sobre os direitos da personalidade do alvo objeto de análise. Em respeito ao direito difuso à informação verdadeira, é preciso que a informação jornalística seja precisa e minuciosamente conferida pelo profissional, a fim de evitar a proliferação de notícias falsas, sobretudo por meio do compartilhamento no ciberespaço. Na hipótese, com as ressalvas afetas ao momento em que o feito originário se encontra, não há como manter a divulgação dos conteúdos jornalísticos disponibilizados pelos réus/agravados na internet que, aparentemente, sem qualquer substrato atual e desprovidos de indícios de veracidade e de concretude, associam o autor/agravante à práticas ilícitas. Encontra-se presente o periculum in mora para o deferimento da medida requerida, haja vista que a indevida associação jornalística do nome do autor/agravante à Operação Lava Jato amparada em fato pretérito e não comprovado é atual e possui o condão de conspurcar sua honra, reputação e demais direitos da personalidade. Recurso conhecido e parcialmente provido.
Desse modo, é possível entender que na decisão bem fundamentada do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a Lei do Marco Civil abrangeu o uso da internet no Brasil, apontando-o como um item do princípio da liberdade de expressão, entretanto, apesar da concessão deste como um direito inerente ao homem. É necessário que também haja um cuidado com o direito alheio, que sendo ele violado e ocorrendo um ato ilícito poderá então, ser responsabilizado civilmente como uma indenização, seja ela por dano patrimonial ou extrapatrimonial.
Além disso, o relator Jorge Henrique Valle dos Santos, também pontuou que: “O direito à liberdade de expressão, no que se inclui o de manifestação jornalística, deve ser exercido com razoabilidade e extrema cautela, notadamente diante das consequências da personalidade do alvo objeto de análise.”
Outra decisão que pode ser exposta nesse artigo, fora a do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), do estado de Pernambuco, na qual ocorreu:
INTERNET. BLOG. CONTEÚDO INVERÍDICO. FAKE NEWS. EXTRAPOLAÇÃO DA LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. PEDIDO LIMINAR. DEFERIDO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Divulgação de notícia falsa na internet, que excede o direito de liberdade de expressão. 2. Conteúdo veiculado em 2018, que datam às eleições 2014. Fake news, inexistência de processo judicial ou investigação destinada a apurá-las. 3. Liberdade de expressão se vê limitada por restrições necessárias, em uma sociedade democrática, de proteger a reputação e os direitos de outras pessoas, não se estendendo à divulgação de notícias inverídicas ou ofensivas à honra de terceiros. 4. Provimento da Representação. Manutenção da medida liminar, para referendo do Pleno.
Nessa decisão, é possível observar que, atualmente, está sendo necessário impor um certo limite a liberdade de expressão no mundo contemporâneo. Por conta da facilitação, que foi criada através da globalização, de produção e disseminação de informações, a necessidade de medidas judiciais que busquem o equilíbrio da proteção do direito de informação com outros direitos inerentes ao homem, como por exemplo, a honra, a imagem de terceiros, que podem ser violadas, através de fake news.
Fica evidente assim, que o entendimento jurisprudencial brasileiro vem sendo a favor da responsabilidade pela criação e disseminação de notícias falsas que acabam causando um certo tipo de dano indenizável do agente causador em face do ofendido.
6 CONCLUSÃO
O presente artigo buscou discutir a questão da responsabilidade civil em âmbito digital, principalmente referente aos danos causados pela disseminação e propagação de Fake News. O tema proposto no estudo se situa em um complexo cenário, bastante amplo, pelo fato de que o meio tecnológico se modifica continuamente e em uma velocidade extraordinária, criando novos meios de comunicação e exposição de ideias, e, consequentemente, facilitando o surgimento de novos espaços de propagação de Fake News.
A partir da discussão apresentada, entende -se que é possível a identificação da responsabilização dos agentes causadores do delito da criação e circulação das fake news. O termo fake news não é algo novo para sociedade, entretanto, passou a ter uma maior repercussão nos últimos anos e virou um dos maiores desafios para o Ordenamento Jurídico, por ter uma dificuldade enorme em seu controle, pela sua fiscalização, ou até mesmo pela efetividade de meios para responsabilização.
De acordo com a redação disposta no inciso X do artigo 5º da Constituição “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988). Sendo assim, através do Código Civil, é possível a responsabilização moral e material decorrente de qualquer conduta que possa causar comprovado dano a outra pessoa.
A caracterização da responsabilidade civil em decorrência de fake News é percepção dos requisitos legais sendo eles: a má-fé, imprudência ou excesso na conduta do agente. Dessa forma, não há como dizer que liberdade de expressão estar sendo afrontada, pois, as fakes news não se exterioriza com um dano pessoal e coletivo direcionado a sujeitos determinados, ou seja, violando o direito de outros cidadãos.
Portanto, nada impede uma tutela específica buscando a proteção personalíssima da vítima em função do dano social causado pela ação de determinado sujeito agindo por meio das fake news, por intermédio da Defensoria Pública ou do Ministério Público.
7 REFERÊNCIAS
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Graduando(a) do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIANA, Robert Moreira. Análise das fake news mediante a responsabilidade civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2021, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57428/anlise-das-fake-news-mediante-a-responsabilidade-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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