RENATA APARECIDA BORGES PEREIRA DA SILVA ASSUMPÇÃO[1]
(coautora)
LUCAS CAMPOS DE ANDRADE SILVA
(orientador)
RESUMO: O presente artigo científico tem por objetivo apresentar os impactos ocasionados perante a Reforma Previdenciária no contexto do ordenamento jurídico brasileiro, em especial quando à possibilidade de redução salarial, bem como sua compatibilidade com os princípios basilares constitucionais como o da Dignidade da pessoa humana e o da Isonomia. No tocante ao aspecto econômico e de subsistência dos indivíduos, o artigo trará inúmeras críticas exemplificadas desfavoráveis a reforma previdenciária, visto claramente, de um aspecto totalmente social. Os problemas da pesquisa encontram-se no entorno das seguintes questões: O valor estipulado para o salário-mínimo é mesmo suficiente para uma pessoa viver de forma digna? Iremos viver apenas para contribuir e viver nessa bolha chamada “capitalismo”? nesse ciclo incansável? Percebe-se que a “Reforma” é fruto de interesses políticos, privados, capitalistas e mercadológicos que sobrepõem aos interesses sociais, restando-se como solução a aplicação do olhar constitucional sob as normas vigentes da CLT, com o intuito de amenizar os prejuízos advindos da nova legislação, principalmente no tocante as minorias.
Palavras-chave: Reforma. Previdência. Impactos. Desigualdade social.
Abstract: This scientific article aims to present the impacts caused by the Social Security Reform in the context of the Brazilian legal system, especially regarding the possibility of salary reduction, as well as its compatibility with the basic constitutional principles such as the Dignity of the human person and that of Isonomy. Regarding the economic and subsistence aspects of individuals, the article will bring numerous exemplified criticisms that are unfavorable to social security reform, clearly seen from a totally social aspect. The research problems lie around the following questions: Is the value stipulated for the minimum wage really enough for a person to live with dignity? Are we going to live just to contribute and live in this bubble called “capitalism”? in this tireless cycle? It is perceived that the "Reform" is the result of political, private, capitalist and market interests that overlap with social interests, leaving as a solution the application of the constitutional look under the current rules of the CLT, in order to alleviate the resulting damages. new legislation, particularly with regard to minorities.
Keywords: Reform. Pensions. Impacts. Social inequality.
INTRODUÇÃO
Nos dias atuais, é notório o grande crescimento na expectativa de vida da população Brasileira, o que acabou resultando em uma população predominantemente idosa. Consequentemente o ocorrido, acabou gerando um déficit enorme nas contribuições previdenciárias, visto que, devíamos ter um grupo jovem, contribuindo na mesma proporção da população idosa do país para trabalhar e contribuir efetivamente para o INSS (Autarquia previdenciária), e assim manter o giro de numerários.
No entanto, é claro, que apesar do avanço na expectativa de vida não temos garantido atualmente, uma qualidade de vida favorável para nossos idosos, que demonstram o qual faz necessário e essencial o benefício da aposentadoria, para garantir o básico para viver.
Desta forma, é importante a devida compreensão dos princípios vigentes no nosso ordenamento jurídico, e sua aplicabilidade diante esta situação, buscando analisar a constitucionalidade da referida reforma.
1. O SURGIMENTO DA PREVIDÊNCIA
A previdência surgiu em 1824, quando houve a primeira previsão constitucional neste sentido. Nesse âmbito, primeiro surgiu o chamado “Mongeral” em caráter privado e posteriormente foi possível constatar a Constituição de 1891 com regras claras em defesa da seguridade social aos funcionários que estão a serviço da nação, dando surgimento a primeira regra no que diz respeito a aposentadoria por invalidez. (IBRAHIM, 2006)
Após, a criação da Constituição Federal de 1981, foi necessário o início do surgimento de instruções normativas infraconstitucionais, ou seja, toda lei; norma que 19 estão hierarquicamente abaixo da Constituição Federal, cujo objetivo seja discorrer sobre determinado tema de forma mais profunda e objetiva, impedindo que se formem brechas na lei e que estejam sempre em concordância com a Norma geral e superior.
Houve, ainda, a criação do decreto 9.284/1911 para desenvolver então a Caixa de Pensão do Operário da Casa da Moeda e em consonância, temos o Decreto 3.274/1919, que regularizou as obrigações dos acidentes de trabalho, dando início a uma melhor tentativa de proporcionar a dignidade humana para os cidadãos. Com o desenvolvimento desse direito previdenciário, ficou objetivado que não se tinha a finalidade de trazer uma indenização para o trabalho prestado, mas sim de alívio mínimo as necessidades sociais básicas (JÚNIOR, 2005).
Neste momento, houve então, um cenário onde podíamos observar a ajuda dos mais jovens para com os mais velhos, simplesmente para o sustento da família, e elaboração de direitos mínimos que hoje são mais desenvolvidos e garantidos devido a essa forte evolução histórica.
De acordo com Santos (2017) a história do sistema previdenciário no Brasil pode ser dividida em três fases. O começou no início da década de 1920 e é caracterizado pelo sistema de aposentadoria e Fundos de Pensão (CAP's), criados no âmbito de empresas públicas e privadas.
A segunda fase começou no final da década de 1920 e tomou forma durante a década de 1930 e Década de 1940 com a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPS) que estavam vinculados às categorias profissionais.
A terceira fase do sistema previdenciário no Brasil teve início em 1966 e é caracterizada pela extinção de vários IAP's e sua unificação em um único público organização de pensões. O sistema de CAP's que ficava restrito ao grande público privado e empresas, tinha, em 1937, cerca de 200 entidades em funcionamento. As contribuições estavam chegando de três fontes: os empregados, os empregadores e o governo federal.
A administração incluiu representantes dos empregados e empregadores. O CAP's sistema de pensões deveria ser totalmente capitalizado e os benefícios baseados nos retornos de os investimentos. Os CAP's, além da aposentadoria por tempo de serviço e por forneceu os seguintes serviços aos seus membros: médico e hospitalar serviços, assistência farmacêutica, empréstimos para aquisição de casa própria, assistência funeral e pensão para herdeiros. A precariedade do plano financeiro dos CAP's, devido ao número reduzido de segurados e recursos insuficientes para cumprir suas obrigações; extinção do sistema.
Sobre as reformas da previdência de acordo com Teixeira (2019), geralmente aumentaram as idades de aposentadoria, prolongaram os períodos de contribuição e, muitas vezes, incorporaram mecanismos automáticos (fatores de sustentabilidade) para colocar os sistemas em um caminho mais sustentável. As reformas também visavam melhorar a justiça, corrigindo vários problemas de design que proporcionavam grandes benefícios aos trabalhadores que contribuíam pouco e levaram muitos a reivindicar benefícios antecipadamente. Ao mesmo tempo, a maioria das reformas protegeu as pensões para aqueles com rendimentos mais baixos ao custo de enfraquecer a ligação entre contribuições e benefícios, mas infelizmente a nova reforma sancionada não condiz com esse objetivo, como será visto nos próximos capítulos.
2. AS MUDANÇAS OCASIONADAS PELA REFORMA
De acordo com Cunha (2019) a reforma da Previdência no Brasil foi uma proposta do governo brasileiro para alterar a Constituição para a reforma do sistema de seguridade social do país. Ao mudar a constituição do país, ele teve que ser aprovado nas duas casas do Congresso Nacional por maioria absoluta. A reforma foi criada para combater o gigantesco déficit do sistema previdenciário, de mais de R $ 194 bilhões em 2018, e o rápido envelhecimento da população brasileira.
O texto original foi entregue pelo Presidente da República Jair Bolsonaro ao Presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia em 20 de fevereiro de 2019 para iniciar o rito jurídico. A proposta de reforma foi aprovada pelo Senado Federal em 22 de outubro de 2019, tornando-se lei e entrando em vigor automaticamente.
Até a reforma ser aprovada em 2019, outros governos tentaram aprovar suas propostas. Na história mais recente do Brasil, o país vem debatendo a reforma previdenciária a cada dez anos, em alguns casos as propostas foram simplesmente arquivadas como extremamente impopulares, em outros foram feitas minirreformas, mas com efeitos nulos de longo prazo, e em Num caso, a reforma foi rejeitada pela Câmara dos Deputados por apenas um voto.
Já na década de 1990, as primeiras tentativas de reforma previam que, com o envelhecimento da população brasileira nos próximos 20 anos, o atual sistema previdenciário se tornaria insustentável, o que se comprovou nos últimos anos, com o déficit aumentando a cada ano.
Reformas da previdência são mudanças na operação de um determinado sistema previdenciário.
Com o objetivo de reduzir o número de indivíduos dependentes da assistência governamental, manter os sistemas de previdência acessíveis e ajudar os beneficiários se tornarem autossuficientes. Liberais e conservadores clássicos, geralmente argumentam que o bem-estar e outros serviços financiados por impostos reduzem os incentivos ao trabalho, exacerbam o problema do carona e intensificam a pobreza. Por outro lado, os socialistas geralmente criticam a reforma da previdência porque geralmente minimiza a rede de segurança pública e fortalece o sistema econômico capitalista. A reforma da previdência é constantemente debatida por causa das opiniões divergentes sobre o equilíbrio determinado do governo entre fornecer benefícios de bem-estar garantidos e promover a autossuficiência. (MARQUES 2018 p.22).
Para Silva (2017) em primeiro lugar, é preciso lembrar que o sistema previdenciário público no Brasil é o responsável por fazer da pobreza na velhice um problema residual. Existem correções importantes a serem feitas, especialmente no que diz respeito às pensões dos funcionários do serviço público, como os militares, mas uma mudança radical para um modelo de capitalização pode ter efeitos distributivos importantes, incluindo o aumento da pobreza.
Cunha (2019) cita que além disso, é necessário compreender o déficit fiscal brasileiro no contexto das maiores crises da história recente do país, onde as medidas de austeridade tiveram um papel importante. A seguridade social não é responsável pela queda acentuada das receitas devido à crise, ao aumento do desemprego e à informalidade. A restauração de um cenário normal de crescimento e aumento do emprego são importantes para um ajuste fiscal saudável. Portanto, deve-se pensar no impacto das medidas de ajuste fiscal sobre o crescimento, além do seu impacto distributivo. Nesse contexto, uma reforma previdenciária equilibrada e voltada para a redução de privilégios pode trazer importante contribuição fiscal no médio prazo, mas não é a solução de curto prazo para a economia brasileira.
Para Cassar (2017) o mercado quer que o brasileiro trabalhe mais e ganhe menos com os planos de previdência do governo. A economia do Brasil está virando a esquina e os investidores adoram isso. Os políticos podem achar que escaparam de uma recessão prolongada. Em caso afirmativo, sem uma crise econômica pairando sobre suas cabeças como a última grande reforma, onde estão os incentivos para os políticos reduzirem seus benefícios novamente? “Ou eles vão perder ou vão inventar algo que preserve o que eles ganham agora”. Um dos principais pontos é aumentar a idade de aposentadoria de homens e mulheres para 65 e fazer com que os servidores públicos tenham que trabalhar 40 anos para receber sua pensão integral, acrescentando 10 anos para as mulheres e 5 para os homens pela legislação em vigor. A questão é se Bolsonaro teve apoio no Congresso para fazer isso. Enquanto o governo considera a reforma essencial para que a economia brasileira retome o crescimento, os críticos dizem que os trabalhadores nem mesmo poderão usufruir da aposentadoria como nas regiões mais pobres, a expectativa de vida não ultrapassa os 65 anos.
Algumas pessoas argumentam que o déficit previdenciário não existe - ou que é resultado de desonerações fiscais - outras, que não só existe, mas é uma realidade de longa data que supera inclusive a crise econômica em curso no país (Fatorelli, 2019). Apesar da análise contrastante, fatores como o envelhecimento da população parecem aumentar a pressão no sentido de uma reforma responsável por choques políticos, demográficos e econômicos. No entanto, mesmo entre aqueles que concordaram com a necessidade de mudança, não houve consenso sobre como a reforma deveria acontecer.
3. DA INCONSTITUCIONALIDADE
Uma lei é inconstitucional, quando se mostra incapaz resguardar o direito adquirido do cidadão, bem como as garantias fundamentais, previstas no artigo 5º da Constituição Federal/1988 e, ainda, ferir claramente princípios norteadores do nosso ordenamento jurídico. Não obstante, a Emenda. 103/2019 elenca em seu artigo 25, § 3º: “pelo segurado obrigatório responsável, à época do exercício da atividade, pelo recolhimento de suas próprias contribuições previdenciárias”.
Ou seja, buscando assolar as aposentadorias daqueles já assegurados, que já haviam sido concedidas com contagem especial de tempo. Além disto, os princípios norteadores do nosso ordenamento foram infringidos e desrespeitados, senão vejamos:
Para Junior (1999) primeiramente, temos o princípio da Isonomia, que se caracteriza por: “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”. A ONU (2017) no mesmo tocante, temos ainda, o princípio da Dignidade da pessoa humana, que posiciona: “O princípio da dignidade da pessoa humana é um valor universal da Constituição do Estado Democrático de Direito, assegurando que todas as pessoas são iguais perante a Lei”.
Considerando o teor dos princípios apontados, levanta-se a seguinte indagação; quando realizamos uma reforma previdenciária, que muda toda a expectativa dos cidadãos frente ao contexto social e econômico do país estamos dando a todos um tratamento igualitário e assegurando o direito de todos, conforme aponta os princípios vigentes?
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 103/2019 podemos observar que a resposta para o questionamento anterior é, não. Há, inclusive, inúmeras críticas e questionamentos em desfavor desta.
Podemos mencionar aqui a “ADI 6367, proposta pela Unafisco Nacional, onde em seus pareceres elencavam a total ausência de consonância da EC 103/2019 com os princípios que regem nossa Constituição Federal. A ADI 6367 ainda está instruída com o parecer do professor livre-docente pela Unicamp Pedro Paulo Zahlut Bastos, que demonstrou cabalmente a inconsistência das argumentações do governo federal no sentido de que há desequilíbrio econômico-financeiro prévio à edição da EC103/2019, a justificar a reforma da Previdência.”
4- Os reflexos da reforma na desigualdade social
Na visão de Teixeira (2019) levando em consideração as reflexões anteriores, parece claro, sob nossa visão, que a questão moral de 'como a sociedade deve recompensar seus empregados?' deve estar alinhado com estes três princípios:
Ignorar qualquer um deles criaria um desequilíbrio e, em última análise, todo o objetivo de conceder proteção social se esvai. Reparar falhas mecânicas sem ligar o motor, no caso do Brasil, significava chegar a esse desequilíbrio. Repensar e redefinir os marcos institucionais - como o do Chile parece estar caminhando para - e não isolar o trabalho dos lucros da empresa e os gastos públicos da realização dos direitos são partes necessárias da longa jornada que temos pela frente (Hernandez et al, 2019).
Pinto (2019) menciona que um dos motivos contra a reforma está na proposta de um novo cálculo para o "salário de benefício". Basicamente, esse é o cálculo inicial para a grande maioria dos benefícios da previdência social - ou seja, vai influenciar a renda final que o trabalhador receberá. Assim, enquanto na regra atual o cálculo do salário médio usa as maiores contribuições dos trabalhadores de 80% desde julho de 1994, pela regra proposta pela PEC o cálculo do salário médio seria de todos os salários dos trabalhadores desde 1994. Isso significa que haveria um risco que a média seria “puxada para baixo” ao não excluir as contribuições menores. Ainda assim, pela proposta, a aposentadoria integral só seria possível para as mulheres após agregar 35 anos de contribuição e para os homens após completarem 40 anos de contribuição.
De acordo com Vianna (2018) aqueles contra o Novo Bem-Estar argumentam que a reforma não acabará com os privilégios que promete. Isso porque se argumenta que as novas taxas não atingem de fato os mais ricos. No setor privado, pretende-se ampliar as faixas de renda e aumentar as contribuições. Isso significa que entre R $ 3.000 a R $ 5.839,45, a última faixa de renda imporia uma alíquota parcial de 14% em vez de 11% sobre todo o salário. Em termos reais, como mostra a calculadora da taxa federal, quem ganha R $ 5.839,45 pagaria uma taxa efetiva de 11,69% - ou seja, R $ 682,55 - pela proposta de reforma. Pela regra atual, quem ganha R $ 5.839,45, paga 11% de contribuição - R $ 642,34. Assim, aqueles que se opõem à reforma argumentam que tais mudanças não afetariam os verdadeiros privilégios do Brasil - ou seja, os super-ricos. Nas mudanças no setor público.
Para os que se opõem à reforma da Previdência, a proposta do governo de estabelecer a idade mínima como único critério para a aposentadoria desconsidera as diferentes expectativas de vida no Brasil. Por exemplo, enquanto estados como São Paulo, Distrito Federal, Espírito Santo e Rio Grande do Sul têm expectativa de vida média de 77 anos, em outros estados como Rondônia, Roraima, Alagoas, Piauí e Maranhão a média é de 70 anos . Nesse sentido, a idade mínima de 62 anos para as mulheres e 65 para os homens proposta pelo atual governo é muito alta e próxima da expectativa média de vida de alguns estados. Além disso, aumentar o tempo mínimo de contribuição para 20 anos para os homens é desconsiderar a realidade brasileira - marcada pelo trabalho informal, principalmente para pessoas com menor escolaridade e renda - e dificultar o acesso à aposentadoria.
Para Franco (2019) hoje outro argumento contra a reforma da previdência também é uma questão de desigualdade de gênero. Ao contrário do que se afirma, aumentar a idade mínima de aposentadoria das mulheres é desconsiderar a jornada dupla - até tripla - que enfrentam. Como regra geral, a idade mínima das mulheres aumentaria de 60 para 62 anos. Para os trabalhadores rurais, a idade mínima mudaria de 55 para 60 anos. Ainda, nas categorias de professores, a proposta da Previdência Social aumenta em sete a idade mínima das mulheres. Segundo o IBGE, em 2018, as mulheres trabalhadoras gastavam em média 8,2 horas semanais a mais do que os homens no trabalho doméstico. Além disso, de acordo com dados da Pnad do quarto trimestre de 2018, 47% das mulheres no mercado de trabalho não estão cadastradas - o que dificulta as contribuições previdenciárias.
Esses problemas financeiros são ainda mais intensificados pelos generosos benefícios concedidos a pessoas físicas no setor público. O sistema previdenciário brasileiro tem dois regimes diferentes: um para funcionários do setor privado e outro para ex-funcionários do setor público. Em 2016, embora apenas 3,2 por cento de todos os beneficiários de pensões fossem ex-funcionários do setor público, eles representavam 34 por cento do déficit total. Em média, aproximadamente um milhão de pensionistas do setor público recebiam R $ 8.695 por mês, enquanto 30 milhões de pensionistas do setor privado recebiam R $ 1.339 por mês, uma disparidade significativa. Além disso, esse sistema beneficia desproporcionalmente a elite brasileira e a classe média alta, uma vez que os beneficiários dos fundos de pensão do setor público incluem ex-políticos, militares e funcionários do governo. Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) mostrou que 63% dos entrevistados concordam que os funcionários públicos e privados devem ser regulamentados pelas mesmas leis.
Nesse sentido, Cassar (2017) cita que a desconsideração dessas desigualdades também repercute em outro ponto crítico da reforma: a idade mínima. Ao afirmar que os trabalhadores urbanos devem contribuir pelo menos até os 65 anos, no caso dos homens, e 60, no caso das mulheres, fica claro que o componente da desigualdade social foi deixado de lado. Só para ilustrar a profundidade do problema, dentro de São Paulo - a cidade mais rica do Brasil, capital do seu estado mais rico - a idade média de morte na Cidade Tiradentes, um bairro pobre, é de 57,3 anos, enquanto em Moema, uma das mais ricas, é 80,57 (Rede Nossa São Paulo, 2019).
A distância física entre os bairros é inferior a 30 km. Além do evidente absurdo da defasagem de mais de 23 anos, esses números nos mostram que a maioria da população de Cidade Tiradentes não conseguirá se aposentar, mesmo que tenham trabalhado desde a infância. Essas perspectivas são ainda mais dramáticas quando enfrentamos cidades pobres em regiões pobres.
Nesse sentido, a desconsideração dessas desigualdades também repercute em outro ponto crítico da reforma: a idade mínima. Ao afirmar que os trabalhadores urbanos devem contribuir pelo menos até os 65 anos, no caso dos homens, e 60, no caso das mulheres, fica claro que o componente da desigualdade social foi deixado de lado.
Com essas informações, uma conclusão é clara: aumentar o tempo mínimo de contribuição sem novas políticas para transformar essa realidade significa uma exclusão ainda mais profunda (e desigual) dessa medida de proteção social. A grande questão da extrema ortodoxia e da agenda de austeridade é que, quando alguém tira tijolos defeituosos de uma parede sem a cautela de substituí-los, eventualmente tudo desmorona.
5- Método previdenciário de outros países
Na maioria dos países, as regras que regem os sistemas previdenciários públicos e privados são diferentes, assim como os procedimentos de contratação e os contratos de trabalho. Os mandatos dos funcionários públicos são mais longos e seus salários, em geral, mais altos. Nesse sentido, as reformas previdenciárias afetarão não apenas a decisão de deixar a força de trabalho, mas também a escolha de qual setor trabalhar.
Na Europa, o envelhecimento da população tem pressionado os gastos com pensões, ameaçando a sustentabilidade dos sistemas de pensões. Os países responderam e responderam com vigor. Nas últimas três décadas, as reformas previdenciárias sistêmicas foram introduzidas gradualmente em muitos países, incluindo Itália (1995), Suécia (1998), Áustria (2005) e Finlândia (2005). Ainda assim, foi a crise global que desencadeou uma avalanche de reformas. Enquanto no início da Crise Global os gastos com pensões na Europa já estavam projetados para aumentar em cerca de 4% do PIB a longo prazo, a Crise Global e a crise da dívida europeia tornaram os desequilíbrios nos sistemas de pensões mais evidentes e urgentes levando a triplicar o número de medidas tomadas em relação às duas décadas anteriores (Carone et al. 2016).
É importante ressaltar que as reformas não trataram as gerações de maneira equitativa, muitas vezes reduzindo os direitos de aposentadoria para as gerações mais jovens, ao mesmo tempo que poupava as que estavam dentro ou perto da aposentadoria.
Quando os efeitos da Crise Global e da crise da dívida europeia se dissiparam, as reformas perderam força. As pressões políticas aumentaram para não 'seguir o discurso anterior', levando a reversões de políticas em muitos países, desfazendo parcialmente os ganhos anteriores (OCDE 2019). Essas reversões podem ser facilitadas por longos períodos de transição característicos da maioria das reformas que podem sufocar a implementação (Kohli e Arza 2011). A reversão do ímpeto das reformas também se reflete nas projeções do Relatório de Envelhecimento de 2021 (Comissão Europeia 2021), onde em vários países as mudanças relacionadas às políticas contribuem para um aumento nos perfis de gastos.
A pandemia COVID-19 aumentou os riscos de sustentabilidade dos sistemas de pensões e ampliou ainda mais os desequilíbrios geracionais ao afetar desproporcionalmente a população jovem e em idade ativa em comparação com os aposentados - um padrão que repete a experiência de períodos de crise anteriores (Chen et al. 2018). Esse ambiente socioeconômico em mudança exige um diagnóstico claro da sustentabilidade e da equidade das pensões de acordo com as políticas atuais e exige mais do repensar do desenho e da combinação dos sistemas de pensão e de bem-estar.
Em um estudo recente (Fouejieu et al. 2021), propomos uma estrutura que permite a avaliação das reformas previdenciárias com foco na sustentabilidade, justiça e equidade intergeracional. A peça central é a medida de proporcionalidade (PM), motivada por Knell (2005), que permite comparar a relação entre o valor presente dos benefícios de pensão e o valor presente das contribuições de pensão ao longo do tempo para cada coorte. Ao definir a taxa de desconto igual ao crescimento do PIB, o PM pode ser expresso como a razão (não descontada) da soma dos benefícios para a soma das contribuições, ambos como porcentagem do PIB.
Definido dessa forma, o PM é um medidor de justiça atuarial, comparando as contribuições feitas durante a vida ativa e os pagamentos recebidos na aposentadoria. Para uma coorte, um sistema de pensões atuarialmente justo produziria um PM igual a um, ou seja, os benefícios são totalmente compensados por contribuições, enquanto um PM acima de um refletiria um sistema que fornece mais benefícios do que o que recebe em contribuições. Um sistema seria sustentável se o valor atual descontado das contribuições fosse pelo menos igual ao valor atual descontado dos benefícios em todas as coortes, o que se mantém quando o PM é menor ou igual a um.
O PM também vincula a sustentabilidade do sistema de pensões à equidade ao longo das gerações. Uma PM constante entre as coortes sinaliza um sistema de pensões em que todas as coortes são tratadas igualmente, garantindo assim a equidade intergeracional.
Aplicamos essa estrutura a três safras das projeções do Aging Report: a safra de 2009, que exclui extensas reformas implementadas após a Crise Global; a safra de 2018, que em grande parte capta o impacto dessas reformas; e a safra 2021, que nos permite discutir as reversões das reformas nos anos mais recentes. Antes da Crise Global (com base no Relatório de Envelhecimento de 2009), os sistemas de pensões na Europa não eram atuarialmente justos nem sustentáveis: uma PM média da ordem de dois para os aposentados atuais e futuros indica que os aposentados recebiam benefícios equivalentes a cerca de duas vezes as suas contribuições em termos de valor presente.
A PM média estimada usando as projeções do Relatório de Envelhecimento de 2018 cai para quase 1,5 no longo prazo, embora permaneça praticamente inalterada para os aposentados atuais, um testemunho do impacto das reformas adotadas após a crise global, que trouxe as pensões a meio caminho de alcançar a sustentabilidade de longo prazo. Por último, o PM médio de longo prazo com base nas projeções do Relatório de Envelhecimento de 2021 é de 1,7, apontando para o impacto das reversões juntamente com outros fatores que deterioraram a sustentabilidade em comparação com 2018, incluindo reversões de aumentos anteriores na idade de aposentadoria, suspensões de fatores de sustentabilidade, e o papel crescente dos sistemas públicos de pensões na Europa emergente.
No futuro, as reformas devem ter como objetivo mais progresso em direção à sustentabilidade e não apenas às custas das gerações mais jovens. Apelar para princípios compartilhados de justiça e equidade entre as gerações, espalhar o ajuste de forma mais equitativa por todas as gerações é fundamental para promover uma maior aceitabilidade política (Kohli e Arza 2011).
As reformas devem observar longos períodos de integração progressiva que, ao mesmo tempo que dão aos indivíduos e famílias tempo para se adaptarem, aprofundam as divisões intergeracionais, apresentando riscos para sua implementação futura. O fortalecimento das ligações entre as contribuições e os benefícios, por exemplo, estabelecendo ajustes de benefícios ou contribuições em níveis atuarialmente neutros, também minimizaria as distorções no trabalho à medida que os mercados de trabalho continuassem a se recuperar. Onde as pensões sociais, básicas, mínimas ou outras pensões específicas estão em vigor para fornecer alívio da pobreza,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo mostra que a reforma previdenciária retira direitos sociais e concentra renda no Brasil, um dos países mais desiguais do mundo. Uma das regras dessa reforma é elevar o tempo mínimo de contribuição de 15 para 25 anos, o que retirará o acesso à previdência pública de grande parte da população que trabalha parte da sua vida no mercado informal. Por fim, as reformas não visam recuperar a economia, mas transformar o Estado brasileiro, retirando sua capacidade de promover políticas sociais e de induzir o crescimento. É uma nova onda de neoliberalismo, com a diferença que o 'consenso neoliberal' acabou, e as medidas agora estão sendo impostas de forma autoritária.
O Brasil está atravessando um período de crescente autoritarismo, e a reforma da previdência pública se insere nesse contexto. Um governo ilegítimo apresentou um conjunto de reformas não apenas impopulares, mas antidemocráticas, pois desmonta o pacto social firmado na Constituição de 1988. Esse conjunto de reformas atende às demandas de uma minoria da população, cujos interesses são defendidos pela mídia e por um pequeno grupo de economistas que buscam criar falsos consensos.
As desigualdades sociais devem ser trazidas para o centro do debate não só para garantir um sistema mais sustentável, mas para lembrar a base fundamental do regime de pensões de velhice: garantir o bem-estar das pessoas que atingiram a velhice após uma vida inteira de trabalho. Além disso, o único caminho para alcançar um sistema de pensões justo e inclusivo é concebê-lo sob a perspectiva dos direitos.
Além do absurdo de aprofundar a exclusão em vez de mitigá-la, a reforma, em si mesma, insustentável. Ampliar o número de idosos que não terão seguro do Estado significará um aumento drástico da dependência, uma “passiva social” com dois caminhos prováveis: ou se tornará à força um “passivo financeiro”, e o Estado terá que moldar programas de assistência, ou haverá “convulsão social”.
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[1] Bacharelando do Curso de Direito do Cento Universitário UNA Contagem
Bacharelando do Curso de Direito do Cento Universitário UNA Contagem
Por: Maurício Sousa da Silva
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