RESUMO: O direito ao esquecimento é um direito que uma pessoa possui de impedir que um fato que ocorreu em um determinado momento da sua vida, seja exposto ao público em geral, consequentemente, trazendo dor, sofrimento e transtorno. Já a liberdade de expressão é contrária, pois sua definição consiste no direito das pessoas expressarem suas ideias e opiniões sem temer represálias e coerções. Desse modo, o presente artigo tem como objetivo principal discutir a relevância dos direitos explanados. Para que ocorra o cumprimento do objetivo geral, foram elaborados os seguintes objetivos específicos: descrever sobre a natureza do princípio da dignidade da pessoa humana e princípio da liberdade de expressão; demonstrar os fatores históricos da conquista da liberdade de expressão; apontar os diferentes pensamento de muitos autores; enaltecer a importância de ambos direitos. O método de pesquisa utilizado é predominantemente de caráter descritivo com abordagem qualitativa, na qual foram realizadas pesquisas bibliográficas, pesquisas em jurisprudências, na Constituição Federal e consultas à orientadora do presente trabalho. De acordo com os dados levantados, conclui-se, portanto, que as decisões jurídicas devem ser tomadas em cima de cada caso concreto, analisando sempre qual direito em questão está sendo violado.
PALAVRAS-CHAVE: Direito ao esquecimento. Liberdade de expressão. Decisões jurídicas.
ABSTRACT: The right to be forgotten is a right that a person has to prevent an event that occurred at a certain point in his life from being exposed to the general public, consequently bringing pain, suffering and inconvenience. Freedom of expression, on the other hand, is contrary, as its definition consists of the right of people to express their ideas and opinions without fear of reprisals and coercion. Thus, this article has as its main objective to discuss the relevance of the explained rights. In order to achieve the general objective, the following specific objectives were elaborated: to describe the nature of the principle of human dignity and the principle of freedom of expression; demonstrate the historical factors in the achievement of freedom of expression; point out the different thoughts of many authors; praise the importance of both rights. The research method used is predominantly descriptive with a qualitative approach, in which bibliographic research, jurisprudence research, in the Federal Constitution and consultations with the supervisor of this work were carried out. According to the data collected, it is concluded, therefore, that legal decisions must be taken on each concrete case, always analyzing which right in question is being violated.
KEYWORDS: Right to be forgotten. Freedom of expression. Legal decisions.
SUMÁRIO: 1 Introdução - I Direito ao Esquecimento; 2.1 A origem do direito ao esquecimento; 2.3 A introdução do direito ao esquecimento no Brasil. 3 O princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos de personalidade como amparo ao direito ao esquecimento. 4 O princípio da liberdade de expressão; 4.1 Da conquista no Brasil. 5 Direito ao esquecimento versus liberdade de expressão; 5.1 Liberdade de expressão e direito ao esquecimento: qual direito deve prevalecer?. 6 Considerações Finais. 7. Referência.
1 INTRODUÇÃO
No século XIX, os norte-americanos Samuel Dennis Warren e Louis Dembitz Brandeis tiveram a brilhante ideia de publicar o artigo “Right to Privacy” que fez com que as pessoas tivessem uma noção maior sobre o quão importante é ter o direito à privacidade, ainda que tenham uma vida pública. Mais tarde, Right to Privacy seria conhecido no Brasil como “o direito ao esquecimento”.
Entretanto, desde que o direito ao esquecimento fora introduzido no Brasil através do Enunciado 531 do Conselho da Justiça Federal, há uma grande discussão acerca do conflito que esse direito possui com a liberdade de expressão, uma vez que tal direito contrapõe o direito à informação, direito de imprensa, dentre outros, e, devido a essa contraposição, muitos autores também entram em conflito de opiniões sobre qual direito deve prevalecer. Relativo a isso, este artigo tem como tema: o conflito jurídico entre o direito ao esquecimento e a liberdade de expressão.
O presente trabalho de conclusão de curso tem como delimitação o conflito entre princípios de mesma hierarquia no que tange a escolha sobre qual deve predominar. Tendo como problemática: qual direito deve prevalecer? e a possível resposta/hipótese sendo: a decisão sobre qual direito deve predominar se dará após análise de cada caso concreto, não podendo generalizar.
Este Trabalho de Conclusão de Curso tem como objetivo geral discutir a relevância dos direitos explanados, e como objetivos específicos: descrever sobre a natureza do princípio da dignidade da pessoa humana e princípio da liberdade de expressão; demonstrar os fatores históricos da conquista da liberdade de expressão; apontar os diferentes pensamento de muitos autores; enaltecer a importância de ambos direitos.
A metodologia utilizada foi realizada mediante pesquisas em artigos científicos, jurisprudências e na Constituição Federal.
Dito isto, é oportuno informar que a relevância da pesquisa está em seu desenvolvimento, vez que o primeiro capítulo apresenta o conceito, a origem e a introdução do direito ao esquecimento no Brasil, onde o leitor poderá ter uma ideia de como tal direito se tornou tão importante e, ao mesmo tempo, polêmico, uma vez que, no caso da Cachina da Candelária, o direito ao esquecimento prevaleceu, e no caso de Aída Curi, o direito ao esquecimento fora indeferido.
O segundo capítulo é basicamente a continuidade do primeiro capítulo, esse retrata o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos de personalidade como amparo ao direito ao esquecimento, uma vez que esses asseguram o direito à vida, à privacidade, à honra, a moral e etc. ainda que esses direitos não sejam absolutos.
O capítulo terceiro retrata o conceito, e a conquista da liberdade de expressão no Brasil. Neste é possível observar o quão difícil foi conseguir o direito de se expressar, haja vista que, no passado, quem se manifestasse em desfavor dos governantes da época, eram repreendidos e até assassinados, portanto, em hipótese alguma haverá censura na manifestação de pensamento, seja ela manifestação oral, mídias sociais, jornais, reportagens, músicas, etc.
O capítulo quarto dispõe sobre o tema do artigo, o conflito entre ambos direitos. Nesse, surge uma importante pergunta, que também é a problemática deste trabalho: qual direito deve prevalecer? Tendo como resposta a análise de cada caso concreto, não podendo fazer valer a decisão do Supremo Tribunal Federal para todos os casos em que o que está em jogo é um dos princípios fundamentais irrenunciáveis.
2 DIREITO AO ESQUECIMENTO
O direito ao esquecimento é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, mesmo que esse fato tenha efetivamente ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento, transtornos ou constrangimentos.
Em concordância disso, Guedes (2017, n. p.) afirma que direito ao esquecimento é a elevação da dignidade da pessoa humana, consequências dos princípios da inviolabilidade da vida privada e da proteção à privacidade. Este consiste no direito da pessoa não ser lembrada por situações pretéritas constrangedoras ou vexatórias, por mais que sejam verdadeiras.
2.1 A origem do direito ao esquecimento
Diferente do que muitos acreditam, o direito ao esquecimento não é algo novo, tampouco surgiu no Brasil.
A noção surgiu no final do século XIX, quando os estadunidenses Samuel Dennis Warren e Louis Dembitz Brandeis publicaram o artigo intitulado "Right to Privacy" (Direito à Privacidade), que pode ser considerado o marco inicial ao direito à intimidade e à privacidade. Vale destacar que Warren foi juiz da Suprema Corte e um dos mais influentes juristas estadunidenses em questões de direito privado e, ainda nos Estados Unidos da América, o direito ao esquecimento é conhecido por "The Right to be let Alone", que significa “O Direito de ser deixado sozinho” e é frequentemente arguido pelas partes que se sentem violadas por notícias do passado.
Portanto, como é sabido, tal direito se espalhou pelo mundo ganhando grande relevância e se tornando um assunto polêmico no meio jurídico, criando imenso conflito entre o direito à privacidade e a liberdade de expressão.
2.1 A introdução do direito ao esquecimento no Brasil
Em março de 2013, o Enunciado 531 do Centro de Estudos Judiciário do Conselho da Justiça Federal (CJE/CJF) foi aprovado no Brasil, nos seguintes termos “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. Portanto, de acordo com o magistrado Rogério de Meneses Fialho Correia, este ajudará nas definições das decisões judiciais acerca do art. 11 do Código Civil, o qual dispõe a irrenunciabilidade e impossibilidade de transmissão dos direitos de personalidade, bem como no artigo 5° da Constituição Federal/1988, sendo utilizada a seguinte justificativa:
Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.
Portanto, como pode ser verificado, o referido direito não tem a finalidade de apagar o que aconteceu no passado, mas tão somente evitar que tais fatos sejam resgatado sem nenhuma finalidade criteriosa, causando danos, muitas vezes, irreversíveis.
Um dos casos emblemático em que o direito ao esquecimento foi o principal objeto foi no caso de Aída Jacob Curi (STJ, REsp 1.335.153-RJ, cit), assassinada aos 18 anos em 14 de julho de 1958 no bairro de Copacabana, Rio de Janeiro, pois este caso foi resgatado pela TV Globo através do programa Linha Direta em 2004, o que acabou causando desconforto aos irmãos de Aída, que ajuizaram ação contra a emissora por danos morais, alegando que a ré "cuidou de reabrir as antigas feridas dos autores, veiculando novamente a vida, a morte e a pós-morte de Aída Curi, inclusive explorando sua imagem, mediante a transmissão do programa chamado “Linha Direta - Justiça".
Todavia, o Superior Tribunal de Justiça julgou o caso improcedente, segue Recurso Especial:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO NO ANO DE 1958. CASO "AIDA CURI". VEICULAÇÃO, MEIO SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E IMAGEM DA VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES. DIREITO AO ESQUECIMENTO. ACOLHIMENTO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO DA HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. 1. Avulta a responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça em demandas cuja solução é transversal, interdisciplinar, e que abrange, necessariamente, uma controvérsia constitucional oblíqua, antecedente, ou inerente apenas à fundamentação do acolhimento ou rejeição de ponto situado no âmbito do contencioso infraconstitucional, questões essas que, em princípio, não são apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal. [...] 3. Assim como os condenados que cumpriram pena e os absolvidos que se envolveram em processo-crime (REsp. n. 1.334/097/RJ), as vítimas de crimes e seus familiares têm direito ao esquecimento - se assim desejarem -, direito esse consistente em não se submeterem a desnecessárias lembranças de fatos passados que lhes causaram, por si, inesquecíveis feridas. Caso contrário, chegar-se-ia à antipática e desumana solução de reconhecer esse direito ao ofensor (que está relacionado com sua ressocialização) e retirá-lo dos ofendidos, permitindo que os canais de informação se enriqueçam mediante a indefinida exploração das desgraças privadas pelas quais passaram. [...] 5. Com efeito, o direito ao esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida Curi, sem Aida Curi. 6. É evidente ser possível, caso a caso, a ponderação acerca de como o crime tornou-se histórico, podendo o julgador reconhecer que, desde sempre, o que houve foi uma exacerbada exploração midiática, e permitir novamente essa exploração significaria conformar-se com um segundo abuso só porque o primeiro já ocorrera. Porém, no caso em exame, não ficou reconhecida essa artificiosidade ou o abuso antecedente na cobertura do crime, inserindo-se, portanto, nas exceções decorrentes da ampla publicidade a que podem se sujeitar alguns delitos. [...] 8. A reportagem contra a qual se insurgiram os autores foi ao ar 50 (cinquenta) anos depois da morte de Aida Curi, circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral apto a gerar responsabilidade civil. Nesse particular, fazendo-se a indispensável ponderação de valores, o acolhimento do direito ao esquecimento, no caso, com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança. 9. Por outro lado, mostra-se inaplicável, no caso concreto, a Súmula n. 403/STJ. As instâncias ordinárias reconheceram que a imagem da falecida não foi utilizada de forma degradante ou desrespeitosa. Ademais, segundo a moldura fática traçada nas instâncias ordinárias - assim também ao que alegam os próprios recorrentes -, não se vislumbra o uso comercial indevido da imagem da falecida, com os contornos que tem dado a jurisprudência para franquear a via da indenização. 10. Recurso especial não provido.
Todavia, apesar de o voto vencimento ter sido favorável à improcedência do pedido, o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, rebateu todas as teses de não aceitação da teoria do direito ao esquecimento afirmando que: (i) o fato ser de conhecimento público não importava; (ii) que a existência de cobertura sensacionalista e abusiva à época não seria, agora, autorizativa de novo abuso; (iii) que a família tem sim o direito de ver esquecidos fatos que lhe causem dor e humilhação; e, principalmente, (iv) que os acusados, ou mesmo os condenados por crimes, têm o direito de, a partir de um determinado momento, ver esquecidas as informações quanto aos crimes pretéritos pelos quais já pagaram (principalmente os acusados absolvidos). E nesse caso, como foi julgado em 10/09/2013, o relator também usou o Enunciado 531 como justificativa, uma vez que o mesmo havia sido recentemente sancionado no Brasil.
Outro caso bem conhecido foi da Chacina da Candelária, esse anterior ao de Aída, onde um dos denunciados foi absolvido no final do processo e apenas as suas iniciais J.G.M foram permitidas no meio de veículo de comunicação. Entretanto, anos mais tarde uma reportagem fora realizada também pelo Linha Direta em 27 de julho de 2006, apontando todos os acusados, inclusive os que foram absolvidos. J.G.M ingressou com demanda na justiça devido a veiculação de sua imagem sem autorização, e depois encaminhado para o Superior Tribunal de Justiça o qual reconheceu a existência do direito ao esquecimento, todavia, posteriormente a TV Globo entrou com recurso especial e teve o provimento negado com a seguinte ementa do caso:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. SEQUÊNCIA DE HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA CANDELÁRIA. REPORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEPOIS DO FATO. VEICULAÇÃO INCONSENTIDA DE NOME E IMAGEM DE INDICIADO NOS CRIMES. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR POR NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS CONDENADOS QUE CUMPRIRAM PENA E DOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DAS LIMITAÇÕES POSITIVADAS À ATIVIDADE INFORMATIVA. PRESUNÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DE RESSOCIALIZAÇÃO DA PESSOA. PONDERAÇÃO DE VALORES. PRECEDENTES DE DIREITO COMPARADO.
RE no RECURSO ESPECIAL N° 1.334.097 - RJ (2012/0144910-7) RELATOR: MINISTRO HUMBERTO MARTINS RECORRENTE: GLOBO COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S/A ADVOGADOS: JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTRO (S) – DF010011 JOÃO CARLOS MIRANDA GARCIA DE SOUSA E OUTRO (S) – RJ075342 GUSTAVO BINENBOJM – RJ083152 RODRIGO NEIVA PINHEIRO E OUTRO (S) – DF018521 RECORRIDO: JURANDIR GOMES DE FRANÇA ADVOGADO: PEDRO D'ALCANTARA MIRANDA FILHO E OUTRO (S) – RJ069620 DIREITO CONSTITUCIONAL. VEICULAÇÃO DE PROGRAMA TELEVISIVO QUE ABORDA CRIME OCORRIDO HÁ VÁRIAS DÉCADAS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. TEMA 786/STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO SOBRESTADO. DECISÃO Vistos. Cuida-se de recurso extraordinário interposto pela GLOBO COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S.A., com fundamento no art. 102, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça ementado nos seguintes termos (fls. 583/587, e-STJ): "RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITIGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTÇA. SEQUÊNCIA DE HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA CANDELÁRIA. REPORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEPOIS DO FATO. VEICULAÇÃO INCONSENTIDA DE NOME E IMAGEM DE INDICIADO NOS CRIMES. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR POR NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS CONDENADOS QUE CUMPRIRAM PENA E DOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DAS LIMITAÇÕES POSITIVADAS A ATIVIDADE INFORMATIVA. PRESUNÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DE RESSOCIALIZAÇÃO DA PESSOA. PONDERAÇÃO DE VALORES. PRECEDENTES DE DIREITO COMPARADO. [...] O autor busca a proclamação do seu direito ao esquecimento, um direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado. 3. No caso, o julgamento restringe-se a analisar a adequação do direito ao esquecimento ao ordenamento jurídico brasileiro, especificamente para o caso de publicações na mídia televisiva, porquanto o mesmo debate ganha contornos bem diferenciados quando transposto para internet, que desafia soluceis de índole técnica, com atenção, por exemplo, para a possibilidade de compartilhamento de informações e circulação internacional do contendo, o que pode tangenciar temas sensíveis, como a soberania dos Estados-nações. 4. Um dos danos colaterais da "modernidade liquida” tem sido a progressiva eliminação da “divisão, antes sacrossanta, entre as esferas do 'privado' e do 'público' no que se refere a vida humana", de modo que, na atual sociedade da hiperinformação, parecem evidentes os "riscos terminais a privacidade e a autonomia individual, emanados da ampla abertura da arena pública aos interesses privados [e também o inverso], e sua gradual mas incessante transformação numa espécie de teatro de variedades dedicado a diversão ligeira"(BALTMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, pp. 111-113). Diante dessas preocupantes constatações, o momento é de novas e necessárias reflexões, das quais podem mesmo advir novos direitos ou novas perspectivas sobre velhos direitos revisitados. [...] 7. Assim, a liberdade de imprensa há de ser analisada a partir de dois paradigmas jurídicos bem distantes um do outro. 0 primeiro, de completo menosprezo tanto da dignidade da pessoa humana quanto da liberdade de imprensa; e o segundo, o atual, de dupla tutela constitucional de ambos os valores. [...] 13. Nesse passo, o Direito estabiliza o passado e confere previsibilidade ao futuro por institutos bem conhecidos de todos: prescrição, decadência, perdão, anistia, irretroatividade da lei, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada, prazo máximo para que o nome de inadimplentes figure em cadastros restritivos de crédito, reabilitação penal e o direito ao sigilo quanto a folha de antecedentes daqueles que já cumpriram pena (art. 93 do a:lig° Penal, art. 748 do Código de Processo Penal e art. 202 da Lei de Execuções Penais). [...]18. No caso concreto, a despeito de a Chacina da Candelária ter se tornado com muita razão um fato histórico, que expôs as chagas do País ao mundo, tornando-se símbolo da precária proteção estatal conferida aos direitos humanos da criança e do adolescente em situação de risco, o certo é que a fatídica história seria bem contada e de forma fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor precisassem ser expostos em rede nacional. Nem a liberdade de imprensa seria tolhida, nem a honra do autor seria maculada, caso se ocultassem o nome e a fisionomia do recorrido, ponderação de valores que, no caso, seria a melhor solução ao conflito. [...] 20. Condenação mantida em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por não se mostrar exorbitante. [...] E, no essencial, o relatório. Conforme relatado, o Supremo Tribunal Federal reconheceu nos autos do ARE 833.248/RJ, posteriormente substituído pelo RE 1010.606/RJ, Relator Min. Dias Toffoli, a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, qual seja, "aplicabilidade do direito ao esquecimento na esfera civil quando for invocado pela própria vítima ou pelos seus familiares" (Tema 786/STF). (Resp. nº 1.334-097-RJ, Rel. Min. Luís Salomão, 4ª Turma, 28/05/2013)
Portanto, após o reconhecimento do direito ao esquecimento, o reconhecimento da gravidade em que a emissora expôs o réu absolvido, a 4ª Turma manteve a condenação da ré, uma vez que a mesma violou os limites do direito de imprensa, alegando que seria bem contada sem que precisasse expor os condenados.
3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS DIREITOS DE PERSONALIDADE COMO AMPARO AO DIREITO AO ESQUECIMENTO
A dignidade da pessoa humana é um princípio jurídico e que possui status constitucional dentro do ordenamento jurídico. Dessa maneira, tal princípio atua basicamente como um justificador moral e é um fundamento jurídico-normativo do próprio direitos humanos.
No Brasil, a dignidade da pessoa humana está notadamente prevista no artigo 1°, inciso III; artigo 5°, inciso III; artigo 170, caput; artigo 226, §7°; artigo 227, caput e artigo 230 da Constituição Federal de 1988. Está inserida como fundamento da República Federativa do Brasil e constituída como o elemento norteador de um país democrático de direito, esta é a individualidade do ser humano que confere direitos básicos inerentes e garante o valor de unidade.
A dignidade não é apenas um valor moral, mas também, espiritual. Será o valor mínimo indispensável e inviolável que a sociedade deve respeitar. O ser humano tem direito à autodeterminação e à liberdade em sua vida e deve estar sujeito às leis e aos regulamentos. Sua proteção normativa serve como um reconhecimento da natureza e das condições humanas.
Nessa perspectiva, Alexandre de Moraes descreve a seguinte definição:
A dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAIS, p. 52).
A ordem jurídica toma a dignidade humana como seu valor, e encontra seu próprio significado na tarefa de interpretação normativa, ou seja, seu ponto de partida e ponto de chegada. Portanto, a dignidade humana é vista como o verdadeiro super princípio que norteia o direito internacional e nacional.
Nesse sentido, Piovesan (2008, p. 52) descreve que “(...) no campo internacional, a dignidade humana é o valor maior que inspirou a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, acenando à universalidade e à indivisibilidade dos direitos humanos. Como já apreciado”.
Sob este modelo de estado, os direitos básicos formam uma organização sistemática e unificada com a dignidade humana como princípio fundamental. Os tribunais usam a eficiência da radiação como desculpa para utilizá-la para complementar os mais diversos julgamentos. Como princípio orientador de um sistema jurídico baseado principalmente na religião, ele tem uma influência decisiva sobre todos os outros princípios, por isso tornou-se um totem moderno. (SOUZA, 2015, n.p.).
Quanto ao direito da personalidade, esse pode ser analisado por vários pontos de vista, uma vez que aborda os valores históricos, norma, dentre outros. Portanto, nada mais é do que um conjunto de normas e princípios, com a principal finalidade de disciplinar e organizar à coletividade.
Nesse sentido, esse sistema do ordenamento jurídico tem como objetivo tutelar o próprio ser humano, surgindo, assim, o reconhecimento da personalidade que se encontra diretamente ligada ao conceito de pessoa.
Nesses termos, é importante destacar o conceito de pessoa por Martinez:
Primeiramente, a definição de pessoa vinculou-se a uma aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações. Esta é a concepção clássica de personalidade, que, como se demonstrará em momento oportuno, foi superada por uma visão contemporânea de personalidade como corolário da ideia de dignidade da pessoa humana como valor, a qual merece uma tutela diferenciada em função de seus atributos. (MARTINEZ, 2014, p. 12).
Desse modo, a personalidade passou a ser pleiteada sobre a ideia de dignidade da pessoa humana, sendo a partir dessa idealização que serão extraídos os direitos de personalidade, inclusive o surgimento do direito ao esquecimento comparado como novo e autônomo ao direito de personalidade.
Na Roma antiga, a dignidade da pessoa humana era relacionada ao status de cada indivíduo, sendo um direito exclusivo da nobreza, todavia, ao passar do tempos esse direito foi moldado e conceituado como proteção à honra, à moral, dentre outros.
A dignidade da pessoa humana está consolidada sobre dois panoramas diferentes: interna e externa. Tendo em vista isso, Luiz Roberto Barroso dispõe:
Não é difícil perceber, nesse contexto, a dupla dimensão da dignidade humana: uma interna, expressa o valor intrínseco ou próprio de cada indivíduo; outra externa, representando seus direitos, aspirações e responsabilidades, assim como os correlatos deveres de terceiros. A primeira dimensão, é por si mesma inviolável, já que o valor intrínseco do indivíduo não é perdido em nenhuma circunstância; a segunda pode sofre ofensas e violações. (BARROSO, Luiz Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 61).
Entretanto, vale ressaltar que tais direitos não são absolutos, como pode ser verificado no decorrer deste artigo.
4 O PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Bezerra (2018, n.p.) conceitua Liberdade de Expressão como o direito que admite opiniões pessoais sem temer censuras. Do mesmo modo, permite a difusão das informações de maneira livre e sem admoestação, isto é, poder externizar juízo próprio ou alheio, salvaguardando o respeito e a verdade. Direito esse, garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Diante disso, o artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.
São muitos os fatores para justificar o imenso prestígio à liberdade de expressão. A maioria dos doutrinadores consideram a referida liberdade como uma das estrelas mais reluzentes do Estado democrático de Direito. Em contraposição, as muitas funções atribuídas a ela são recheadas de complexidade, dando a ideia de que a tendência doutrinária é desviar qualquer concepção única sobre a liberdade de expressão, seja ela baseada na proteção da personalidade humana ou relacionada com a proteção da coletividade (FARIAS, 2001, p. 58).
No Brasil, a liberdade de expressão/comunicação/imprensa está regida no âmbito da Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5°, incisos IV, V, IX; artigo 220, § 1° e § 2°, os quais dispõe:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...] V - é livre a expressão da atividade intelectual, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; [...]IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
A liberdade de expressão também está prevista na Lei n° 5.250 de 09 de fevereiro de 1967 através da livre manifestação de pensamento e da informação.
4.1 Da conquista no Brasil
A conquista da liberdade de expressão no Brasil foi cercada de várias reviravoltas desde que alguém decidiu discordar dos poderosos, haja vista que quem controlava o país e tudo o que nele habitava, erro o monarca ou imperado. Na história do Brasil, é possível observar as centenas de mortes que ocorreram por alguém estar simplesmente expondo sua opinião, pois, se essa fosse contra ao poder da época ou contra alguém autoritário, seria imediatamente cessada. (LOBO, Judá; SOUZA, Otávio, 2018a, p. 70).
As mudanças passaram a ocorrer em 15 de novembro de 1889 com o fim do governo de Dom Pedro II, e o início do presidencialismo no Brasil. E desde então, houve duas Constituições no Brasil que não previam a censura, sendo a primeira em 1891, a qual oficializou os instrumentos da nova república, tendo como forma a federativa de Estado e a republicana de governo.
Após esta, nova Constituição fora criada em 1934 sob o comando de Getúlio Vargas. Nesta, o atual presidente da época adotou as leis trabalhistas, nas quais os trabalhadores possuíam 8 (oito) horas diárias de trabalho e descansos semanais. Todavia, em 1937, o próprio Vargas derrubou a Constituição que estava em vigor e a substituiu pela Carta Constitucional do Estado Novo, aderindo, portanto, os ideais fascistas, surgindo, assim, a primeira ditadura recheada de restrições com o poder concentrado nas mãos do ditador. (LOBO, Judá; SOUZA, Otávio, 2018b, p. 83).
Em concordância disso, Olivieri (2014, p. 3) afirma que tais atos se estenderam até 29 de outubro de 1945 quando Vargas foi destituído do cargo em favor de novas eleições presidenciais onde o general Eurico Gaspar Dutra saiu vitorioso da disputa, exercendo um mandato democrático decretando o fim das perseguições, censuras, pena de morte, onde o povo podia se expressar livremente.
Contudo, em 1964, através de um golpe e a implementação de uma nova Constituição (proclamada em 1967), o Brasil vivenciou uma nova ditadura, sendo essa, a ditadura militar que fez com que a censura retornasse com força total, se não, bem maior que no período do Estado Novo, especialmente após a entrada em vigor da Lei n° 5.250 de 09 de fevereiro de 1967 a qual amparava todo e qualquer tipo de manifestação de pensamento. Na época, houve censura em todos os meios de comunicação, seja em revistas, livros, reportagens, notícias peças teatrais e até em músicas.
A respeito disso, Caetano (2016, p.17) cita:
A censura persistia com a entrada em vigor do regime de exceção. Nesse assombroso período, não apenas os pensamentos que contrariavam o governo que receberiam censuras. A partir do momento em que criaram a Censura Prévia, todas as notícias e trabalhos da imprensa deveriam passar por uma análise governamental antes de ser publicadas para só então o cidadão brasileiro conseguir acesso à determinada notícia.
Após tantas censuras e restrições de direitos, a tranquilidade retornou em 1985 com a vitória de Tancredo Neves para presidente da república dando início à queda da ditadura militar e a Constituição Federal de 1988 (em vigor até hoje), com a construção do Estado Democrático de Direito.
A proteção e o cumprimento da liberdade de expressão é um dos motivos pelos quais o Estado deverá fundamentar-se em sua existência, sob pena de se desvencilhar-se em sua finalidade última e principal, qual seja, a proteção da coletividade. Por outro lado, a sobrevivência do Estado está atrelada ao desenvolvimento intelectual de seu povo, que depende diretamente da livre troca de ideias.
Ademais, o conteúdo dessas concepções é diretamente condizente à maior liberdade de expressão exequível, de modo em que a pluralidade de pensamentos confluam para sofisticação dos padrões de comportamento, ao passo que as visões individuais possam se confrontar de maneira saudável.
Portanto, é inegável que, após anos de luta, a liberdade de expressão foi umas das maiores conquistas de uma humanidade totalmente reprimida escondida sob opressão de “senhores” que conseguiam censurar algo quase impossível de conter, a vontade de se expressar.
5 DIREITO AO ESQUECIMENTO VERSUS LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Apesar da dignidade da pessoa humana e a liberdade de expressão serem princípios de mesma hierarquia, quando o direito ao esquecimento entra em discussão, o conflito entre ambos os princípios se destaca, uma vez que o direito em questão contrapõe o direito à liberdade de imprensa e o acesso à informação. Cabendo análise sobre qual princípio deve prevalecer, sob hipótese de uma situação concreta.
Neste seguimento, Alina de Toledo Rossi, dispõe:
O direito ao esquecimento é tão polêmico justamente pela natureza dos direitos fundamentais que coloca frente a frente.
Com previsão constitucional, de um lado temos a liberdade de expressão, de comunicação, a liberdade de imprensa e a proibição da censura. Sabe-se, inclusive, que a liberdade de expressão é essencial "para o pleno exercício da democracia", sendo um de seus valores fundamentais, devendo sua restrição ocorrer em situações excepcionais.
Em contraponto, e a favor do direito ao esquecimento, trazemos os direitos da personalidade, com fundamento constitucional e civil, ancorados no fundamento da dignidade da pessoa humana e na proteção dos direitos da personalidade, dentre eles a proteção do nome, da vida privada da honra e da intimidade. A privacidade, em simples palavras, assegura que cada indivíduo é dono de um espaço particular, possuindo o direito de manter esse espaço afastado da curiosidade alheia. A proteção dos direitos da personalidade faz parte da própria proteção da condição humana.
Notório é que, portanto, lidamos com direitos fundamentais do nosso ordenamento jurídico, previstos na constituição, e de singular importância coletiva e individual. Ante a existência de conflito entre direitos fundamentais: "liberdade de expressão x direitos da personalidade", é que se faz necessária a ponderação para verificar-se qual deverá "ceder" na análise de uma situação concreta. (ROSSI, 2021, n.p).
Com a globalização, a popularidade da internet, a propagação das redes sociais, o acesso à informação aumentou de forma espantosa, onde, diariamente, há exposição e bombardeios de notícias de inúmeros conteúdos. Com isso, desde os atos mais comuns aos atos mais íntimos são exposto em velocidades e escalas alarmantes. E as informações do passado de alguém podem ser facilmente resgatadas nas plataformas digitais, consequentemente, causando prejuízos.
Nessa linha de pensamento, a juíza Viviane Maldonado dispõe:
O equilíbrio entre a liberdade de informação e o direito à privacidade tem gerado, nos últimos anos, significativo debate ao redor do mundo.
Embora o tema não seja novo, o crescente progresso tecnológico vem clamando por uma abordagem atualizada por uma análise diferenciada.
[...]
Como consequência do desenvolvimento na seara da comunicação, surgiram novas necessidades provocadoras da reformulação de conceitos.
Aliás, o ambiente da rede mundial de computadores, por si próprio, ensejou situações jamais imaginadas anteriormente. E isso porque, se antes o acervo atinente a informações e dados sobre pessoas assentava-se em arquivos físicos e inacessíveis, hoje tem-se que a internet revela quase todo o histórico dos indivíduos, independentemente de sua vontade (MALDONADO, 2017, n.p.).
O direito especificado vem ganhando maior alcance em virtude da facilidade e rapidez de divulgação de uma informação pela internet, que gera grande exposição de fatos, notícias, boatos, ainda que tais fatos tenham ocorrido no passado, dificultando o indivíduo de ter privacidade, uma vez que a sociedade impõe uma vigilância eterna (LOPES, Lucas; LOPES, Matheus, 2013a, p. 97).
Nesse diapasão, a ministra Eliana Calmon, do Supremo Tribunal de Justiça, descreve o seguinte pensamento:
O homem do século XXI tem como um dos maiores problemas a quebra da sua privacidade. Hoje é difícil nós termos privacidade. Por quê? Porque a sociedade moderna nos impõe uma vigilância constante. Isto faz parte da vida moderna. Agora, esse século XXI trabalha e tem dificuldade de estabelecer quais são os limites dessa privacidade. Até quando eu posso me manter com a privacidade sobre o meu agir, sobre os meus dados, e até que ponto esta privacidade termina por prejudicar a coletividade (CALMON, Eliana, 2013, n.p).
Contudo, o autor do Enunciado 531, o promotor de Justiça do Rio de Janeiro, Guilherme Magalhães Martins, ensina que o direito ao esquecimento não prevalece ao direito à liberdade de informação e de manifestação de pensamento, no entanto, que há limitações quanto à essas prerrogativas.
É necessário que haja uma grave ofensa à dignidade da pessoa humana, que a pessoa seja exposta de maneira ofensiva. Porque existem publicações que obtêm lucro em função da tragédia alheia, da desgraça alheia ou da exposição alheia. E existe sempre um limite que deve ser observado.
Assim como a liberdade de expressão, o direito ao esquecimento não é absoluto, ao contrário, é excepcional. Apesar de não ter força normativa, o Enunciado está sob interpretação do Código Civil referente aos direitos da personalidade quando afirma que o indivíduo tem o direito de ser esquecido tanto pela opinião pública quanto pela imprensa (LOPES, Lucas; LOPES, Matheus, 2013b, p. 97).
Em contrapartida, o conceito de vida não deve ser visto apenas de forma biológica. Se faz necessário entender como uma permuta do indivíduo com a sociedade. Esta permuta é maleável e fluida, porém, sempre observando a individualidade de cada um.
Na mesma linha de pensamento, Romminger (2011, n.p) alega que, o direito à vida não é regida somente pelo direito constitucional brasileiro, mas também por tratados internacionais, além disso, no Brasil, após passar por processo legislativo específico, o direito passa a ter força de norma constitucional.
Romminger destaca, ainda, a superioridade do direito à vida sobre todos os outros direitos, uma vez que é um direito prévio, que se antecipou a todo ordenamento jurídico, originado do direito natural para sua autopreservação. Portanto, não há que se condicionar esse direito a qualquer outro que esteja sob a égide natural, mas é preciso que esta vida esteja vinculada aos direitos da integridade e da dignidade da pessoa humana.
5.1 Liberdade de expressão e direito ao esquecimento: qual direito deve prevalecer?
Em fevereiro de 2021, através do Recurso Extraordinário 1.010.606/RJ, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal. O caso concreto para analisar a aplicação do direito ao esquecimento foi o de Aída Curi, o qual teve o pedido de indenização por danos morais e materiais indeferido, como já mencionado anteriormente.
Durante o julgamento, o relator ministro Dias Toffoli mencionou que, pelos graves casos de feminicídio no Brasil, crimes como esse não podem e nem devem ser esquecidos.
A tese, de repercussão geral, firmada no julgamento do Supremo Tribunal Federal foi a seguinte:
É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social - analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.
E diante do argumentos de tais argumentos, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, em regra, a CF é contrária a um direito ao esquecimento.
Todavia, vale mencionar que cada caso é um caso e, para fazer valer a “prevalência” da liberdade de expressão, tal direito não pode extrapolar, uma vez que serão revisados no caso concreto, levando em conta a guarda da imagem, honra e a vida privada. Portanto, mesmo que o direito ao esquecimento não tenha seu reconhecimento como um direito geral e abstrato, incute a análise expressa do caso concreto no intuito de coibir abusos, evitando violações de direito à privacidade.
Diante do exposto, conclui-se, assim, que, para uma decisão importante na qual deverá ter que escolher se a liberdade de expressão é superior ao direito ao esquecimento ou vice-versa, é de suma importância analisar caso a caso para impedir que um direito venha a ferir o outro, priorizando sempre os direitos das partes.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do presente artigo possibilitou uma análise a respeito do conflito jurídico entre o direito ao esquecimento e a liberdade de expressão, visando o principal objetivo do estudo que consiste em discutir a relevância dos direitos explanados.
Sob esse viés, pôde-se verificar que ambos direitos possuem grande influência em casos emblemáticos em que restam dúvidas sobre qual direito deve ser acatado, onde o direito ao esquecimento resguarda a privacidade, a moral, a honra e vida de alguém que se tornou pública por ações cometidas no passado, no qual, o principal objetivo é impedir que tais casos voltem à tona, dificultando o progresso de quem quer ter uma vida normal afastada de polêmicas. Em contrapartida, o direito à liberdade de expressão que preserva o direito de impressa, o direito à informação, o livre pensamento, e está amparado pelo artigo 5°, inciso IX c/c com o artigo 220, ambos da Constituição Federal, sendo esse totalmente livre de qualquer tipo censura.
Com a decisão do Supremo Tribunal Federal que constatou a incompatibilidade do direito ao esquecimento com a Constituição Federal, tendo como base o caso de Aída Curi, a liberdade de expressão saiu predominante, haja vista que se trata de um caso de feminicídio, tendo tal crime um crescimento exponencial no Brasil e esse não pode e nem deve ser esquecido, podendo ser citado a qualquer momento pela imprensa.
Todavia, vale ressaltar que para tais decisões deverá ser analisado cada caso concreto, pois o direito de imagem e privacidade continuam sendo direitos fundamentais, e a liberdade de expressão mantem-se relativa e limitada, não podendo e nem devendo violar os direitos de quem está sob a proteção da dignidade da pessoa humana.
Portanto, ainda que a decisão tenha sido contrária ao direito ao esquecimento, esse não tem que ser deixado de lado, pois também foi uma grande conquista do princípio da dignidade da pessoa humana.
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Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário - FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMANDA MONIQUE LABORDA BRANDãO, . O conflito jurídico entre o direito ao esquecimento e a liberdade de expressão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 nov 2021, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57495/o-conflito-jurdico-entre-o-direito-ao-esquecimento-e-a-liberdade-de-expresso. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
Por: Elisa Maria Ferreira da Silva
Por: Hannah Sayuri Kamogari Baldan
Por: Arlan Marcos Lima Sousa
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