WELLINGTON GOMES MIRANDA [1]
(orientador)
RESUMO: O trabalho apresentado a seguir tem como temática as discussões relacionadas à Guarda Compartilhada e suas relações com a questão familiar e ainda a Síndrome da Alienação Parental - SAP. Com a intenção de discutir a respeito disso é que instrumentaliza-se uma pesquisa bibliográfica dada por fontes secundárias cuja abordagem realizada é qualitativa. A problemática geral do trabalho é compreender como a pandemia impactaria as questões voltadas para a guarda compartilhada no período da pandemia. O objetivo principal do trabalho estava pautado em compreender a aplicação do direito de convivência nos casos da guarda compartilhada frente ao enfrentamento da alienação parental em meio ao contexto pandêmico. A importância da realização da discussão em questão se dá principalmente pelo fato de que com discussões como essas torna-se possível evidenciar com veemência a importância da Guarda Compartilhada na garantia ao direito de convivência previsto constitucionalmente. A partir da pesquisa, tornou-se possível compreender um pouco mais sobre o processo de instituição da família na sociedade e entender sua importância para a formação dos indivíduos, de modo que observou-se ainda que a pandemia, por mais que fosse apresentada como um argumento muito relevante, não era suficiente para justificar a prática da alienação parental ou mesmo para a suspensão da guarda compartilhada.
Palavras-chave: Guarda Compartilhada. Alienação Parental. Pandemia. Direito Familiar.
ABSTRACT: The paoer presented below has as its theme the discussions related to Shared Custody and its relationship with the family issue and also the Parental Alienation Syndrome - PAS. With the intention of discussing this, a bibliographical research is used, given by secondary sources whose approach is carried out is qualitative. The general problem of the paper is to understand how the pandemic would impact the issues related to shared custody during the pandemic period. The main objective of the work was based on understanding the application of the right to coexist in cases of shared custody in the face of parental alienation in the midst of the pandemic context. The importance of carrying out the discussion in question is mainly due to the fact that with discussions such as these, it becomes possible to vehemently highlight the importance of Shared Guard in guaranteeing the right to coexistence provided for in the Brazilian Constitution. From the research, it became possible to understand more about the process of institution of the family in society and to understand its importance for the formation of individuals. This very relevant argument was not enough to justify the practice of parental alienation or even the suspension of shared custody.
Keywords: Shared Custody. Parental Alienation. Pandemic. Family Law.
A pandemia ocasionada pelo novo Coronavírus, e propagador da Covid-19 gerou impactos consideráveis para toda a sociedade, de forma que reconhece-se que houve impactos sobre as mais diversas áreas de atuação, fazendo com o que o mundo passasse inclusive por uma mudança de rotina a fim de reduzir a propagação do vírus.
Com a nova rotina mencionada, ocorreu o distanciamento social, onde as atividades começaram a ocorrer de casa, através da prática que foi chamada de home office, as empresas, escolas e demais instituições desenvolviam prioritariamente suas atividades sem estarem reunidos presencialmente, sendo assim, como isso impactaria a convivência familiar?
É verdade que as famílias nem sempre estão reunidas, especialmente em casos em que os pais são divorciados e as crianças têm sua guarda compartilhada. Tomando tal questão como norteadora e fio condutor, constrói-se a pesquisa apresentada neste texto cujo objetivo geral é compreender a aplicação do direito de convivência nos casos da guarda compartilhada frente ao enfrentamento da alienação parental em meio ao contexto pandêmico.
Acredita-se que realizar a discussão em questão poderá contribuir para a compreensão da importância da guarda compartilhada na garantia do direito constitucional de convivência familiar entre filhos e genitores mesmo em meio aos mais diversos contextos vivenciados pela sociedade.
Construída a partir de uma pesquisa bibliográfica que utiliza-se de fontes secundárias, a presente pesquisa não tem por finalidade obter números, ou seja, estatísticas como resultado. Por isso, a abordagem a ser utilizada no trabalho é a qualitativa por possuir características exploratórias, além disso a abordagem qualitativa consiste na interpretação e compreensão dos fenômenos a serem estudados.
Por fim, com o objetivo de melhor entendimento acerca do assunto a ser estudado, o instrumento a ser utilizado para a coleta de dados será a revisão de literatura específica, como também a leitura de artigos e consultas em sites. Os principais autores que contribuíram para a realização da pesquisa foram: (FARIAS e ROSENVALD, 2015), (RAMOS,2016), (DIAS,2016).
O início da vida origina-se por meio da família, uma entidade cultural e histórica da sociedade que é fundamental para a sobrevivência humana, pois não há como existir sem descender de alguma geração ou sem vínculo de parentesco mesmo que distante. Patrícia Pimentel afirma que:
A família responde a necessidades humanas e sociais relevantes, uma vez que o ser humano não existe sozinho, mas em relação com outro, num complexo simbólico e simbiótico. Simbólico porque a ideia de família é importante mesmo quando se está distante, pois está presente como realidade que determina o sentido existencial das pessoas, confortando o ser humano pela simples constatação de que ele não está só, afetivamente, no universo, mas que alguém se preocupa com a sua existência. E simbiótico porque aglomera relações de reciprocidade afetiva (RAMOS, 2016, p. 29).
Dessa forma é que compreende-se que por mais que as relações familiares e de parentesco nem sejam sempre harmônicas e presentes na vida das pessoas, ela são inerentes à própria existência do ser humano, sendo que como mencionado, há o contexto simbólico e simbiótico a ser considerado.
A concepção de família patriarcal é marcante, sendo encontrada no Direito Romano, no qual a figura masculina era a principal tendo como função a reprodução e o núcleo econômico, onde o pai tinha poder familiar, exercendo o dever de sustento, educação e guarda dos seus membros (TELLES, 2011). O conceito de família foi gerando novas configurações:
A família migrou do campo para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso levou à aproximação dos seus membros, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes. Surge a concepção da família formada por laços afetivos de carinho, de amor. A valorização do afeto deixou de se limitar apenas ao momento de celebração do matrimônio, devendo perdurar por toda a relação. Disso resulta que, cessado o afeto, está ruída a base de sustentação da família, e a dissolução do vínculo do casamento é o único modo de garantir a dignidade da pessoa (DIAS, 2016, p. 48).
Observa-se que com o passar do tempo, estar inserido em um seio familiar é de fundamental importância para a formação do indivíduo de maneira a contribuir na construção do caráter e valores. Dessa forma, o conceito de família, antes patriarcal com objetivo único de reproduzir, deu espaço para o companheirismo, afeto e amor, pois ter filhos passou a ser também um ato de amor, união e entrega envolvendo o casal, de modo que a existência do próprio casal estava envolto em laços afetivos e a reprodução apenas complementa tal laço, como mencionado por Dias (2016).
Somente na constituição de 1988 que o conceito de família foi delimitado, passando a ter seu próprio capítulo. Em seu art. 226, a família é considerada a base da sociedade civil, tendo ela proteção do Estado. Através de suas adequações, se deu origem ao Código Civil de 2002. Vejamos:
Artigo 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (BRASIL, 2002).
Menciona-se, portanto, que a partir desse momento é que a família ganha uma relevância ainda maior, visto que é reconhecida como instituição perante à Constituição Federal, lei regente do país. De forma que, essa consideração efetiva o valor e a importância da família além de propor em partes sua definição e função perante o meio social em que está inserida.
Todavia, é preciso reconhecer que a organização familiar sofreu profundas mudanças com o passar do tempo, e como forma de acompanhar as mudanças sociais e culturais, foi necessário também que o direito sofresse alterações, essas mudanças ocorrem:
Devido ao avanço do homem e da sociedade, mutável de acordo com as novas conquistas da humanidade e descobertas científicas, não sendo crível, nem admissível, que esteja submetida à ideias estáticas, presas a valores pertencentes a um passado distante, nem a suposições incertas de um futuro remoto. É realidade viva, adaptada aos valores vigentes (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 5).
Afinal, em diversas áreas do conhecimento, reconhece-se a falta de conceituações e conhecimentos estáticos, de forma que todas as áreas podem passar por reformulações e transformações, acompanhando o próprio ritmo de evolução da humanidade, portanto, não foi diferente com a família.
Uma das principais mudanças no que concerne à família diz respeito ao afeto, amor e solidariedade que passaram a nortear a base familiar. Além disso, através dessas mudanças foi possível a formação de novos moldes de família. No entanto, é importante conhecer a estrutura dos diversos modelos de família existentes, mesmo que em constante transformações.
O modelo de família tido como tradicional vem sendo reinventado com o passar do tempo. A família tradicional aquela que veio dominando desde a sociedade ocidental, no qual o casal homem e mulher se uniam em casamento com o objetivo de constituir família, ou seja, ter filhos e o homem exercia o papel de chefe de família enquanto a mulher cuidava do lar e dos filhos, tem diminuído e dado espaço para a família moderna, aumentando principalmente as famílias monoparentais.
A família monoparental é reconhecida na Constituição Federal de 1988, em seu art. 226 § 4º que dispõe que “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”, sendo assim, mesmo que o molde não seja a conceituação tradicional outrora tida como necessária, é preciso entender que independente do molde, há também nas relações monoparentais a presença de uma família.
A família homoafetiva também teve seu reconhecimento através da nova interpretação do art. 1.723 do Código Civil que em um certo trecho comentava que:
Artigo 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (BRASIL, 2002).
Todavia, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 132, trouxeram à tona novas discussões e ainda apresentaram a seguinte decisão:
ADI/4277. Diante deste quadro, torna-se essencial a intervenção da jurisdição constitucional brasileira, visando garantir aos homossexuais a possibilidade, que resulta da própria Constituição, de verem reconhecidas oficialmente as suas uniões afetivas, com todas as consequências jurídicas patrimoniais e extrapatrimoniais disso decorrentes. (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277, 2011. p. 8)
Através dessas alterações é possível notar a evolução do direito de família, além do princípio da dignidade da pessoa humana passou-se também a ter uma maior preocupação com o princípio da afetividade, disposto na nossa Constituição Federal e que tem sido o norteador do direito de família.
O rompimento da vida conjugal acarreta inúmeras mudanças, principalmente no que concerne à guarda dos filhos. Ambos os genitores possuem o dever da guarda, dever esse de proteção e cuidado. As obrigações que a guarda atribui aos genitores estão elencadas no art. 1.634 do Código Civil Brasileiro. Vejamos:
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I - dirigir-lhes a criação e educação;
II - tê-los em sua companhia e guarda;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti- los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição (BRASIL, 2002).
Como previsto em lei, a guarda e cuidados dos filhos é papel dos pais, especialmente pela concepção de família como aquela organização construída num contexto afetivo, entretanto, esse direito acaba sendo ameaçado quando os vínculos afetivos do casal deixam de se fazer presentes e ocorre uma problemática conjugal, o que ocasiona, por vezes, a não convivência harmônica entre os pais, momento em que a guarda passa a ser questionada.
O Código Civil de 1916 previa a guarda dos filhos quando da separação dos genitores. Em regra, era concedida ao responsável pela ruptura conjugal, havendo apenas duas exceções: quando os genitores chegam a um acordo de forma harmônica, o cuidado com o filho ou quando os dois dessem causa a separação. Entretanto, com o advento da lei de divórcio (Lei nº 515/77), as disposições do Código Civil de 1916 foram revogadas, porém somente com a vigência do Código Civil de 2002 que foi possível observar mudanças significativas.
O direito brasileiro adota duas modalidades de guarda: a unilateral e a compartilhada. Antes da alteração do art. 1.583 do Código Civil, somente era aplicada a guarda unilateral no qual consistia em um genitor exercer o direito de guarda enquanto o outro detinha o direito de visita e alimentos.
Com a nova atualização do art. 1.583 do CC/2002, regulamentou-se também a guarda compartilhada, que prevê que:
Art. 1583: A guarda será unilateral ou compartilhada.
§1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, §5º) e por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto concernentes ao poder familiar dos filhos comuns (BRASIL, 2002).
A guarda compartilhada surgiu no intuito de sanar as dificuldades que envolve a guarda unilateral, visto que, na guarda compartilhada ambos os genitores acompanham e tomam decisões pertinentes ao desenvolvimento, criação e educação do filho havendo assim uma pluralidade de responsabilidade, porém distribuídas de forma equilibrada.
Apesar do ordenamento jurídico falar apenas em duas modalidades de guarda, há também quem fale em guarda alternada, como o próprio nome já diz, consiste em alternar o direito de guarda entre os genitores, ou seja, os dois terão o menor em sua companhia, podendo tomar decisões, porém de forma alternada.
Com a publicação da lei 13.058/2014, tornou-se obrigatório a determinação da guarda compartilhada nos casos em que não houver acordo entre os genitores, alterando assim os artigos 1.583, 1.584, 1585 e 1.634 do Código Civil de 2002.
Com essa modalidade de guarda, o tempo em que o filho convive com os genitores, em tese, é estabelecido de forma equilibrada de maneira que os pais sejam mais presentes na vida do menor o que se entende que a guarda compartilhada seja a mais adequada.
O instituto da guarda compartilhada é um grande passo à frente não só no cenário jurídico, mas também no social, por buscar atender de forma prioritária os interesses e direitos dos filhos que mesmo regulamentados ainda eram esquecidos (COLTRO; DELGADO, 2018).
A guarda compartilhada quando acolhida pelos pais, traz benefícios não só para os filhos, mas também para si, quando mantido um bom diálogo e convivência entre ambos, os impactos psicológicos que uma criação com pais separados pode causar são afastados. “A ideia de guarda compartilhada, além de estar em sintonia com a organização social atual, quebra a herança de outros tempos de uma rígida divisão de papéis e funções” (COLTRO; DELGADO, 2018, p.123), valendo pontuar que a guarda compartilhada está de fato embasada no direito de convivência familiar que é inerente à criança/adolescente, como lê-se no texto constitucional no art. 227 (BRASIL, 1988).
Ainda que a guarda compartilhada seja a regra, para sua aplicação é necessário analisar aspectos quanto ao bem-estar do filho, quando não observado a preservação do melhor interesse da criança, outra modalidade pode ser aplicada. Disposto no art. 277 da Constituição Federal, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente trata da proteção da criança, quando não respeitado pelos responsáveis cabe ao Estado intervir.
O instituto da guarda compartilhada também possui uma ligação com a alienação parental. O advento da lei 13.058/2014 de 22 de dezembro de 2014, tem sido um grande instrumento de prevenção contra os atos de alienação provocados pelos genitores.
Em síntese, a Alienação Parental consiste nos atos provocados geralmente pelo detentor da guarda, com o propósito de afastar o menor da convivência com o outro genitor. Sua denominação está prevista no art.2º da Lei 12.318/2010, lei criada como forma de garantia e proteção dos menores no que concerne ao desenvolvimento psicológico e as interferências dos genitores.
No texto da lei, é possível compreender que:
Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
A alienação parental pode estar considerada como um atentado à formação da criança a partir da indução de um dos genitores que têm a intenção de gerar afastamento afetivo entre a criança e o genitor alienado, de forma que, busca-se criar um hábito de repúdio frente à convivência com o genitor que não possui a guarda do filho.
O conceito de Alienação Parental surgiu na América do Norte através de estudos realizados pelo psiquiatra infantil Richard Alan Gardner, chefe do departamento de Psiquiatria Infantil da faculdade de medicina e cirurgia da Universidade de Columbus, localizada em New York, Estados Unidos. Seus estudos sobre o assunto fizeram com que desenvolvesse a chamada Síndrome da Alienação Parental (SAP).
Trata-se de uma campanha liderada por um genitor, no sentido de programar a criança para que odeie e repudie, sem justificativa, o outro genitor, transformando a sua consciência mediante diferentes estratégias, com o objetivo de obstruir, impedir ou mesmo destruir os vínculos entre o menor e o pai não guardião, caracterizado, também, pelo conjunto de sintomas dela resultantes, causando, assim, uma forte relação de dependência e submissão do menor com o genitor alienante. E, uma vez instaurado o assédio, a própria criança contribui para a alienação (MADALENO; MADALENO, 2019, p.53).
O fenômeno da Síndrome da Alienação Parental costuma iniciar a partir de decisões judiciais, geralmente após a ruptura conjugal no qual um dos genitores tem a intenção de prejudicar a imagem do outro genitor, muitas das vezes como forma de vingança, utilizando do abuso do poder familiar para interferir no psicológico do menor. Os atos alienatórios não são característicos apenas dos genitores, pois também podem ser praticados pelos avós, tios, padrinhos, ou seja, por qualquer membro da família. Em alguns casos, a alienação parental ocorre ainda quando os pais residem no mesmo local.
Diversas são as consequências para quem sofre com a Alienação Parental. “A consequência mais evidente é a quebra da relação com um dos genitores. As crianças crescem com o sentimento de ausência, vazio, e ainda perdem todas as interações de aprendizagem, de apoio e de modelo” (MADALENO, 2019, p.74). Além disso, crianças submetidas a esse tipo de alienação tem seu psicológico afetado, impactando diretamente em seu comportamento, muitas vezes se tornando violento.
Diante da comprovação da Alienação Parental, podem os magistrados suspender ou modificar o regime de guarda, no entanto, para que chegue a essas determinações, as partes passam por estudo psicossocial para assim avaliar a situação como um todo. Recorrendo ao dispositivo de lei, é possível pontuar para os alienadores as seguintes consequências:
Art. 6º Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; III - estipular multa ao alienador; IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; VII - declarar a suspensão da autoridade parental. Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.
Sendo assim, é possível encontrar-se com diversas ações judiciais ocasionadas como punição para a ação criminosa que é a alienação parental, dentre essas ações pode-se mencionar a advertência ao alienador, a ampliação do regime familiar em favor do genitor alienado, proposição de acompanhamento psicológico ou biopsicossocial podendo chegar até mesmo à suspensão da autoridade parental em casos mais extremos.
No ano de 2020, o mundo foi assolado pela pandemia do novo Coronavírus, decretada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) devido ao potente nível de contaminação, o que acarretou crises de calamidade pública em diversos estados, afetando principalmente o cenário econômico.
Entretanto, uma das principais recomendações das autoridades sanitárias para conter o avanço do vírus foi o isolamento social. Assim, pessoas de diversas faixa etária se viram obrigadas a se adaptar à nova realidade.
É sabido que diversas famílias convivem com a realidade de filhos criados por pais separados, exercendo assim o direito e dever de guarda, seja ela unilateral ou compartilhada. Diante do atual cenário, o direito de família também precisou se adequar.
Em março de 2020, o Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (CONANDA), emitiu um documento com recomendações para a proteção integral da criança e do adolescente durante a pandemia. Dentre as recomendações, contém orientações acerca do direito de convivência, ou seja, das visitas. No entanto, não há determinações no que concerne a suspensão ou não do exercício da convivência, dispondo que:
Recomenda-se que crianças e adolescentes filhos de casais com guarda compartilhada ou unilateral não tenham sua saúde e a saúde da coletividade submetidas à risco em decorrência do cumprimento de visitas ou período de convivência - previstos no acordo estabelecido entre seus pais ou definido judicialmente (CONANDA, 2020).
Muito se foi discutido sobre a suspensão do direito de convivência familiar, devido às medidas de isolamento social imposta e as diversas decisões judiciais em que impediram muitas famílias de exercerem o direito de convivência.
Diante disso, muitos ficaram reféns da alienação parental praticada com a justificativa de zelo e proteção, utilizando do cenário caótico de saúde pública para impedir o convívio do menor com seu genitor, utilizando do abuso do poder familiar para incentivar psicologicamente.
Nesse sentido, diversos são os entendimentos jurisprudenciais acerca do tema. Veja-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Regulamentação de Visitas. Insurgência contra decisão que estabeleceu o regime de visitas do pai ao infante. Impertinência. Pedido de redução das visitas paternas a pretexto, quase que exclusivo, da pandemia causada pela COVID-19. Período de isolamento social (quarentena) em inequívoca flexibilização. Razões da parte agravante que não mais se sustentam. Contato do menor com o genitor que se mostra fundamental a seu desenvolvimento e formação. Decisão mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP - AI: 21701992620208260000 SP 2170199-26.2020.8.26.0000, Relator: Jair de Souza, Data de Julgamento: 31/10/2020, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/10/2020)
Conforme observa-se no julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a genitora interpôs agravo de instrumento contra decisão pertinente à regulamentação de visitas utilizando como argumento a pandemia do Covid-19. Contudo, decidiu o juízo pelo não provimento do recurso, pois é de fundamental importância para a criança o convívio com o genitor.
Já o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, decidiu por dar provimento ao agravo de instrumento interposto contra decisão que estabelecia visitas. No caso exposto, trata-se de recorrente médico que deixou de laborar em setor em que corria risco de contaminação. Veja-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. GUARDA E REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. PANDEMIA DE COVID-19. RESTABELECIMENTO DAS VISITAS PRESENCIAIS. Apesar do risco de contágio decorrente da pandemia de Covid-19, não há razão para limitar, de modo absoluto, a convivência paterna de forma presencial, na linha da orientação deste Colegiado sobre o tema, até mesmo porque não se sabe quando a atual situação pandêmica será superada. Nesse contexto, é cabível restabelecer as visitas presenciais nos exatos moldes definidos anteriormente no processo originário, competindo aos genitores ter a cautela de adotar todas as medidas sanitárias recomendadas pelas autoridades da área de saúde, e evitando expor a criança ao convívio de outras pessoas. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento, Nº 70084366756, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em: 09- 10-2020)
É possível observar que não há um entendimento pacífico acerca do tema, devendo ser analisado cuidadosamente caso a caso. O direito de convivência familiar e o direito à saúde são indispensáveis ao menor. Nesse sentido, a expressão direito de convivência é confundida muitas vezes com o direito de visitas, no entanto, o direito de visitas é uma expressão ampla inadequada, pois os encargos decorrentes do poder familiar não se limitam apenas ao direito de o genitor ter o filho em sua companhia em períodos determinados (DIAS, 2020).
Com essa compreensão, é possível entender um pouco mais acerca do caso ocorrido no tribunal do Distrito Federal – DF, onde lê-se:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA C/C REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. TUTELA DE URGÊNCIA. CONVIVÊNCIA FAMILIAR FÍSICA. PANDEMIA DO COVID - 19. EXCEPCIONALIDADE. DECRETO N. 40.817. LIMITAÇÃO CIRCULAÇÃO DE CRIANÇAS. FLEXIBILIZAÇÃO MEDIDAS. AUMENTO DE INFECTADOS E ÓBITOS. ASCENSÃO PANDEMIA. RISCO DE CONTAMINAÇÃO. PROTEÇÃO DA CRIANÇA. PRESERVAÇÃO DA SAÚDE. SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DIREITO DE VISITAS. CONVIVÊNCIA FAMILIAR POR MEIO VIRTUAL. DECISÃO REFORMADA. 1. A situação excepcional vivenciada por todos decorrente da pandemia do COVID - 19 (coronavírus) ensejou recomendações das autoridades médico/sanitárias de distanciamento social, porquanto dispõe o artigo 10 do Decreto nº 40.817, de 22 de maio de 2020, que revogou o Decreto nº 40.583, de 1º de abril de 2020, do Governo do Distrito Federal, que a circulação de pessoas idosas, crianças, gestantes e com comorbidade se limite às necessidades imediatas de alimentação e saúde, evitando-se, ainda, qualquer movimentação de pessoas no âmbito do Distrito Federal que não seja para o exercício de atividades imprescindíveis?. 2. À criança é assegurado, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde e à convivência familiar (Art. 227 da CF). 3. A flexibilização das medidas de isolamento/distanciamento social, com a autorização do funcionamento do comércio em geral pelo Poder Executivo local, não altera o Decreto n. 40.817 que manteve a limitação de circulação de crianças apenas às necessidades imediatas de alimentação e saúde. 4. O crescente número de pessoas infectadas e de óbitos por Covid - 19 no Distrito Federal, a revelar que a curva da pandemia atualmente está em ascensão, recomenda a suspensão temporária do exercício do direito de visitas do genitor à criança, o que constitui medida de precaução que visa assegurar à menor o seu direito à preservação de sua saúde, protegendo-a do risco de contaminação do denominado coronavírus. 5. Resta assegurada a convivência familiar por meio virtual em dias e horários a serem estabelecidos pelo Juízo a quo, com a possibilidade de compensação posterior dos dias em que o genitor não pôde ter contato físico com a criança. 6. Eventual reavaliação por parte do Governador do Distrito Federal da medida que limita a circulação de crianças ou qualquer fato novo hábil a ensejar a modificação da situação delineada e decidida nestes autos deverá ser submetida ao crivo do Juízo de origem. 7. Agravo de Instrumento provido. (TJDFT, Classe do processo 07078552220208070000 Res. 65 CNJ) - Segredo de Justiça. Registro do acórdão nº 1273341. Data de julgamento: 19/08/2020. Órgão julgador: 7ª Turma Cível. Relator: Getúlio de Moraes Oliveira. Data da intimação ou da publicação: 25/08/2020. Pág. Sem página cadastrada. Decisão: Conhecido. Provido. Maioria.)(grifo nosso).
Assim, é que compreende-se que o direito de convivência familiar não se prende a uma interação presencial e que a pandemia não era apresentada como justificativa para a alienação parental, visto que pode-se recorrer à discussão realizada por Marques Silva et al (2021) inclusive menciona que a possibilidade de uso dos inúmeros meios de comunicação atuais são a maneira que os pais têm de garantir suas convivência familiar mesmo em tempos de distanciamento social. De modo que garante-se o direito à vida e à saúde sem a ausência do direito à convivência familiar, todos estes, pontos defendidos e assegurados constitucionalmente.
Por fim, é preciso mencionar que o direito de convivência familiar não está limitado só entre genitores, mas também deve ser estendido à família dos pais que não habitam na mesma residência, haja vista ser fundamental para o desenvolvimento do menor o convívio com seus parentes.
Com base no exposto, tornou-se possível compreender o processo de instituição da família enquanto organização na sociedade, tendo a mesma, derivado de uma evolução e transformação humana, chegando atualmente ao ponto de ser concebida como uma organização proveniente dos laços afetivos e de amor entre um casal, mas também entre genitores e seus descentes. Podendo ainda pontuar um pouco a respeito de como os moldes de família deixaram de ter a forma tradicional e podem contar uma diversidade de formas nos dias de hoje.
Uma vez compreendida a concepção de família, percebe-se um pouco mais sobre sua importância para os seres humanos, principalmente através da abordagem constitucional que apresenta a família como responsável pelas crianças e adolescentes a ela pertencentes, de modo que mesmo com o rompimento de relações afetivas entre genitores, é preciso que haja o respeito pela convivência familiar, uma vez que quando esta é rompida pode gerar diversos impactos no desenvolvimento físico, emocional e até social da criança/adolescente por ela afetada.
Tomando como base a importância da convivência de filhos com seus genitores é que surge o conceito e o direito à guarda compartilhada que garante a convivência do filho com seus genitores e suas respectivas famílias, de modo que o não cumprimento ou ação de influência para a redução dessa guarda é chamado de Alienação Parental, quando um dos genitores busca influenciar a relação do filho com o outro genitor, construindo certo repúdio da criança/adolescente sobre o genitor alienado. A Síndrome da Alienação Parental é crime e pode ter graves punições como visto anteriormente.
Dessa forma é que chega-se no problema da pesquisa, onde responde-se a questão sobre como a guarda compartilhada auxiliou no combate à alienação parental em meio à pandemia, frente a isso, encontrou-se através de julgados e considerações teóricas na literatura o uso do recurso tecnológico como uma possibilidade de convivência e de se estar presente apesar das práticas de distanciamento social, em outro contexto, entendeu-se por alguns tribunais que mesmo a pandemia não era justificativa suficiente para a suspensão da guarda compartilhada, sendo a mesma mantida durante este período.
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[1] Mestre em prestação jurisdicional em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Escola da Magistratura Tocantinense (ESMAT) e Universidade Federal do Tocantins. Analista Jurídico do Ministério Público do Estado do Tocantins, especialista em Direito do Trabalho pelo Instituto Processus/DF, em Estado de Direito e Combate à Corrupção pela ESMAT. E-mail: [email protected]
graduanda em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins. Palmas-TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Lavinie Pereira. A guarda compartilhada como forma de combate a alienação parental à luz da lei 13.058/2014 em tempos de pandemia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2021, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57751/a-guarda-compartilhada-como-forma-de-combate-a-alienao-parental-luz-da-lei-13-058-2014-em-tempos-de-pandemia. Acesso em: 22 nov 2024.
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