ADRIANO OLINTO MEIRELLES[1]
(orientador)
RESUMO: A Educação, direito fundamental, garantido pelo Art. 205 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, é necessária para concretização do princípio da dignidade humana. Sem a aplicação deste direito não há como preparar o educando para o exercício da cidadania. Neste sentido, o presente trabalho, tem como objetivo central discutir a aplicabilidade do ensino de direito constitucional na educação básica, visando proporcionar ao educando a efetivação da construção de uma consciência cidadã por meio da difusão de conhecimento sobre direitos e garantias fundamentais, estruturação do Estado brasileiro e atividades e limites relacionados à atuação cidadã. Assim sendo, são tecidas reflexões sobre a premissa de formação constitucional básica tendo como marco teórico o Art. 205 da Constituição da República Federativa do Brasil e a Lei de Diretrizes Básicas da Educação, Lei 9394 de 1996, juntamente com a obra dos professores Paulo Freire e André Ramos Tavares. A partir da metodologia de revisão bibliográfica, o trabalho se propõe a analisar a efetividade da inclusão do estudo de direito constitucional no currículo de educação básica. Conclui-se que a escola deve ser um ambiente para construção de uma consciência cidadã plena, onde é necessário o entendimento constitucional do papel do educando como cidadão. Como resultado, percebe-se que é indispensável, para construção de um cidadão com conhecimento pleno sobre seu papel social, a elaboração de um plano de ensino pautado no diálogo que aborde direitos fundamentais e humanos.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Educação. Ensino Médio. Cidadania.
RESUMEN: La educación, un derecho fundamental, garantizado por el artículo 205 de la Constitución de República Federativa de Brasil de 1988, es necesaria para implementar el principio de dignidad humana. Sin la aplicación de este derecho, no hay forma de preparar al estudiante para el ejercicio de la ciudadanía. En este sentido, el presente trabajo, tiene como objetivo central discutir la aplicabilidad de la enseñanza del derecho constitucional en la educación básica, con el objetivo de brindar al estudiante la realización de la construcción de una conciencia ciudadana y través de la difusión del conocimiento sobre los derechos y garantías fundamentales, estructuración del Estado brasileño y actividades y límites relacionados con la actividad ciudadana. Por ello, se reflexiona sobre la premisa de la formación constitucional básica con marco teórico del artículo 205 de la Constitución de la República Federativa de Brasil y la Ley de Lineamientos Básicos da Educación, Ley 9394 de 1996, junto con el trabajo del docente Paulo Freire y André Ramos Tavares. A partir de la metodología de revisión bibliográfica, el trabajo propone analizar la efectividad de incluir el estudio del derecho constitucional en el currículo de educación básica. Se concluye que la escuela debe ser un entorno para la construcción de una plena consciencia ciudadana, donde es necesario tener una comprensión constitucional del rol del estudiante como ciudadano. En consecuencia, se percibe que es fundamenta, para la construcción de un ciudadano con pleno conocimiento de su rol social, desarrollar un plan de enseñanza basado en el diálogo que aborde los derechos fundamentales y humanos.
Palabras-clave: Derecho Constitucional. Educación. Escuela Secundaria. Ciudadanía.
Sumário: Introdução. 1. Educação: um Direito Fundamental, Social e Humano. 2. A Lei Brasileira de Diretrizes Básicas da Educação. 3 A Construção Da Consciência Cidadã Por Meio Do Ensino De Direito Constitucional No Ensino Médio. 4. Projetos De Leis Federais Em Tramitação. Conclusão. Referência Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A inclusão dos estudos do Direito Constitucional na base curricular da educação nacional é um assunto que vem ganhando espaço nas discussões legislativas contemporâneas. Enquanto Projetos de Leis em âmbito federal caminham a lentos passos e geram grandes discussões, decisões regionais avançam no sentido da inclusão da matéria.
Diante dessa conjuntura é necessário analisar os aspectos positivos da inclusão da disciplina de Direito Constitucional na grade curricular da educação básica, investigando o impacto social que a ação tem na construção de uma consciência cidadã.
Para tanto, este trabalho adotará como marcos teóricos os pensamentos do professor André Ramos Tavares (2020); a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988; a Lei de Diretrizes Básicas da Educação Brasileira, Lei 9394 de 1996; juntamente com a obra do professor e patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire (1967).
Essas obras e marcos legislativos contribuirão sobremaneira para o estudo aqui proposto, acerca da importância do ensino de Direito Constitucional no Ensino Médio, com o objetivo de proporcionar ao educando a capacidade de exercer em plenitude seus direitos e garantias, conhecer a extensão de seus deveres e o modo do qual o Estado se organiza, construindo, deste modo, uma consciência cidadã.
Sobre o direito à educação, pilar fundamental deste trabalho, diz, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1998:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).
Portanto, a Constituição estabelece que é dever do Estado e da família preparar o educando para o exercício da cidadania. Cidadania, segundo conceitua o professor Jaime Pinsky, é “uma série de direitos, deveres e atitudes relativos ao cidadão, aquele indivíduo que estabeleceu um contato com seus iguais para a utilização de serviços em troca de pagamento (taxas e impostos) e de sua participação ativa ou passiva na administração comum”. (PINSKY, 2020, p.20).
Sendo assim, é necessário oferecer um plano educacional onde seja proporcionado ao educando o acesso ao conhecimento de seus direitos e deveres constitucionais, fundamentando-se na importância, aplicação e extensão de seus direitos humanos, fundamentais e sociais, abarcando conceitos como liberdade e solidariedade humana, para que compreenda as diretrizes da sociedade onde vive, construindo uma consciência social que possibilite o exercício da cidadania e a efetivação do seu lugar como cidadão.
Nesse sentido, esclarece o professor André Ramos Tavares, em seu livro Curso de Direito Constitucional:
Frise-se que a concepção de cidadania adotada pela Constituição de 1988 coincide com aquela introduzida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e vincula-se, portanto, ao movimento de incorporação (internalização) dos direitos humanos e, acrescente-se, ao movimento da máxima efetividade dos referidos direitos. (TAVARES, 2020, p.178).
Porém para que o processo de internalização dos Direitos Humanos seja eficaz, é necessário mais do que coincidir com a concepção de cidadania da Constituição. Toda formação do cidadão precisa ser pautada no estudo, na literatura e no debate sobre a cidadania. Educar para a cidadania capacita o educando a participar da construção de uma sociedade mais democrática e justa.
A importância de oferecer ao cidadão a possibilidade do debate para construção de consciência do próprio comportamento é expressada no pensamento do professor e patrono da educação brasileira, Paulo Freire, em seu livro Educação Como Prática de Liberdade:
A democracia que, antes de ser forma política, é forma de vida, se caracteriza sobretudo por forte dose de transitividade de consciência no comportamento do homem. Transitividade que não nasce e nem se desenvolve a não ser dentro de certas condições em que o homem seja lançado ao debate, ao exame de seus problemas e dos problemas comuns. Em que o homem participe. (FREIRE, 1967, p.81).
Buscando fomentar o debate sobre a inclusão da temática constitucional no currículo educacional básico brasileiro, é importante destacar que o tema proposto neste artigo conduz a um caminho reflexivo analítico alicerçado ao seguinte problema de pesquisa: De que modo o ensino do direito Constitucional no Ensino Médio poderia servir para a promoção da cidadania?
De modo a responder à questão este trabalho se desenvolverá a partir da análise de estudos, leis e obras que abordam a importância de uma experiência educacional com base em formação jurídica básica, promovendo o entendimento de que a escola deve servir de espaço para a formação de uma consciência cidadã plena.
Nesse sentido, no capítulo EDUCAÇÃO: UM DIREITO FUNDAMENTAL, SOCIAL E HUMANO, analisaremos o ordenamento jurídico e a Declaração Universal de Direitos Humanos em busca de compreender o modo que a educação é representada nos contextos de direitos fundamentais, sociais e humanos. No capítulo A LEI BRASILEIRA DE DIRETRIZES BÁSICAS DA EDUCAÇÃO, discorreremos sobre a importância da Lei 9394/96 e como o contexto do ensino de Direito Constitucional pode ser inserido em seu contexto. No capítulo A CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA CIDADÃ POR MEIO DO ENSINO DE DIREITO CONSTITUCIONAL NO ENSINO MÉDIO, aprofundaremos conceitos de cidadania e constitucionalismo relacionando-os com a construção de uma consciência cidadã plena. Adiante, em PROJETOS DE LEIS FEDERAIS EM TRAMITAÇÃO, verificaremos dois projetos de leis federais relevantes ao tema.
Importante salientar que a temática é relativamente recente, sendo necessário mais pesquisas que explorem a matéria, justificando, assim, a presente pesquisa. De modo que o presente estudo servirá como fonte para ampliação dos debates e contribuirá para suprir a incipiência científica nesta área. Ainda como forma de aprofundamento na discussão, a experiência em direito comparado canadense será aqui relatada e abordada.
1. EDUCAÇÃO: UM DIREITO FUNDAMENTAL, SOCIAL E HUMANO
Sendo promulgada em 05 de outubro de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil ficou conhecida como Constituição Cidadã por garantir direitos civis e imputar responsabilidades ao Estado. Sendo a sétima Constituição do país, sua promulgação se deu após o fim do Regime Militar.
Conduzida por Ulisses Guimarães, a Assembleia Constituinte, iniciada em fevereiro de 1977 se propôs a ouvir a população por meio de audiências públicas e projetos de iniciativa popular que obtivessem o apoio de 30 mil eleitores e o respaldo de três entidades.
A Constituição de 1988, trazia, então, grandes avanços sociais, consolidando, também, o disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu texto, no título de princípios fundamentais, no título de direitos e garantias fundamentais e em seu artigo 255. Como ressaltado por Ulisses Guimarães: “É imperioso reconhecer e louvar o fato de a nova Constituição brasileira estar impregnada dos direitos humanos sociais, hoje uma preocupação internacional.” (Guimarães, 1988).
Nesse contexto de grandes mudanças, a oferta de Educação de qualidade a todos os brasileiros, que até então não era uma obrigação formal do Estado, passou a ser considerada um direito fundamental, social e humano para o ordenamento jurídico do país.
Desta forma, para consagrar a educação como direito social do cidadão, a Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu Art. 6º, no título Dos Direitos e Garantias Fundamentais: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (BRASIL, 1988)
Adiante, ao estabelecer a condução da Ordem Social, descrita no Título VIII, a Carta Magna cita a Educação como direito de todos e obrigação do Estado e da família, em seu Art. 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 1998)
Ao analisar os artigos acima, nota-se que a Educação passou a figurar como peça fundamental para desenvolvimento do cidadão e para o exercício da cidadania e, como bem inerente à dignidade da pessoa humana, coube ao Estado o dever de proporcionar a todos condições para seu pleno exercício. Para Libâneo:
A democratização da escola pública, portanto, deve ser entendida aqui como ampliação das oportunidades educacionais, difusão dos conhecimentos e sua reelaboração crítica, aprimoramento da prática educativa escolar visando à elevação cultural e cientifica das camadas populares, contribuindo, ao mesmo tempo, para responder às suas necessidades e aspirações mais imediatas (melhoria de vida) e à sua inserção num projeto coletivo de mudança da sociedade. (LIBÂNEO, 1984, p.12)
Portanto, a Educação em seus graus elementares e fundamentais também deve ser gratuita e obrigatória. Orientada para o fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. Promovendo “a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.” (DUDH, 1948), conforme estabelecido no Art. 26 da Declaração Universal de Direitos Humanos.
Deste modo, todo contexto educacional nacional é voltado para o desenvolvimento do cidadão e precisa se pautar em qualificação para o trabalho, conhecimento acerca de direitos humanos e liberdades fundamentais, tolerância, respeito e cooperação. Cabe ao Estado proporcionar ao cidadão o acesso a uma educação gratuita e de qualidade.
Ainda assim, a educação brasileira ocupa posições ruins em rankings internacionais de educação, como Anuário de Competitividade Mundial (World Competitiveness Yearbook – WCY)[2], onde ocupamos o último lugar, num ranking de 63 nações. Desta forma é preciso buscar novos meios de difundir a educação, capacitar profissionais e motivar alunos.
Uma das propostas de alteração no plano de ensino brasileiro é a inclusão do estudo do Direito Constitucional na grade curricular do Ensino Médio, sendo a forma mais objetiva de oferecer ao estudante o conhecimento acerca de direitos humanos e liberdades fundamentais.
O Ensino Médio é a última etapa da educação básica brasileira. Com três anos de duração e o objetivo de aprimorar os conhecimentos obtidos pelos estudantes nos ensinos fundamental I e II, é oferecido aos educandos contato com aspectos mais avançados de cada disciplina. É onde o aluno, já adolescente, tem contato com as matérias de Filosofia e Sociologia, tornando mais eficaz o ensino do Direito Constitucional.
2. A LEI BRASILEIRA DE DIRETRIZES BÁSICAS DA EDUCAÇÃO
Aprovada em dezembro de 1996, a Lei 9394/96, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional é a mais importante legislação no que se refere à educação. Seu intuito é regulamentar o sistema educacional, público e privado, do Brasil, da educação básica ao ensino superior, disciplinando o acesso do cidadão ao direito a uma educação gratuita e de qualidade, estabelecendo os deveres da União, dos estados e municípios.
Para Marcelo L. Ottoni de Castro, Historiador e Consultor Legislativo do Senado Federal, “não há dúvida de que a lei favoreceu a expansão das oportunidades educacionais, ao reforçar direitos, ao delinear os deveres de cada nível de governo em matéria educacional e mesmo ao não criar entraves para que essa expansão ocorresse”. (CASTRO, 2007)
A Lei estabelece, também, a base nacional comum para os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio, trazendo definições sobre organização de conteúdo, carga horária mínima e, mais uma vez, a necessidade de as escolas abordarem conteúdos relativos a “difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática” (DUDH, Art. 27, I), bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente (DUDH, Art. 26, § 9º).
É possível depreender, portanto, que diversos tópicos do Ordenamento Jurídico Brasileiro, relacionados a Educação Nacional, abarcam questões ligadas ao ensino de direito para educandos do Ensino Médio, sempre com fulcro na difusão de valores fundamentais ao interesse social, na construção de um cidadão que compreenda seus direitos e deveres, entenda as instituições democráticas do país e esteja capacitado a exercer atividades econômicas e sociais. Para John Dewey:
Não basta fazer-se que a educação não seja usada ativamente como instrumento para facilitar a exploração de uma classe por outra. Devem assegurar-se as facilidades escolares com tal amplitude e eficácia que, de fato, e não em nome somente, se diminuam os efeitos das desigualdades econômicas e se outorgue a todos os cidadãos a igualdade de preparo para suas futuras carreiras. (DEWEY, 1979, p.105).
Deste modo, concentrar a temática em uma disciplina aplicada de Direito Constitucional é atender aos dispositivos legais enquanto dá ao educando a possibilidade de aprofundar seus conhecimentos e de construir uma consciência cidadã sólida.
3. A CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA CIDADÃ POR MEIO DO ENSINO DE DIREITO CONSTITUCIONAL NO ENSINO MÉDIO
Dewey afirma que “a educação é uma função social que assegura a direção e o desenvolvimento dos imaturos, por meio de sua participação na vida da comunidade a que pertencem”. (DEWEY, 1979, p.87)
Portanto, a formação do cidadão, a fim de que ele possa exercer a cidadania plena, passa necessariamente pela sua formação acadêmica básica.
Paulo Freire, em sua obra Política e Educação, nos diz que “cidadão significa indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado e que cidadania tem que ver com a condição de cidadão, quer dizer, com o uso dos direitos e o direito de ter deveres de cidadão.” (FREIRE, 1993, p.25).
O Dicionário Oxford, define “Cidadão” como “indivíduo que, como membro de um Estado, usufrui de direitos civis e políticos por este garantidos e desempenha os deveres que, nesta condição, lhe são atribuídos” e “Plenitude” como o “estado do que é inteiro, completo”.
Deste modo, podemos entender a plenitude da cidadania, como o estado onde o indivíduo, inserido na sociedade, não somente faz o usufruto de seus direitos civis e políticos e desempenha seus deveres, como compreende seu papel social enquanto cidadão, participando ativamente, e conhece a origem de seus direitos e deveres.
O sociólogo Francisco de Oliveira, em entrevista, disse que “O cidadão pleno não é só aquele que recebe o usufruto de sua plenitude, mas é aquele que forja a plenitude desse usufruto, e isso significa uma participação ativa no andamento da sociedade, na intervenção dentro do Estado, na criação de instituições”. (OLIVEIRA, 1999)
Então, se a educação formal busca formar o educando para o exercício da cidadania, visando a participação social, o uso dos direitos e o desempenho de deveres, é indispensável possibilitar ao educando o conhecimento acerca das diretrizes que norteiam o papel de cidadão.
A Constituição Federal, é a norma soberana do país, que regulamenta o funcionamento do Estado, a organização dos poderes e estabelece os direitos e os deveres do seu povo. Para garantir direitos positivados e minimizar arbitrariedades do Estado é necessário criar medidas de popularização do conhecimento acerca do conteúdo da Carta Magna.
Afinal, segundo André Ramos Tavares, em seu Curso de Direito Constitucional, o Constitucionalismo Moderno, caracteriza-se pela:
a) pela publicidade, permitindo o amplo conhecimento da estrutura do poder e garantia de direitos; b) pela clareza, por ser um documento unificado, que afasta as incertezas e dúvidas sobre os direitos e os limites do poder; c) pela segurança, justamente por proporcionar a clareza necessária à compreensão do poder. (TAVARES, 2020, p.83).
Nessa perspectiva, funda-se a necessidade de oferecer ao cidadão a publicização acerca de seus direitos e garantias, de maneira clara e segura. Dessa forma é possível entender qual é o papel do cidadão dentro da organização da sociedade e como ele pode exercer sua cidadania.
Tavares define o Direito Constitucional da seguinte maneira:
Na realidade, portanto, o Direito Constitucional é a base que oferece sustentação a todos demais “direitos” disciplinados, no Brasil, por leis (leis complementares, ordinárias, delegadas), medidas provisórias e decretos. Portanto, tem-se o Direito Constitucional como a base, o fundamento dos demais “ramos” (melhor seria falar em âmbitos de conhecimento jurídico), seja qual for a repartição que se queira (ou não) realizar entre esses “Direitos”. (TAVARES, 2020, p. 126)
Deste modo, a discussão acerca da inclusão da disciplina de Direito Constitucional na grade curricular obrigatória do ensino fundamental e médio orienta-se na observância de que seu conhecimento é essencial para embasar a condição de cidadão, permitindo a ele o acesso a compreensão necessária para exercer seu papel, conhecer a limitação de seus direitos, a amplitude de seus deveres e a possibilidade de integração participativa no processo do poder. Só assim, a dignidade da pessoa humana, princípio legal, reconhecido pela Constituição Federal da República, que só pode ser garantida.
Atualmente, no Brasil, há um lento despertar político acerca da necessidade da inclusão da disciplina de Direito Constitucional na grade curricular de ensino, por meio de projetos de lei que visam a alteração da Lei de Diretrizes Básicas da Educação.
Saindo à frente das discussões federais, a cidade de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais implementou as disciplinas de Empreendedorismo e Noções de Direito nas escolas municipais integradas, a partir do 6º ano do ensino fundamental, por meio da Lei Municipal 11.243/2020.
Em seu artigo segundo e no parágrafo único, a lei dispõe que:
Art. 2º - O profissional que lecionará sobre o tema Noções de Direito e Cidadania deverá ser graduado em Direito, com título de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação - MEC.
Parágrafo único - Serão abordados preferencialmente os temas que tenham impacto direto na formação da cidadania, como os direitos e garantias fundamentais e os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil.
Porém, uma crítica se faz necessária. É imprescindível observar que a continuidade e o aprofundamento das temáticas no Ensino Médio são de fundamental importância para a efetividade e perpetuação do ensino.
Também, há um despertar social, que leva educandos da área de Direito e advogados, de instituições privadas, a criar projetos de educação como o Constituição nas Escolas.
O Projeto Constituição nas Escolas foi fundado em 2014 por ex-alunos e professores da Faculdade de Direito da PUC-SP e tem o consiste na realização de aulas sobre a Constituição Federal Brasileira, direitos humanos e civilidade aos alunos da rede pública de ensino.
Para Felipe Costa Rodrigues Neves, mestre em International Law, Business and Policy pela Stanford Law School, nos Estados Unidos, fundador e presidente do projeto:
O objetivo do Projeto, através das aulas sobre a Constituição Federal Brasileira, é expandir a noção cívica dos nossos estudantes, ensinando-lhes sobre seus direitos e deveres constitucionais, para que tenham uma base educacional sólida para compreender a importância de ser um cidadão consciente. A compreensão da Constituição Federal Brasileira é importante pois ela serve de base para todas as outras leis e ordenamentos que os estudantes deverão seguir ao longo de suas vidas. (NEVES, 2017)
Por fim, é necessário observar que o objetivo não é tornar o educando um bacharel em direito, mas, sim, prepará-lo para participação na tomada de decisões políticas, buscando fortalecer os processos democráticos do Estado e possibilitar às futuras gerações o conhecimento acerca da sociedade que estão inseridos, seus direitos, garantias e deveres inscritos na Constituição Federal e a consciência de que todo poder emana do povo.
4. PROJETOS DE LEIS FEDERAIS EM TRAMITAÇÃO
Observando os posicionamentos doutrinários e devido à necessidade da reforma do sistema educacional brasileiro, apontados neste estudo, visando a inclusão da disciplina de Direito Constitucional, encontram-se em tramitação dois importantes projetos de lei federal sobre o assunto.
5.1 PL 6954/2013
De propositura do Senador Romário de Souza Faria, a PL 6954/2013 propõe a inclusão das disciplinas de direito constitucional e direito da criança e do adolescente como matérias obrigatórias no ensino fundamental e a inclusão das disciplinas de direito constitucional, sociologia e filosofia na grade obrigatória do ensino médio, alterando, respectivamente, os artigos 32 e 36 da Lei Brasileira de Diretrizes Básicas da Educação (Lei 9394/96).
Segundo o senador, “O objetivo deste projeto de lei é expandir a noção cívica dos nossos estudantes, ensinando-lhes sobre seus direitos constitucionais, como cidadão e futuro eleitor, e, em contrapartida, aprenderem sobre seus deveres.” (SENADO, Romário, PL 6954/2013)
Observa-se que o Projeto de Lei foi elaborado em 2013, época de grandes manifestações nacionais. Fato este que também é citado pelo então Deputado Federal em sua justificativa. Também, o Deputado, ressalta que ao completar 16 anos o jovem tem o direito à emissão do título de eleitor e exercer o direito ao voto.
O Projeto de Lei tramita em regime de prioridade na Câmara, sob o número 3380/2015 e aguarda parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça de Cidadania (CCJC). Deste modo, já tendo tramitado no Senado, o projeto ainda depende do posicionamento da Câmara e sanção do Presidente da República para tornar-se lei.
5.2 PL 403/2015
De propositura do Deputado Fernando Torres, a PL 403/2015, também visa a alteração da Lei 9394/96 – Lei Brasileira de Diretrizes Básicas da Educação, por meio da implementação da disciplina de Direito Constitucional, bem como a inclusão das matérias de Direito do Consumidor e Direito Administrativo, na grade escolar do ensino fundamental e médio.
O autor justifica a propositura do Projeto de Lei, defendendo que “as normas jurídicas são de grande importância para a população onde o cidadão deve conhecer seus direitos e deveres perante a sociedade.”. (SENADO, Fernando PL 403/2015)
Por sua vez, este projeto propõe uma alteração mais profunda na Lei de Diretrizes Básicas da Educação, alterando o Art. 26, incluindo, não só a matéria de Direito Constitucional, como Direito do Consumidor e Administrativo, sob a justificativa de que, em grande parte das vezes, apenas acadêmicos de direito tem a oportunidade de conhecer seus direitos.
Sendo apensado ao Projeto de Lei 4744/2012, o projeto aguarda para entrar na pauta de votações do plenário desde 2015.
CONCLUSÃO
Deste modo, vimos que os parâmetros educacionais brasileiros visam a formação de cidadãos não somente conscientes de seus direitos e deveres, mas, também, politicamente participativos e socialmente ativos.
Para alcançar tais objetivos educacionais é indispensável oferecer ao cidadão a possibilidade de conhecer a Constituição Federal, visto que, trata-se da Carta Magna do país, que define direitos e deveres, regula o funcionamento do Estado e estabelece o funcionamento dos poderes.
Todavia, o estudo constitucional não é oferecido pelo Estado durante o período de educação básica do cidadão, muitas vezes, ficando ao cargo e restrito ao curso de Direito. O conhecimento de garantias fundamentais é relevante em áreas sociais, políticas e econômicas, de modo que, o desconhecimento gera prejuízos a essas áreas.
Evidencia-se, portanto, a necessidade da inclusão da matéria de Direito Constitucional nas grades curriculares do Ensino Médio, figurando em conjunto com as matérias de Sociologia e Filosofia.
Deste modo, será possível incluir no processo de formação educacional a conscientização acerca das bases do ordenamento jurídico brasileiro e construir uma consciência cidadã no educando. Ressalta-se que entre os educandos do presente estão as lideranças políticas que irão inspirar as futuras gerações.
Afinal, se visamos o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o mercado de trabalho, bem como construir uma sociedade solidária, livre e justa, não há melhor caminho do que o da Educação.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREIRE, Paulo. Educação Como Prática da Liberdade. 1ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
FREIRE, Paulo. Política e Educação. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico–social dos conteúdos. 1ª ed. São Paulo: Loyola, 1984.
DEWEY, J. Democracia e educação: introdução à filosofia da educação. 4ª. Ed., São Paulo. Cia. Ed. Nacional, 1979.
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_______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 20 de dezembro de 1996. DOU de 23.12.1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>Acesso em: 13/02/2021
_______. Projeto de Lei da Câmara dos deputados nº 403/2015. Torna-se Obrigatória a inclusão no Currículo Oficial de Ensino fundamental e médio as disciplinas Direito Administrativo, Direito Constitucional e Direito do Consumidor. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1302693> Acesso em: 21/03/2021
______. Projeto de Lei do Senado nº 6954/2013. Altera a redação dos arts. 32 e 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para inserir novas disciplinas obrigatórias nos currículos dos ensinos fundamental e médio. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1209892&filename=PL+6954/2013>
Acesso em: 21/03/2021
BELO HORIZONTE. Lei nº 11.243, de 30 junho de 2020. Institui Empreendedorismo e Noções de Direito e Cidadania como temas a serem abordados no contraturno das escolas municipais de educação integral.Disponível em: <http://portal6.pbh.gov.br/dom/iniciaEdicao.do?method=DetalheArtigo&pk=1230452#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2011.243%2C%20DE%2030,Art>
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[1] Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (1998). Especialista em Filosofia Política pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e em Ensino pela Universidade Católica de Brasília. Mestre em Filosofia do Direito do Programa de Pós-graduação em Direito da PUC Minas. Professor Pesquisador e extensão do Centro Universitário UNA.
[2] Disponível em: <https://www.istoedinheiro.com.br/xbrasil-cai-para-ultima-posicao-em-educacao-em-ranking-global-de-competitividade/>. Acesso em: 15 DE MAIO DE 2020.
Graduando de Direito na Instituição de Ensino UNA – Campus Barreiro
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Bruno Pedrosa Costa de Faria. O ensino de direito constitucional no ensino médio: Uma análise a partir do estudo do artigo 205 da CF/88. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 dez 2021, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57891/o-ensino-de-direito-constitucional-no-ensino-mdio-uma-anlise-a-partir-do-estudo-do-artigo-205-da-cf-88. Acesso em: 22 nov 2024.
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