AGNELO ROCHA NOGUEIRA SOARES[1]
(orientador)
RESUMO: As autoridades têm carregado em seus ombros a grande responsabilidade de lutar contra o alastramento do Covid-19, lançando mão de recursos que limitam a liberdade de ir e vir. Esta não é uma tarefa fácil, pois exige a garantia da segurança sanitária, contudo, sem atacar os direitos relacionados ao princípio da dignidade da pessoa humana, preconizado pelo artigo 1°, inciso III da Constituição Federal. Nessa perspectiva, o objetivo geral desta pesquisa foi verificar se ocorreram excessos do poder normativo em tempos de pandemia (COVID-19) à luz da CF (1988). Realizou- se uma pesquisa bibliográfica, onde a fonte principal foi a própria CF (1988), assim como leis infraconstitucionais e doutrinas. Os resultados demonstraram que os decretos emitidos pelas autoridades brasileiras durante a pandemia, quando se tratavam de restrição da livre locomoção não apresentaram ilegalidade.
Palavras chave: Liberdade. Limites. SARS-CoV-2. Pandemia.
ABSTRACT: Authorities have carried on their shoulders the great responsibility of fighting the spread of Covid-19, resorting to resources that limit the freedom to come and go. This is not an easy task, as it requires the guarantee of sanitary security, however, without attacking the rights related to the principle of human dignity, advocated by article 1, item III of the Federal Constitution. In this perspective, the general objective of this research was to verify if there were excesses of normative power in times of pandemic (COVID-19) in the light of the FC (1988). A bibliographical research was carried out, where the main source was the CF (1988), as well as infra-constitutional laws and doctrines. The results showed that the decrees issued by the Brazilian authorities during the pandemic, when it came to restrictions on free movement, were not illegal.
Keywords: SARS-CoV-2. Freedom. Limits. Pandemic.
A democracia, que é o fundamento dos Estados modernos, teve sua estrutura convencional abalada pela Pandemia provocada pelo Coronavírus (SARS‐CoV‐2), que provocou um “estado de exceção” de caráter sanitário e induziu o Estado a tomar decisões que confrontam as liberdades subjetivas. Nesse contexto, verifica-se a existência de questionamentos acerca das decisões do Estado que restringem liberdades individuais dos cidadãos no intuito de proteger o direito coletivo à vida e à saúde da população.
O decreto é um ato normativo atribuído ao chefe do executivo nas três esferas federativas, sendo que na Constituição Federal institui em seu artigo 84, IV, que compete privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.
Com o advento da pandemia do COVID-19 a ferramenta do decreto passou a ser muito discutida entre as pessoas em seu cotidiano, uma vez que suas rotinas foram diretamente afetadas por meio do estabelecimento de atos normativos que impuseram isolamento social e lockdown. Nesse contexto, surge a necessidade de estudar os fundamentos legais e constitucionais que respaldam a atuação dos chefes do executivo na edição de decretos, em especial, em períodos de calamidade pública.
Assim, este estudo pretendeu verificar como se deu a atuação do poder executivo na edição de decretos durante em tempos de pandemia (COVID-19), à luz da CF (1988). Realizou-se uma pesquisa bibliográfica e documental, onde a fonte principal foi a própria Constituição Federal (1988), assim como leis infraconstitucionais e doutrinas, entre as quais se destacam Di Pietro (2014), Mello (2016) e Moraes (2019).
Para que o Estado cumpra suas finalidades institucionais em defesa do interesse coletivo é necessário que haja instrumentação legal para tanto, esta se constitui em prerrogativas específicas e ordenamento jurídico para que os poderes da Administração Pública possam coexistir efetivamente.
Para melhor compreensão da administração pública, primeiramente é necessário entender os seus poderes e para tanto é preciso observar o seu conceito, propriamente dito.
[...] pode ser definida objetivamente como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos e subjetivamente como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado (MORAES, 2018).
Os poderes da Administração Pública são instrumentos de efetivação das políticas públicas no âmbito das instituições governamentais e constituem-se como instrumentos jurídicos que fundamentam as ações do Estado. Nessa perspectiva, os poderes da Administração pública sucedem da supremacia do interesse público.
Organizado o Estado no que respeito à divisão do território, à forma de governo, à investidura dos governantes, à instituição dos Poderes e às garantias individuais, estruturam-se, hierarquicamente, os órgãos encarregados do desempenho de certas atribuições que estão sob sua responsabilidade. A organização do Estado é matéria constitucional, cabendo ao Direito Constitucional discipliná-la, enquanto a criação, estruturação, alteração e atribuições das competências dos órgãos da Administração Pública são temas de natureza administrativa, cuja normatização é da alçada do Direito Administrativo. A primeira cabe à Constituição enquanto a segunda toca à lei, conforme, por exemplo, exige o art. 88 da Constituição Federal para a última hipótese, que a Constituição não possa dispor sobre essas matérias, mas tão só uma carreta utilização dos princípios de técnica legislativa (GASPARINI, 2012, p. 98).
A dualidade poder-dever é instrumentada pelo ordenamento jurídico nacional e a disposição dos poderes da Administração é um instrumento que objetiva buscar e conservar os interesses da coletividade. O gestor público precisa e deve dispor deles visto que tais poderes têm como característica o fato de serem irrenunciáveis, portanto, o poder é subordinado ao dever e assim realiza a sua finalidade.
Conforme ressalta Di Pietro (2010), o legislador e o gestor público devem considerar a supremacia do interesse público sobre o privado, o primeiro no momento de elaboração da lei e o segundo, na sua execução. Portanto, havendo conflito entre o interesse privado e o público, este deve prevalecer sobre o outro. Por essa razão que a doutrina considera o princípio da supremacia do interesse público como fundamental no âmbito do regime jurídico administrativo.
No contexto da Pandemia da Covid-19, o direito à liberdade de reunir para a diversão e à prática de atividade econômica não deve prevalecer sobre o direito à vida, isso porque a aglomeração de pessoas potencializa a transmissão e proliferação do contágio da Covid-19. Nessa perspectiva é que o interesse do público prevaleceu sobre o privado na emissão de decretos de contenção de aglomerações.
Houve muito questionamento a respeito da aplicação do princípio da supremacia do interesse público por setores da sociedade, visto que alguns direitos fundamentais garantidos pela CF (1988) foram suprimidos temporariamente, entre os quais se destacou o direito à liberdade. O artigo 5º da CF (1988), inciso VI, que trata da liberdade de consciência e crença, preconiza que é “livre o exercício dos cultos religiosos e garantida a proteção, na forma da lei, aos locais de culto e suas liturgias”.
Mas a Administração Pública tem sempre a incumbência de agir em favor da coletividade quando houver um choque entre o interesse desta e o interesse privado. Assim, os direitos constitucionais como o do livre exercício dos cultos religiosos e o direito de ir e vir não se sobrepõem ao direito à vida, que, no contexto da Pandemia, exige que não haja aglomerações de pessoas.
Nesse contexto, o Decreto 581, de 06/05/2020, editado pelo Município de Gurupi, adotou medidas restritivas que alcançam desde o funcionamento de instituições educacionais, comércio (mudança de horário), clínicas odontológicas, entre outros, como pode ser exemplificar o previsto no seu Art. 1º:
I – feiras livres (Rua 13 e Rua 07), igrejas, bares, cinemas, clubes sócias, CTG’s, centros de treinamentos (escolinhas de futebol), boates, casas noturnas, casas de eventos, motéis, festas em residências, com aglomeração de pessoas, a fim de proteger a saúde pública, os velórios – por mais de duas 2 (duas) horas, devendo o mesmo ser realizado no cemitério onde for acontecer o sepultamento, com a participação apenas de familiares; (DECRETO 581, GURUPI, 2020).
Partindo destes entendimentos, Di Pietro acrescenta:
As normas de direito público, embora protejam reflexamente o interesse individual, têm o objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo. Além disso, pode-se dizer que o direito público somente começou a se desenvolver quando, depois de superados o primado do Direito Civil (que durou muitos séculos) e o individualismo que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substituiu-se a ideia do homem como fim único do direito (própria do individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos têm supremacia sobre os individuais (DI PIETRO, 2014, p. 99).
Para tanto, dispõe Alexandre de Moraes, a respeito do conceito à legalidade:
O princípio da legalidade é basilar na existência do Estado de Direito, determinando a Constituição Federal sua garantia, sempre que houver violação do direito, mediante lesão ou ameaça (art. 5º, XXXV). Dessa forma, será chamado a intervir o Poder Judiciário, que, no exercício da jurisdição, deverá aplicar o direito ao caso concreto (MORAES, 2018, p 196).
Destarte, entraram questões relacionadas às implantações de decretos, ainda, na classe empresarial com este delicado momento, visto o cenário de decretos e atuações de governantes, durante este período de pandemia, e o comportamento da sociedade diante desta nova situação no país.
O próprio artigo 5º, XV da CF (1988) preconiza o direito de livre locomoção em todo território nacional, em tempos de paz, assim conforme a Lei, qualquer pessoa pode transitar livremente, em tempos de paz.
Entendendo que a Pandemia representou uma alteração da normalidade e que este direito não é absoluto, as autoridades emitiram decretos que limitaram o direito de ir e vir em favor do direito à vida.
Cabe ao gestor público a eleição da melhor opção para atender ao interesse coletivo, se a lei permitir mais de uma possibilidade de atuação, assim este tem a incumbência de escolher, no âmbito da Administração Pública, aquela que atende a supremacia do interesse público e é válida perante o direito, o ato decorrente dessa decisão é denominado como discricionariedade.
Desde o início da Pandemia de Covid-19 a Administração Pública tem emitido leis, decretos, emendas e outras recomendações legais que, por sua vez, têm alterado consideravelmente a vida dos brasileiros. Em conformidade com Di Pietro (2014) que ensina que o Poder Normativo pode ser denominado de Poder Regulador é exatamente este exercício de poder que a Administração detém para editar atos que consumam a lei, que por sua vez viabiliza a sua execução fielmente, portanto, se efetiva por meio de Decreto, e tem fundamentação legal no art. 84, inc. IV da CF (1988) transcrito a seguir:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...] IV- sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
Mas é importante ressaltar que o Poder Normativo faz apenas a complementação da legislação existente, e não sua alteração, visto que ao realizar a mudança de entendimento acarretará em abuso de poder regulamentar.
Durante o período de Pandemia o Estado precisou fazer uso do poder discricionário para tomar medidas de contenção da infecção pelo vírus sars-cov-2 e decretar o estado de exceção por emergência sanitária e medidas como restrição do direito de locomoção, imposição de quarentena, isolamento social; fechamento de comércios, suspensão de eventos públicos, suspensão das aulas, entre outros.
Porém, todos esses atos discricionários foram recebidos pela sociedade com resistência e, em alguns casos, até mesmo desentendimento até entre entes federados, como exemplo disso pode-se citar o caso em que o Supremo Tribunal Federal teve que se posicionar no dia 15/04/2020 em favor do poder de decisão dos governos estaduais e municipais sobre as regras de isolamento, quarentena e restrições no direito de ir e vir nas rodovias por consequência da epidemia de Coronavírus.
Muito se discutiu sobre a necessidade de medidas restritivas tão severas, assim como se questionou sua própria legalidade, sendo que muitos apontavam abuso de poder discricionário da administração pública e outros defendiam a rigorosidade dos atos do poder público como forma de frear a disseminação da infecção pelo temido vírus.
O setor empresarial sofreu um impacto negativo em relação a sua produtividade, visto que as medidas restritivas emitidas por estados e municípios impactaram diretamente na produtividade da maioria das empresas e a legislação trabalhista não estava preparada para tal eventualidade. Sendo que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT, 1943), traz timidamente em seu art. 501 uma prévia da situação de força maior, como se pode ver a seguir:
Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.
§ 1º - A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.
§ 2º - À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.
Trata-se de uma tímida previsão de uma situação de força maior, que aparece como sendo todo e qualquer evento inevitável em relação ao livre arbítrio do empregador, sendo que este não contribui nem direta ou indiretamente para tal evento.
Como exemplo do que ocorreu em muitos municípios brasileiros, o Decreto 581 (Gurupi, 2020) trouxe muitas limitações de funcionamento para as empresas locais, tais como restrição de horários de funcionamento, vejamos:
Art. 1º. [...]:
b. no horário das 13h às 19 horas, lojas de móveis e eletrodomésticos, eletro eletrônicos e importados, barbearias e salões de beleza, cosméticos e perfumarias, óticas e joalherias, ferragens, brinquedos e utilidades, produtos de informática, serviços relacionados à tecnologia da informação e de processamento de dados, estrutura metálica e vidraçarias;
Nesse contexto, em que as empresas passaram a funcionar com um período de tempo bem menor e na falta de previsão legal sobre o relacionamento com os funcionários é importante ressaltar que a solução extrajudicial foi uma estratégia de soluçaõ de possíveis problemas entre empregados e empregadores.
Porém, o poder público foi colocado à prova no decorrer da Pandemia de Covid-19 em relação a sua capacidade intervir de forma positiva no setor privado por meio da criação de medidas eficientes que tanto sirvam para diminuir a disseminação do novo coronavírus quanto contribuir com a recuperação economica. Cardoso e Magalhães (2020) defendem que não existe uma discusão efetiva da economia antes de haver um controle razoável da doença, portanto, é necessário que haja uma resposta adequada do sistema de saúde, e ainda acrescentam “O trade off entre economia e saúde é um falso dilema [...]” (CARDOSO; MAGALHÃES, 2020, p. 29).
Portanto, é possível abstrair que se o governo fizer um investimento na manutenção do sistema de saúde haverá um reflexo positivo nas empresas, isso se dá devido ao retorno das atividades normais em menos tempo. O pensamento de Cardoso e Magalhães (2020) corrobora com o princípio da supremacia do público, e vai além, se posicionando no sentido de que este favorece o privado.
Enquanto que alguns setores e modalidades de empresas foram beneficiadas pela situação atípica oriunda dos decretos e suas medidas restritivas, como se vê na fala de Câmara (2020, p. 89).
É certo que com o isolamento social em virtude da pandemia de COVID 19 a busca por serviços de entrega de alimentos e medicamentos foi bastante incrementada, com contratações feitas por telefone ou por ambiente virtual. A suspensão provisória do direito de arrependimento nessas situações se mostra como uma medida protetiva para o fornecedor desses itens, pois com a pluralização dos pedidos, seria difícil manter-se um patamar tão rigoroso de proteção ao consumidor.
Portanto, novos nichos de mercado exigiram uma adpatação das empresas no sentido de inovar suas relações com seus clientes, que apesar de mais reclusos por causa das medidas restritivas legais, existiam e tinham os mesmos desejos e necessidades de consumo.
No âmbito do Direito Administrativo quem primeiro citou o conceito de “estado de exceção” foi Schmitt (1988) ao relaciona-lo com o poder soberano de decisão do poder público, assim o Estado foi colocado como superior as suas próprias leis, assim o direito recua, enquanto que o Estado avança, isso em um contexto de caos e/ou excepcional.
A pandemia provocada pela infecção de Coronavírus configura-se um “estado de exceção” de caráter sanitário, portanto, os direitos subjetivos recuaram temporariamente em face ao direito público primordial: direito à vida.
Então as decisões que trouxeram restrições de liberdades fundamentais tiveram como base “ato legalmente derivado do poder público”, que se traduz aos decretos introduzidos nas sociedades, para sejam cumpridos e evite a disseminação do vírus sobre o meio social.
E como reflexos que foram acarretados na pandemia em meio à situação nacional têm-se os muitos decretos nas três esferas da administração publica: federal, estadual e municipal. Entre as inovações jurídicas destacam-se a Lei nº
14.151 de 12/05/2021 (13/05) que inova e traz o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo Coronavírus. Veja o que diz a referida lei:
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo Coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
Ainda cita-se a Lei nº 14.150 de 12/05/2021 (13/05) que faz alteração da Lei nº 14.017, de 29 de junho de 2020 (Lei Aldir Blanc), com o intuito de fazer a prorrogação do auxílio emergencial a trabalhadores e trabalhadoras da cultura e para prorrogar o prazo de utilização de recursos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. Acesse para mais informações.
A Lei nº 14.148 de 03/05/2021 que dispõe sobre ações emergenciais e temporárias destinadas ao setor de eventos (04/05) que foi publicada no dia 03/05/2021 a Lei nº 14.148 de 03/05/2021 com a finalidade de instituir ações emergenciais e temporárias destinadas ao setor de eventos para compensar os efeitos decorrentes das medidas de combate à pandemia da Covid-19; institui o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e o Programa de Garantia aos Setores Críticos (PGSC); e altera as Leis n°s 13.756, de 12 de dezembro de 2018, e 8.212, de 24 de julho de 1991.
Entre as Medidas Provisórias (MP) destaca-se a 951 que foi emitida em 15/04/2020 (data do início de sua vigência, inclusive), traz normas sobre compras públicas, sanções em matéria de licitação e certificação digital, dentre outras providências. Altera, assim, a Lei n° 13.979, publicada no dia 06/02/2020 e que dispõe sobre as medidas de enfrentamento à situação emergencial decorrente da COVID-19. Doravante, em caso de dispensa de licitação de que trata o art. 4° dessa legislação, poderá ser utilizado o sistema de registro de preços (disposto no art. 15, caput, inciso II, da Lei n° 8.666/1993), esta teve a vigência encerrada em teve seu prazo de vigência encerrado no dia 12 de agosto de 2020.
Entre as Emendas Constitucionais (EM) exemplifica-se a nº 106 passou a vigorar em 07/05/2020 (mesma data de sua publicação) e que institui regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente de pandemia (Covid-19).
Antes chamada de PEC “Orçamento Guerra”, propõe a adoção de regras de caráter extraordinário nos âmbitos fiscais, financeiras e de contratações, com vistas ao enfrentamento da situação excepcional oriunda do novo Coronavírus. Em destaque tem-se a medida prevista no art. 2° da referida Emenda, autorizando a adoção de “processos simplificados de contratação de pessoal, em caráter temporário e emergencial, e de obras, serviços e compras que assegurem, quando possível, competição e igualdade de condições a todos os concorrentes”.
Estes decretos, medidas provisórias e emendas constitucionais serviram apenas para ilustrar as inovações que ocorreram durante a Pandemia no sistema jurídico brasileiro, visto que são muitos e alteraram consideravelmente o panorama para atender uma situação extrema vivenciada pelo mundo todo e também pelos brasileiros.
Entre as medidas já citadas o Congresso Nacional fez o reconhecimento por meio do Decreto Legislativo de 06, de 20 de março de 2020, para os fins do art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal, o estado de calamidade pública, que faz a liberação do poder público para gastar mais recursos do que em tempos de normalidade, especialmente a União. Essa medida pode acarretar possíveis excessos no uso de recursos públicos durante a pandemia.
A CF (1988) é o parâmetro de legalidade para as leis que são emitidas pelos políticos eleitos pelo voto popular, portanto, somente a existência da lei maior não garante que isso aconteça, para tanto se tem como instrumento, entre muitos outros as Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI’s).
A CF (1988) traz em seu corpo o conjunto de princípios fundamentais que fundamentam todas as demais leis que são denominadas de infraconstitucionais, trata da organização do próprio estado, de seus poderes e suas divisões e também de direitos e deveres dos cidadãos (DI PIETRO, 2014).
Nem mesmo o presidente da república ou a câmara dos deputados podem criar normas que estão em desacordo com a CF (1988), na mesma lógica seguem- se os estados e municípios (MELLO, 2016).
Portanto, o controle da constitucionalidade é feito por meio da aplicação das leis que são feitas por juízes de direito atuando em casos concretos, e ainda pelo Supremo Tribunal Federal por meio de minuciosa análise legal da matéria e decisão colegiada sobre sua constitucionalidade ou não.
No artigo 102 da constituição Federal (1988) tem-se previsto uma ferramenta de controle onde se prevê uma ação judicial que deve ser proposta pelo Supremo Tribunal Federal para que este ajuíze a respeito.
Durante a pandemia de Covid-19 houve a emissão de muitas leis, decretos e medidas provisórias que foram apreciados pelo STF e considerados inconstitucionais, a titulo de exemplificação cita-se a Lei ordinária nº 11.274 de 04 de Junho de 2020 que trazia a proibição de cobrança de empréstimo consignado durante a pandemia.
O STF votou em desfavor desta lei que trazia a determinação de não cobrança por 90 dias no âmbito do Estado do Maranhão dos empréstimos consignados de servidores públicos deste território por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6475.
O STF entendeu que tal lei interferia na relação obrigacional estabelecida entre as instituições de crédito e os servidores e empregados públicos, invadiu a competência privativa da União para legislar sobre Direito Civil (artigo 22, inciso I, da Constituição Federal) e sobre política de crédito (artigo 22, inciso VII).
As ADI’s possuem muita importância para a manutenção dos princípios constitucionais em tempos normais, portanto, isso foi potencializado devido a eventualidade advindo da pandemia.
O Brasil já possui lei e ações de vigilância epidemiológica no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), porém seus legisladores, dada a gravidade e extremidade da situação, resolveram emitir Lei 13.979/20, que instituiu normativa e medidas de enfrentamento do novo Coronavírus e, mas com sua vigência restrita à duração do estado de emergência internacional, ficando a cargo do ministério da Saúde a edição de atos normativos necessários à sua regulamentação e operacionalização (CÂMARA, 2020).
Em paralelo à supracitada lei os diversos entes da federação emitiram decretos que tiveram em seu escopo a regulamentação das medidas provisórias e restritas à pandemia como meio de prevenção da proliferação do vírus causador da Covid-19.
Assim o regramento legal nacional temporário criado a partir da Lei 13.979/20 e os decretos estaduais e municipais criaram uma nova realidade jurídica em âmbito nacional: estabelecidos novos direitos e deveres para a população, limitações às liberdades individuais em favor do bem coletivo, obrigação de informação pelo poder público sobre questões privadas, flexibilizações ainda maiores nas contratações federais e estaduais, além de outras medidas que acrescentaram discricionariedade para administradores e gestores para lidar com a situação atípica criada pela Pandemia.
Entre os princípios fundamentais que preconiza a CF (1988) tem-se a garantia ao direito de locomoção previsto no art. 5º, XV, que rege: “[...] é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.
Além dos casos previstos na própria Constituição (1988) quando se trata de prisão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de Juiz, prisão civil, administrativa ou especial para fins de deportação, nos casos que são previstos na legislação brasileira, durante vigência de estado de sítio (CF, 1988).
Durante a Pandemia normas infraconstitucionais foram editadas pelos representantes da Administração Pública exercendo o poder discricionário que lhes é de direito e dever, que legislaram sobre restrições ao direito de locomoção previstas no art. 5º, citam-se as duas principais: quarentena e isolamento social.
O primeiro instrumento legal infraconstitucional emitido dessa natureza em decorrência da Pandemia foi a Lei 13.979/2020 que recebeu regulamentação por meio do Decreto 10.282/2020 e portaria 356/2020 do Ministério da Saúde, estes trouxeram a previsão de separação de pessoas que apresentassem sintomas análogos ao da Covid-19, ou que estivesse em investigação laboratorial e/ou clínica e teve como objetivo principal evitar que o coronavírus se propagasse rapidamente entre a população brasileira, sufocando o sistema de saúde, este foi denominado pela legislação relativa de “isolamento” (BRASIL, 13.979/2020).
Enquanto que a quarentena foi a suspensão das atividades normais no comércio e separação de pessoas suspeitas de estarem contaminadas, assim como bagagens, contêineres, animais; meios de transportes ou mercadorias que potencialmente pudessem representar um canal de propagação do vírus (BRASIL, 13.979/2020).
Quem passou a ter a incumbência de decretar a quarentena foram as autoridades locais de saúde, em Gurupi-TO isso foi feito pelo Decreto 581, de 06/05/2020 que trouxe, inclusive previsão de punição de multa e prisão para o infrator, este foi embasado no art. 268 do Código Penal brasileiro que prevê a punição criminal a conduta de “[...] infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, o que assegura que o direito de ir e vir previsto no art. 5º, XV possui exceções.
Diante do exposto nessa pesquisa, foi possível realizar uma reflexão a respeito dos excessos do poder normativo da Administração Pública em tempos de pandemia de covid-19.
Realizou-se um paralelo entre o poder discricionário próprio do Estado sobre as medidas de contenção da infecção por Coronavírus e a sua legalidade observando os direitos subjetivos do cidadão brasileiro.
Percebeu-se que houve um conflito de interesses entre o direito subjetivo de livre locomoção previsto no art. 5º, XV da Constituição Federal (1988) que por sua vez não é absoluto, além dos casos mais corriqueiros de restrição de liberdade por prisão em flagrante ou decretada por juiz, estado de sítio e ou prisão para deportação, os Administradores Públicos entenderam que poderiam editar leis infraconstitucionais com base na defesa do direito à vida.
Portanto, ao concluir este estudo entendeu-se que os decretos emitidos pelas autoridades brasileiras durante a pandemia, quando se tratavam de restrição da livre locomoção não apresentaram afronta a legalidade, porém, houve alguns excessos entre os quais se lembra de o que suspendeu a cobrança de empréstimos consignados para servidores públicos no Estado do Maranhão.
No que diz respeito ao fato do Congresso Nacional emitir reconhecimento por meio do Decreto Legislativo de 06, de 20 de março de 2020, para os fins do art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal, o estado de calamidade pública, que faz a liberação do poder público para gastar mais recursos do que em tempos de normalidade, especialmente a União, percebeu-se que se trata de uma abertura que dá maior liberdade de gastos para o poder executivo, mas sabe-se que os estes terão que prestar contas para os órgãos de controle.
Assim, o poder discricionário do Estado limitou o exercício da livre locomoção individual, mas isso se deu com respeito à supremacia do interesse público em relação ao subjetivo.
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[1] Professor Me. em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Tocantins, orientador no curso de Direito da Universidade de Gurupi – UNIRG.
graduando em Direito pela Universidade de Gurupi Unirg
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Samuel da Silva. Excessos do poder normativo em tempos de pandemia (covid-19) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2021, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57710/excessos-do-poder-normativo-em-tempos-de-pandemia-covid-19. Acesso em: 22 nov 2024.
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