Mais uma vez, um Projeto de Lei de iniciativa do Poder Executivo Federal é motivo de discussão e controvérsia desnecessária. O objetivo de referido projeto é o de alteração do artigo 100 da Constituição Federal de 1988, que estabelece o procedimento isonômico de pagamento das dívidas da administração pública em todas as esferas federativas. Esses valores devidos são decorrência de decisões judiciais, esgotadas as possibilidades recursais. Isso significa que o Poder Judiciário, com a força da sua jurisdição, decidiu que a administração pública deve determinada quantia ao credor, impondo àquela o pagamento.
A fim de que não ocorra favorecimentos ou perseguições, a Constituição Federal repetiu o rito já adotado no sistema constitucional anterior. Apresentados os valores devidos pela administração pública, o processo é encaminhado ao Tribunal de Justiça para a requisição de pagamento ao poder público devedor, a fim de que inclua em seu orçamento verba necessária ao pagamento daquele débito. Incluído o valor no orçamento público, o precatório será pago em ordem cronológica, segundo as regras constitucionais e a natureza do crédito (alimentar ou não).
Esse mecanismo garante o pagamento de modo justo, transparente e impessoal, permitindo ao poder público a organização necessária. Tal pagamento é a etapa final de um processo judicial que tramitou com todas as fases de conhecimento, recursos e de execução da sentença. Isso é, a alteração pretendida pela PEC desconsidera, desrespeita e afasta as decisões do Poder Judiciário. Esse fato afronta diretamente a autonomia e a independência dos poderes, desequilibrando as estruturas republicanas brasileiras.
O que ocorre é que o governo - não o Estado - necessita de verbas públicas para o financiamento de programas públicos. A finalidade é a de retirar algum percentual da verba destinada ao pagamento dos precatórios para aportá-la em novo programa de auxílio para famílias de baixa-renda. Entendo que não há que se justificar tal medida em razão do objetivo do programa social. Não é esse o ponto.
O que merece ser debatido é a criação, sem prévio planejamento, de um programa social às vésperas de uma campanha eleitoral. Além disso, há um programa da mesma natureza que funciona há mais de 20 anos no Brasil. A afronta à impessoalidade é duplamente evidente.
O planejamento das políticas públicas é da essência do Estado. É o que justifica a sua existência: satisfazer as necessidades públicas da sociedade por meio do governo democraticamente eleito. O perfil do governo permite a discricionariedade do governante, mas não de forma ilimitada ou absoluta. Essa é a razão para a existência das leis orçamentárias: o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei do Orçamento Anual. Além delas, a Lei de Responsabilidade Fiscal prevê regras e sanções que balizam a atuação do gestor público no que diz respeito à falta de planejamento e gestão das finanças públicas. Nenhum desses dispositivos legislativos impediu a ausência de propostas governamentais, a médio e longo prazos.
Não é a primeira vez que, nos últimos anos, a falta de planejamento e gestão prejudica a atuação pública e, ao fim, a própria sociedade brasileira.
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