RESUMO: A responsabilidade no transporte urbano apresenta-se no mundo jurídico através do contrato de transporte, que nada mais é do que o bilhete de viagem e cabe ao Código de Defesa do Consumidor fazer com que os direitos dos passageiros sejam protegidos. Ocorre que ao longo do cumprimento do objeto do contrato, o passageiro é exposto a situações vexatórias, dentre as quais o assédio sexual. Daí a justificativa da pesquisa, haja vista que essa prática abusiva ocorre não só em decorrência da cultura machista enraizada em nossa sociedade, mas também pela facilidade gerada pela superlotação dos transportes públicos brasileiros bem como identificar se, nesse contexto, há no ordenamento jurídico pátrio a possibilidade de imputar a responsabilidade objetiva a concessionária e consequentemente o dever de indenizar as vítimas de assédio sexual praticado por terceiro. E a Para defender a hipótese lançada na presente pesquisa, será defendido o posicionamento firmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça recentemente, em sede de Recurso Especial, condenou a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos a indenizar em 20 mil reais uma passageira que sofreu assédio sexual em um vagão.
PALAVRAS-CHAVE: Contrato de transporte. Assédio sexual. Dano moral. Responsabilidade civil.
ABSTRACT: The responsibility in urban transport is presented in the legal world through the transport contract, which is nothing more than the travel ticket and it is up to the Consumer Protection Code to ensure that the rights of passengers are protected. It happens that throughout the fulfillment of the object of the contract, the passenger is exposed to vexatious situations, including sexual harassment. Hence the justification for the research, given that this abusive practice occurs not only as a result of the macho culture rooted in our society, but also because of the facility generated by the overcrowding of Brazilian public transport, as well as identifying whether, in this context, there is a possibility of attributing strict liability to the concessionaire and consequently the duty to indemnify victims of sexual harassment practiced by a third party. In order to defend the hypothesis launched in this research, the position signed by the Third Panel of the Superior Court of Justice, in a Special Appeal, sentenced the Companhia Paulista de Trens Metropolitanos to indemnify a passenger who suffered harassment in 20 thousand reais sex in a wagon.
KEYWORDS: Transport contract. Collective transport. Sexual harassment. Moral damage. Civil responsibility.
INTRODUÇÃO
No Brasil, o arcabouço jurídico dispõe das regras necessárias para assegura a ordem e boa convivência em sociedade. Estas normas disciplinam a responsabilidade civil e garantem a indenização por danos a quem as obedece.
A proteção ao dano imaterial está prevista inicialmente na Constituição Federal, que define que todos são iguais perante a lei, garantindo, entre outras coisas, a inviolabilidade privacidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, assegurado o direito à reparação dos danos materiais ou morais decorrentes da sua violação.
Neste sentido, a hipótese apresentada considerou ser o melhor entendimento, mesmo que seja posição jurisprudencial, ante às possibilidades de responsabilização do transportador por danos causados por terceiros a incolumidade do consumidor do serviço de transporte.
Os casos de violação à dignidade sexual das mulheres não são recentes, mas vêm ganhando números alarmantes, de modo que tal assunto passou a ter mais relevância na sociedade nos últimos tempos. Apesar de grande parte dos casos ocorrerem em ambientes privados, a violência à dignidade sexual da mulher também é uma realidade no âmbito dos transportes públicos.
A presente pesquisa apresenta grande relevância social, visto que tal ato ocorre não só em decorrência da cultura machista enraizada em nossa sociedade, mas também pela facilidade gerada pela superlotação dos transportes públicos brasileiros. A responsabilidade no trânsito urbano está representada no mundo jurídico pelo contrato de transporte, que nada mais é do que a passagem e cabe à Lei de Defesa do Consumidor garantir a proteção dos direitos dos passageiros. Em decorrência de tal fato os problemas estão mais abrangentes, sendo apurada a responsabilidade daquele que ocasionar o dano.
Para defender a hipótese lançada na presente pesquisa será defendido o posicionamento firmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça recentemente, em sede de Recurso Especial, condenou a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos a indenizar em 20 mil reais uma passageira que sofreu assédio sexual em um vagão.
1 CONTRATO DE TRASNPORTE COLETIVO URBANO
O transporte de passageiros consiste num contrato em que o transportador se compromete a transladar, com segurança e presteza, pessoas e coisas de um local para outro em troca do pagamento do bilhete.
Segundo MARIA HELENA DINIZ (2005, p. 469 e 468): O contrato de transporte é aquele em que uma pessoa ou empresa se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um local para outro, pessoas ou coisas animadas ou inanimadas […]”. E, mais: “O contrato de transporte de pessoas é aquele em que o transportador se obriga a remover uma pessoa e sua bagagem de um local para outro, mediante remuneração […].
Segundo FÁBIO ULHÔA COELHO (2015, p. 186): o contrato de transporte é aquele em que um empresário (transportador) se obriga a entregar mercadorias de outro (contratante, remetente ou expedidor) no local e data ajustados de comum acordo, zelando pela integridade delas durante o deslocamento.
A natureza jurídica do contrato de transporte a denominada “cláusula de incolumidade”, pela qual é imposta ao transportador, mesmo que implicitamente, a obrigação de zelar pela integridade do passageiro, levando-o, a salvo e em segurança, até o local de destino.
No entendimento de CAVALIERI FILHO (2015, p. 398), “sem dúvida, a característica mais importante do contrato de transporte é a cláusula de incolumidade que nele está implícita. A obrigação do transportador não é apenas de meio, e não só de resultado, mas também de segurança. Não se obriga ele a tomar as providências e cautelas necessárias para o bom sucesso do transporte; obriga-se pelo fim, isto é, garante o bom êxito”.
Deveras, tem o transportador “o dever de zelar pela incolumidade do passageiro na extensão necessária a lhe evitar qualquer acontecimento funesto”, como assinalou Vivante, citado por JOSÉ DE AGUIAR DIAS (2011, p. 207-208).
E prossegue o eminente doutrinador: “o objeto da obrigação de custódia, cláusula implícita de segurança, é assegurar o credor contra os riscos contratuais, isto é, pôr a cargo do devedor a álea do contrato, salvo, na maioria dos casos, a força maior”.
Maria Helena Diniz, nesse sentido, esclarece: “O contrato de transporte, apesar de ser um dos negócios jurídicos mais usuais, não foi regulamentado pelo Código Civil de 1916, e muito escassamente o disciplinava o Código Comercial, referindo-se apenas nos arts. 99 a 118 aos condutores de gêneros e comissários de transporte.”
O atual Código Civil, em seu dorso, traz a regulamentação necessária ao instituto do contrato de transporte nos Art. 730 e seguintes - que inovou o ordenamento jurídico pátrio ao introduzir normas gerais sobre o contrato de transporte de pessoas – estabelece, no art. 734, a responsabilidade objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior.
O Código também estipula que esta responsabilidade não pode ser evitada por culpa de terceiro contra o qual a transportadora, de acordo com o disposto no Art. 735.
A propósito, para melhor interpretação, confiram-se os termos dos referidos dispositivos legais:
Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.
Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização.
Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.
Pelo que se depreende das normas acima transcritas, é certo que a responsabilidade do transportador pelo dano suportado pelo passageiro independe da comprovação de culpa, bastando à vítima demonstrar que a cláusula de incolumidade não lhe foi assegurada, que o acidente se deu no curso do transporte e que dele lhe adveio dano.
E, numa primeira leitura dos arts. 734 e 735 do CC/02, parece que essa responsabilidade apenas pode ser suprimida na hipótese de força maior, inadmitidas as demais causas de exclusão do nexo causal, quais sejam, o caso fortuito, a culpa exclusiva da vítima e o fato de terceiro.
No entanto, como bem adverte CAVALIERI FILHO (2015, p.404), “essa interpretação alçaria a responsabilidade do transportador aos níveis do risco integral, o que aparentemente não seria compatível com a disciplina do Código em conjunto”.
Apesar disso, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento de recurso extraordinário representativo da controvérsia, determinou que a pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço público, ostenta responsabilidade objetiva em relação a terceiros usuários ou não usuários do serviço público, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição da República de 1988 (RE 591.874/MS, publicado no DJe de 21.11.2008).
1.1 RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CONTRATOS DE TRANSPORTE
O sistema da responsabilidade civil merece ser compreendido conforme sua teoria geral. É imprescindível a análise dos pontos principais nos quais se faz presente o dever de indenizar. Conforme a situação concreta é possível analisar qual a espécie de responsabilidade se faz presente, seus pressupostos, quem responderá pelo dano sofrido pela vítima e se há causa excludente de responsabilidade.
1.1.1 Conceito jurídico e doutrinário
A responsabilidade civil é toda ação ou omissão que gera violação de uma norma jurídica legal ou contratual. Assim, nasce uma obrigação de reparar o ato danoso. Seu objetivo, portanto, é a reparação econômica de um dano causado a alguém.
É possível perceber, portanto, duas figuras: a pessoa causadora do dano será responsabilizada, pois possui o dever de reparar o prejuízo causado a outrem; e a pessoa que foi vítima do dano, que terá o direito de ser ressarcida.
Na lição de Sergio Cavalieri Filho (2018, p. 13) a responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que se originou da violação de dever jurídico originário.
O Código Civil de 2002, além de prever a responsabilidade civil por ato do próprio indivíduo, prevê a responsabilidade por ato de terceiro ou por fato do animal. Vejamos os dispositivos legais sobre o tema:
Art. 932. São responsáveis pela reparação civil:
I- os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II- o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III- o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho, que lhes competir, ou em razão dele;
IV- os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos”
Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.
Na lição dada por Maria Helena Diniz (2005, p. 51): A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.
Sendo assim, quando se fala na obrigação de indenizar proveniente de um ilícito está estritamente ligada a ideia de culpa, enquanto a obrigação de indenizar legalmente determinada, liga-se à ideia de responsabilidade sem culpa.
A indenização do dano, portanto, é um importante elemento a ser analisado já que atualmente nossa legislação veda o enriquecimento sem causa – a reparação deve ocorrer na exata proporção, pois o que se busca é fazer com que a vítima retorne ao status quo ante, quer o ressarcimento seja in natura quer seja via compensação econômica, conforme preceitua o artigo 944, caput, do Código Civil: “a indenização mede-se pela extensão do dano.”
É neste sentido que nos deparamos com a dificuldade em definir o quantum indenizatório a vítima, neste contexto, portanto, observar quais são os pressupostos da responsabilidade civil.
1.1.2 Elementos da responsabilidade civil
Os elementos são os pressupostos essências para que surja a obrigação de indenizar, isto é, para que reste caracterizada a responsabilidade civil. Conforme ensina Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 65), os “elementos os pressupostos gerais da responsabilidade civil são: a) conduta humana (positiva ou negativa); b) dano ou prejuízo; c) o nexo de causalidade.
O primeiro pressuposto é a ação – a conduta humana -, seja ela positiva (comissiva) ou negativa (omissiva). O agente causador do dano será civilmente responsabilizado, em regra, por agir ou deixar de agir observando a culpa do agente pelo ato danoso.
Entretanto o dever de indenizar pode provir de determinação legal, sem que o agente tenha realizado ato ilícito, será responsabilizado pelo fato de que a lei prevê. Nestes casos incide a Teoria do Risco, sem análise da culpa do agente legalmente responsável pela obrigação de reparar o dano.
O segundo pressuposto é o dano ou prejuízo suportado pela vítima do fato danoso. O dano é elemento essencial para a existência da responsabilidade em qualquer das espécies, seja contratual ou extracontratual, seja subjetiva ou objetiva.
O dano é a lesão a um interesse jurídico, patrimonial ou extrapatrimonial (direito personalíssimo) que foi gerado pela ação ou omissão de um indivíduo infrator. A indenização só existe em razão de existir um dano, pois este instituto busca reparar o prejuízo sofrido, conforme aduz Sílvio Venosa (2012, p. 302) “é necessário que tenha havido decorrente repercussão patrimonial negativa material ou imaterial no acervo de bens, no patrimônio, de quem reclama.”
O terceiro e último elemento essencial é o nexo causal, isto é, o liame de ligação entre a ação e o dano. Assim, a partir da identificação da causa direta, para que gere dever de indenizar, é necessário que ela seja adequada a produzir o resultado danoso. Na hipótese da causa normalmente não produzir o dano não haverá responsabilidade.
Entretanto Rui Stocco (2007, p. 147) assim ensina:
Independentemente da teoria que se adote, como a questão só se apresenta ao juiz, caberá a este, na análise do caso concreto, sopesar as provas, interpretá-las como conjunto e estabelecer se houve violação do direito alheio, cujo resultado seja danoso, e se existe um nexo causal entre esse comportamento do agente e o dano verificado.
Não há corrente preponderante a ser seguida na seara do nexo causal. O mais adequado a ser considerado é a opinião do magistrado no âmbito da responsabilidade civil, pois as situações serão as mais diversificadas possíveis e, somente com estudo e análise das provas, poderá definir se haverá o dever de reparar ou não com a análise se os pressupostos estão presentes e se não há causas excludentes de responsabilidade.
1.1.3 Excludentes da responsabilidade civil
Para ser excluída a responsabilidade civil, ou seja, o dever de indenizar o dano causado a outrem, somente será possível com a presença das chamadas excludentes. Como a análise no presente trabalho quer abarcar as excludentes capazes de não gerarem o dever de indenizar que excluam tanto responsabilidade objetiva como a subjetiva, as situações que são capazes de atingir este objetivo são elas: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força maior e fato de terceiro.
A culpa exclusiva da vítima é causa que exclui a responsabilidade civil, mas o Código Civil não trouxe essa possibilidade expressamente, pois ele tratou apenas no que diz respeito a culpa concorrente em seu artigo 945: “se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada conforme a gravidade de sua culpa”.
De acordo com este dispositivo, por força da jurisprudência e doutrina, fixou-se a hipótese de culpa exclusiva da vítima, mas entendem que neste caso há o rompimento total do vínculo entre a conduta e o dano, eximindo o dever de indenizar, enquanto na hipótese de culpa concorrente o dever de indenizar não desaparece, mas o valor da indenização será repartido entre os sujeitos da relação, haja vista haver culpa de ambos, cada um responderá conforme sua culpa.
Os casos de caso fortuito e força maior não são sinônimos, mas no âmbito da responsabilidade civil são assim consideradas e ambas excluem o dever de indenizar. Estão relacionadas com eventos da natureza, como inundação, chuvas, terremotos no que concerne ao significado literal do caso fortuito, enquanto a força maior são os eventos provocados pelo ser humano, como guerras e greves.
Entretanto são situações que implicam em afirmar que são de ocorrência imprevisíveis e inevitáveis, portanto, nunca são relacionados com a presença da culpa do agente ofensor e, consequentemente, excluem a responsabilidade objetiva, pois caso constatado culpa não haverá rompimento do nexo causal.
Quanto a última excludente, diz respeito ao chamado fato de terceiro. O terceiro é entendido como aquele que não é o responsável, não possui o dever de reparar, mas é ele quem comete o ato danoso.
Ainda que responda de forma objetiva, a prova do nexo causal, que se interrompe por causa alheia ao contrato de transporte, e os riscos associados, a atividade económica é fundamental para a cessão do dano do passageiro ao transportador.
Vejamos o entendimento de alguns julgados acerca do tema:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - ASSÉDIO SEXUAL EM TRANSPORTE COLETIVO - APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO ÂMBITO DA SEGUNDA SEÇÃO DO STJ. INCONFORMISMO DA AUTORA. 1. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça uniformizou a orientação jurisprudencial no sentido de que "não há responsabilidade da empresa de transporte coletivo na hipótese de ocorrência de prática de ilícito alheio à atividade fim, pois o ato doloso de terceiro afasta a responsabilidade civil da concessionária por estar situado fora do desenvolvimento normal do contrato de transporte (fortuito externo), não tendo com ele conexão" (REsp 1.853.361/PB, Segunda Seção, Rel. Min. MARCO BUZZI, data de julgamento: 03/12/2020). 2. Agravo interno desprovido.
(STJ - AgInt no REsp: 1805474 SP 2018/0164340-5, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 31/05/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/06/2021)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ASSÉDIO SEXUAL EM TRANSPORTE COLETIVO. CONEXIDADE COM O SERVIÇO PRESTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO TRANSPORTADOR. JUROS DE MORA A PARTIR DA CITAÇÃO. 1.O fato de terceiro, conforme se apresente, pode ou não romper o nexo de causalidade. Exclui-se a responsabilidade do transportador quando a conduta praticada por terceiro, sendo causa única do evento danoso, não guarda relação com a organização do negócio e os riscos da atividade de transporte, equiparando-se a fortuito externo. De outro turno, a culpa de terceiro não é apta a romper o nexo causal quando se mostra conexa à atividade econômica e aos riscos inerentes à sua exploração, caracterizando fortuito interno. (REsp 1747637/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019) 2. Tratando-se de responsabilidade contratual, os juros de mora incidem a partir da citação. Precedentes. 3.Agravo interno não provido.
(STJ - AgInt no AREsp: 1349061 SP 2018/0212922-5, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 14/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/10/2019)
RESPONSABILIDADE CIVIL. Cerceamento de defesa – Assédio sexual em transporte coletivo – Sentença de improcedência – Inconformismo da autora – Juízo de origem que sequer possibilitou a produção de provas por qualquer das partes – Fatos controvertidos que exigiam a imperiosa realização de audiência de instrução, além de oportunizar a ré a juntada da gravação para afastar ou confirmar a existência de nexo causal entre o dano alegado pela suplicante e o fato por ela narrado – A ocorrência de delito praticado por terceiro, seja de furto, roubo ou assédio sexual, como na hipótese em apreço, não constitui excludente da responsabilidade objetiva atribuída ao transportador – A imediata análise das filmagens quando do relato da gravidade dessa ocorrência é medida necessária, que não constitui exigência excessiva e se enquadra dentro dos parâmetros mínimos de segurança para uma empresa dedicada ao transporte, cujo dever é o de levar incólume o passageiro ao seu destino – Cerceamento de defesa configurado – Sentença anulada – Recurso provido.
(TJ-SP - APL: 11335926120168260100 SP 1133592-61.2016.8.26.0100, Relator: Helio Faria, Data de Julgamento: 20/06/2017, 18ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/06/2017).
Como se observa das situações acima enumeradas, o fato de terceiro ora se equipara ao fortuito externo, apto à exclusão do dever de indenizar do transportador, ora se insere dentre os riscos inerentes à prestação do serviço, caracterizando fortuito interno e atraindo a responsabilidade da empresa de transportes.
Porém, a análise é casuística, sendo necessário avaliar se o dano sofrido pelo passageiro extrapola ou não os limites da cláusula de incolumidade do contrato. Nesse sentido, a Ministra Nancy Andrighi explica que “
(…) é inegável que a vítima do assédio sexual sofre um evidente abalo em sua incolumidade físico-psíquica, cujos danos devem ser reparados pela prestadora do serviço de transporte de passageiros”. Enfatiza que além de um problema do transporte coletivo, a questão relativa à violação da liberdade sexual de mulheres em espaços públicos trata-se preponderantemente de um problema cultural.
É quando a analise casuísta identifica a culpa externa acidental e exclusiva da vítima ou de terceiros, bem como em caso de força maior. Mencione-se, neste momento, o que constitui um “fato de terceiro”, conforme a doutrina de Bruno Miragem (2015, p. 242):
“O fato de terceiro que exclui a responsabilidade de determinado agente será o fato exclusivo de terceiro. Contudo, para que se caracterize o fato exclusivo de terceiro, é necessário, igualmente, que se identifique quem é o terceiro. Ou seja, que de fato seja terceiro estranho à uma relação originária entre as partes, seja ela de natureza contratual, pretérita ao dano, ou mesmo de natureza processual, posterior ao dano”.
Precisamente no que diz respeito à culpa de terceiro excludente discutido no presente caso, a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de reconhecer a perda do nexo de causalidade quando da conduta praticada pelo terceiro, desde que a causa seja única. do fato prejudicial, não tem qualquer relação com a organização da empresa e os riscos da atividade desenvolvida pela transportadora.
Nas palavras de DIAS (2017, p. 2013), “quando se trata de risco alheio ao transporte, a isenção do transportador é imperativa”. Para a situação que envolva fato de terceiro, aquele que for responder economicamente pelo dano, pode ou não ter sua responsabilidade excluída.
É necessário analisar qual é a relação em que ocorreu o dano, pois ele só irá ser causa excludente quando puder ser equiparado à força maior. Isto é, “a tendência da jurisprudência é admitir apenas excepcionalmente o fato de terceiro como excludente”, aduz o autor Sílvio Venosa (2012, p. 65).
Neste sentido, destaca-se a Súmula 187 do STF: “a responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.” É nítido que os magistrados procuram sempre que possível conceder a indenização, deixando a excludente por fato de terceiro como exceção, pois há casos em que não se admite que o responsável alegue tal excludente em razão do legislador não permitir.
Em se tratando da responsabilidade objetiva, as excludentes só podem estar ligadas a quebra do vínculo entre o dano e o nexo causal. Sendo imprescindível abarcar o tema quanto as espécies de responsabilidade civil.
Em contrapartida, ao responsável pelo dever de reparar o dano caberá ação regressiva contra o terceiro mesmo que esta raramente ocorra, é um dos argumentos para que dificilmente seja admitida a excludente, vejamos:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATO LIBIDINOSO PRATICADO CONTRA PASSAGEIRA NO INTERIOR DE UMA COMPOSIÇÃO DE TREM NA CIDADE DE SÃO PAULO/SP ("ASSÉDIO SEXUAL"). FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA. NEXO CAUSAL. ROMPIMENTO. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE CONEXIDADE COM A ATIVIDADE DE TRANSPORTE. 1. Ação ajuizada em 02/07/2014. Recurso especial interposto em 28/10/2015 e distribuído ao Gabinete em 31/03/2017. 2. O propósito recursal consiste em definir se a concessionária de transporte de trens metropolitanos da cidade de São Paulo/SP deve responder pelos danos morais sofridos por passageira que foi vítima de ato libidinoso ou assédio sexual praticado por outro usuário, no interior de um vagão. 3. Os argumentos invocados pela recorrente não demonstram como o acórdão recorrido violou os arts. 212, IV, do CC/02 e 334, IV, do CPC/73, o que inviabiliza o julgamento do recurso especial quanto ao ponto. Aplica-se, na hipótese, a Súmula 284/STF. 4. A cláusula de incolumidade é ínsita ao contrato de transporte, implicando obrigação de resultado do transportador, consistente em levar o passageiro com conforto e segurança ao seu destino, salvo se demonstrada causa de exclusão do nexo de causalidade, notadamente o caso fortuito, a força maior ou a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. 5. O fato de terceiro, conforme se apresente, pode ou não romper o nexo de causalidade. Exclui-se a responsabilidade do transportador quando a conduta praticada por terceiro, sendo causa única do evento danoso, não guarda relação com a organização do negócio e os riscos da atividade de transporte, equiparando-se a fortuito externo. De outro turno, a culpa de terceiro não é apta a romper o nexo causal quando se mostra conexa à atividade econômica e aos riscos inerentes à sua exploração, caracterizando fortuito interno. 6. Na hipótese, conforme consta no acórdão recorrido, a recorrente foi vítima de ato libidinoso praticado por outro passageiro do trem durante a viagem, isto é, um conjunto de atos referidos como assédio sexual. 7. O momento é de reflexão, pois não se pode deixar de ouvir o grito por socorro das mulheres, vítimas costumeiras desta prática odiosa, que poderá no futuro ser compartilhado pelos homens, também objetos potenciais da prática de assédio. 8. É evidente que ser exposta a assédio sexual viola a cláusula de incolumidade física e psíquica daquele que é passageiro de um serviço de transporte de pessoas. 9. Mais que um simples cenário ou ocasião, o transporte público tem concorrido para a causa dos eventos de assédio sexual. Em tal contexto, a ocorrência desses fatos acaba sendo arrastada para o bojo da prestação do serviço de transporte público, tornando-se assim mais um risco da atividade, a qual todos os passageiros, mas especialmente as mulheres, tornam-se sujeitos. 10. Na hipótese em julgamento, a ocorrência do assédio sexual guarda conexidade com os serviços prestados pela recorrida CPTM e, por se tratar de fortuito interno, a transportadora de passageiros permanece objetivamente responsável pelos danos causados à recorrente. 11. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ - REsp: 1662551 SP 2017/0063990-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 15/05/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/06/2018)
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE RODOVIA. ROUBO E SEQUESTRO OCORRIDOS EM DEPENDÊNCIA DE SUPORTE AO USUÁRIO, MANTIDO PELA CONCESSIONÁRIA. FORTUITO EXTERNO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. 1. Ação ajuizada em 20/09/2011. Recurso especial interposto em 16/09/2016 e distribuído ao Gabinete em 04/04/2018. 2. O propósito recursal consiste em definir se a concessionária de rodovia deve ser responsabilizada por roubo e sequestro ocorridos nas dependências de estabelecimento por ela mantido para a utilização de usuários (Serviço de Atendimento ao Usuário). 3. "A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado" (STF. RE 591874, Repercussão Geral). 4. O fato de terceiro pode romper o nexo de causalidade, exceto nas circunstâncias que guardar conexidade com as atividades desenvolvidas pela concessionária de serviço público. 5. Na hipótese dos autos, é impossível afirmar que a ocorrência do dano sofrido pelos recorridos guarda conexidade com as atividades desenvolvidas pela recorrente. 6. A ocorrência de roubo e sequestro, com emprego de arma de fogo, é evento capaz e suficiente para romper com a existência de nexo causal, afastando-se, assim, a responsabilidade da recorrente. 7. Recurso especial provido.
(STJ - REsp: 1749941 PR 2017/0240892-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 04/12/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/12/2018)
2 CONCLUSÃO
O presente trabalho de pesquisa versou sobre a possibilidade de responsabilizar a empresa transportadora quando há ocorrência de ato libidinoso, assédio sexual ou outras hipóteses de constrangimentos sexuais contra passageiros - visto que tal ato ocorre não só em decorrência da cultura machista enraizada em nossa sociedade, mas também pela facilidade gerada pela superlotação dos transportes públicos brasileiros. A reflexão é que que essa prática abusiva ocorre não só em decorrência da cultura machista enraizada em nossa sociedade, mas também pela facilidade gerada pela superlotação dos transportes públicos brasileiros bem como identificar se, nesse contexto, há no ordenamento jurídico pátrio a possibilidade de imputar a responsabilidade objetiva a concessionária e consequentemente o dever de indenizar as vítimas de assédio sexual praticado por terceiro.
Conforme apresentado no decorrer do presente artigo, a responsabilidade no transporte urbano apresenta-se no mundo jurídico através do contrato de transporte, que nada mais é do que o bilhete de viagem e cabe ao Código de Defesa do Consumidor fazer com que os direitos dos passageiros sejam protegidos.
O Poder Judiciário desempenha um papel fundamental nestas demandas e a sociedade espera que ele cumpra não somente o dever de entregar o direito, mas também o dever de expressar a justiça, analisando a fundo tais casos, buscando responsabilizar não apenas as empresas de transporte, mas também o Estado – haja vista que se trata de um serviço público. Com a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça que condenou a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos a pagar danos morais à passageira que sofreu assédio sexual em um de seus vagões abre precedente para que demais vítimas possam recorrer, ao menos à esfera cível, para tentar ter os danos do abalo em sua incolumidade físico-psíquica minimamente reparados.
Urge salientar que cabe ao Estado – na união dos poderes - o deve combater todas as formas de violência e sobretudo acompanhar a dinâmica social e adaptar nossas leis a esta situação em constante evolução e inovadora. De qualquer modo, a análise casuísta deverá ser feita de forma a proporcionar a responsabilização mais adequada ao caso concreto e evitar que tal comportamento continue se perpetuando na sociedade da forma crescente como tem ocorrido.
REFERÊNCIAS
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Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Sebastiao Lúcio de Souza. Contrato de transporte coletivo urbano: responsabilidade civil do transportador em caso de assédio sexual cometido por terceiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2021, 05:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57651/contrato-de-transporte-coletivo-urbano-responsabilidade-civil-do-transportador-em-caso-de-assdio-sexual-cometido-por-terceiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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