RÔMULO DE MORAIS E OLIVEIRA[1]
(orientador)
RESUMO: A temática do trabalho possui como questão central o estudo da política de desenvolvimento urbano e sua relação com o direito fundamental de moradia. Este estudo norteou-se a partir de um objetivo geral em demonstrar quais as consequências jurídicas que a falta, ou mesmo a deficiência, do planejamento urbano pode gerar no contexto do direito fundamental à moradia. A metodologia empregada foi através da pesquisa jurídica, de cunho exploratória, sendo bibliográfica e documental, considerando que foram observados entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tratamento legislativo que o ordenamento jurídico brasileiro atribui às políticas urbanas, como também, pesquisar a respeito do direito fundamental à moradia com foco no planejamento urbano. Ademais, buscou-se investigar quais as consequências jurídicas decorrentes de políticas urbanas não planejadas ou mal estabelecidas ao direito fundamental de moradia. Dentre os resultados alcançados tem-se que ficou demonstrado que o Estado tem o dever de proporcionar, tanto de forma direta quanto indireta que todos tenham acesso a uma moradia digna e adequada, sob a ótica da dignidade da pessoa humana, devendo o Estado garantir o mínimo existencial de acordo com o ordenamento jurídico e o reconhecimento nos organismos internacionais. Concluiu-se, então, que embora nosso ordenamento jurídico estabeleça, no plano constitucional e infraconstitucional, o direito à moradia a todos, este não vem sendo efetivado de maneira a reduzir a desordem urbanística de nosso país. Fato decorrente não só da insuficiência das políticas públicas, mas também de um sistema político voltado a interesses individuais, causando como consequências uma crescente ilegalidade urbana que atinge em especial a população mais carente.
Palavras-chave: Política de Desenvolvimento urbano. Direito Fundamental. Mínimo Existencial. Insuficiência das políticas públicas.
ABSTRACT: The theme of the work has as its central issue the study of urban development policy and its relationship with the fundamental right to housing. This study was guided by a general objective to demonstrate the legal consequences that the lack, or even the deficiency, of urban planning can generate in the context of the fundamental right to housing. The methodology used was through legal research, exploratory in nature, being bibliographical and documentary, considering that doctrinal and jurisprudential understandings were observed about the legislative treatment that the Brazilian legal system attributes to urban policies, as well as researching about the fundamental right to housing with a focus on urban planning. Furthermore, to investigate the legal consequences arising from unplanned or poorly established urban policies for the fundamental right to housing. Among the results achieved, it has been demonstrated that the State has a duty to provide, both directly and indirectly, that everyone has access to decent and adequate housing, from the perspective of human dignity, and the State must guarantee the existential minimum in accordance with the legal system and recognition in international organizations. It was concluded, then, that although our legal system establishes, at the constitutional and infra-constitutional level, the right to housing for all, this has not been implemented in such a way as to reduce the urban disorder in our country. A fact arising not only from the insufficiency of public policies, but also from a political system geared to individual interests, resulting in a growing urban illegality, particularly affects the poorest population.
Keywords: Urban Development Policy. Fundamental right. Existential Minimum. Insufficiency of public policies.
O assunto abordado no presente trabalho envolve o estudo a política de desenvolvimento urbano e sua relação com o direito fundamental de moradia.
Assim, tem-se por tema desta pesquisa apresentar o direito fundamental à moradia com foco no planejamento urbano, observando-se o tratamento legislativo que o ordenamento jurídico brasileiro atribui às políticas urbanas. Apresentando quais as consequências jurídicas decorrentes dessas políticas urbanas não planejadas ou mal estabelecidas ao direito fundamental de moradia, surgindo, assim, a seguinte problemática: a falta ou deficiência do planejamento urbano implica na violação dos direitos fundamentais à moradia?
O Brasil é composto por diversas regiões, cada uma com suas próprias conjunturas, e praticamente todas marcadas por grandes abismos sociais. Cada uma delas sofreu o impacto da globalização e do crescimento econômico de um modo diferente.
Silva (2016, p. 10), cita que:
O crescimento urbano provoca uma sobrecarga na necessidade de infraestrutura e equipamentos, afetando o funcionamento da cidade como um todo e comprometendo a qualidade de vida da população. A questão habitacional com suas inadequadas condições de moradia para a população de baixa renda também é problema gerado pela acelerada urbanização. Assim, são cruciais os investimentos nas cidades, na tentativa de diminuir os malefícios ocasionados pelo crescente aumento da urbanização.
Ainda nas palavras da autora Silva (2016, p. 10):
A perspectiva que se pretende dar é a de que as omissões por parte do legislador, bem como do Poder Público, em determinadas áreas, como saúde, educação, transporte, e principalmente moradia, não podem ficar sem a devida proteção, e consequentemente, sendo violados e desrespeitados de forma constante. Nesse ponto, cumpre mencionar, que a doutrina mais tradicional quando relata acerca das omissões inconstitucionais, foca principalmente na omissão legislativa, ou então na omissão no que diz respeito à administração. Logo, é imprescindível que as políticas públicas sejam definidas com planejamento e responsabilidade, para que de fato, os direitos sejam concretizados. Caso não ocorra, é necessário o auxílio do poder judiciário para que o mínimo seja garantido e respeitado.
Por meio de uma pesquisa dogmática, o trabalho foi estruturado em três capítulos. Pretende-se abordar no primeiro capítulo do presente trabalho questões gerais pertinentes às políticas urbanas no ordenamento jurídico brasileiro e a aplicação do estatuto da cidade como norma regulamentadora das políticas urbanas.
No segundo capítulo, foi observado acerca do direito fundamental à moradia no contexto do planejamento urbano como “[...] direito integrante do rol dos direitos sociais, econômicos e culturais. Para que tenha eficácia jurídica e social, necessita de ações positivas do Estado, por meio de políticas públicas.” (SILVA, 2016, p. 12).
No terceiro e último capítulo, foi averiguado pelos entendimentos doutrinários, as consequências jurídicas ao direito fundamental trabalhado diante da ausência ou ineficiência dessas políticas públicas.
2 DAS POLITICAS URBANAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Planejamento é uma forma racional de procedimento com vistas a atingir determinados objetivos. Todavia, o planejamento para ter eficácia, depende de um diagnóstico da situação prévia, dos meios disponíveis, do cenário conjuntural, dos atores envolvidos, e de outros fatores, sem os quais os objetivos predeterminados, podem não vir a ser totalmente atingidos (DAGNINO, 2014).
No Brasil, o planejamento no âmbito federal foi primeiramente idealizado no governo Juscelino Kubitschek, através do Plano de Metas, com bons resultados (DAGNINO, 2014, p. 26).
O urbanismo chegou ao Brasil no final do século XIX, e nessa época vários planos de expansão e de embelezamento das cidades foram empreendidos (SABOYA, 2008).
A partir da década de 30, Prestes Maia e Alfred Agache, desenvolveram planos urbanísticos de grande impacto para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, com destaque na melhoria da circulação, com construções de amplas avenidas e na questão de saneamento e limpeza urbana. Contudo, permaneceu o aumento dos congestionamentos, da violência, expansão das favelas e da população (ANDREATTA, 2006).
Com isso surgiu o chamado Planejamento Urbano, o qual pode ser dado a seguinte definição:
O planejamento urbano é o processo de idealização, criação e desenvolvimento de soluções que visam melhorar ou revitalizar certos aspectos dentro de uma determinada área urbana ou do planejamento de uma nova área urbana em uma determinada região, tendo como objetivo principal proporcionar aos habitantes uma melhoria na qualidade de vida. O planejamento urbano, segundo um ponto de vista contemporâneo, tanto enquanto disciplina acadêmica quanto como método de atuação no ambiente urbano, lida basicamente com os processos de produção, estruturação e apropriação do espaço urbano. (E-CIV, 2011, não paginado).
O planejamento urbano se difere do urbanismo, embora ainda exista muita confusão acerca desta distinção. A diferença está precisamente nesse ideal de inclusão social, de acabar com a dualidade existente nas cidades, em que ocorre a separação de áreas bem distintas de ricos e abastados, dos pobres e miseráveis, ocorrendo assim, muita confusão acerca da distinção entre esses dois conceitos:
Tanto o planejamento urbano quanto o urbanismo são entendidos como estudo do fenômeno urbano em sua dimensão espacial, mas diferem notadamente no tocante às formas de atuação no espaço urbano. Desta maneira, o Urbanismo trabalha com o desenho urbano e o projeto das cidades, em termos genéricos, sem necessariamente considerar a cidade como agente dentro de um processo social conflitivo, enquanto que o planejamento urbano, antes de agir diretamente no ordenamento físico das cidades, trabalha como s processos que a constroem. (E-CIV, 2011, não paginado).
No Brasil, o que mais se vê são exatamente cidades insustentáveis, baseadas em ocupações irregulares em áreas de risco, na degradação dos cursos d’água e dos mananciais, no uso da terra para especulação imobiliária e na expansão das favelas por toda sua periferia (RODRIGUES, 2016).
Trata-se de um modelo “marcado pela expansão infinita e pela insustentabilidade social, econômica e ambiental.” (PINHEIRO, 2010, p. 40).
Um novo padrão surge no final da década de oitenta. O movimento de reforma urbana ganha novo fôlego diante do cenário de redemocratização do país, e muitas de suas ideologias são aproveitadas no novo contexto de constituição promulgado em 1988.
2.1 A POLÍTICA URBANA E SUA ENVERGADURA CONSTITUCIONAL
Na Constituição de 1988, como destacado por Pinheiro (2010, p. 56), pela primeira vez foi delegada aos próprios municípios a competência para executar a política de Desenvolvimento Urbano, que, segundo o “caput” do seu artigo 182, “tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.” (BRASL, [2021a], não paginado).
Segundo Pinheiro (2010), os adeptos da Reforma Urbana atuaram de forma efetiva e articulada durante os trabalhos da Assembleia Constituinte, buscando inserir em seu texto definitivo uma formula para tornar mais democrático o processo de definição das políticas públicas.
Ocorreu a construção de um novo modelo de planejamento e gestão das cidades, com o propósito de se deixar para trás práticas que não impediram o acirramento das desigualdades e o caos urbano. Incluso nesse novo modelo de planejamento das cidades, alguns assuntos ganharam realce, entre os quais a sua função social, a justa distribuição de bens e serviços urbanos, a gestão participativa e democrática, e essencialmente, o equilíbrio ambiental (TEIXEIRA, 2005).
Com o propósito de alcançar a toda a população de uma mesma cidade, e dessa forma reduzir a distância entre a cidade formal (rica e regularizada) e a cidade informal (pobre e precária), a Constituição de 1988 modernizou ao inserir no ordenamento jurídico contemporâneo, um alentado instrumento para o planejamento urbano: o Plano Diretor.
Foi então expressamente reconhecido na Constituição de 1988 o princípio da função social da propriedade urbana ao dispor no § 2º do art. 182 que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atente às exigências fundamentais de ordenação das cidades expressas no plano diretor.” (BRASL, [2021a], não paginado).
Foram inseridos no texto constitucional importantes ferramentas de política urbanística com o intuito de fazer valer a pena o princípio supramencionado: o IPTU, o parcelamento ou a edificação compulsória, e a desapropriação, com previsão no art. 182, § 4º, incisos I a III (BRASL, [2021a], não paginado).
A Constituição em seu artigo 183 fez surgir uma inovação da espécie de usucapião:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de ate duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º o título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou de ambos, independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor de mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (BRASL, [2021a], não paginado).
Desta forma, foi possível preceituar a necessidade da implementação de planos diretores pelas cidades, e instituir importantes instrumentos para a implementação e defesa da função social e da propriedade apenas nos artigos 182 e 183 da Constituição de 1988.
É importante destacar que o desenvolvimento de uma cidade, estado ou país, deve ser realizado respeitando os paradigmas do desenvolvimento sustentável, e somente é atingido plenamente quando respeitada a qualidade de vida de seus cidadãos e o equilíbrio ambiental.
A preocupação com a sustentabilidade é indiscutível, tanto que os dois maiores dispositivos legais que regulam o planejamento urbano no Brasil são fortemente influenciados por aspectos ambientais: o Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/2001) e o Plano Diretor Participativo (PDP).
2.2 O ESTATUTO DA CIDADE COMO NORMA REGULAMENTADORA DAS POLÍTICAS URBANAS
Foi aprovado em 10 de julho de 2001 o Projeto de Lei nº 181/89, proposta feita pelo senador Pompeu de Sousa e sancionado como Lei nº 10.257, regulamentando os artigos 182 e 183 da Constituição Federal.
Manifesta a Lei nº 10.257/2001, desde o seu início, que o novo modelo a ser adotado deve necessariamente levar em consideração maneiras de desenvolvimento que não ponha em risco o equilíbrio ambiental:
Art. 1º. [...] Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. (BRASL, [2021b], não paginado).
A Constituição Federal inovou ao elevar o desenvolvimento sustentável a um princípio de grandeza constitucional, e ao Estatuto das Cidades coube assegurar a todos os cidadãos:
Direito a cidades sustentáveis, compreendido como o direito à terra urbana, à moradia, à infraestrutura urbana, ao saneamento ambiental, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, destinadas às presentes e futuras gerações. (BRASL, [2021b], não paginado).
Vemos, portanto que a Constituição Federal não determinou unicamente a criação dos instrumentos jurídicos para a formação do Estatuto da Cidade, mas também atribuiu os valores que devem conduzir a aplicação e a interpretação desses institutos.
3 O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA NO CONTEXTO DO PLANEJAMENTO URBANO
O direito à moradia foi explicita na Constituição Federal, em 14 de fevereiro de 2000, por meio da edição da Emenda Constitucional nº 26. Esta consagrou no seu artigo 6º, o direito à moradia como direitos e garantias fundamentais (BRASIL, [2021a], não paginado).
Presente no título dois da Constituição Federal de 1988, onde trata dos direitos e garantias fundamentais, o direito à moradia é um direito indispensável e social, considerado cláusula pétrea, visto não ser permitido alterações que tencionem em abolir tal direito por iniciativa do Poder Constituinte Derivado.
O direito à moradia ampara-se no princípio da dignidade da pessoa humana e encontra-se prevista em alguns direitos fundamentais, tais como o direito à propriedade e à vida digna, por exemplo. Há previsão também no artigo 23, inciso IX, da Constituição de 1988, onde determina que todos os entes federativos têm competência administrativa para “promover programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.” (BRASL, [2021a], não paginado).
Com relação ao princípio da dignidade da pessoa humana é importante ressaltar:
O sistema jurídico contemporâneo brasileiro traz elencado em sua Constituição um rol de direitos fundamentais e, ainda, o princípio da dignidade humana, norteador de todo ordenamento jurídico. Tal princípio, inerente a todos os seres humanos, independente de merecimento pessoal ou social. Assim, como direito positivado, a dignidade da pessoa humana assume status de “super princípio”, com conteúdo jurídico capaz de associá-la aos direitos fundamentais, com o fim de proporcionar um norte axiológico ao ordenamento jurídico, proporcionando assim uma coerência valorativa. (REIS, 2007, p. 87).
A relação da dignidade humana e do direito à moradia origina-se da disponibilidade de possuir condições materiais mínimas para uma vivência ampla:
Com efeito, sem um lugar adequado para proteger a si próprio e a sua família contra intempéries, sem um lugar para gozar de sua privacidade e intimidade, enfim, de um espaço essencial para viver com um mínimo de saúde e bem-estar, certamente a pessoa não terá assegurada a sua dignidade, aliás, a depender das circunstancias, por vezes não terá sequer assegurado o direito a própria existência física, e, portanto, o seu direito a vida. ‘Não é por outra razão que o direito a habitação, também entre nós – e de modo incensurável – tem sido incluído até mesmo no elenco dos assim designados direitos de subsistência, como expressão mínima do próprio direito a vida.’ (SARLET, 2008, p. 45).
Na esfera internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), reconhece os denominados direitos econômicos, culturais e sociais, dentre eles o direito à moradia que, e seu artigo 25, item 1, assim dispõe:
Todos têm direito ao lazer e ao repouso, bem como a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, e serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice, ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948, não paginado).
No âmbito internacional, o direito à moradia passou a ser reconhecido em diversos tratados internacionais, que foram ratificados e incorporados ao direito interno brasileiro.
Com isso, “[...] tem-se a universalidade do direito à moradia, visto que seu exercício estende-se a todos os indivíduos, independente de sexo, etnia, religião, situação financeira. Apesar de serem diferentes, todas as pessoas desfrutam desse direito com base no princípio da igualdade.” (SOUZA, 2004, não paginado apud SANTOS, 2013, não paginado).
Assim sendo, O mesmo autor continua o pensamento descrevendo que:
[...] é nítido que o direito à moradia é exercido ao longo do tempo e nunca prescreve. O indivíduo nasce com ele que só é extinto com a morte, tendo como consequência, a cada violação, a proteção do desfavorecido ou direito a indenização. E por nascer e deter esse direito retrata a sua irrenunciabilidade. (SOUZA, 2004, não paginado apud SANTOS, 2013, não paginado).
Os direitos sociais são direitos de segunda dimensão. São direitos em geral de cunho positivo que exigem do Estado um comportamento ativo na realização da justiça social:
[...] na esfera dos direitos da segunda dimensão, há que atentar para a circunstância de que estes não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as assim denominadas “liberdades sociais”, do que dão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como do reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores, tais como o direito a férias e ao repouso semanal remunerado, garantia de um salário mínimo, a limitação da jornada de trabalho, apenas para citar alguns mais representativos. (SARLET, 2008, p. 56).
O direito à moradia exige do Estado uma prestação positiva do Estado.
Direitos Sociais, prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo de direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício de sua atividade. (SILVA, 2009, p. 44).
No entanto, uma vez que dirigidos a uma abstenção por parte do Estado e dos particulares, percebe-se que o direito à moradia possui também uma dimensão de cunho negativa.
Em ordem constitucional, os direitos fundamentais, são divididos em duas categorias distintas: os direitos de defesa e os direitos sociais de cunho prestacional. O primeiro necessita de normas para a sua materialização enquanto que o segundo não exige norma para a sua concretização.
Primeiro, nas palavras de Pinheiro (2010, p. 170 apud SANTOS, 2013, não paginado):
esse direito é, primeiramente, a impossibilidade de ser privado aleatoriamente de moradia ou se impedido de obtê-la, aproximando-se dos direitos, liberdades e garantias. E segundo, consiste, ainda, no direito de tê-la, resultando na implantação de medidas e prestações para chegar a esse objetivo, caracterizando-se o próprio direito social. Em linhas curtas, é um direito complexo e multifacetado.
O direito fundamental à moradia é concomitante às duas categorias, requer por parte do Estado uma condição negativa e positiva de caráter prestacional:
Em outras palavras, sustentaremos aqui o ponto de vista de que o direito à moradia exerce simultaneamente a função de direito de defesa e direito a prestações, incluindo tanto prestações de cunho normativo, quanto material (fático) e, nesta dupla perspectiva, vincula as entidades estatais e, em princípio, também os particulares, na condição de destinatários deste direito, muito embora se possa controverter a respeito do modo e intensidade desta vinculação e das consequências jurídicas possíveis de serem extraídas a partir de cada manifestação do direito à moradia [...]. (SARLET, 2010, p. 114).
Assim, deve-se exigir não o direito à moradia diretamente, mas sim ações estatais inequívocas, no propósito de promover o direito à moradia.
3.1 DIREITO Á MORADIA NA SUA DIMENSÃO DE DIREITOS DE DEFESA: negativo
Dentro da dimensão negativa, o direito à moradia encontra-se contra toda e qualquer sorte de agressões, seja por parte de particulares, seja por parte do Estado. Esta dimensão defensiva possui aplicabilidade de eficácia imediata em decorrência do disposto no artigo 5º, § 1º, da Constituição de 1988, inexige desta forma prestações por parte do Estado.
Nesse seguimento, o direito à moradia mesmo conceituada em sua dimensão negativa, é sujeito a restrições.
[...] o direito à moradia reste-se de complexidade peculiar dos direitos fundamentais, notadamente dos sociais, já que abrange um conjunto heterogêneo de posições jurídicas objetivas e subjetivas, assim como assume uma dupla feição defensiva e prestacional. Na condição de direito de defesa (negativo) a moradia encontra-se protegida contra a violação por parte do Estado e dos particulares, no sentido de um direito da pessoa não ser privada de uma moradia digna, inclusive para efeitos de uma proibição de retrocessos, [...] Por sua vez, como direito a prestações, igualmente são múltiplas as possibilidades, já que o direito a efetivação do direito à moradia depende tanto de medidas de ordem normativa (como dá conta, entre nós, a edição do assim designado Estatuto da Cidade) como de prestações materiais, que podem abranger a concessão de financiamentos a juros subsidiados para a aquisição de moradias, como até mesmo o fornecimento de material para a construção de uma moradia própria, entre outras tantas alternativas que aqui poderiam ser citadas. (SARLET, 2009, p. 300).
Desta forma, pode se concluir que tanto os Estado quanto os indivíduos tem a responsabilidade jurídica de respeitar e não infringir o direito à moradia das pessoas. Na obrigação de proteção por parte do estado, inclui também, a responsabilidade de edição regulamentos destinados a garantia de proteção ao direito à moradia.
3.2 O DIREITO Á MORADIA NA SUA DIMENSÃO PRESTACIONAL: positiva
O Brasil é signatário do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966). O mencionado pacto dispõe em seu artigo 2º, item 1:
Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas. (ONU, 1966, não paginado).
Desta forma, fica evidenciado que embora haja a exigência de uma implementação gradativa, visto que inexigível uma resposta imediata para o problema da moradia, devem ainda assim, ser destinados recursos materiais para a implementação de um patamar mínimo.
Silva (2010, p. 120), ao discorrer sobre o conceito de patrimônio mínimo, o associa à concretização do princípio constitucional da dignidade humana:
A dignidade humana não se efetiva sem este mínimo. A pessoa humana é titular de um direito subjetivo a um patrimônio mínimo que lhe promova a inserção social. Esta tese não desconhece o impacto da afirmação, nomeadamente no que se refere à capacidade do Estado em garantir este mínimo patrimonial. Ocorre que sem este mínimo descarta-se a eficácia social a norma constitucional que preconiza a dignidade humana como o centro da sociedade e do Estado.
É relevante evidenciar que o legislador vem dando passos importantes para uma efetiva implementação deste direito, buscando apresentar soluções para os problemas da regularização fundiária urbana e da aquisição da moradia.
Dentre os instrumentos normativos de regularização fundiária, destacam-se os seguintes: a Lei nº 10.257/01 (Estatuto das Cidades); a Lei nº 11.481/2007 e a Lei nº 11.977/09.
Dentre as modalidades de regularização fundiária previstas na legislação brasileira destacam-se as também: a) a regularização fundiária de interesse social (Lei nº 11.977/2009); b) a regularização fundiária de interesse específico (Lei nº 11.977/2009); c) a regularização fundiária inominada ou de antigos loteamentos (Lei nº 11.977, art. 71); e d) a regularização fundiária em imóveis do patrimônio público (Lei nº 11.481/2007).
Nesse seguimento, no ano de 2009, com objetivo de facilitar o acesso à moradia para os cidadãos de baixa renda e incidir na redução do déficit habitacional desta classe social, foi criada a Lei nº 11.977/09, que dispõe sobre o “Programa Minha Casa, Minha vida” e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas (BRASIL, [2021c], não paginado).
4 DAS CONSEQUENCIAS JURIDICAS AO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA DIANTE DA AUSÊNCIA OU INEFICIENCIA DAS POLITICAS URBANAS
É indiscutível que:
o crescimento sem planejamento e sem contrapartida do Poder Público faz com que todos os problemas urbanos assumam dimensões grandiosas e cada vez mais difíceis de serem contornadas. Assim, observa-se que o inchaço populacional urbano é bastante cruel na realidade brasileira, uma vez que os que mais sofrem com esta configuração habitacional são os mais pobres. (GOMES, 2010, não paginado).
Segundo outro pesquisador descreve que:
Da incapacidade de atender à demanda, decorreu a proliferação de áreas de ocupação como resposta da população excluída à redução da oferta de moradias. Assumindo a condição de verdadeiros corredores de degradação socioambiental, os rios e córregos urbanos passaram a orientar o processo de favelização, cada vez mais vistos como signos da ausência de controle urbano. (LACERDA, 2009, p. 62 apud GOMES, 2010, não paginado).
Concerne da “lógica da necessidade", a respeito da qual Alfonsin (2006) se refere. As ocupações irregulares se iniciam por conta da necessidade da população pobre não encontrar espaço no mercado formal de habitação, que é a lógica que a move.
É por conta dos preços excessivamente altos da terra urbana que estas pessoas não têm acesso à moradia, constituindo uma parcela considerável da população que se encontra, inegavelmente, sem opção. A informalidade é inelutável, pois é a única possibilidade de habitar destas pessoas, daí porque se diz que a motivação das ocupações irregulares é a lógica da necessidade. (GOMES, 2010, não paginado).
O pesquisador Grafmeyer ([199-?, p. 32 apud GOMES, 2010, não paginado), cita que: “A lógica da ordenação das cidades, hoje, não é exatamente a mesma do período inicial da industrialização, mas se observa que o resultado é sempre o mesmo: gerando uma espécie de ‘segregação sócio-espacial.” Outro pesquisador descreve que “oportunidades desiguais de acesso aos bens materiais e simbólicos oferecidos pela cidade”. (BESSA, 2003, p. 07 apud GOMES, 2010, não paginado).
Ainda nesta mesma temática o autor Villaça (2004, não paginado apud GOMES, 2010, não paginado), em seu estudo “Efeitos do espaço sobre o social na metrópole brasileira”, apresentar a seguinte informação:
aponta a segregação sócio-espacial como sendo uma das formas de possibilitar o controle da produção e do consumo do espaço urbano pelas classes dominantes. Para o autor, são as classes dominantes que comandam o processo de apropriação diferenciada das vantagens do espaço. Interessante é que o autor aponta que uma das vantagens centrais em disputa é a diminuição dos gastos de tempo despendido nos deslocamentos das pessoas, ou seja, a acessibilidade às diversas localizações urbanas, sobretudo o centro da cidade.
Entre as diversas expressões de desigualdades existentes no Brasil, pode se citar a segregação sócio espacial como geradora de mais pobreza e exclusão. É possível perceber que as ocupações dos espaços das grandes cidades são cada vez mais separadas por muros, muitas vezes não visíveis, mas, é possível visualizar tal separação diante dos altos custos de moradia em determinadas regiões, segundo Rodrigues (2003, p. 12):
Basta observar qualquer cidade para se contatar grandes diferenças entre as características de moradia dos bairros, dimensão dos lotes e imóveis, acabamento das casas, ruas (pavimentadas ou não), iluminação, esgotos, etc., Existem, ao mesmo tempo, zonas com infraestruturas e outras sem. Há espaços desmedidamente ocupados e outros com escassez de ocupação. Grandes espaços beneficiados de infraestrutura e outros com densidade maior de ocupações, mas desprovidos de serviços. Isto esclarece que a diversidade não se especifica apenas as características e ao tamanho das casas e terrenos, mas à própria cidade.
Essas desigualdades de espaços são tituladas como áreas luminosas e áreas opacas. A primeira entende-se como aquelas bem servidas pelas redes de transporte, telecomunicações, infraestrutura urbana, etc., da qual população, mais rica e organizada, determina as normas em contrapartida, a segunda necessitam de modernização e políticas públicas, embora seus habitantes participarem de uma lógica que movimenta os grandes centros (SANTOS, 1991, p. 51).
Nessa direção, tais grupos sociais encontram-se próximos, entretanto desmembrados por muros e artifícios de segurança. Refere-se a um novo modelo de segregação espacial em que a autora denomina de “enclaves fortificados”, ou seja, são locais privatizados, fechados e vigiados para residências, consumo, lazer e trabalho, sob o argumento do medo da violência. São meios utilizados para atrair aqueles que detêm condições e separá-los dos “pobres marginalizados” e os sem teto (CALDEIRA, 2000, p. 211).
Na verdade, a criação da cidade, de suas avenidas, de suas periferias, de seus becos, e de suas favelas não surge casualmente. Está dependente ao processo de acumulação e reprodução do capital. Nas cidades, o desenvolvimento da economia exige o crescimento e a concentração de força de trabalho, que por sua vez requer local para morar. A expansão indiscriminada das periferias cria escassez, carência, indicadores sociais de miséria urbana, violência e a ilusão da irreversibilidade. Desta forma as regiões afastadas de um centro urbano encerram em si o verdadeiro significado expresso pelo termo: são arredores do centro, limites terminais, margens, áreas distantes. Distantes também do acesso à satisfação das necessidades mais comuns. Representam os espaços “feios” da cidade. Uma aparência resultante das condições de renda de sua população. Da economia política vigente que é quem comanda o processo de construção da cidade. (MOURA, 2003, p. 50).
Com fulcro na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, inciso IV, pode-se refletir a respeito da remuneração dos trabalhadores, visto que esses devem receber um salário “mínimo” suficiente para suprir as suas necessidades básicas, como também a de sua família com moradia, educação, alimentação, saúde, lazer, higiene, vestuário, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo. Todavia, tal previsão parece longe da realidade para muitos brasileiros.
Assim, Alfonsin (1994, p. 50), mostra que:
É admitido esclarecer tal disposição com duas categorias de lente: a primeira, em chave de leitura positiva, nela vendo a vontade da Constituição Federal de assegurar ao valor do salário o valor equivalente de todas as coisas que formam aqueles direitos lá previstos, necessários à liberdade de todos e a uma vida digna; a segunda, em chave de leitura negativa e bem mais claros e objetivos, à frente de fatos historicamente repetidos, a de que a referida norma, antes de reconhecer poder aos seus destinatários trabalhador(a)s, de garantir a própria vida, prefere legitimar-se a si própria, ilustrando que o respeito aos direitos fundamentais, por ela perseguido é, meramente, publicitário e, pior, de uma propaganda enganosa - precisa aparentar que está submetida ao mais elementar dever do Estado Democrático de Direito - existir em função dos mesmos direitos, sem garantia dos quais não há vida nem liberdade. Por mais que se saiba que a cidadania é uma conquista diária das pessoas e que a exigência de respeito pela própria dignidade humana compete a cada um (a), há de se convir que, sendo pelo trabalho individual e social que isso se obtém de maneira lícita, a remuneração salarial como meio é incapaz de conquistar os fins a ela atribuídos pela própria Constituição Federal.
No mesmo sentido, Moura (1994, p. 50), destaca que:
Caso a massa salarial e a renda do trabalhador não apresentar crescimento, as periferias, ira sempre ter aspecto de desordem, improviso, inacabado. Uma forma de contrapesar o abstenção da ação positiva do capital e a insuficiência da ação do Estado na reprodução da força de trabalho. Uma maneira de manter o direito de propriedade, não conquistando na maior parte das vezes, o direito de uma vida digna.
Embora nosso ordenamento jurídico estabeleça, no plano constitucional e infraconstitucional, como sendo de direito a todos a moradia, este não vem sendo efetivado de maneira a reduzir a desordem urbanística de nosso país, fruto não só da insuficiência das políticas públicas, mas também de um sistema político voltado a interesses individuais, não observando Tratados Internacionais e direitos sociais garantidos em nossa Constituição Federal de 1988.
Nesse seguimento, a justificação para a não prestação do direito prestacionais ocorre devido a questão de desembolso desses direitos, alegando que os custos dos direitos sociais prepondera os recursos orçamentários, cria-se desta forma, a reserva do possível.
Mas não se pode estabelecer uma relação de dependência entre a escassez de recursos orçamentários e a efetivação de direitos. Afinal, todo o aparato estatal tem um custo, inclusive quando é colocado em funcionamento para garantir os chamados direitos de defesa. Assim, “estabelecer uma relação de continuidade entre a escassez de recursos públicos e a afirmação de direitos acaba resultando em ameaça a existência de todos os direitos.” (BARRETO, 2003, p. 121).
Se os recursos não são suficientes, deve-se retirá-los de outras áreas (transporte, fomento econômico, serviço de dívida) onde sua aplicação não está tão intimamente ligada aos direitos mais essenciais do homem: sua vida, integridade física e saúde. Um relativismo nessa área pode levar a “ponderações” perigosas e anti-humanistas do tipo “porque gastar dinheiro com doentes incuráveis ou terminais?” (KRELL, 2004, 53 apud CONTI E FREIRE ADVOGACIA, 2012, não paginado).
Os Tribunais pátrios vêm resguardando o direito à moradia como direitos básicos da pessoa humana diante da justificativa da reserva do possível:
EMENTA APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE CONCESSÃO DE AUXÍLIO MORADIA, ‘ALUGUEL SOCIAL’. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. FATO OCORRIDO EM 2006. AUTORA QUE REALIZOU PEDIDO ADMINISTRATIVAMENTE REQUERENDO O AUXÍLIO MORADIA. OMISSÃO DO MUNICÍPIO. RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO DO DIREITO DA AUTORA. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. ART. 202 DO CÓDIGO CIVIL. MÉRITO. DIREITO SOCIAL E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NORMA PROGRAMÁTICA – POLÍTICA PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI Nº8.742/93 (LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL). DESAPROPRIAÇÃO DO IMÓVEL PELO MUNICÍPIO. LOCAL DE RISCO. VULNERABILIDADE. PESSOA IDOSA. DEVER DO MUNICÍPIO EM PROVIDENCIAR MORADIA ADEQUADA. POLÍTICAS PÚBLICAS E O PODER JUDICIÁRIO. SEPARAÇÃO DE PODERES. AO PODER JUDICIÁRIO INCUMBE A EFETIVAÇÃO DO CUMPRIMENTO DO ORDENAMENTO JURÍDICO. ENTE POLÍTICO SUBMETIDO AO JUDICIÁRIO EM RAZÃO DE DESCUMPRIMENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.RESERVA DO POSSÍVEL. RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE E ORÇAMENTO FINANCEIRO. LAPSO TEMPORAL ENTRE A DESOCUPAÇÃO (2006) E O INGRESSO DA AÇÃO JUDICIAL QUE POSSIBILITOU AO MUNICÍPIO INCLUIR O CUSTEIO DO AUXÍLIO NO ORÇAMENTO MUNICIPAL. OMISSÃO NÃO JUSTIFICADA. AUSÊNCIA DE PROVA DA INSUFICIÊNCIA ORÇAMENTÁRIA. DEVER DE PRESTAR ATENDIMENTO À AUTORA DESALOJADA POR ORDEM DO MUNICÍPIO. PREQUESTIONAMENTO. RECURSO ADESIVO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. LEI 9494/97, ART. 1º. ANTECIPAÇÃO QUE VISA EXAURIR O OBJETO DA AÇÃO. (PARANÁ, 2016, não paginado).
Portanto, é necessário que, para opor à concessão judicial de prestações sociais, o Estado deve possuir provas suficientes para invocar genericamente a reserva do possível – como tem acontecido na maior parte das ações nesta matéria.
A presente pesquisa norteou-se a partir de um objetivo geral em demonstrar quais as consequências jurídicas que a falta, ou mesmo a deficiência, do planejamento urbano pode gerar no contexto do direito fundamental à moradia.
O direito à moradia foi incorporado no rol dos direitos sociais da Constituição Federal, em seu Art. 6, caput, no dia 14 de fevereiro de 2000, com o advento da Emenda Constitucional nº 26.
Santos (2013, não paginado), cita que:
mostrou-se que esse direito, embora seja definido como direito social, não possui cunho de segundo plano, muito pelo contrário, detém caráter de essencialidade para o ser humano, visto que é condição indispensável para uma realidade tão desigual que se tem conhecimento. E que a indivisibilidade dos direitos humanos não comporta a visão de que apenas os direitos tidos como de primeira geração sejam efetivados, em vista que ao ser humano não é suficiente que se respeito o direito à vida, direito à liberdade, mas também que se possibilite que essa vida se concretize através de direitos que abarcam a realidade social do indivíduo.
Nesse pensamento, é certo que a ausência desse direito impede a própria existência física, já que sem um lugar que lhe proporcione condições mínimas de vivência, o ser humano está destinado a viver na subumanidade, já que a depender da situação.
Nesse cenário, torna se imprescindível a participação do Estado na proteção do direito à moradia, considerando que possuir uma moradia que viabiliza viver em segurança e em condições mínimas de qualidade de vida, é pressuposto básico justificado no princípio da dignidade da pessoa humana e no mínimo existencial.
Outro ponto que é digno de destaque é o fato de que existem grandes disparidades e abismos sociais no país o que causa o impacto da globalização. Os direitos sociais, dentre eles, educação, saúde, moradia, dentre outros, são os mais atingidos com a omissão da Administração Pública e com os impactos da globalização.
O histórico das políticas públicas habitacionais no Brasil mostra como os principais programas não alcançaram êxito entre as categorias sociais mais baixas, favorecendo, de certa forma, os financiamentos para as classes média e alta, auxiliando diretamente no alto déficit habitacional brasileiro.
Foi analisado que a concretização do direito à moradia é dificultado por questões fáticas e jurídicas. Inicialmente, o Estado utiliza a “teoria da reserva do possível” para não materializar os direitos fundamentais sociais. Segundo essa teoria, pretende-se apontar o desprovimento de recursos orçamentários e a impossibilidade de concretizar esses direitos. Por outro lado, o caráter prestacional dos direitos sociais, faz com que o Estado seja o responsável pela implementação de políticas públicas, direcionadas a realização dos direitos sociais garantindo, desta forma, o mínimo existencial às pessoas. Por mínimo existencial, pode-se entender o conjunto de prestações materiais mínimas indispensáveis para que o indivíduo se encontra em situação de dignidade. Logo, ao se aplicar a “teoria da reserva do possível”, o Estado deve proceder com proporcionalidade e razoabilidade, para que esta não seja uma justificativa genérica e abstrata apta a isentar a responsabilidade estatal de promover o mínimo existencial à todos.
A conclusão deste Trabalho de Conclusão de Curso foi no sentido de que restou observado que no contexto brasileiro, não é a falta de leis que causa dificuldade à implementação do direito à moradia adequada, mas sim, possivelmente a falta de políticas urbanas para tornar o direito à moradia uma realidade na vida dos brasileiros.
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[1] Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos. Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Bacharelando em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraiso do Tocantins- FCJP.
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