RESUMO: O presente estudo tem como principal objetivo traçar o fenômeno da multiparentalidade. Em primeiro lugar, analisa-se a evolução da família no Brasil e, em seguida, considera-se alguns princípios que regem o direito de família, em especial a filiação como um todo. E, por fim, é traçado o conceito de multiparentalidade e elencado as consequências geradas no mundo jurídico. No processo de busca do alcanço dos objetivos propostos, os dados serão coletados por meio de levantamento bibliográfico, a partir de materiais já publicados, como artigos, livros, entrevistas, periódicos, doutrinas, leis, jurisprudências, relacionados ao tema. Tendo como resultado obtido a demonstração que não há relação hierárquica entre os vínculos afetivo, biológico e civil, sendo a multiparentalidade uma garantia de manutenção da dignidade das pessoas que buscam o reconhecimento de uma situação de afeto consolidada.
Palavras-chave: Multiparentalidade; Diversidade de Arranjos Familiares; Relações Socioafetivas.
Abstract: The present study has as its main objective to trace the phenomenon of multiparentality. First, the evolution of the family in Brazil is analyzed, and then some principles governing family law are considered, especially filiation as a whole. And, finally, the concept of multiple parenthood is outlined and the consequences generated in the legal world are listed. In the process of reaching the proposed objectives, the data will be collected by means of bibliographic research, based on materials already published, such as articles, books, interviews, periodicals, doctrines, laws, jurisprudence, related to the theme. The result obtained is the demonstration that there is no hierarchical relationship between affective, biological and civil bonds, with multi-parentality being a guarantee for maintaining the dignity of people who seek recognition of a consolidated situation of affection.
Keywords: Multiparentality; Diversity of Family Arrangements; Socio-affective relationships
Na sociedade contemporânea percebe-se uma verdadeira revolução nos costumes e preceitos, o que levou a um novo padrão nesta sociedade. A existência de famílias monoparentais, recompostas e homoafetivas está sendo amplamente aceita, o que faz as pessoas geralmente perceberem que o casamento e parentesco não podem mais ser comparados ao antigo conceito de família baseado apenas no patriarcado.
Com base nessa nova configuração, observa-se que as famílias existentes possuem diferentes tipos de filiação, como casos de adoção, e até mesmo novas tecnologias de reprodução assistida introduzidas pela medicina atual. Portanto, pode ser elencado o fato de que a paternidade não é mais causada inteiramente por condições puramente biológicas pautadas por relações de sangue, mas as relações passam a ser pautadas pelos sentimentos entre entidades, fato esse que abre espaço para a discussão da multiparentalidade e suas consequências.
Nesse contexto o presente artigo se justifica primeiramente pela relevância acadêmica, pois o instituto da multiparentalidade ganhou força no mundo jurídico no ano de 2016, com o julgamento do Recurso Extraordinário 898.060/16 de Santa Catarina, a partir daí existe um vasto tema e sub temas a serem explorados dentro da academia para entender e explicar esse novo instituto.
No contexto social, a multiparentalidade se tornou uma realidade jurídica, impulsionada pela dinâmica da vida e pela compreensão de que paternidade e maternidade são funções exercidas. Esse conceito revolucionou o sistema jurídico de paternidade e maternidade concebido até então.
Diante do exposto, o artigo tem como dialogo inicial a abordagem sobre a evolução da família e os aspectos que fizeram com que nos dias atuais a família contemporânea se tornasse uma pluralidade de pessoas ligadas a vínculos, não só biológicos. E dentro desse contexto passa a ser abordado a filiação socioafetiva, que é uma nova categoria jurídica pautada na foça dos fatos e dos costumes, uma das mais importantes fontes do Direito.
Somando-se ao que está sendo explanado, o artigo passa a abordar sobre o núcleo do tema, que é a multiparentalidade, primeiramente explicando o seu significado e a fundamentação para o surgimento desse instituto e depois abordando, no âmbito jurídico, os direitos e deveres advindos desse contexto familiar que a sociedade evidencia nos dias de hoje. Por fim, é feita as considerações finais acerca do tema.
1.EVOLUÇÃO DAS RELAÇÕES FAMILIARES
A origem da família está diretamente ligada à história da nossa civilização. No caso da família brasileira temos como base a sistematização formulada pelo direito romano e pelo direito canônico. (WALD, 2004)
A família romana consistia em um grupo de pessoas e coisas controladas por um chefe: o pater famílias. Esta sociedade primitiva era chamada de família patriarcal, família em que a autoridade e os direitos sobre os bens e as pessoas se concentram nas mãos do pai. Com o passar do tempo e com a ascensão do Cristianismo, a Igreja Católica assumiu a função de estabelecer a disciplina do casamento, considerando-o um sacramento (CAVALCANTI, 2004). Assim, passou a ser incumbência do Direito Canônico regrar o casamento, fonte única do surgimento da família.
Assim, verifica-se que através da ética idealizada e imposta pela Igreja Católica, bem como de outras normas formuladas e promulgadas pelos portugueses, o Direito Canônico mantinha todas as famílias formadas por brancos, negro, índios ou advindas da fusão destes, sob estreita fiscalização e vigilância. Desta forma, sob as fortes e repressivas tentativas da igreja católica foi se desenvolvendo as famílias brasileiras, resultantes de uma mistura de raça e cultura.
No entanto, gradativamente, o Estado começou a se afastar da interferência da igreja e passou a disciplinar a família do ponto de vista social; o instituto família passou de mero agente integralizador do Estado, para uma peça basilar da sociedade. É nesse cenário que se inicia a mudança dos ideais patriarcais, com indícios ligados ao modelo familiar estatal, abrindo espaço para a estrutura afetiva embalada pela solidariedade.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, consolidou-se a grandes evoluções sociais do nosso ordenamento: garantia a igualdade entre os filhos, sejam eles do casamento ou extraconjugais, sejam biológicos ou adotivos. Passa a ser reconhecido o conceito de família alargado, sendo garantido a proteção das famílias constituídas por casamento civis, religiosos com efeitos civis, união estável entre homens e mulheres e famílias monoparentais, compostas por um dos pais e seus filhos.
A Constituição Federal se concentra em definir a família como o fundamento da sociedade em garantir que ela recebe proteção especial do Estado. E ao contrário das constituições anteriores, a de 1988 não estipula um modelo de família único, constituído pelo casamento. Além disso, a nova legislação brasileira se preocupou em prever vários princípios com profundos reflexos para o Direito das Famílias.
Os princípios constitucionais, como por exemplo o da dignidade da pessoa humana, da igualdade, liberdade e o da convivência familiar e melhor interesse da criança, segundo Maria Berenice Dias (2016), deixaram o papel de orientar o sistema jurídico nos termos da Constituição e, por meio do de seus efeitos diretos, tornaram-se os valores básicos que precisam ser satisfeitos e cuidados no momento da correta interpretação e aplicação da lei. Junto com a realidade social vivida pelo Brasil, esses princípios produziram uma releitura do Direito das Famílias, afirma Rolf Madaleno (2017).
Desse modo, o que se percebe é a evolução e transformação da família contemporânea. Maior atenção ou interesse surge dos sentimentos de igualdade, sem distinção ou atenção de gênero, o afeto substitui as funções de hierarquia e patriarcado. Mencionando Maria Berenice Dias (2016), podemos dizer que “o princípio da afetividade é hoje o norteador do direito das famílias “.
Por fim, é perceptível que a família não é mais apenas uma mera reprodução da prole, mas uma entidade que busca o afeto, a unidade, a igualdade e a liberdade, ou seja, a proteção das pessoas e a sua dignidade passou a ser a base da família moderna.
Ao longo do tempo a filiação passou por mudanças profundas. O afeto, um dos elementos identificadores das entidades familiares, começou a se tornar parâmetro que define a relação dos vínculos parentais. O núcleo familiar tradicional que antes consistia apenas nas figuras de pai, mãe e dos filhos, e que era considerado o modelo familiar padrão, passou a dar lugar para o vínculo socioafetivo, que surgi do afeto, do carinho, o que equivale a uma família formada por laços biológicos.
Maluf (2012) conceitua a afetividade como um vínculo de carinho ou cuidado que tem-se com alguém querido ou íntimo, como uma condição psicológica que permite ao ser humano demonstrar suas emoções e sentimentos a outrem.
Esse afeto, que é a base para se discutir uma relação socioafetiva está relacionado na convivência familiar, na igualdade entre os filhos, sendo um sentimento voluntário, desprovido de interesses pessoais e materiais, que acontece com o convívio parental, constituindo assim o vínculo familiar socioafetivo.
De acordo com o artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988), todos são iguais perante a lei, portanto, o ordenamento jurídico brasileiro não deve diferir entre pais (biológicos e afetivos) e filhos (naturais, adotivos e afetivos). Qualquer interpretação que viole esta cláusula deve ser considerada inconstitucional por ferir esse artigo que é cláusula pétrea no nosso país. Por isso, em busca dessa igualdade, os vínculos familiares formados pela filiação socioafetiva passam a ocupar espaço no campo jurídico.
Maria Berenice Dias (2016) diz que a filiação socioafetiva corresponde à verdade aparente e decorre do direito à filiação. O filho é titular do estado de filiação, que se consolida na afetividade. Não obstante, o art. 1.593 (BRASIL, 2002) evidencia a possibilidade de diversos tipos de filiação, quando menciona que o parentesco pode derivar do laço de sangue, da adoção ou de outra origem, cabendo assim à hermenêutica a interpretação da amplitude normativa previsto pelo Código Civel de 2002.
Como tantas mudanças que ocorreram na sociedade, a fim de estabelecer um padrão para o reconhecimento da filiação socioafetiva, a doutrina considera três requisitos: se o filho é tratado como tal, seja pelo pai ou pela mãe, quando usa o sobrenome da família e se apresenta assim e quando é reconhecido pela sociedade como pertencente à família de seus pais.
Esse é o pensamento que reflete o julgado do STJ sobre a socioafetividade (BRASIL, 2003, p. s.p):
Filiação. Anulação ou reforma de registro. Filhos havidos antes do casamento, registrados pelo pai como se fossem de sua mulher. Situação de fato consolidada há mais de quarenta anos, com o assentimento tácito do cônjuge falecido, que sempre os tratou como filhos, e dos irmãos. Fundamento de fato constante do acórdão, suficiente, por si só, a justificar a manutenção do julgado. Acórdão que, a par de reputar existente no caso uma “adoção simulada”, reporta-se à situação de fato ocorrida na família e na sociedade, consolidada há mais de quarenta anos. Status de filhos. Fundamento de fato, por si só suficiente, a justificar a manutenção do julgado. Recurso especial não conhecido (Recurso Especial nº 119.346/GO; Rel. Min. Barros Monteiro; j. 1º.4.2003).
Nesse sentido, o Enunciado 519 do CJF assegura que a posse de estado de filho é essencial para que seja feito o reconhecimento da parentalidade socioafetiva. Vejamos:
Enunciado nº 519: O reconhecimento judicial do vínculo de parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai(s) e filho(s), com base na posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais (BRASIL, p. s.p).
Vale ressaltar então que, com a posse do estado de filho, o reconhecimento do pertencimento social e afetivo vai gerar inevitavelmente direitos e obrigações entre os participantes dessa relação, como veremos a seguir. No entanto, uma vez estabelecida a paternidade socioafetiva, ela se tornará irrevogável, irretratável e indisponível voluntariamente, em razão de que eventual revogação de parentesco desencadearia diversas consequências, não só de ordem patrimonial, como também, de ordem psicológica, afinal, a mesma desvincula o menor dos seus pais e parentes colaterais que sem dúvida imprime drásticas mudanças psicológicas nesses indivíduos.
A multiparentalidade é um modelo de família ainda considerado novo, também conhecido como pluriparentalidade, famílias reconstituídas, famílias recompostas e pode ser conceituada como a possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai ou mais de uma mãe ao mesmo tempo. Um deles afetivo e outro biológico, bem como o acúmulo da parentalidade socioafetiva e da biológica.
O instituto da multiparentalidade resume-se à possibilidade de ter duas mães e um pai ou dois pais e uma mãe, ou mesmo dois pais e duas mães, acrescentando pais afetivos a pais biológicos, porque uma pessoa não precisa excluir a outra, criando a multiparentalidade.
Cristiano Chaves de Farias claramente define a multiparentalidade como “a possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai e/ou mais de uma mãe simultaneamente, produzindo efeitos jurídicos em relação a todos eles a um só tempo” (FARIAS, 2016, p. 261).
Mais um conceito importante de destacar é o que diz PÓVOAS (2017, p. 79): “trata-se da possibilidade jurídica conferida ao genitor biológico e/ou do genitor afetivo de invocarem os princípios da dignidade humana e da afetividade para ver garantida a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais.”
Com a existência da multiparentalidade, percebe-se que todos os pais e mães da relação vivem de forma simétrica, e seu principal interesse é a felicidade dos filhos. Nesse novo modelo de família, os pais socioafetivos são agregados à família biológica para fornecer a ajuda necessária para o crescimento emocional dos filhos.
Farias e Rosenvald (2014) ensinam que a multiparentalidade tem como base a não hierarquização das filiações socioafetivas e biológicas, podendo ambas existir simultaneamente, sendo fundamentadas pelo princípio da Igualdade.
Além disso, a multiparentalidade não veio para prejudicar a vida da criança, pelo contrário, trouxe a oportunidade de obter mais atenção, afeto e recursos necessários ao seu sustento, contribuindo para a educação e formação da criança, por essa razão o ambiente jurídico não tem motivos para resistir à sua aplicação, ou mesmo ignorar os vínculos sociais e emocionais estabelecidos. Por fim, pode-se dizer que o reconhecimento da multiparentalidade no meio jurídico ampare e protege todos aqueles que vivem nessa situação
Em 2016, o Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2016) decidiu que a existência de uma relação socioemocional pai-filho não exclui a responsabilidade do pai biológico. Assim, os ministros rejeitaram o recurso especial nº 898.060-SC por maioria de votos. Nesse recurso, um pai biológico recorreu de uma sentença que estabelecia sua paternidade, com efeitos patrimoniais, independentemente de sua ligação com um pai socialmente afetivo.
Sob a repercussão geral reconhecida, o STF anunciou a existência de múltiplos pais e mães e reconheceu a existência de conexões biológicas e emocionais. Portanto, ficou pacificado pelo STF o entendimento sobre a multiparentalidade, devendo ser adotado em todo o país.
Há no atual ordenamento jurídico a possibilidade de existir a multiparentalidade devido à realidade social da família. O não reconhecimento da formação deste novo molde de família representa a falta de cuidado com os menores em formação criados por estas famílias (TEIXEIRA e RODRIGUES, 2010).
Quando se trata de multiparentalidade, uma vez reconhecida essa nova configuração familiar, também surgem obrigações. Essas obrigações constituem a obrigação de pagar alimentos, a necessidade de fiscalizar os dias de tutela e de visitação e a importância do estabelecimento de um registro civil para produzir seus efeitos regulares e, finalmente, os efeitos sucessórios, tanto das heranças biológicas e as socioemocionais.
Para Zeno Veloso (2016, p. 468) “estabelecida a filiação socioafetiva ocorrem todos os efeitos do parentesco natural: pessoais ou patrimoniais (sucessórios inclusive)”.
A obrigação alimentar é uma instituição pública estipulada por lei. Tem como fundamento a solidariedade familiar. De acordo com esta, os familiares são obrigados a prestar assistência mútua para adaptar a sua vida às suas condições sociais na proporção da possibilidade e necessidade das partes, em observância ao princípio da solidariedade.
No entendimento de Farias e Rosenvald (2014, p. 698) “a obrigação familiar é, sem dúvida, expressão da solidariedade social e familiar (enraizada em sentimentos humanitários) constitucionalmente impostas como diretriz da nossa ordem jurídica”.
O artigo 1.696 do C.C. estipula a obrigação de prestar alimentos, vejamos: “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. (BRASIL, 2002, p. s.p)
Dessa forma, uma vez que a multiparentalidade é considerada uma nova forma de entidade familiar, bem como a igualdade entre os filhos biológicos e socioemocionais, então, considerando as obrigações de todas as pessoas envolvidas na relação com parentes socioemocionais, entende-se que nas relações socioemocionais, pais e filhos também são obrigados a fornecer alimentos.
Neste viés, Schimitt e Augusto (2013) consideram: Na relação parental múltipla, os menores necessitados podem levar em conta o princípio d o interesse superior da criança, presente no Estatuto da Criança e do Adolescente e exigir de ambos os pais que forneçam alimentos. Ainda é claro que a possibilidade de uma tríplice relação terá mais condições de contribuir para o desenvolvimento integral dos filhos. Nos casos onde os magistrados decidiram por reconhecer a tripla filiação, sempre haverá a prévia relação familiar de fato, restando apenas reconhecer uma regulamentação de direito.
No entendimento de Cassettari (2017, p. 259) :
[...] Imaginemos que o menor esteja na guarda da mãe e que tenha dois pais em um registro de nascimento. Desta feita, não vejo óbice para que ele escolha um entre os dois pais para iniciar a ação de alimentos, considerando que, segundo o art. 1694 do Código Civil, o mesmo será fixado em razão da possibilidade do alimentante.
Portanto, não há necessidade de se fazer alterações na lei das obrigações alimentares decorrentes de parentesco envolvendo múltiplos pais, pois a obrigação de prover alimentos prevista no Código Civil e na Constituição Federal também pode ser aplicada nesses casos, visando alcançar a igualdade entre as crianças e a proteção da criança e ao adolescente.
Quando se trata da questão da tutela dos filhos, é importante dizer novamente que os interesses das crianças e dos jovens sempre se sobrepõem a outros fatores. Portanto, ao tomar uma decisão de tutela, os pais ou juízes (no caso de uma disputa) devem procurar servir os melhores interesses de crianças e jovens, e observar se a pessoa que será o tutor pode fornecer um ambiente saudável para o desenvolvimento da criança.
O artigo 1.583 do Código Civil Brasileiro de 2002 estipula que os órgãos tutelares, que dispõe sobre o instituto da guarda, devem considerar as particularidades de cada situação e estabelecer a tutela conjunta ou unilateral.
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. § 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o ) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. § 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II – saúde e segurança; III – educação. § 3o A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos (BRASIL, 2002, p. s.p).
Nesse sentido, verifica-se que o direito à guarda se estende aos pais socioafetivos, uma vez que não há prioridade para o exercício da guarda de uma criança ou adolescente em decorrência da parentalidade afetiva ou biológica. Lembrando que o que prevalece é o melhor interesse da criança ou adolescente (CASSETARI, 2017).
Quanto ao direito de visita, o artigo 1.589 C.C. protege-os de exercer o direito aos pais sem a guarda dos filhos, direitos este extensivo aos avós.
Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente (BRASIL, 2002, p. s.p).
Portanto, uma vez confirmada a importância da convivência com os pais ou avós, a convivência biológica ou emocional, a relação multiparental deve ser aplicada igualmente. Isso se aplica à situação de ambos os pais, devendo sempre ser atendido o interesse superior da criança e do adolescente.
A multiparentalidade inclui todos os direitos e obrigações, portanto, quando o assunto é direito sucessório, não será diferente. Isso ocorre porque, uma vez que os parentes socialmente afetivos equiparados aos parentes biológicos, as regras de heranças serão aplicadas na parentalidade socioafetiva.
De acordo com o artigo 227, parágrafo 6º da Constituição Federal, as crianças. independentemente de sua origem, têm os mesmos direitos, sendo vedada qualquer discriminação. De acordo com esse artigo, deve ser entendido que os mesmos direitos devem ser aplicados às crianças que tenham vínculo socioafetivo ou legal.
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (BRASIL, 1988, p. s.p).
Nas lições de Fabrício Borges Costa:
Em relação ao Direito Sucessório, deverá ser legislado, interpretando e aposto em consonância com os princípios constitucionais, mormente os princípios da liberdade e da solidariedade. Portanto, deverão ser prestigiados os interesses sociais e familiares como na relação socioafetiva, em que os pais são herdeiros dos filhos, e o filho é herdeiro dos pais. É comprovado que não subsiste hierarquia entre as entidades familiares constitucionalmente concebidas, tem se que o tratamento legislativo diverso configura-se discriminatório, resguardando-se, prioritariamente, os direitos de alguns indivíduos em prejuízo do de outros, em razão da eleição de composição familiar (COSTA, 2015, p. 240).
Verifica-se que uma vez que você tem o status de filho, o direito de herança é indiscutível. Ainda deve ser destacado que a criança pode ser herdeira de mais de um dos pais. Isso ocorre porque o sistema jurídico não impõe obstáculos nesta matéria. Nesse sentido, não havendo proibição legal sobre o assunto, é compreensível que, não havendo proibição, ela seja permitida. Além disso, como a legislação brasileira já reconhece a multiparentalidade, entende-se que isso envolverá todos os efeitos jurídicos relacionados às leis da família e sucessões.
Nesse diapasão, afirma-se que o efeito sucessório é uma das influências mais importantes no reconhecimento da filiação, devendo nesta herança respeitar os princípios constitucionais, principalmente a dignidade humana, sendo proibida a discriminação entre os filhos. Com isso, uma vez confirmada a existência da multiparentalidade no contexto dos fatos, não haverá barreiras aplicáveis aos filhos sem vínculo biológico e não haverá tratamentos diferenciados em termos de sucessão e dos demais efeitos da filiação.
A família é a forma de grupo mais antiga da história da humanidade e, com o desenvolvimento da sociedade, sua estrutura e conceitos também sofreram profundas modificações. Conforme discorrido, as recentes decisões, doutrinas e legislação recentes reconheceram as mudanças nas instituições familiares e nas famílias diversas. Portanto, é importante destacar que as características sociais e religiosas que estão na base da estrutura familiar foram substituídas pela afetividade na sociedade contemporânea.
Importante enfatizar que nos dias atuais já se reconhece o vínculo afetivo, sendo possível que um pai que não tenha identidade biológica com aquele considerado seu filho, registre-o como tal. Tudo isso para proteger o bem-estar e os interesses da criança e do adolescente. Atualmente, o índice de famílias recompostas é alto, o que favorece a formação das relações socioafetivas.
Portanto, vale a pena tomar o exemplo de uma criança com pai biológico, que mantém uma relação muito boa com ele. No entanto, o mesmo filho tem um padrasto, e ele o considera como um pai porque também dedica amor, atenção, educação e satisfação das necessidades materiais necessárias ao seu desenvolvimento. O caso descrito é uma hipótese recorrente na nossa sociedade, reconhecendo que, se não há hierarquia entre as relações, se os dois desempenham o mesmo papel, e se a criança ama igualmente o pai biológico e o socioafetivo, então não seria razoável o Direito não reconhecer ambas as relações e proibir a crianças de ter os direitos de reconhecimento de ambos os pais na certidão de nascimento.
Dessa forma, é evidente que o reconhecimento da filiação não exclui a existência de outros, nem exclui uma das ligações previamente existentes. A multiparentalidade já ocorre no âmbito fático, tanto que a própria Constituição Federal proíbe toda e qualquer forma de discriminação quanto à origem da filiação, dando ainda a liberdade de constituir família a partir da estrutura que considere pertinente.
Como mostra esse artigo, a condição de pai ou mãe é caracterizada pelo afeto, apoio, educação e criação. Sendo assim, sentindo nenhum faz reconhecer apenas um vínculo, quando na verdade não há relação hierárquica entre as relações biológicas, legais ou afetivas, todas essas relações são tratadas igualmente como o pai ou mãe da criança.
Diante disso, o ordenamento jurídico brasileiro não pode se omitir sobre as necessidades e mudanças da sociedade, pelo que, se cumpridos todos os requisitos da relação pai-filho entre uma criança e mais de um pai ou mãe, deve ser reconhecida a multiparentalidade, a qual tem proteção constitucional e reproduz todas as influências inerentes à filiação.
REFERÊNCIAS
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Graduanda em Direito pela Universidade Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Giovanna Lyssa Luz Pessoa. A pertinência do reconhecimento da multiparentalidade pelo ordenamento jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2021, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57610/a-pertinncia-do-reconhecimento-da-multiparentalidade-pelo-ordenamento-jurdico. Acesso em: 22 nov 2024.
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