EMANUELLE ARAÚJO CORREIA
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo pretende discutir e compreender o importante papel das Políticas Públicas em um cenário de constantes violências sofridas nas últimas duas décadas pela população LGBTQIA+ no Brasil. Também, observar a relevância que o papel do Poder Público tem na sociedade, no sentido de monitorar ou garantir esses direitos para um melhor provimento da justiça e igualdade. As decisões garantem direitos, evitando uma discriminação social que já é bastante acentuada nessa população. É evidente que mais avanços no Brasil precisam ser discutidos, na condição de promover a eficiência e eficácia dos mesmos. A abordagem de pesquisa a ser trabalhada, será a pura e básica, de natureza descritiva e qualitativa. O estudo de tal tema é relevante para o âmbito acadêmico e jurídico de Direito, bem como para toda a coletividade da sociedade civil brasileira. Isto porque, nas duas esferas, visa trazer uma maior compreensão e dar ênfase em torno do importante assunto abordado com melhor clareza. É fato que houveram avanços significativos com relação as conquistas alcançadas pela comunidade LGBTQIA+, entretanto, isso não impede que novas sejam adquiridas. Reduzindo assim, os inúmeros casos de mortandade, preconceitos, abusos e violações, o que por sinal são bastante estarrecedores.
Palavras-chave: Movimento LGBTQIA+. Políticas Públicas. Poder Público. Estado.
ABSTRACT: This article intends to discuss and understand the important role of Public Policies in a scenario of constant violence suffered in the last two decades by the LGBTQIA+ population in Brazil. Also, observe the relevance that the role of the Public Power has in society, in the sense of monitoring or guaranteeing these rights for a better provision of justice and equality. Decisions guarantee rights, avoiding social discrimination that is already quite pronounced in this population. It is evident that more advances in Brazil need to be discussed, in the condition of promoting their efficiency and effectiveness. The research approach to be worked on will be pure and basic, descriptive and qualitative in nature. The study of this topic is relevant for the academic and legal scope of Law, as well as for the entire community of Brazilian civil society. This is because, in both spheres, it aims to bring greater understanding and to emphasize the important issue addressed with greater clarity. It is a fact that there have been significant advances in relation to the achievements achieved by the LGBTQIA+ community, however, this does not prevent new ones from being acquired. Reducing the countless cases of mortality, prejudice, abuse and violations, which by the way are quite appalling.
Key-words: LGBTQIA+ Movement. Public Policies. Public Power. State.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONTEXTO HISTÓRICO DESENVOLVIDO PELO MOVIMENTO LGBTQIA+. 3. O PAPEL DO PODER PÚBLICO NA GARANTIA DO ESTADO CIVIL DE DIREITO DOS LGBTQIA+. 4. A IMPORTÂNCIA DO PROVIMENTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
Esse artigo nasce a partir da observância do movimento histórico e relevante desenvolvido nas últimas duas décadas pela população LGBTQIA+[1], em constante luta pela garantia de políticas públicas, garantias do estado civil e sua cidadania na sociedade civil Brasileira. Observa-se também, o quão relevante é o papel do Poder Público, o guardião e garantidor dos direitos humanos e constitucionais, a quem está encarregado executar com eficiência e eficácia. Conforme relatórios de grupos ativistas, que serão abordados neste artigo, o Brasil é considerado como líder mundial em mortes violentas contra LGBTS. É necessário cobrar frequentemente o Estado brasileiro e os seus órgãos para o compromisso da garantia dos direitos humanos, especialmente, daquelas populações mais vulneráveis
A abordagem de pesquisa a ser trabalhada, será a pura e básica, de natureza descritiva e qualitativa. Consistirá não somente no sentido restrito da transcrição encontrada em livros bibliográficos, mas também, em estudos de artigos científicos, teses, revistas, jornais, websites, relatórios, e entre outros. O intuito desta abordagem é entender os motivos e comportamentos dos fenômenos, utilizando os métodos qualitativos que visam explicar o porquê das coisas. Nesse sentido, preocupa-se, com fenômenos da realidade que não podem ser quantificados, focando apenas na compreensão e na explicação da dinâmica das relações sociais.
Em suma, quando se fala em políticas públicas, nos remetemos ao bem-estar coletivo de uma determinada sociedade, visando a igualdade socioeconômica, política, cultural e religiosa entre eles, assim, mantendo uma justa convivência. As Políticas Públicas seriam o pontapé inicial muito importante para dar de fato uma maior visibilidade, oportunidade e garantia dos direitos já reservados pelos LGBTS, uma minoria alvo da discriminação social.
Outro ponto a ser investigado por este artigo é o de questionar a importância que o papel das Políticas Públicas tem, e os seus reflexos voltados para a comunidade LGTBQIA+ no Brasil. E para responder esse questionamento, o objetivo deste artigo é compreender o conceito e funcionamento na prática de tal instituto. Também, relatar o contexto histórico em torno do movimento LGBTQIA+. Demostrar a função do Poder Público como garantidor do Estado Civil de Direito dessa população. Por fim, destacar como essas Políticas Públicas devem e podem ser exercidas.
2. CONTEXTO HISTÓRICO DESENVOLVIDO PELO MOVIMENTO LGBTQIA+
De acordo com uma afirmativa trazida por Maria Berenice Dias (2014), e atribuída por Goethe: “a homossexualidade é tão antiga quanto a heterossexualidade”. Pois se trata de uma realidade bastante presente e reconhecida desde as origens da humanidade. Nenhuma sociedade, de fato, jamais ignorou sua presença, ainda que na maioria das vezes não fosse aceita. E como nunca foi aceita, sempre foi tolerada.
As diversas culturas e civilizações encontraram formas de revelar sua existência, por meio de mitos, lendas, relatos ou encenações. Mutações de costumes e códigos sociais, bem como diferenças geográficas e temporais, sempre condicionaram a maneira de encarar o amor entre iguais. As restrições até hoje impostas às uniões homoafetivas dizem mais com sua externalidade, ou seja, é alvo de rechaço o comportamento homossexual, sua conjugalidade, muito mais do que sua prática. (DIAS, Maria Berenice, 2014, p.46).
É certo que, a estruturação do preconceito contra a homossexualidade advém das religiões. A cultura e religião estiveram frequentemente entrelaçadas, proibindo e censurando os chamados pecados da carne. Mesmo assim, há registros históricos entre as religiões, de que a homossexualidade era permitida. Nos grandes templos do Egito, Mesopotâmia, Fenícia e na Índia, faziam parte de cultos religiosos o ato sexual praticado com homens que eram devotos. Também, os grandes deuses e deusas das religiões politeístas tinham relações com ambos os sexos. (DIAS, Maria Berenice, 2014, p.49 e 50).
Porém, após o surgimento do cristianismo as coisas se converteram. A forte influência greco-romana que se dissipou e o mito Sodoma e Gomorra, principalmente nas religiões judaico-cristãs, fez com que se tornasse um dos principais argumentos daqueles que são contrários as práticas homossexuais. Pelo cristianismo, o sexo é enxergado como pecado, sendo admitido apenas no âmbito matrimonial e exclusivamente para procriação, tendo uma visão de formação familiar. Desta maneira, a monogamia e a virgindade somente para as mulheres passam a ser valorizadas como o símbolo de virtude e de pureza. (DIAS, Maria Berenice, 2014, p.50).
Aqui no Brasil, durante Proclamação da República o cristianismo era a religião oficial. Desta forma, a Igreja Católica teve uma forte influência social do que as outras existentes. Na doutrina católica, só é aprovado as relações heterossexuais no matrimônio, classificando o amor livre e a homossexualidade como condutas desviantes e moralmente inaceitáveis. (DIAS, Maria Berenice, 2014, p.52).
É de notório saber que todas as religiões tem seu papel de cunho social e afetivo, pregando o amor ao próximo. A comunidade LGBTQIA+ são pessoas que só visam alcançar os seus direitos mais básicos, como o direito à cidadania, à inclusão social, e não menos importante, a sua integridade física resguardada. Assim como todas aquelas que buscam o direito de uma vida digna e feliz. Doutrinas ou convicções religiosas não poderiam ser cabíveis para inibir a busca de soluções e conflitos dentro do sistema jurídico. (DIAS, Maria Berenice, 2014, p.53).
O movimento LGBTQIA+, a nível internacional, teve o seu considerado marco na luta pela liberdade de identidade gay e na luta pelos seus direitos durante a Rebelião de Stonewall (Stonewall Riot). Em 28 de junho de 1969, no bar Stonewall Inn localizado em Greenwich Village, na cidade de Nova Iorque, lésbicas, gays, travestis e drag queens, durante uma semana fizeram protestos e brigaram contra a violência policial que era constante nos bares gays da cidade. Esta data se institucionalizou como o Dia do Orgulho Gay. (FRANCO, Lucas Nascimento, 2017, p.2).
Aqui no Brasil, o ponta pé inicial para o movimento a favor da igualdade de direitos aconteceu entre 1978 e 1983, com o surgimento do Grupo Somos de Afirmação Homossexual, em São Paulo, o Grupo Gay da Bahia em 1980, dentre outros grupos. (REIS, TONI, 2014, p.1). A literatura gay também era recente naquela época. O primeiro Jornal gay do Brasil foi fundado em 1978 por Darcy Penteado, o intitulando de Lampião da Esquina, tendo a sua circulação entre 1978 a 1981. (DIAS, Maria Berenice, 2014, p.56).
Outro grande avanço e conquista no Brasil, foi em 1985, feito pelo Conselho Federal de Medicina, com a retirada da homossexualidade do código 302.0 (desvios e transtornos sexuais) da Classificação Internacional de Doenças (CID). Assim, antecedendo em cinco anos outra aprovação em 17 de maio de 1990, desta vez feito pela Assembleia Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), também com a retirada do código 302.0 da CID. (REIS, Toni, 2014, p.1).
Com o aumento desses movimentos libertários, com fortes estruturações de maneira articulada, vem nos trazendo uma aceitação dessa nova realidade, tendo como exemplo as paradas que são realizadas ao redor do mundo. Aqui no Brasil, o primeiro movimento da parada gay, ocorreu em Copacabana, no ano de 1996. Atualmente, São Paulo e Rio de Janeiro são as cidades que realizam as maiores paradas do orgulho LGBTQIA+ do mundo. (DIAS, Maria Berenice, 2014, p.56).
E por fim, nos dias atuais, mais especificamente no dia 13 de junho de 2019, o movimento no Brasil teve uma das suas maiores conquistas alcançadas, com a criminalização da LGBTfobia. Um passo histórico alcançado pela comunidade na justiça, quando o Superior Tribunal Federal (STF) aprovava por 8 votos a 3 a criminalização da homofobia e da trasnfobia. Essa seria a primeira resposta ao avanço do conservadorismo que, infelizmente, ganhou espaço pelas ruas e na política nos últimos anos, tonando assim o Brasil reflexo da própria intolerância. (CATRACA LIVRE, 2020).
3. O PAPEL DO PODER PÚBLICO NA GARANTIA DO ESTADO CIVIL DE DIREITO DOS LGBTQIA+
Conforme a nossa Constituição Federal, tem-se como objetivo principal da República Federativa do Brasil, promover o bem de todos, sem preconceito de sexo. Também é previsto a proibição de qualquer discriminação em relação a salário, exercício de funções e critérios de admissão por motivo de sexo[2]. Em contrapartida, não há nenhuma menção ou referência quanto a discriminação pela orientação sexual. (DIAS, Maria Berenice, 2014, p.85).
Cabe ao Poder Legislativo exercer a obrigação de garantir e resguardar os direitos de todos os cidadãos, isto inclui, aqueles com maior vulnerabilidade, alvos fáceis do preconceito. A população LGBTQIA+, dentre todos, são os mais excluídos e são as maiores vítimas, por serem reféns não só do preconceito social, uma vez que são rejeitados até mesmo por seus familiares. Ficam totalmente sujeitos a um sistema opressor, de humilhação, silenciamento, marginalização e exclusão, por diversas formas de preconceito, discriminação e violências. (DIAS, Maria Berenice, 2014, p.91).
É válido ressaltar, que a nova Constituição de 1988, teve uma grande significância para o posterior avanço dos direitos humanos no Brasil, no período pós-ditadura. Vários dos Princípios Fundamentais e dos Direitos e Garantias Fundamentais, inseridos na Constituição de 1988 foi espelhada na Declaração Universal de Direitos Humanos. (REIS, Toni, 2014, p 2).
Dentre essas disposições, a Declaração Universal em seus artigos 1°, 2°, 3° e 7°, nos traz os seguintes entendimentos:
Artigo 1 - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade;
Artigo 2 - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição;
Artigo 3 - Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal;
Artigo 7 - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. (ONU, 1948).
Já na Constituição Federal de 1988, em seus artigos 3°, inciso IV e 5°, caput, estabelecem que:
Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (BRASIL. 1988).
Nesse contexto, Maria Berenice Dias, nos traz um entendimento essencial quanto a sexualidade:
Indispensável reconhecer que a sexualidade integra a própria condição humana. Ninguém pode realizar-se como ser humano se não tiver assegurado o respeito de exercer livremente sua sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade à livre orientação sexual. A sexualidade é um elemento da própria natureza humana, seja individual, seja genericamente considerada. Sem liberdade sexual, sem direito ao livre exercício da sexualidade, sem opção sexual livre, o próprio gênero humano não consegue alcançar a felicidade. (DIAS, Maria Berenice, 2014, p.120).
A laicidade do Estado, é outro princípio de fundamental relevância para tratar dos direitos humanos das pessoas LGBTQIA+, no sentido de haver separação entre o Estado e as religiões. A liberdade de crenças e cultos é assegurada pelo Estado laico. Entretanto, as religiões não devem ter cunho restritivo nas decisões governamentais. (REIS, Toni, 2014. p.3).
Por meio do Decreto n°119-A, de 7 de janeiro de 1890, foi estabelecido o Estado Laico. Por sua vez foi revogado pelo Decreto n°11, de 18 de 1991. E volta vigorar com a sanção do Decreto n° 4496, de 4 de fevereiro de 2002. (BRASIL, 1890; 1991; 2002 apud REIS, Toni, 2014, p.3). Essa separação entre o Estado e as religiões, são garantidas pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 19, inciso I:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; (BRASIL, 1988).
A laicidade do Estado é de grande relevância, quando o assunto é sobre políticas públicas afirmativas voltadas para garantia os direitos humanos, bem como da população LGBTQIA+, pelo fato de que as doutrinas ou convicções religiosas se posicionam contrárias as manifestações de pessoas do mesmo sexo. Podemos pegar como exemplo ao extremo, países islâmicos onde a prática de atos homossexuais é punida com a pena de morte, e como exemplo moderado – porém prejudicial para avanços na garantia de igualdade dos direitos – o Brasil, nos debates do Congresso Nacional e na sociedade, referentes a criminalização da violência e discriminação LGBTfóbica. Os parlamentares, em sua maioria da bancada evangélica, que compõe a sede do Congresso tem sucessivamente impedindo aprovações de qualquer proposição voltada para a população LGBTQIA+, desde a constituinte. (REIS, Toni, 2014, p.3).
Por fim, tais princípios constitucionais, não devem ser desrespeitados pelo Estado, visto que para o ordenamento jurídico são os principais responsáveis pela unidade e coerência. Assim entende Maria Berenice Dias (2014):
O Estado Democrático de Direito promete aos indivíduos muito mais que a abstenção de invasões ilegítimas de suas esferas pessoais; promete a promoção positiva de suas liberdades. Mas de nada adianta assegurar respeito à dignidade humana, à igualdade e à liberdade. Pouco vale afirmar a igualdade de todos perante a lei, dizer que homens e mulheres são iguais, que não são admitidos preconceito ou qualquer outra forma de discriminação. Enquanto houver segmentos alvo da exclusão social; tratamento desigualitário entre homens e mulheres; enquanto a homossexualidade for vista como crime, castigo ou pecado, não se está vivendo em um país livre. (DIAS, Maria Berenice, p.122).
Nesse sentido, percebe-se a importância que tem o Estado para garantir o avanço dos direitos humanos e de igualdade, bem como da população LGBTQIA+.
4. A IMPORTÂNCIA DO PROVIMENTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Necessário se faz, para efeito de compreensão, um estudo mais aprofundado acerca do tema quando for abordado. Tratando das políticas públicas, são vários os entendimentos existentes focados na compreensão de ações coletivas visando superar problemas de uma determinada sociedade.
Nesse sentido, para se discutir política pública, primeiramente é preciso compreender o conceito de “público”. É denominado como público aquilo que está em oposição ao ideal do privado. Para o público é necessário um domínio de atividade humana conhecida para que haja uma intervenção governamental ou até mesmo para uma ação comum. A exemplo desse campo comum, utilizamos com frequência termos como: o interesse público, o setor público, a opinião pública, a saúde pública, etc. Denomina-se essa esfera comum, de propriedade pública, onde não pertence a nenhum sujeito em particular, sendo controlada pelo governo para fins públicos. (DIAS; MATOS, 2012, p. 11).
A posição da esfera pública é a condição de se tornar um objeto de política pública. É nesse meio que decisões são acatadas pelo público, para discutir conflitos que afetam o coletivo de uma sociedade ou comunidade. Ela pode ser menor que uma vila quanto gigantesca como um país. Independentemente da escala, políticas públicas referem-se a problemas públicos, em contrapartida do privado. (DIAS; MATOS, 2012, p.11).
Assim, surge a Administração Pública como instrumento do Estado para garantir os interesses públicos, ao contrário do privado. Entende-se que a administração pública seria a via ideal para promover o interesse público. O principal gestor dos recursos é o Governo, a ele fica incumbido o papel de garantidor da ordem e da segurança fornecidas pelo Estado. Desse modo, cabe ao Governo atender e resolver conflitos garantindo o processo de planejamento, elaboração, implementação e avaliação de políticas públicas de modo coordenado e permanente para a sociedade. (DIAS; MATOS, 2012, p11.).
Trazendo esse conceito aos olhos de uma minoria social, cujo a população LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros, pansexuais, queer, intersex, assexuais e +) está inserida, o papel das políticas públicas desenvolvidas pelo Governo, seria como entende Reinaldo Dias e Fernanda Matos (2012):
[...] estabelecer condições de equidade no convívio social, tendo por objetivo dar condições para que todos possam atingir uma melhoria da qualidade de vida compatível com a dignidade humana. [...] com a utilização de mecanismos legais e coercitivos, tornar possível que todos os cidadãos possam buscar a felicidade, sem que sejam prejudicados pelas ações de outros indivíduos ou organizações. (DIAS; MATOS, 2012, p.12).
E partindo dessa premissa, avanços muito significativos foram conquistados pelos LGBTQIA+, entretanto, isso não impediu inúmeras violações, abuso de direitos e o preconceito pelos quais ainda estão sujeitos em nosso país.
Conforme relatório do “Observatório de Mortes Violentas de LGBTI no Brasil”, feito pela organização Acontece Arte e Política LGBTI+ juntamente com o Grupo Gay da Bahia (GGB) – grupo esse que coleta dados e informações sobre tais mortes há 41 anos – foram constatadas 237 mortes violentas de LGBTI+ no Brasil. Dessas vítimas, 224 (95,5%) foram por homicídio e 13 (5,5%) por suicídio. (ACONTECE Arte e Política LGBT+; GGB, 2021).
O relatório ainda traz um fator preocupante desse cenário. Tais mortes cresceram horrivelmente nas últimas duas décadas, quando 130 homicídios em 2000, saltou para 260 em 2010, batendo recorde com 445 vítimas em 2017, baixando para 329 mortes em 2019 e agora 237 em 2020. Apesar dessa queda registrada no ano de 2020, relativamente menor do que a de 2019, alertou-se quanto as subnotificações de dados causados pela pandemia do Novo Coronavírus (SARS-CoV-2), pela qual acentuou ainda mais o isolamento dos LGBTQIA+, considerando o impacto que essa população já enfrentava com a falta de sociabilidades, referências ou espaços. (ACONTECE Arte e Política; GGB, 2021, p.10 e 24).
Outra provável explicação para essa diminuição, deve-se aos constantes discursos LGBTfóbicos do atual Presidente da República e principalmente às mensagens de coerção e ódio aterrorizantes nas redes sociais nos últimos 3 anos, por seus seguidores “bolsominons”[3], refletindo em uma maior cautela dos LGBTS evitarem situações de risco e possivelmente se tornarem vítimas, assim como foi com a epidemia da Aids e a adoção de sexo seguro por essa mesma população. (SILVA apud GGB, 2020, p.13).
A cada 36 horas um LGBTQIA+ é assassinado ou se suicida vítima da LGBTfobia, colocando o país como campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais, informação essa, corroborada e inflacionada pelos estudos do próprio Ministério dos Direitos Humanos em relatório engavetado pelo atual Governo Federal, onde se estima que a cada 16 horas um LGBTQIA+ morre, entre 1963 e 2018. (PREITE, Sobrinho apud GGB, 2020, p.14).
Conforme as agências internacionais de direitos humanos, no Brasil, homossexuais e transexuais estão entre as maiores vítimas de homicídios do que nos 13 países do Oriente e África, países onde a pena de morte é aplicada à população LGBT. (WAREHAM, Muder LGBT apud GGB, 2020, p. 13 e 14).
O GGB ainda revela no relatório, que desde 1980, data inicial da fundação e início das pesquisas, pela primeira vez em 41 anos, predominaram mortes de 161 Travestis e Mulheres Trans (70%), seguidos de 51 Gays (22%), 10 Lésbicas (5%), 3 Homens Trans (1%), 3 bissexuais (1%) e por fim, 2 Heterossexuais (1%) confundidos com gays. O relatório ainda fornece dados referentes às faixas etárias, a cor, aos tipos e causa de mortes coletadas. (ACONTECE Arte e Política; GGB, 2021, p.26)
Por todo exposto, necessário se faz, medidas de enfrentamento para reverter o atual cenário de violência e discriminação contra a população LGBTQIA+. Não é o bastante a lei prever direitos. Segundo Maria Berenice Dias (2014),
Para garantir a participação em condição de igualdade e de oportunidade na vida econômica, social, política e cultural do país, é indispensável conscientizar a sociedade da igual dignidade de heterossexuais, homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais. (DIAS, Maria Berenice, 2014, p.175).
É por isso a importância de ser introduzida uma série de adoção de políticas públicas no campo da Administração Pública direta ou indireta, tanto da esfera federal, quanto estadual e municipal, com o propósito de conscientizar a sociedade da igual dignidade de todos, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero. (DIAS, Maria Berenice, 2014, p.175).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa trouxe de forma concreta um cenário bastante atual e real enfrentado pela população LGBTQIA+ na sociedade brasileira. Trouxe ainda, dados e números estarrecedores relativos as mortes e violências praticadas contra a mesma. Evidenciou toda a sua trajetória até aqui, onde muitos objetivos foram alcançados e outros podem ainda estar a caminho, apesar das dificuldades diárias.
Ações governamentais de urgência precisam ser procedidas e pautadas para essa comunidade, principalmente na educação, saúde, direitos humanos, pois sabemos que somente delas conseguimos transformar sociedades. Também, ações de cobrança para que seja feito com rigor o cumprimento das leis já aprovadas, garantindo a cidadania dos LGBTQIA+, especialmente no reconhecimento do casamento homoafetivo e a equiparação da homofobia e transfobia ao crime de racismo.
Ações de capacitação dos professores com o dever de abordar a educação sexual e de gênero em todos os níveis escolares, para que assim jovens e a população em geral, possam aprender a respeitar os direitos humanos e cidadania dos LGBTS.
A capacitação de funcionários do serviço público e privado, com melhores acolhimentos e atenção das pessoas, assim distanciando as manifestações de discriminação sexual e preconceito que, por diversas vezes, geram situações de vergonha e sensação de impotência.
A capacitação e qualificação de policiais civis e militares na esfera das Secretarias de Segurança Pública, para que assim possam garantir a integridade física, psíquica, social e jurídica da comunidade em situação de violência. Pois, nas maiorias das vezes, por falta desse apoio, as vítimas optam pela desistência de possíveis denúncias gravíssimas ou ameaças sofridas.
Vários são os desafios, mas apesar deles, não restam dúvidas de que houve significativos avanços e conquistas no decorrer dessa jornada em direção a futura e plena cidadania da população LGBTQIA+.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Nações Unidas. Declaração Universal de Direitos Humanos, 1948. Disponível em: < https://brasil.un.org/pt-br/91601-declaracao-universal-dos-direitos-humanos > Acesso em: 26 de mai. 2021.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e os direitos LGBTI. 6. ed. Reformulada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
DIAS, Reinaldo; MATOS, Fernanda. Políticas públicas: princípios, propósitos e processos. São Paulo: Atlas, 2012. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522484478/. Acesso em: 26.05.2021
FRANCO, Lucas Nascimento. Políticas públicas no Brasil voltadas para a população LGBT: reflexos que o Movimento enfrenta com relação à sociedade civil. 2017. 29 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Relações Internacionais) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2017.
GOMES, Tamiris. NICOLAU, André. O que mudou após 1 ano da criminalização da LGBTfobia no Brasil. Catraca Livre, 13 de junho de 2020. Disponível em: < https://catracalivre.com.br/cidadania/o-que-mudou-apos-1-ano-da-criminalizacao-da-lgbtfobia-no-brasil/> Acesso em: 3 de mar. 2021.
GASTALDI, Alexandre Bogas Fraga; MOTT, Luiz; OLIVEIRA, José Marcelo Domingos; AYRES, Carla Simara Luciana da Silva; SOUZA, Wilians Ventura Ferreira; SILVA, Kayque Virgens Cordeiro. Observatório de Mortes Violentas de LGBT+ no Brasil - 2020. Relatório da Acontece Arte e Política LGBTI+ e Grupo Gay da Bahia. 1. ed. Florianópolis: Editora Acontece Arte e Política LGBTI+, 2021. Disponível em: <https://observatoriomortesviolentaslgbtibrasil.org/apresenta%C3%A7%C3%A3o-1> Acesso em: 16 de set. 2021.
OLIVEIRA, José Marcelo Domingos. MOTT, Luiz. Mortes violentas de LGBT+. Relatório do Grupo Gay da Bahia. 1. ed. Salvador: Editora Grupo Gay da Bahia, 2020. Disponível em: < https://grupogaydabahia.com.br/relatorios-anuais-de-morte-de-lgbti/ > Acesso em: 26 de mai. 2021.
REIS, Toni. Avanços e Desafios para os Direitos Humanos da Comunidade LGBT no Brasil. Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2014. Disponível em: <http://www.tonireis.com.br/wp-content/uploads/2014/06/avancos-e-desafios-LGBT-IBDFAM.pdf >Acesso em: 20 de mar. 2021.
[1] Para uma melhor compreensão da pesquisa, adota-se a sigla LGBTQIA+ pela qual se refere as pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Queers, Intersexuais, Assexuais e + (símbolo utilizado para representar qualquer pessoa que não se sinta incluída nas anteriores).
[2] CF, ART. 7°, XXX: Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
[3] Termo pejorativo utilizado para referenciar os apoiadores do atual Presidente da República, Jair Bolsonaro. O termo ainda faz alusão a personagens dos filmes Meu Malvado Favorito e Minions.
Graduando em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins (UniCatólica).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Victor Rodrigues dos. Políticas públicas exercidas pelo Brasil, para garantir os direitos LGBTQIA+ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 nov 2021, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57486/polticas-pblicas-exercidas-pelo-brasil-para-garantir-os-direitos-lgbtqia. Acesso em: 22 nov 2024.
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