TIAGO CAMPOS PEREIRA[1]
(coautor)
MARCELLA PAGANI.
(orientadora)
RESUMO: Este trabalho de conclusão de curso busca analisar o protagonismo que o Poder Judiciário brasileiro tem alcançado ao se utilizar demasiada e ambiguamente da hermenêutica criativa/expansiva, incorrendo, por conseguinte, no ativismo judicial negativo. Em um primeiro momento, serão identificados a origem do instituto do ativismo jurídico, as suas primeiras ocorrências no Brasil, traçando uma análise frente à Constituição da República de 1.988. O instituto será analisado, também, à luz do princípio da segurança jurídica e de decisões judiciais.
Palavras-chave: Hermenêutica; Ativismo Judicial; Poder Judiciário.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Origem Histórica do Ativismo Judicial 2.1 Ativismo Judicial no Brasil 2.2 Ativismo Judicial e a Constituição da República de 1988 2.3 Ativismo Judicial x Judicialização da Política 3. Ativismo Judicial e o Princípio da Segurança Jurídica 3.1 Função típica do Poder Judiciário 3.2 Ativismo Judicial: interpretação extensiva 3.3 Ativismo Judicial e as decisões judiciais no Tribunal de Justiça de Minas Gerais 4. Conclusão 5. Referências Bibliográficas.
Para início, é importante destacar que, no Brasil, os três Poderes da União – Legislativo, Executivo e Judiciário – são independentes e harmônicos entre si. Tal separação, essencial para alicerçar um Estado Democrático de Direito, é de tamanha relevância que se encontra disposta no Título I, capítulo dos Princípios Fundamentais da Constituição da República de 1988, que anuncia os fundamentos, os objetivos e os princípios que devem reger a República brasileira em suas relações internas e internacionais.
A ideia da separação dos poderes é de longa data. Pensadores do passado, preocupados com as implicações de eventuais governos tirânicos ou autoritários, já traçavam a importância de equilíbrio dos três poderes. De forma breve, destaca-se para este trabalho, o francês Montesquieu, que escreveu a obra O Espírito das Leis, tratando da Teoria dos Freios e Contrapesos - Checks and Balances.
Por essa teoria, há um equilíbrio de poderes, ou seja, um poder serve como o freio e controle de outro, evitando excessos e arbítrios. Isso não quer dizer que exista recorrente interferência direta de um poder no outro, ou pelo menos, em tese, não deveria existir, cada poder tem a sua autonomia e não pode ser desrespeitado dentro de suas funções, salvo quando detectadas anomalias.
O Poder Judiciário brasileiro tem as suas funções delimitadas pela Constituição da República de 1988, notadamente nos arts. 96 a 126, sendo a função precípua a jurisdicional, que consiste em julgar e em aplicar o direito visando pôr fim ao litígio.
No que tange à interpretação de uma norma, é preciso compreender que ela, quando editada, reflete o retrato de quando foi proposta. Logo, em tempos ulteriores, com a constante evolução da sociedade, os operadores necessitam de interpretações criativas ou extensivas para a aplicação da norma ao caso concreto. Portanto, o engessamento da interpretação da lei corroboraria para célere perda de sua eficácia.
Inocêncio Mártires Coelho, destaca que uma interpretação definitiva pareceria uma contradição em si própria, uma vez que ela está sempre em evolução, não se exaurindo.
Isto posto, há de se saber quando a hermenêutica criativa e extensiva transcende os seus limites, pondo-se a atuar em razão do seu interprete, tornando-se num ativismo judicial.
Reconhecidamente, o termo ativismo judicial surgiu nos Estados Unidos. Apesar de se ter anotações remotas a 1.947, o termo ativismo judicial é atribuído ao jornalista e historiador Artur Schlesinger Jr., que publicou o artigo The Supreme Court: 1947. (CAMPOS, 2014, p. 43-47).
O artigo publicado na revista Fortune Magazine cuidou de analisar a atuação dos juízes da Suprema Corte Norte-Americana, sete deles nomeados pelo 32º presidente, Franklin Delano Roosevelt. No citado artigo, Schlesinger classificou os juízes por meio de suas atuações em: a) juízes ativistas com ênfase na defesa dos direitos das minorias e das classes mais pobres; b) juízes ativistas com ênfase nos direitos de liberdade; c) juízes campeões da autorrestrição e d) juízes representantes do equilíbrio de forças, chegando em dois grupos: os ativistas e os autorrestritivos. (CAMPOS, 2014, p. 43-47).
Os ativistas eram liderados por Hugo Black, ao passo que os autorrestritivos eram liderados por Felix Frankfurther. Os juízes Fred Vinson e Stanley Reed, conforme o caso concreto, acompanhavam ora um, ora outro grupo. (CAMPOS, 2014, p. 43-47).
Nesse contexto, Artur Schlesinger Jr. apresentou o termo ativismo judicial como a atuação dos juízes ativistas, que legislavam, em própria vontade, para a promoção das liberdades civis e dos direitos das minorias, dos destituídos e dos indefesos, ainda que para isso chegassem próximo à correção judicial dos erros do legislador. (CAMPOS, 2014, p. 43-47).
Desse modo, ativismo judicial nada mais é que um termo técnico que define uma atuação proativa do Poder Judiciário com interferência na atuação do legislativo e do executivo, ou seja, o juízo faz a sua interpretação, às vezes criativa, da Constituição para, em tese, poder garantir direitos e sanar omissões e decisões do legislador que poderiam ser revistas.
Ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificar a atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais […]. (BARROSO, 2010; p. 09).
É perceptível, portanto, que o ativismo judicial se revela, especialmente, na ascensão do Judiciário, em razão da maciça judicialização de assuntos político-sociais, decorrente da omissão do legislativo, com interpretação da lei maior de modo expansivo. Para, Barroso 2010, p. 102, existem elementos que culminam na ascensão do judiciário e neste ponto, por nossa interpretação, os “atores políticos” que se furtam a combater que questões polêmicas e essenciais, restando ao Judiciário o preenchimento dessas lacunas.
No Brasil, a inclinação ao ativismo judicial surgiu com o advento da Constituição República de 1988, após o fim da ditadura militar, buscando inserir no ordenamento jurídico direitos garantidores de uma efetiva democracia.
Também, com advento da Carta Maior de 1.988, houve o fortalecimento do papel institucional do Judiciário, sobretudo com a ampliação do acesso à justiça, princípio constitucional fundamental. Também, conforme ressalta Campos (2014, p. 210), o aperfeiçoamento de instrumentos processuais de defesa dos cidadãos, que aliado à conscientização e mobilidade da sociedade civil em torno de seus direitos, tornaram ainda mais relevante a atuação do Judiciário no controle dos poderes políticos e na resolução dos conflitos envolvendo a efetivação desses direitos.
É imperioso ressaltar que, no Brasil, existem posições favoráveis e contrárias ao ativismo judicial. A teoria substancialista é de posição favorável e a teoria procedimentalista tem posicionamento contrário.
Conforme Granja (2014), a teoria procedimentalista conceitua que as pessoas não têm direito de exigir do Judiciário a garantia determinadas faculdades previstas na Lei para que possa ser-lhe atendido o princípio da dignidade da pessoa humana (MONTEIRO, 2001, p.172), ao passo que teoria substancialista, tem fundamento contrário àquela, pois sendo o STF o guardião da Constituição da República, quando certos comportamentos venham a prejudicar a paz social, a vida digna de uma coletividade, direitos mínimos existenciais, ele deve intervir para garantir os direitos fundamentais, seja em controle concentrado, seja em controle difuso de constitucionalidade. (GALVÃO, 2010, p. 137).
O ativismo judicial é uma temática que a cada dia torna-se mais evidente em discussões tanto na mídia quanto nos meios jurídicos, uma vez que vai de encontro à questão de quais limites podem ser ultrapassados para não violar o princípio da separação dos poderes.
Inicialmente, cabe definir o que é o ativismo judicial. Para Barroso (2010, p. 09):
Ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificar a atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais (…)Todavia, depurada dessa crítica ideológica – até porque pode ser progressista ou conservadora – a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. (BARROSO, 2010; p. 09)
Portanto, o ativismo judicial nada mais é que um termo técnico que define uma atuação mais proativa do Poder Judiciário com interferência na atuação do legislativo e do executivo, ou seja, o juiz faz uma interpretação da Constituição para garantir direitos já previstos pela mesma para sanar omissões e decisões do legislador que poderiam ser revistas.
Conforme a definição anterior de Barroso (2010, p.09), a expressão teve origem nos Estados Unidos. No Brasil, a inclinação ao ativismo judicial surgiu com o advento da Constituição Federal de 1988, pois surgiu após o fim da ditadura militar, buscando inserir no ordenamento jurídico direitos garantidores de uma efetiva democracia. Porém, esta adota o sistema civil law, estando assim o direito brasileiro mais fadado a cada juiz interpretar a lei conforme sua ética ou vontade, gerando inseguranças quanto à aplicação do ativismo judicial.
A Constituição da República de 1988 possui o princípio da separação de poderes, este que demonstra as possíveis flexibilizações e limites impostos pelo legislador, autorizando certa amplitude em nome das exigências de liberdade e igualdade que a fundamentam. Sendo assim, ela impõe a instituição do Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF/1988) para que seus intérpretes e destinatários incorporem mesmos direitos que ainda não lhe foram incorporados.
Para ilustrar a interferência do ativismo judicial na Constituição brasileira, é necessário primeiro falar sobre o princípio da separação dos poderes previsto no art. 2º, da CR/1988. Tal princípio surgiu para que as estruturas institucionais (em especial as que fazem as normas jurídicas) não estejam vulneráveis ou hierarquizadas. Todavia, foi criado para o poder legislativo a sua divisão que consiste em volumoso número de parlamentares (513 deputados federais e 81 senadores), contrapondo-se com o poder judiciário que possui apenas onze ministros do STF, e trinta e três ministros do STJ.
Deste modo, a teoria dos freios e contrapesos se efetiva, pois um poder torna-se vigilante e controlador do outro para que extravagâncias nas aplicações não ocorram, estabelecendo a eficácia do Estado Democrático de Direito. Manoela Alves, conselheira da OAB Pernambuco e professora de direito constitucional da Uninabuco, em Recife, diz que “O Estado só está de fato atuando no interesse comum quando consegue equilibrar suas três funções principais, que são executar, legislar e julgar, de uma forma que respeite as regras pré-definidas na Constituição” (ALVES, 2020).
Montesquieu em sua obra “O Espírito das Leis” define os poderes da seguinte forma:
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois pode-se temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se tivesse ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos príncipes ou dos nobres, ou do povo exercesse esses três poderes. O de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou divergências dos indivíduos. (MONTESQUIEU 2008, p. 166)
Portanto, com as ideias do pós-positivismo sendo cada vez mais discutidas no âmbito do Direito Constitucional, o resultado que se tem é um crescente processo de constitucionalização do direito que acarreta demasiadas demandas ao Poder Judiciário, gradativamente crescendo o ativismo judicial, ante o princípio da inafastabilidade de jurisdição e a primazia da concretização dos direitos e garantias fundamentais.
Compete ao Supremo Tribunal Federal, a máxima corte do Poder Judiciário brasileiro, a guarda da Constituição, conforme elencado no art. 102 da Magna Carta. Neste sentido, é evidente a consagração constitucional da grande função competida ao Supremo Tribunal Federal para o controle dos poderes, e assim, definir que o ativismo judicial não pode se afastar, afinal, tudo o que for inconstitucional será tratado pelo STF. Deste modo, observa-se que, quando provocado algum órgão do judiciário, estes concedem a tutela jurisdicional àqueles que se valem do contrato social em busca de soluções para seus conflitos, configurando amplo exercício da democracia (ALMEIDA, 2011).
Nos dias atuais, há discussões quanto ao conceito do neoconstitucionalismo, mudando a concepção da teoria jurídica e abarcando conceituações sobre a importância do Direito ser pautado em conformidade com a moral. Este conceito, conforme Sarmento (2012, p.113), possui ligação aos vários conceitos do Direito contemporâneo, sendo que este resume em sua obra que se concentra nos seguintes fenômenos:
a) reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito; b) rejeição ao formalismo e recurso mais frequente a métodos ou “estilos” mais abertos de raciocínio jurídico: ponderação, tópica, teorias da argumentação etc; c) constitucionalização do Direito, com a irradiação das normas e valores constitucionais, sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais, para todos os ramos do ordenamento; d) reaproximação entre o Direto e Moral; e) judicialização da política e das relações sociais, com um significativo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário. (SARMENTO, 2012, p.113).
Um exemplo da atuação do ativismo judicial para garantir a efetiva aplicação dos direitos e garantias fundamentais conforme interpretação da Constituição da República de 1988, é ilustrado na conclusão da ADPF 132 e ADI 4.277, ambas julgadas pelo STF a respeito da União Homoafetiva. Neste sentido, o STF equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Portanto, a união homoafetiva foi reconhecida como um núcleo familiar como qualquer outro. Em seu voto, o ministro do STF Ricardo Lewandowski, diz que:
Cuida-se, enfim, a meu juízo, de uma entidade familiar que, embora não esteja expressamente prevista no art. 226, precisa ter a sua existência reconhecida pelo Direito, tendo em conta a existência de uma lacuna legal que impede que o Estado, exercendo o indeclinável papel de protetor dos grupos minoritários, coloque sob seu amparo as relações afetivas públicas e duradouras que se formam entre pessoas do mesmo sexo. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 132/RJ. Relator Min. Ayres Britto. Data do julgamento: 05.05.2011)
Tal decisão foi crucial para definir sobre um fato cotidiano na sociedade brasileira, mas que não havia sido amparado anteriormente, necessitando então de o Poder Judiciário garantir os direitos advindos de uma interpretação da Constituição que seja compatível com a garantia da igualdade e dignidade da pessoa humana, trazendo equidade na interpretação dos relacionamentos homoafetivos em relação aos relacionamentos heterossexuais.
Conclui-se, no entanto, que a questão do ativismo judicial e Constituição da República vai muito além do que já foi pré-determinado no ordenamento jurídico. De um lado, há envolvimento dos limites de atuação do Poder Judiciário. Do outro, infere a questão da separação dos poderes. Sendo assim, resulta no judiciário ainda encontrando a sua adequação na sua aplicação, principalmente com as recentes evoluções das novas tecnologias e inovações disruptivas que inferem em uma inerente confusão para a garantia de proteção a bens jurídicos relevantes, tais como os direitos fundamentais que trazem dignidade aos cidadãos.
A política tem origens remotas à Grécia Antiga, nos tempos que estavam organizados em Pólis (cidade-estado), indicando todos os procedimentos relativos à sua administração. Na conceituação atual, a política é definida como a atividades governamentais em relação ao interesse público, tais como a política educacional, política social, política econômica, entre outras. Sendo assim, política é a arte de influenciar o modo de um governo, seja pela opinião pública ou por meio de uma organização política (ANDRÉ, 2016).
Em corolário com a concepção de política há a judicialização da política, que se trata de um fenômeno onde, na tripartição dos poderes, o Poder Judiciário passa a ter aumento de influência em funções típicas de outros poderes, provocando assim um desequilíbrio no exercício organizado das funções estatais. Conforme Barroso (2008, p.2), existem três grandes causas da judicialização: a redemocratização, a constitucionalização abrangente e o sistema de controle de constitucionalidade. Ademais, para o autor:
Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro. (BARROSO 2008, p.2).
Todavia, a judicialização da política é um caminho por vezes perigoso. Permitir que o Poder Judiciário se sobreponha aos demais poderes, ao discutir questões tanto do Legislativo quanto do Executivo, pode ferir o Estado Democrático de Direito, na medida em que as escolhas feitas no STF e tribunais não são um poder cujo seus representantes não são escolhidos de forma representativa. Este fato deve-se ao ingresso na magistratura requerer concursos públicos, não eleições, e a escolha de Ministros do STF, é feita por indicação do Presidente, tornando a participação popular inexistente.
Dados os conceitos anteriores, faz-se necessária a distinção do Ativismo Judicial para a Judicialização da Política. Na Judicialização da Política, os tribunais atuam conforme princípios e regras constituídas anteriormente mas atua além de suas atribuições de aplicação da lei, assim como diz o art. 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito" (BRASIL, 1942).
Em contraponto vem o ativismo judicial, este que o juiz cria novos entendimentos e regras relativas aos direitos e garantias e amplia as formas legais, como dito no art. 140, do CPC, “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico. Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei” (BRASIL, 2015).
Conforme diz Ramos (2015, p. 131):
(…) por ativismo judicial deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesses) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos).
Ademais, para Barroso (2008, p. 03):
A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.
Diante o exposto, cria-se um receio dos demais poderes diante do surgimento de uma espécie de “Estado de juízes”, onde o poder se encontra na mão de pessoas que não foram escolhidas pelo povo e que passam a decidir acerca das questões de maior relevância nacional.
Por fim, conclui-se que mesmo que haja o conceito de um equilíbrio entre os poderes, no art. 60, da CR/88, o Estado Democrático de Direito fica suscetível ao predomínio do Poder Legislativo em relação aos demais. Isto decorre de acordo com as mudanças da sociedade, uma vez que o poder Legislativo inicialmente foi predominante, logo depois o Executivo passou a ser o mais atuante e, nos dias atuais, a judicialização é nítida na política. Devido a este fato, as ações do Judiciário são cada vez mais cotidianas, gerando no Estado, O aumento da influência do Poder Judiciário.
Sempre que se discute as questões relativas ao ativismo judicial que, em apertada síntese, é compreendido como uma ação proativa do Judiciário, atuando em questões relativas, principalmente à efetividade dos direitos fundamentais, fomenta-se debates sobre a segurança jurídica em virtude da tripartição de Poderes. Isso se deve porque o ordenamento jurídico brasileiro, de forma expressa, consagra a autonomia dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Logo, quando este último adentra no âmbito de atuação do Executivo ou do Legislativo, há uma mitigação das atividades típicas.
Contudo, antes de se averiguar especificamente tais questões, é importante contextualizar a função típica do Judiciário, objeto do próximo tópico.
De acordo com o artigo 2º, da Constituição da República de 1988, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si, sendo que cada qual exerce um papel diverso na sociedade brasileira. Contudo, atualmente, principalmente no que toca ao Poder Judiciário, ele tem tomado decisões que pertencem à outra esfera de poder, ocorrendo o fenômeno do ativismo judicial.
Significa dizer, portanto, que cada Poder do Estado possui como pressuposto uma função específica, sendo devidamente independentes uns dos outros, não havendo uma relação de interdependência, haja vista que cada um é exercido sob uma parte concreta na criação e aplicação do direito em si.
Sob a separação de poderes, Pedro Lenza obtempera:
Dimitri, com precisão, observa que “seu objetivo fundamental é preservar a liberdade individual, combatendo a concentração de poder, isto é, a tenência ‘absolutista’ de exercício do poder político pela mesma pessoa ou grupo de pessoas. A distribuição do poder entre órgãos estatais dotados de independência é tida pelos partidários do liberalismo político como garantia de equilíbrio político que evita ou, pelo menos, minimiza os riscos de abuso de poder. O Estado que estabelece a separação de poderes evita o despotismo e assume feições liberais. Do ponto de vista teórico, isso significa que na base da separação dos poderes encontra-se a tese da existência de nexo causal entre a divisão do poder e a liberdade individual (LENZA, 2016, p. 584).
Cada Poder do Estado, seja o Legislativo, Executivo ou Judiciário exerce funções típicas, que são fidedignamente separadas, não podendo um órgão interferir no do outro, sob pena de ofensa ao disposto no seu artigo 2º, da CR/88.
Pelas palavras do doutrinador constitucionalista supracitado, a separação dos poderes acontece para que haja uma funcionalidade maior de cada órgão em suas atividades diárias, bem como evitar o abuso de poder (LENZA, 2016).
Na mesma senda, leciona Dutra (2017), para quem é explícito no texto constitucional, que a função típica do Judiciário é apreciar e julgar as questões que lhe são apresentadas e que versão sobre lesão ou ameaça de lesão a direito. E, apenas de forma atípica, e no âmbito de sua atuação, cabe editar normas e administrar, sem, contudo, adentrar na esfera de atuação do Executivo e Legislativo.
O Poder Judiciário, composto por todos os Tribunais Brasileiros, em que fazem acontecer o disposto nas legislações brasileiras, aplicando ao caso concreto, o conteúdo contido nos termos abstratos de cada norma.
Pedro Lenza, sob as funções de cada Poder, esclarece:
(...) função legislativa: “consiste na edição de regras gerais, abstratas, impessoais e inovadoras da ordem jurídica, denominadas leis”;
(...) função executiva: “resolve os problemas concretos e individualizados, de acordo com as leis; não se limita à simples execução das leis, como às vezes se diz; comporta prerrogativas, e nela entram todos os atos e fatos jurídicos que não tenham caráter geral e impessoal; por isso, é cabível dizer que a função executiva se distingue em função de governo, com atribuições políticas, colegislativas e de decisão, e função administrativa, com suas três missões básicas: intervenção, fomento e serviço público”;
(...) função jurisdicional: “tem por objeto aplicar o direito aos casos concretos a fim de dirimir conflitos de interesse” (LENZA, 2016, p. 588).
Desta feita, não se nega que as funções típicas do Judiciário não se confundem com as atribuições do Legislativo e do Executivo. E, tecendo considerações acerca da atual concepção de separação de Poderes, Dutra (2017, p. 98) bem esclarece:
Importante destacar que a visão moderna da separação dos Poderes não impede que cada um dos Poderes da República exerça atipicamente (de forma secundária), além de sua função típica (preponderante), funções atribuídas a outro poder. O Poder Judiciário tem por função típica dirimir, em cada caso concreto, as divergências surgidas por ocasião da aplicação das leis, ou seja, julgar as lides. Isso não retira a possibilidade de exercer a função atípica de legislar (inovar na órbita jurídica), elaborando seu regimento interno (art. 96, I, a), bem assim de administrar as pessoas e bens que integram os seus órgãos. Por sua vez, o Poder Legislativo tem por função típica legislar e fiscalizar, exercendo atipicamente a função estatal de julgar, decidindo sobre crimes de responsabilidades, conforme o art. 52, I e II, bem como administrar a coisa pública sob sua gerência. O Poder Executivo, a seu turno, tem por função preponderante a administração da coisa pública, o que não retira a possibilidade de julgar processos administrativos e legislar, elaborando medidas provisórias, leis delegadas e decretos autônomos. (DUTRA, 2017, p. 98).
Não obstante, o autor supracitado ressaltar que cada Poder poderá exercer atipicamente certas funções do outro, sem ofender o princípio constitucional previsto no artigo 2º, da Constituição da República, não é posicionamento consagrado pelo texto constitucional. Isto porque o dispositivo legal mencionado é expresso ao dizer sob a separação dos Poderes e ainda preconizando no inciso III, do §4º, do artigo 60, da Carta Magna, que tal separação é cláusula pétrea, imutável, dentro do ordenamento jurídico brasileiro (DUTRA, 2017).
Portanto, cada Poder, existente atualmente no Brasil, possui função distinta da outra, sendo totalmente independentes entre si, não podendo sequer uma função típica ser exercida pelo outro sob pena de desrespeitar o regramento previsto no artigo 2º, da Constituição da República de 1988, sendo a do Judiciário julgar e aplicar a lei ao caso concreto.
Em que pese as atribuições bem definidas de cada um dos Poderes, competindo ao Judiciário apreciar e julgar as causas que lhe são apresentadas, um fenômeno vem ganhando cada vez mais evidência. Trata-se do ativismo judicial, consubstanciado em uma atuação proativa do referido Poder, via de regra, através da interpretação extensiva de princípios e regras.
Portanto, o ativismo judicial, na primeira ideia que se dá pela terminologia do termo, trata-se do descumprimento da separação de poderes consagrada no artigo 2º, da Constituição da República de 1988 (VALLE, 2013).
Apesar de poder assim ser considerada, nada mais é do que o poder jurisdicional brasileiro, através da figura do magistrado, acabar decidindo processos judiciais pautados não ao ordenamento jurídico brasileiro, até mesmo pela sua ausência, fazendo criar regras jurídicas, sendo que não pertence ao Poder Legislativo, assim para fazer (VALLE, 2013).
Em meio a esse cenário, portanto, uma decisão ativista, por exemplo, é aquela em que é feita pelo Poder Judiciário sem haver um embasamento legal do Legislativo, pela ausência de uma lei específica, ou quando o Poder Público, através do Executivo Federal, Estadual ou Municipal, não implementou políticas públicas para a efetivação de direitos.
Portanto, o ativismo judicial pode ser um reflexo de proteção dos direitos humanos, que o juiz passa a desempenhar após a Segunda Guerra Mundial. Isto porque, anteriormente, o magistrado era considerado “a boca da lei”, pois apenas proferia a letra da lei, não fazendo qualquer juízo de valor, ponderação, não se importando sob as situações concretamente vivenciadas pela sociedade em geral (MARQUES, 2009).
De fato, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, vários direitos humanos foram, aos poucos, sendo consagrados, o que fez com que o magistrado, ao avaliar um caso concreto, não observe apenas a letra da lei haja vista que esta, muitas vezes, não acompanha as mudanças da sociedade (MARQUES, 2009).
Não obstante, ao interpretar extensivamente princípios e regras, o ativismo judicial também recaí em críticas. Um exemplo é a lição de Santos (2014), para quem o ativismo judicial não é de boa alçada para a prática brasileira, eis que o magistrado brasileiro é uma pessoa que ingressa ao poder público através de concurso público, totalmente desprovida de atividade política, não possuindo qualquer pensamento e proteção ao povo, não disciplinando e normatizando certas condutas.
Na mesma senda, leciona Ramos (2017), para quem existem certas situações jurídicas que não são disciplinadas por lei, fazendo o magistrado, integrante do Poder Judiciário, acabar tendo que usar seu poder atípico de legislar, para disciplinar certas condutas, pois é seu dever prestar o serviço jurisdicional, não podendo apenas mencionar em sua fundamentação que não há lei que defina tal situação conforme o inciso IX do artigo 93, da Constituição da República de 1988.
Ramos (2017, p. 104) esclarece, contudo, que embora a interpretação seja a chave para transformar a lei, o poder de criação de normas não compete ao Judiciário, e sim ao Legislativo.
Destarte, ao interpretar extensivamente princípios e regras, o Judiciário se afasta da sua função típica, que é julgar, e cria normas, como se deu, por exemplo, no reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, questão até hoje pendente de regulamentação pelo Legislativo; e, mais recentemente, a criminalização da homofobia e transfobia, determinando a aplicação das disposições que norteiam a lei do racismo. Nesse contexto, é que se critica o ativismo e clama-se certa cautela no posicionamento proativo do Judiciário, sob pena de mitigar a separação de Poderes.
O ativismo judicial é cada vez mais sentido no Judiciário brasileiro, inclusive nos Tribunais Superiores. Um claro exemplo, como leciona Santos (2018, p. 04), é o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 54, de relatoria do Ministro Marco Aurélio:
Por decisão monocrática e no último dia de atividade judicial anterior ao recesso do judiciário, afastou a incidência da possibilidade de execução provisória da pena em segunda instância, suspendendo a prisão dos condenados em segunda instância, alegando o referido ministro pela inconstitucionalidade de tal execução, não atinente ao artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), bem como pela aplicação dos artigos 283 e 312 do CPP. A decisão foi rechaçada quase instantaneamente pelo Ministro Dias Tofolli, Presidente do STF, o qual acatou o pedido da PGR suspendendo a liminar até o dia 10 de Abril de 2019, data que tal ADC já seria julgada definitivamente pelo plenário do Supremo com fundamento na contrariedade de decisões plenárias com Repercussão Geral (SANTOS, 2018, p. 04).
Sobre isso, aponta Marmelstein (2015, p. 1) que, a visão mais ativa do Judiciário clama que os conservadores reavaliem seus posicionamentos; e, “nesse processo, um sentimento de intolerância que até então era encoberto pela conveniência do status quo opressivo tende a surgir de modo menos dissimulado”.
O mal causado pelo backlash, consistente no fortalecimento de correntes políticas contrárias à decisão, levou muitos pesquisadores a afirmarem que esse fenômeno mais obstaculiza do que promove os direitos protegidos pelas Cortes Constitucionais (PIMENTEL, 2017).
Não se tem a pretensão, neste breve tópico, de esgotar a análise da jurisprudência no âmbito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais acerca do ativismo. Busca-se demonstrar que o fenômeno não é restrito aos Tribunais Superiores.
Em decisão proferida nos autos do agravo de instrumento nº 1.0011.15.002416-1/001, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais destacou a importância de se ponderar o ativismo judicial e o princípio da separação de poderes reformando a decisão de primeira instância por entender que havendo desequilíbrio entre a decisão judicial e a harmonia e independência dos Poderes, não pode prevalecer o ativismo judicial.
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO QUE DETERMINOU A BUSCA E APREENSÃO DE VEÍCULO DO COMANDO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS DO SISTEMA PRISIONAL - COPE E DISPONIBILIZAÇÃO AO PRESÍDIO DA COMARCA DE AIMORÉS/MG. DISPONIBILIZAÇÃO DE OUTRAS VIATURAS ANTERIORMENTE PELO ESTADO DE MINAS GERAIS, EM CUMPRIMENTO A DECISÃO JUDICIAL. INGERÊNCIA INDEVIDA DO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. É defeso ao Judiciário interferir na Administração Pública, em relação ao mérito de suas decisões e atos, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes. Somente em situações de estrita necessidade, em virtude de condutas que ofendam direitos subjetivos ou coletivos, pode-se impor ao Poder Executivo determinada obrigação de fazer ou não fazer. [...] (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. AI: 10011150024161001 Aimorés, Relator: Bitencourt Marcondes. Data do Julgamento: 12.11.2020. 19ª Câmara Cível. Data da Publicação: 16.11.2020)
Em outro momento, também no ano de 2020, no julgamento da Apelação Cível nº 1.0000.19.033297-3/002, o referido Tribunal chama a atenção para um ativismo indesejado, pois a regra é que o Judiciário não adentre em políticas públicas, sob pena de usurar competências. Contudo, entendeu que excepcionalmente é possível que o Judiciário atue de forma proativa, judicializando políticas públicas, sem que configura ingerência na atuação de outros poderes.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO QUE IMPÕE AO ESTADO A OBRIGAÇÃO DE CONSTRUÇÃO DE LOCAL APROPRIADO PARA EXECUÇÃO DOS TRABALHOS DA POLÍCIA TÉCNICA CIENTÍFICA. PERÍCIAS MÉDICO-LEGAIS. COMARCA DE CAMPO BELO. JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. MÍNIMO EXISTENCIAL. VIOLAÇÃO. AUSÊNCIA. INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. [...]1. Como regra, não cabe ao Poder Judiciário adentrar na definição de prioridades e elaboração de políticas públicas sob pena de usurpar as competências do administrador e, desse modo, violar o princípio da separação dos poderes. 2. Excepcionalmente, o Poder Judiciário pode determinar a efetivação de políticas públicas, inclusive com a realização de obras, com vias a se assegurar o cumprimento de obrigações impostas ao Poder Pública pela própria Constituição. 3. A baliza a ser adotada, até como forma de se evitar um ativismo judicial indesejado, é a verificação se o serviço público prestado se adequa ao mínimo existencial. 4. A realização de exames periciais em cadáveres putrefeitos, em público e ao ar livre no cemitério local, por falta de estrutura mínima do Instituto Médico Legal, viola os Direitos Fundamentais à saúde e à segurança, além da dignidade dos vivos e dos mortos. 5. Nos termos do art. 139, IV, do CPC, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo determinar até mesmo o sequestro de valores do erário. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Apelação Cível nº 1.0000.19.033297-3/002. Relator Desembargador Wagner Wilson. 19ª Câmara Cível, Data de Julgamento: 08.10.2020.
Por último, mas não menos importante, tem-se a decisão proferida nos autos da apelação cível nº 1.0000.18.108045-8/001, em que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais ressaltou a impossibilidade de ingerência do Judiciário para extinguir requisito previsto em lei municipal, dada a necessidade de se resguardar a segurança jurídica. Assim, havendo legislação que trate de determinada questão, mormente o direito de progressão do servidor público municipal, não pode o Judiciário afastar e conceder benesses, pois viola a tripartição de Poderes.
Resta claro, portanto, que apenas no caso concreto é possível averiguar se a atuação do Judiciário é arbitrária e o ativismo deve ser rechaçado, sob pena de afronta à tripartição dos Poderes. Deste modo, deve prevalecer as funções típicas do Judiciário e, apenas excepcionalmente este Poder pode adentrar na esfera de atuação de outro, através da interpretação extensiva, para se assegurar o exercício de direitos fundamentais.
Hodiernamente, diversas questões sensíveis e não resolvidas, principalmente pelo Poder Legislativo, fazem com que o Poder Judiciário, consubstanciado no Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição (Princípio do acesso à justiça), art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República de 1988, obrigue-se a resolvê-las e interpretá-las diante dos direitos positivados, de modo extensivo/criativo, culminando no intitulado ativismo judicial.
Conforme explicação de Campos (2014, p. 347), “as decisões ativistas, normalmente, versam sobre os casos de mais elevada temperatura moral ou política, ou envolvem as normas constitucionais de mais alta indeterminação semântica e de elevada carga axiológica hard cases”.
O Ex-Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro João Otávio de Noronha, conforme declaração prestada em junho de 2.020, quando questionado sobre o ativismo judicial, corroborou tal entendimento ao declarar que “o ativismo judicial surge quando o Judiciário extrapola e exerce atividades que não lhe dizem respeito” (STJ, 2020). Acrescentando que, a interferência do Judiciário em outras áreas nem sempre é espontânea.
Nesse contexto, novamente, vê-se que o ativismo judicial é uterino da ausência da atuação dos demais poderes e, apesar de preencher a lacuna de seus pares, a atuação proativa do Poder Judiciário, é germinada em contraposição ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º, da Constituição da República de 1.988.
O tema deste trabalho, apesar de já amplamente debatido, não se exaure e se apresenta campo fértil para pesquisa, sobretudo, ao considerar as decisões diariamente emanadas pelos 91 Tribunais de Justiça e os 5 Tribunais Regionais Federais brasileiros, frente à judicialização de temas contemporâneos, incluindo a política.
De todo modo, conclui-se o presente artigo utilizando as palavras do ex-presidente do STJ "O Poder Executivo não ensina o Judiciário a julgar, o Judiciário não legisla e o Legislativo não governa. Nenhum poder diz ao outro o que fazer. É preciso respeitar a harmonia entre os poderes de acordo com os limites traçados na Constituição" (STJ, 2020).
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Graduado em Direito pelo Centro Universitário (UNA); Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal (LEGALE); Curso Superior de Tecnologia em Segurança Pública (UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ); Especialista em Gestão Pública (FAMEESP); Especialista em Gestão de Pessoas (FAMEESP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Dinael Rosa Da. Ativismo judicial e a interpretação extensiva/criativa: o protagonismo do Judiciário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 nov 2021, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57567/ativismo-judicial-e-a-interpretao-extensiva-criativa-o-protagonismo-do-judicirio-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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