RESUMO: Com o diário avanço que ocorre no âmbito medicina, as discussões sobre a transição que divide a vida e a morte passou a ser intensificada tanto na área da saúde como na área jurídica. Com a possibilidade de influência no processo da morte por meios não naturais, para eleger o seu momento e forma, conduzem ao tema da eutanásia. A eutanásia mistura questões de ordem política, econômica, social, familiar, moral, religiosa e jurídica. Esse artigo buscou demonstrar a necessidade dessa nova questão que está sendo abordada. A bioética é um dos responsáveis por esse debate, pelo fato de que todos os dias novos casos aparecem, buscando ansiosamente uma atuação do Direito através de alguma interpretação constitucional que seja reflexo da sociedade atual.
PALAVRAS-CHAVE: Eutanásia; Dignidade da pessoa humana; Direito de morrer; Autonomia da vontade.
ABSTRACT: With the daily advance that occurs in the medical field, discussions about the transition that divides life and death began to be intensified both in the health field and in the legal field. With the possibility of influencing the process of death by unnatural means, to choose its moment and form, leads to the issue of euthanasia. Euthanasia mixes political, economic, social, family, moral, religious, and legal issues. This article sought to demonstrate the need for this new issue that is being addressed. Bioethics is one of the responsible for this debate, due to the fact that every day new cases appear, anxiously seeking an action from the Law through some constitutional interpretation that reflects current society.
KEYWORDS: Euthanasia; Dignity of the human person; Right to die; Autonomy of the will.
INTRODUÇÃO
A criação do Direito ocorreu para que o convívio dos seres humanos em sociedade fosse regulado. Nisso abrangem todas as relações advindas desse meio, ou seja, a proteção da pessoa humana, a tutela de bens, tanto imóveis como não imóveis, bens como a vida, dignidade, honra, todos possuem proteção no meio jurídico.
Quando debatido sobre a dignidade e a vontade da pessoa humana é necessário fazer uma análise de conceitos, principiológica e constitucional sobre a vida e a morte digna. Por conta disso, vale-se debater sobre a eutanásia, e entender seu papel no conflito entre direitos.
Atualmente, a eutanásia se caracteriza por ser um ato ilícito e crime no Direito Brasileiro, é uma prática conhecida como homicídio piedoso, no qual a morte da vítima é antecipada por determinado agente, ocorrendo essa escolha por conta de uma doença incurável, possuindo o intuito de diminuir algum tipo de sofrimento.
Todavia, a pratica da eutanásia ocorre a pedido ou com o consentimento da própria vítima. Muito tem se discutido sobre a eutanásia e diversos são os nomes que a chama, como por exemplo ``morte serena, boa morte, morte sem sofrimento”.
Nas últimas décadas o avanço da medicina e da ciência como todo ajudaram na sustentação da vida humana, prolongando a mesma por meses , até anos. Por esse fato, entra em xeque, a vontade da pessoa humana de morrer com dignidade, sem prologar seu sofrimento e o direito à vida dela ser prolongado. Assim, surge um amplo debate ético e jurídico sobre princípios e sobre a dignidade da pessoa humana.
O princípio da autonomia da vontade e o princípio da dignidade da pessoa humana são ambos valores constitucionais, defendido e tipificado na Constituição Federal de 1988, sendo assim, questiona-se: até que ponto a condenação da eutanásia pode ser vista como a defesa da dignidade da pessoa humana e qual a limitação dela a vontade humana?
Tanto a religião como a ciência compartilham valores e definições sobre a vida e a morte. Essas definições influenciam diretamente o conceito que o jurídico constrói, e é a partir disso que limitações e alcances que cada indivíduo possui sobre sua vida e morte são impostas.
Muito se diz que o bem mais valioso que o ser humano possui é a vida. O direito a vida é inviolável, pelo fato de que sem ele nenhum outro direito pode ser garantido. A Constituição de 1988 estipulou como responsabilidade do Estado garantir a vida.
Outro ponto a ser analisado se diz respeito ao Código de Ética Medica, o qual veda ao médico que colabore para pôr o fim a vida de algum paciente, deixando a autonomia da vontade do indivíduo de lado.
O estudo sobre a eutanásia no Direito Brasileiro possui relevância para as áreas tanto Direito Constitucional como do Direito Penal, e o tema se torna relevante para o âmbito acadêmico pelo fato de ser altamente debatido e que possui muita controvérsia por meio dos estudiosos que vem analisando o mesmo.
Para a sociedade, o tema possui relevância visto que a cada dia casos são que envolve essa temática são mostrados, e a preocupação e incerteza do que deve ser feito por meio dos pacientes como dos médicos que auxiliam os tratamentos só se agrava.
Será apontado aspectos sobre a ética medica e jurídica e como as decisões intervém de imediato na vida dos indivíduos, buscando demonstrar também a possibilidade de tornar a escolha, do paciente e seus familiares perante o direito, licita
1 O direito à vida e a dignidade da pessoa humana.
Quando se trata do direito à vida é necessário entender que ela é uma garantia para todas as pessoas sem distinção o. Nas palavras de Alexandre de Moraes “o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais. ”
Sem o direito à vida não há como os outros direitos serem assegurados, sem ele, todos os outros direitos perdem o sentido de ser. De acordo com André Ramos Tavares, é possível ter duas vertentes quando se trata do direito à vida, a primeira seria o direito de permanecer existindo, ou seja, sendo o direito principal, e o segundo direito seria um nível de vida adequado para todos os cidadãos.
A vida, em nosso ordenamento jurídico, somente pode ser interrompida por causas naturais. Vale dizer que o direito à vida também engloba o direito a saúde, educação, a alimentação, e tudo que garanta a forma de viver digna da pessoa humana. Sendo assim, cabe ao Estado garantir todos os meios para que a pessoa não apenas viva, mas viva com dignidade. (TAVARES; 2009, p. 543)
Como é dever do Estado preservar a vida e com certo grau de qualidade, se entende que também cabe a ele a proteção do direito à vida com a criação de serviços públicos, como por exemplo, serviços de polícia, sistema prisional, e a organização judiciaria. Ainda cabe dizer que, o direito à vida é um direito indisponível, ou seja, a pessoa não pode abrir mão desse direito, não há a opção de deixar de viver. Assim, até os cidadãos que desejam cometer o ato do suicídio, cabe ao Estado fazer de tudo para que seja evitado.
Pelo entendimento de Luciana Russo (2009; p.91) o direito à vida se entende sendo o maior e mais relevante bem de todos os seres humanos, além de que dignidade da pessoa humana é um fundamento da República Federativa do Brasil e não há dignidade sem vida.
Nas palavras de Paulo Gustavo Gonet Branco (2010; p.441) em sua doutrina sobre o Direito Constitucional, encontra-se:
“A existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades disposto na Constituição e que esses direitos têm nos marcos da vida de cada indivíduo os limites máximos de sua extensão concreta. O direito à vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o próprio direito estar vivo para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse”.
Durante a criação da Constituição Federal brasileira de 1988, foi inserido no texto um título próprio no qual juntava as três primeiras gerações de direitos humanos, possuindo cada o seu próprio capitulo (Título II – Capítulos I a III, art. 5º e seguintes), e são encontradas logo no começo do texto constitucional. Antigamente, nas constituições anteriores a atual, os direitos que são inerentes as pessoas eram encontradas no final do texto constitucional. Essa mudança de posição ocorreu com o intuito de transmitir a ideia de que os direitos das pessoas precedem aos do Estado, prestigiando o jusnaturalismo e a referida premissa de “contrato social”.
Entretanto, por mais que todos esses direitos sejam de indiscutivelmente importantes, um dos direitos humanos foi posto com maior destaque com a intenção de mostrar sua incidência aos demais direitos, mesmos os fundamentais. Sendo encontrado no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, um dos mais importantes fundamentos da republica, está estabelecido a dignidade da pessoa humana
Esse direito é um fundamento constitucional que dá diretrizes para todo o ordenamento jurídico, envolvendo todos os âmbitos como penal, civil, trabalhista, admirativo, entre outros. Serve como guia para as repartições estatais, isso incluindo os poderes legislativo, judiciário e executivo, assim também como as atividades privativas.
A dignidade da pessoa humana, pelo viés individual, se trata sobre igualdade de tratamento, liberdade de expressão e pensamento, a integridade física e a autodeterminação. Quando se fala sobre um viés social, entra em questão direitos sociais, direitos entendidos como prestações materiais que cabem ao Estado, no qual envolve condições de vida adequadas para cada indivíduo e sua família. (SARLET, 2012).
De acordo com o entendimento de Silva (2011):
a dignidade da pessoa humana não significa qualquer valor, mas, sim, um valor único e específico. Enquadra-se como um valor espiritual e moral inerente à pessoa e que se manifesta na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, trazendo consigo a ideia segura de respeito por parte das demais pessoas. Em sentido jurídico, significa viver o cidadão de forma responsável e ser respeitado nos seus direitos assegurados pelo ordenamento jurídico vigente, tendo em vista que o respeito à vida é e assim deverá permanecer o mais fundamental de todos os significados da expressão
Sendo assim, entende-se que de acordo com o art. 6º da Constituição Federal, no que diz respeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pelo fato de ser um direito social, a segurança tem como intuito garantir condições a todas as pessoas de adquirir o mínimo necessário, para viver e não apenas sobreviver, porém o suficiente no convívio em meio à sociedade (BRASIL, 1988).
Pelo entendimento do doutrinador Fiorillo (2010), além de abranger o princípio da dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal de 1988, também se preocupou em abordar o mínimo existencial e suas garantias, de acordo com a percepção da Assembleia Constituinte (BRASIL, 1988).
Sendo assim, fica o entendimento de que a dignidade da pessoa humana é um princípio que influencia e serve de base a toda a ordem jurídica, se assegurados os direitos inerentes à pessoa humana.
1.1 Conceito de morte.
No Código Civil de 2002 discute sobre questões das quais são relacionadas aos direitos inerentes a todos os cidadãos brasileiros, no qual aponta que os cidadãos obtêm esses direitos no nascimento com vida, entretanto, vale apontar que a lei impõe a que o nascituro possui direitos.
Entretanto, há também o fato de que alguns dos direitos só podem ser exercidos com a maioridade civil e estão disponíveis para aqueles que possuem capacidade plena, mas caso seja preciso, os incapazes possuirão um representante legal. A Lei n. 10.406/2002, art. 5° elucidada sobre a questão da maioridade enfatiza que: “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”.
Ainda no Código Civil de 2002 é possível encontrar pontos sobre a existência da pessoa natural, e enfatizando que seu término ocorre com a morte do indivíduo. Não há uma definição do conceito de morte pelo legislador, mas no artigo 6° do referido Código encontra-se: “a existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva”
Quando analisamos a morte pelo viés da medicina legal, a morte de ocorre com o término de seu exercício cerebral, ou seja, a morte encefálica, o que significa que não há apresente nenhum tipo de possibilidade de regresso em seu estado clínico. De acordo com Pessoa (2011, p. 32) se entende:
A morte encefálica consiste, assim, na parada definitiva e irreversível do encéfalo (cérebro e tronco cerebral), onde se situem as estruturas responsáveis pela manutenção dos processos vitais autônomo, como a pressão arterial e a função respiratório, provocando a falência de todo o organismo em questão de tempo. Quando isso ocorre, a parada cardíaca é inevitável. Embora ainda haja batimentos cardíacos, a pessoa com morte encefálica não pode respirar sem os aparelhos e o coração não baterá, por mais de algumas poucas horas. Por isso, a morte encefálica já caracterizado a morte do indivíduo.
Já o Conselho Federal de Medicina (CMF) especifica alguns preceitos que têm como intuito principal estabelecer a morte encefálica. Dessa forma, os mesmos estão configurados na Resolução CFM (Conselho Federal de Medicina) n. 1480/1997, discorre:
Art. 1º. A morte encefálica será caracterizada através da realização de exames clínicos e complementares durante intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias. Art. 2º. Os dados clínicos e complementares observados quando da caracterização da morte encefálica deverão ser registrados no "termo de declaração de morte encefálica" anexo a esta Resolução. Parágrafo único. As instituições hospitalares poderão fazer acréscimos ao presente termo, que deverão ser aprovados pelos Conselhos Regionais de Medicina da sua jurisdição, sendo vedada a supressão de qualquer de seus intensar. 3º. A morte encefálica deverá ser consequência de processo irreversível e de causa conhecida. Art. 4º. Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma a perceptivo com ausência de atividade motora supre espinal e apneia. Art. 5º. Os intervalos mínimos entre as duas avaliações clínicas necessárias para a caracterização da morte encefálica serão definidos por faixa etária, conforme abaixo especificado: a) de 7 dias a 2 meses incompletos - 48 horas. b) de 2 meses a 1 ano incompleto - 24 horas. c) de 1 ano a 2 anos incompletos - 12 horas d) acima de 2 anos - 6 horas Art. 6º. Os exames complementares a serem observados para constatação de morte encefálica deverão demonstrar de forma inequívoca: a) ausência de atividade elétrica cerebral ou b) ausência de atividade metabólica cerebral ou, c) ausência de perfusão sanguínea cerebral. Art. 7º. Os exames complementares serão utilizados por faixa etária, conforme abaixo especificado: a) acima de 2 anos - um dos exames citados no Art. 6º, alíneas "a", "b" e "c"; b) de 1 a 2 anos incompletos: um dos exames citados no Art. 6º, alíneas "a", "b" e "c". Quando optar-se por eletroencefalograma, serão necessários 2 exames com intervalo de 12 horas entre um e outro; c) de 2 meses a 1 ano incompleto - 2 eletroencefalogramas com intervalo de 24 horas entre um e outro; d) de 7 dias a 2 meses incompletos - 2 eletroencefalogramas com intervalo de 48 horas entre um e outro. Art. 8º. O Termo de Declaração de Morte Encefálica, devidamente preenchido e assinado, e os exames complementares utilizados para diagnóstico da morte encefálica deverão ser arquivados no próprio prontuário do paciente. Art. 9º. Constatada e documentada a morte encefálica, deverá o Diretor-Clínico da instituição hospitalar, ou quem for delegado, comunicar tal fato aos responsáveis legais do paciente, se houver, e à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos a que estiver vinculada a unidade hospitalar onde o mesmo se encontrava internado.
Seguindo o entendimento de Vaz (2015), a definição de morte no ordenamento jurídico brasileiro, no que se refere ao termino da personalidade civil do indivíduo está fundamentada e configurada: “[...] na primeira parte do art. 6° do Código Civil[...]”, sendo assim, com a morte chega ao fim qualquer probabilidade de demandar sobre direitos e deveres do ser humano. Assim, no tocante da medicina a morte sucede quando cessa as atividades cefálica, desse modo ocorrendo o termino da vida biológica da pessoa.
2 A autonomia da vontade.
Quando se fala sobre a autonomia da vontade, se entende que o cidadão tem o direito de quanto ao seu corpo, sobre a preservação da integridade física e mental e de qualquer que sejam suas motivações. De acordo com Beauchamp & Childress (2002, p. 137), se entende a autonomia como:
A palavra autonomia, deriva do grego autos (próprio) e nomos (regra, governo ou lei), foi primeiramente empregada com referência à autogestão ou ao autogoverno das cidades-estados independentes gregas. A partir de então o termo autonomia estendeu-se aos indivíduos e adquiriu sentidos muito diversos, tais como os de autogoverno, direito de liberdade, privacidade, escolha individual, liberdade da vontade, ser o motor do próprio comportamento e pertencer a si mesmo.
Sendo assim, ficou entendido que a autonomia pode ser entendida como a capacidade do ser humano, livremente, fazer suas próprias escolhas, também aceitando as responsabilidades de qualquer consequência que suas decisões possam causar. Nesse viés, Durand (2007, p. 176) destacou que:
[...] a autonomia ou a autodeterminação é considerada um direito (um direito de ser informado, um direito de decidir etc.) possuído por toda a pessoa adulta ponderada ou por seus representantes, no caso da própria pessoa ser legal, ou psiquicamente incapacitada. Esforçando-se para precisar em que consiste essa aptidão em consentir, diversos autores (juristas ou não) destacam três elementos essenciais: - Capacidade de uma pessoa de compreender as explicações fornecidas e as implicações do ato. - Capacidade de deliberar sobre as escolhas possíveis em função de seus valores e das metas que persegue; - Capacidade de expressar claramente sua escolha.
Nesse contexto, podemos concluir que o princípio da autonomia de vontade nada mais é do que uma certa garantia do ser humano decorre sua personalidade jurídica. No entendimento de Paulo Lobo (1986, p. 14), o princípio da autonomia da vontade é um princípio político, que “descansa sobre uma concepção individualista ou liberal da vida”.
No mundo atual, com a decorrente tecnologia sendo desenvolvida a cada segundo, a área da saúde possui condições de manter um indivíduo biologicamente vivo por meio de tratamentos e equipamentos que possibilitam que a vida seja prolongada. Entretanto, muitos desses processos que retardam a morte acarretam o sofrimento do indivíduo e de sua família (PESSINI & BARCHIFONTAINE, 2007, p. 372).
Nesse contexto, de acordo com Genival Franca (2017) pode analisar que:
Desse modo, disfarçada, enfraquecida e desumanizada pelos rigores da moderna tecnologia médica, a morte vai mudando sua face ao longo do tempo. A cada dia que passa maior é a cobrança de que é possível uma morte digna e as famílias já admitem o direito de decidir sobre o destino de seus enfermos insalváveis e torturados pelo sofrimento físico, para os quais os meios terapêuticos disponíveis não conseguem atenuar. O médico vai sendo influenciado a seguir os passos dos moribundos e a agir com mais "sprit de finesse", orientado por uma nova ética fundada em princípios sentimentais e preocupada em entender as dificuldades do final da vida humana; uma ética necessária para suprir uma tecnologia dispensável. Neste instante, é possível que a medicina venha rever seu ideário e suas possibilidades, tendo a “humildade” de não tentar “vencer o invencível”
Gomes (2008, p. 22) afirma que o princípio da autonomia da vontade pode ser explicado como o poder que a pessoa humana possui de manifestar livremente seus interesses, como melhor for conveniente para o mesmo, acarretando efeitos tutelados pelo ordenamento jurídico. Sendo assim, é possível entender que a vontade é o único elemento necessário para que a pessoa exerça esse seu direito.
Esse princípio surgiu a partir da perspectiva dos contratos que se encontra no artigo 171, inciso II do Código Civil, o qual se baseia na livre vontade do agente, na liberdade de contratar. É perceptível que esse princípio não ficou somente vinculado aos contratos, pelo fato que o sistema constitucional reconhece o ser humano como individuo moral, sendo assim o mesmo é capaz de fazer suas próprias escolhas e assumir a responsabilidade por seus atos.
Sobre o entendimento do tema proposto para esse artigo, Maria Helena Diniz alude que:
“O princípio da autonomia requer que o profissional da saúde respeite a vontade do paciente, ou de seu representante, levando em conta, em certa medida, seus valores morais e crenças religiosas. Reconhece o domínio do paciente sobre a própria vida (corpo e mente) e o respeito à sua intimidade, restringindo, com isso, a intromissão alheia no mundo daquele que está sendo submetido a um tratamento” (DINIZ, 2006, p. 16).
Nesse contexto, pode se entender que a para o ser humano viver com dignidade vai além de apenas subsídios materiais. É preciso que o indivíduo tenha direitos essenciais para que possa viver bem. Se existe vida, mas por meio de aparelhos, e o fardo que é submetido ao paciente faz com que não haja vida em abundancia, pelo fato de precisar manter a vida, faz com que a dignidade da pessoa humana seja totalmente desrespeitada. Sendo assim, a autonomia da vontade precisa ser levada a sério.
Como já dizia Anderson Röhe:
[…] quando a Carta de 1988 consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana – tornando-se a primeira Constituição brasileira a reconhecê-lo expressamente – foi aberta uma porta, não só para o direito a uma vida digna, também para o direito de morrer com dignidade. (RÖHE, 2004, p. 31).
3 A eutanásia e o Estado Democrático de Direito
3.1 eutanasia, distanasia e ortonasia
É comum que muitas pessoas pensem que essas três modalidades sejam parecidas, entretanto, vale dizer que a unida semelhança entre elas é a etimologia das palavras. O sufixo “tanásia”, que aparece nas três palavras, vem do grego “thanatos” que significa “morte” ou “morrer”. Essas expressões referem-se em igual modo sobre o momento da morte. (FRANCISCONI. 2007, pág. 112). Assim, cabe explicar o que é cada uma dessas palavras.
Quando se fala da Ortotanásia, pode-se entender que ela se evidencia por ser a morte natural do paciente, o mesmo que está em um estado de doença já irreversível, está dependendo de aparelhos, ou/e até mesmo em um como irreversível, sendo assim não haveria porque lhe impor tratamentos desgastantes. Sendo assim, se preferível que a evidente morte esteja concreta; debaixo da escolha do paciente, enquanto ainda consciente, ou de seus familiares quando já não há mais consciência, ou sinais cerebrais, deixando que a doença siga seu fluxo natural. (BOTTEGA e DE CAMPOS. 2011, pág. 49).
Já a Distanásia pode ser entendia da como o prolongamento da vida do paciente de maneira artificial, provocando lhe sofrimento, pelo fato de que a morte é enxergada como uma sentença. Nas palavras de Diniz (2010, p. 417), “Não visa prolongar a vida, mas sim o processo da morte”. Com as técnicas avançadas da medicina, o processo de morte digna se encontra cada vez mais ameaçado, pelo fato de que a luta contra a morte se torna incessante.
Enquanto a eutanásia, que é o tema do presente artigo, é conceituada como a antecipação da morte do paciente, tendo em vista a compaixão ou piedade. Essa interrupção pode vim a entrar em questão pelos médicos, parentes ou amigos de alguma vitima que está em grande sofrimento e em estado terminal ou com uma doença incurável. (SIQUEIRA-BATISTA e SCHRAMM, 2004).
3.2 A eutanásia no direito brasileiro.
Tendo em vista de que não existe nenhum direito absoluto, é completamente compreensível a discursão sobre o direito de morrer, pelo fato de que, aqueles que pedem pelo direito de morrer não possuem uma vida digna como deveria ocorrer. Sendo desse modo, a prolongação da vida, submeter o indivíduo a um sofrimento prolongado, se torna mais uma forma de tortura do que da proteção da vida pelo fato de que o mesmo não possui nenhuma condição de gozar dos outros direitos conferidos na Constituição Federal.
Para uma melhor compreensão, vale dizer que, a Constituição Federal de 1988, declara que “[…] ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano e degradante” (BRASIL, 2013, p. 08). ” Sendo assim, a ciência e a tecnologia disposta aos profissionais de saúde, não podem fazer com que o indivíduo no qual não possui mais prazer de viver, uma cobaia humana, com tratamentos dolorosos e sem possuir alguma estatística de que irá funcionar.
Um conceito da eutanásia pode ser a eliminação da vida, praticada por um relevante valor moral, com a intenção de livrar um doente, sem esperança de cura, do sofrimento sem vim que o vem assolando. O ordenamento jurídico brasileiro não exclui a ilicitude dessa eutanásia, por mais que haja o consentimento do paciente, a conduta ainda se encaixa no crime do artigo 121 do Código Penal (Brasil, 2004), entretanto é possível o reconhecimento do privilégio, configurando uma redução da pena de um sexto a um terço. Assim dispõe a lei "se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima" (Brasil, 2004).
Deste modo, pode se dizer que a prática da Eutanásia no Brasil é considerada como homicídio simples, podendo a pena ser atenuada caso entenda-se presente o “relevante valor moral”.
Em 1984, a parte especial do código penal, pela primeira vez, previu a isenção da pena para aquele que praticasse a eutanásia, que, com o consentimento da vítima, antecipasse a morte que estava sendo prolongada ao doente sem perspectiva de cura, desde que fosse atestada por outro médico (Szklarowsky, 2002). Entretanto, o projeto dessa lei foi abandonado por várias razoes, entre elas, por grande influência religiosa na qual entende que somente Deus pode terminar a vida.
Em 1996, o ex senador Gilvam Borges propôs o projeto de Lei n° 125/96, a qual tentou apontar alguns meios para que o judiciário brasileiro passasse a abranger a pratica da eutanásia no país. No projeto da lei, se encontrava no texto a sustentação a favor da “morte sem dor”, autorizando com que ocorresse procedimentos que permitisse a indivíduos que estivessem em estado de sofrimento, tanto psíquico como físico, a escolha da sua própria morte. O paciente poderia pedir a eutanásia, e caso estivesse inconsciente, seus parentes próximos ficariam encarregados dessa decisão. (GOLDIM; 2018)
De acordo com Goldim (2018), nesse projeto de lei, para que ocorresse a autorização do procedimento de eutanásia seria necessária uma avaliação criteriosa ao caso, sendo necessário “por uma junta médica, composta por 5 membros, sendo dois especialistas no problema do solicitante. Caso o paciente esteja impossibilitado de expressar a sua vontade, um familiar ou amigo poderá solicitar à Justiça tal autorização”. Entretanto esse projeto fora arquivado sem maiores debates.
4 Colisão de direitos fundamentais
Quando se estuda as colisões de direitos fundamentais, é necessário compreender que as Constituições são documentos dialéticos e compromissórios, as quais afirmam valores e interesses diversos, que eventualmente entram em conflito. Desse modo, os direitos fundamentais são direitos heterogêneos e, na grande maioria, possuem conteúdo aberto e variável, o que ocasiona, com frequência, o choque entre direitos fundamentais.
A colusão entre os direitos fundamentais acontecerá quando o exercício de um direito fundamental por parte de um titular colide com o exercício de outro direito fundamental. Assim, é possível afirmar que, os direitos fundamentais são outorgados por normas jurídicas que possuem em sua essência características de princípios, e, por isso, se aplica a colisão de princípios quando houver colisão entre direitos fundamentais.
O problema em questão não será solucionado suprimindo um em favor de outro. A questão será resolvida por meio de um acordo com o peso ou importância relativa de cada princípio para se escolher qual deles prevalecerá no caso concreto. Com esse ponto, Edilsom Farias destaca a doutrina de Robert Alexy:
As contradições de normas em sentido amplo que tem lugar dentro do ordenamento jurídico são sempre colisões de princípios e as colisões de princípios sucedem sempre dentro do ordenamento jurídico. Isto põe claramente, de manifesto que o conceito de colisão de princípios pressupõe a validade dos princípios que entram em colisão.
Para a resolução do conflito se faz necessário a análise das circunstâncias que cercam o problema no dia a dia, discutindo o caso pratico, para que os aspectos específicos da situação sejam pesados, prepondere o princípio de maior importância. O conflito será resolvido mediante uma ponderação de interesses opostos, determinando qual destes interesses tem um maior peso no caso concreto.
O principio da proporcionalidade busca manter a dignidade da pessoa humana, e é um instrumento de ponderação dos direitos fundamentais. De acordo com Teixeira, é possível entender que o princípio da proporcionalidade nasce a partir do princípio da dignidade humana, o qual está consagrado pela Constituição Federativa do Brasil de 1988.
De acordo com o entendimento de Gilmar Ferreira Mendes:
“(...) no processo de ponderação desenvolvido para solucionar o conflito de direitos individuais não se deve atribuir primazia absoluta a um ou a outro princípio ou direito. Ao revés, esforça-se o Tribunal para assegurar a aplicação das normas conflitantes, ainda que, no caso concreto, uma delas sofra atenuação.”
Quando se fala da pratica da eutanásia a qual faz com que entre em choque os direitos em questão: direito à vida, dignidade humana, autonomia, e liberdade prevalecerão os direitos que melhor e maior argumento tiverem, levando em consideração a manutenção daqueles direitos individuais. A partir disso, a discussão se leva para o lada da prevalência de um direito sobre o outro, que deverá ser levado em consideração os valores, a liberdade, autonomia e a dignidade do paciente, já que esta é subjetiva se considerada particularmente, como também seu desejo e capacidade de decisão embasados na consciência de seu estado físico e psicológico.
5 A livre autonomia do direito de morrer.
Quando se estuda sobre essa autonomia, é preciso analisar a divergência entre as definições de suicídio e eutanásia. De acordo com Capez (2015, p.118) o suicídio se entender por ser a destruição da própria vida, de forma direta e voluntária. Enquanto a eutanásia trata da morte ocasionada por um terceiro como forma de acabar com o sofrimento acarretado pela doença.
Entretanto, o que se torna debatido é que, ao conferir direitos para uma pessoa cometer a eutanásia, não se outorga direitos ao paciente, mas sim para o autor da própria morte, aquele que mata. Sendo assim, a eutanásia não seria o direito de morrer, mas sim ao direito de matar.
De acordo com a Constituição Federal, o direito a vida é inviolável, e também o mais importante de todos os direitos, por se presumir que, através deste, há a aquisição e usufruto dos demais. O direito à vida é tutelado pelo ordenamento jurídico pátrio, ao passo que, ao indivíduo que atentar contra o direito a vida, que não seja o seu, será aplicado ao autor, coautor, partícipe ou copartícipe, as devidas reprimendas penais.
O Conselho Federal de Medicina, ao aprovar seu novo Código de Ética Médica, por meio da Resolução nº 1.931/2009, (publicada no D.O.U. de 24 de setembro de 2009, Seção I, p. 90), dispõe no Capítulo V que: É vedado ao médico “Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal” (art. 41).
Na mesma resolução, o conselho de medicina continua a tratar práticas como a eutanásia e o suicídio assistido como inapropriadas à ética médica, mas dá suporte jurídico, de uma forma indireta, à ortotanásia ao prever no parágrafo único do artigo 41 “que o médico deve oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis, no caso de uma doença incurável e terminal, ao passo de não empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis.”
Nesse contexto, cabe a citação de Mold (2010, p. 1) que, assim entende: “Morrer constitui o ato final da biografia pessoal de cada ser humano e não pode ser separada daquela como algo distinto. Portanto o imperativo de uma vida digna alcança também a morte. Uma vida digna requer uma morte digna”.
CONCLUSÃO
Este artigo teve como intuito auxiliar as reflexões a respeito da decisão do paciente para com o destino de sua vida. Durante o trabalho, foi conceituado a eutanásia, distanásia, ortotanásia e por fim, o suicídio assistido. Ademais, também foram investigados alguns princípios constitucionais, como a autonomia da vontade e a dignidade humana.
Fora estudado fundamentos que garantem ao ser humano escolher o momento em que se dará termo a sua vida, e pode-se dizer que são eles: o princípio da dignidade da pessoa humana e o da autonomia privada. Isso pelo fato de que o titular do direito à vida o exerce dentro de sua liberdade individual, não cabendo ao Estado obrigar o cidadão a viver, quando isso não fora mais agradável para o mesmo.
Certos tópicos destacados no artigo estão previstos em lei, como por exemplo o auxílio ao suicídio, e até mesmo a distanásia. Essas concepções, mesmo que indiretamente, atentam contra o princípio da dignidade humana do paciente; entretanto, quando se diz respeito a eutanásia é possível que haja indagações e debates acerca do alcance da autonomia da vontade do indivíduo, e isso é uma discussão atual no direito brasileiro.
Por fim, se afirmar que é necessário ter a dignidade humana como norte ao longo da vida do indivíduo, pelo fato de que se pressupõe que esta representa um mínimo existencial. Além de que, é necessário o respeito ao homem como um fim em si mesmo, ou seja, é plausível reconhecer a cada um, o direito enquanto ser humano, de decidir acerca do destino de sua vida e de sua morte.
REFERÊNCIAS
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Graduando(a) do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DENEGRI, LUISA VICTORIA FLORES. A vontade do paciente e a Dignidade da pessoa humana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2021, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57554/a-vontade-do-paciente-e-a-dignidade-da-pessoa-humana. Acesso em: 22 nov 2024.
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