PAULA KETHELYN FELICIO RIBEIRO[1]
(coautora)
RESUMO: Em uma análise macroeconômica, as questões de resolução contratual, por falta de recursos pecuniários, acarretaram em diversos conflitos contratuais, tanto de pessoas físicas, quanto de pessoas jurídicas, visto por fatos supervenientes a vontade, consequência dos impactos causados pelo complexo viral COVID-19. A problemática abordada é a causa de divergências a respeito da mantença contratual, e suas obrigações pactuadas, sobre a ótica de não afetar as relações individuais dos particulares, e possíveis danos advindos dessa onerosidade. Impossibilitando a resolutiva amigável, extrajudicial, várias questões contratuais foram ajuizadas, e neste sentido o judiciário ficou incumbido de julgar conforme os princípios doutrinários e jurisprudenciais ao longo dos séculos, o que possibilita uma maior discussão e flexibilização ao teor "absoluto" dos princípios contratuais, em tempos de pandemia. Neste sentido, a metodologia empregada foi a dedutiva, visto que buscou analisar os preceitos jurídicos doutrinários, corroborando com a aplicabilidade da teoria na prática, entabulando caso reais e seus entendimentos jurisprudenciais, de diversos tribunais nacionais, e, neste diapasão, com o teor doutrinário, embasado também no caráter jurisprudencial, as analises convergiram para a flexibilização do pacto negocial, priorizando manter o negócio jurídico, visto que as consequências de seu desfazimento acarretarão possíveis danos as partes.
PALAVRAS-CHAVE | Contratos. Teoria da Imprevisão. Obrigações Contratuais. Fatos Supervenientes. Mutabilidade Social. Flexibilização.
ABSTRACT: In a macroeconomic analysis, contractual resolution issues, due to lack of pecuniary resources, resulted in several contractual conflicts, both for individuals and legal entities, seen by supervening facts at will, a consequence of the impacts caused by the COVID-19 viral complex. Causing divergences regarding the maintenance of the contract, and its agreed obligations, from the perspective of not affecting the individual relationships of individuals, and possible damages arising from this burden. Making it impossible to reach an amicable, extrajudicial resolution, several contractual issues were filed, and in this sense the judiciary was tasked with judging according to doctrinal and jurisprudential principles over the centuries, which allows for greater discussion and flexibility to the "absolute" content of contractual principles, in times of pandemic. In this sense, it sought to analyze the doctrinal legal precepts, corroborating the applicability of the theory in practice, establishing real cases and their jurisprudential understandings, from several national courts. to make the business pact more flexible, prioritizing the maintenance of the legal business, as the consequences of its dissolution will result in possible damages to the parties.
KEYWORDS | Contracts. Unpredictability Theory. Contractual Obligations. Supervening Facts. Social Mutability. Flexibilization.
Sumário: 1. Introdução. 2. Do Controle Estatal. 3. Da Obrigação Contratual. 4. Do Pacta Sun Servanda. 5. Da Função Social. 6. O Princípio da Boa-Fé. 7. A Pandemia e a Execução dos Instrumentos Contratuais. 8. Do Desequilíbrio Contratual. 9. Do Fato Superveniente. 10. Dos Entendimentos Jurisprudenciais. 11. Conclusões e Recomendações. 12. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Ao longo dos séculos, o contrato possibilitou a realização de enormes e corriqueiras transações mercantis, sendo o mesmo verbal, ou formalizado em um documento escrito. Neste sentido, observa-se que o contrato está presente em todos os meios sociais, sendo ele uma relação consumerista, particular ou mercantil, sendo primordial para estabelecer a segurança jurídica, ou seja, surgindo uma obrigação entre as partes.
Na tentativa de regulamentação deste instrumento denominado "contrato", devemos observar parâmetros sociais, visto a existência de obrigações durante o passar do tempo, indo ao encontro da essência do sociólogo Emille Durkhein (Durkheim; Penna, 1982), os contratos são fundamentais para uma sociedade, visto que cada indivíduo possui personalidades distintas, e se caso não fosse assim, o sujeito estaria próximo a um animal, sempre tomando e perdendo algo para o outro.
Os meios contratuais, de certa forma adquiriram o seu valor, visto que grande parte da população ao compactuar um negocia jurídico, sendo verbal, ou não, está utilizando tal instrumento, visto que pactuam deveres e obrigações entre os indivíduos, sendo observado diariamente tal vinculo.
Apesar da relativa garantia de segurança jurídica, envolvendo o instituto contrato, e vários normativos jurídicos, apresentando certa segurança ao instrumento contratual, alguns apontamentos devem ser levados a tona, sendo questões amplamente discutidas em uma visão macroeconômica de incertezas globais, como fatos supervenientes a vontade das partes, pois apesar de toda autonomia jurídica entabulada entre os indivíduos, algumas situações podem ficar isoladas, e não compondo o documento contrato.
A imprevisão dos fatos supervenientes a vontade contratual causa divergência entre as partes, e, neste sentido, cria-se um conflito de interesses, visto que o estado do negócio jurídico altera. Uma forma resoluta de findar tal litigio é adentrar no judiciário, que julgará conforme o caso concreto, estabelecendo parâmetros de análise principiologica, observando a minoração do dano a ser instaurado, pois alguns preceitos fundamentais partem da Constituição Federal do Brasil.
No território brasileiro, a insegurança jurídica é tema incisivamente debatido e em muitos casos criticada. A incerteza jurídica que afugenta os investimentos, reduz a atividade econômica e esmaga os empregos está diretamente relacionada à burocracia e ao uso indevido de leis e regulamentos. É também reflexo de decisões judiciais que não respeitam precedentes, recursos e repercussões gerais, que diretamente afetar o empreendedorismo e consequentemente o país.
O debate da aplicabilidade da teoria da imprevisão nos contratos cíveis e empresarias, está aparente nos dias atuais, visto que o complexo viral COVID-19 a cada dia vem, infelizmente, levando milhares de pessoas a óbito globalmente, especificamente no Brasil, as políticas públicas de saúde estão sofrendo com a alta demanda.
Como visto anteriormente, os fatos supervenientes, ou seja. a mudança imposta por fatos repentinos, causa um certo desconforto a população em geral, visto a ausência pecuniária causada por tais fatos inesperados, influenciando na vivência diária. Especificadamente, nos contratos cíveis e empresariais, observa um certo inadimplemento/impossibilidade obrigacional das partes em fazer cumprir suas obrigações, visto que tais obrigações dependem de outras para serem cumpridas
As questões envolvendo tais inadimplementos obrigacionais, geram demandas especificas no judiciário brasileiro, levando a discussão para saneamento nos mais diversos tribunais nacionais, com o condão de resolutiva do contratempo. O poder de decisão dos juízes, desembargadores e ministros, vinculam ideais, chamados de jurisprudência, tais entendimentos exarados por autoridades possuem forte caráter decisório, utilizados em vários processos como fundamento jurídico, pois são elevados ao princípio da fundamentação das decisões judiciais, ou seja, conforme inciso IX do art. 93 da Constituição Federal do Brasil, as decisões dos órgãos do poder judiciário serão fundamentadas, trazendo certo grau de validade lógico-jurisprudencial.
2. DO CONTROLE ESTATAL
Utilizando como analogia o contrato social, onde se estabelece vínculos de deveres e obrigações perante Estado e Sociedade, podemos notar-se a utilização de controle jurisdicional, em sociedades antepassadas por meio das regras e normas que regeram a harmonia social, como exemplo o Código de Hamurabi, sendo um conjunto de leis criadas pelo sexto rei da Suméria Hamurábi, da primeira dinastia babilônica, no século XVIII a.C, na Mesopotâmia, tal codificação utilizava a lei de talião, ou lei da retaliação, para a resolutiva de questões entre particulares, ou seja, a famosa frase “olho por olho, dente por dente”.
A codificação, mesmo sendo lembrada, nos dias atuais, incisivamente pelo seu caráter “bárbaro”, esculpia, em escrita cuneiforme, fatos atuais utilizando-se da teoria da imprevisão, pois em alguns casos estava expresso o dever de agir, observando tal obrigação, insta salientar o seguinte regramento, vejamos:
“Se alguém tiver um débito de empréstimo e uma tempestade prostrar os grãos ou a colheita for ruim, ou os grãos não crescerem por falta d’água, naquele ano a pessoa não precisa dar ao seu credor, dinheiro algum. Ele deve lavar sua tábua de débito na água e não pagar aluguel naquele ano”. (Sá, 1902).”
Observamos que apesar das questões fatídicas, onde a punibilidade quase sempre é a morte, notamos os primórdios da teoria da imprevisão, visto que na norma descrita o fato superveniente (tempestade, colheita ruim, falta de d’água) é claro, e utilizando implicitamente do princípio da imprevisão o devedor, por suportar todos os ônus advindos do fato supervenientes, não será onerado.
Vislumbramos a magnificência da evolução contratual e seus princípios, visto que ao longo dos séculos, aprimoramos, ainda mais, as relações particulares, quanto as relações públicas, levando ao debate questões primordiais e especificas que somente o tempo nos propiciará.
Os contratos, de uma forma geral, estão notadamente buscando o equilíbrio social e comum acordo para que um certo fim seja alcançado. Como exemplo o contrato social, entabulando o momento em que o ser humano deixa de existir em seu estado de natureza e passa a se destacar de seu estado a quo e estabelecer suas próprias leis, costumes e uma série de sistemas para tornar a convivência mais harmoniosa. Neste sentido, o desenvolvimento das mais antigas civilizações, de forma exponencial, cresce perante o tempo, objetivando a harmonia e a função social.
A relação contratual, transcende a relação pública, incidindo na esfera particular, com princípios como a autonomia da vontade, onde a busca pela harmonia social é veemente, visto que não é necessário tal dependência estatal para compactuar negócios jurídicos.
Segundo Arnold Wald, o contrato teve seu início formal embasado nos dogmas da igreja, que legalizou a vontade humana de criar direitos e obrigações, aproveitando a grande vontade dos enciclopedistas Franceses que buscavam escrever todo tipo de conhecimento, fazendo com que o acordo de vontade se respaldasse na lei. E neste sentido, tal advento motivou a ideia de que o que fosse pactuado deveria ser fielmente cumprido, originando assim em Roma, o princípio do pacta sunt servanda.
Após o explanado retro, o contrato passou-se de mero ato para uma formalização encorpada, sendo a partir do século VI d.C, pelo imperador Justiniano, conforme explana Enzo Roppo, em seu livro “El Contratto”, vejamos:
“Foi na época justinianeia, graças à afirmação de um espírito jurídico mais evoluído, que se chegou a delinear – com o esquema do contrato inominado – um instrumento capaz de dar veste e eficácia legal a uma pluralidade indeterminada de operações econômicas, e neste sentido, um instrumento jurídico provido de relevo autónomo e não imediatamente identificado com esta ou aquela operação econômica. (Roppo, 2008).” Grifo nosso.
Neste mesmo sentido, o direito inglês, common law, medieval, adquiriu uma certa roupagem de autonomia e instrumentalidade legal, preparado para se revestir as operações econômicas, sancionando e tornando vinculativo os compromissos assumidos, podendo caso a promessa não fosse cumprida, o promissário podia fazer valer as suas razões com uma acção ex delicto, tutelada pelo direito, visto o dano instaurado.
Neste sentido, os variados tipos de contrato são vinculados a tempos históricos, como exemplo o contrato feudal, que unia o servo ao senhor, que para fazer fé e homenagem, ajoelhava-se o servo e punha suas mãos nas mãos do senhor, e lhe prometia fidelidade. A mesma prática, se encontra nos dias atuais, mas através do casamento na igreja católica, em que pela junção das mãos os noivos prometem o casamento um ao outro.
Portanto, várias são as transformações pelas quais os contratos foram passando até ser o que se verifica atualmente. O desenvolvimento das trocas e a frequência, no diapasão das próprias flexibilizações jurídicas, a fim de poder tomar a forma da vida social.
3 A OBRIGAÇÃO CONTRATUAL
A obrigatoriedade contratual versa sobre as relações jurídicas sinalagmáticas existentes entre credor e devedor. Obrigação nada mais é que, um vínculo jurídico por meio do qual o sujeito passivo se compromete a cumprir determinada prestação com o sujeito ativo. Logo, surge uma obrigação, podendo ser positiva ou negativa, em face do outro.
Para Alváro Villaça Azevedo, no artigo Teoria Geral das Obrigações:
Obrigação é a relação jurídica transitória de natureza econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação positiva ou negativa, cujo inadimplemento enseja a este executar o patrimônio daquele para satisfação de seu interesse. (AZEVEDO, 2009).
A obrigação possui caráter transitório, visto que, não se enseja eternidade. Logo, nasce com um objetivo, e quando finalizado, extingue-se a obrigação, assim, satisfeito o credor, amigavelmente ou judicialmente a obrigação deixa de existir.
O princípio da obrigatoriedade dos contratos não pode ser violado perante dificuldades comezinhas de cumprimento, por fatores externos perfeitamente previsíveis. O contrato visa sempre a uma situação futura, um porvir. Os contratantes, ao estabelecerem o negócio, têm em mira justamente a previsão de situações futuras.
A imprevisão que pode autorizar uma intervenção judicial na vontade contratual é somente a que refuge totalmente às possibilidades de previsibilidade. Portanto, que é fenômeno dos contratos que se protraem no tempo em seu cumprimento, e é inapropriada para os contratos de execução imediata.
4 DO PACTA SUN SERVANDA
O princípio da obrigatoriedade dos contratos, visto fazer-se regra entre as partes, é amplamente conhecido, sendo os deveres e obrigações inerentes as modalidades contratuais. Tomando forma com o Renascimento, por volta de 1500 d.C, tal princípio tomou forma, visto o crescente contato com sociedades diversas, durante as grandes navegações.
Neste sentido, o princípio da obrigatoriedade dos contratos, que deriva da máxima pacta sunt servanda, impõe às partes o cumprimento da obrigação ou adimplemento, que conforme Carlos Roberto Gonçalves, fundamenta-se, vejamos:
“(...) a necessidade de segurança nos negócios, que deixaria de existir se os contratantes pudessem não cumprir com a palavra empenhada, gerando a balbúrdia e o caos; b) a intangibilidade ou imutabilidade do contrato, decorrente da convicção de que o acordo de vontade faz lei entre as partes, personificada pela máxima pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos), não podendo ser alterado nem pelo juiz. (GONÇALVES, 2012, p. 49).”
Tal princípio é um dos pilares essenciais para o manter a segurança jurídica, protegendo as partes e seus atos, até a finalíssima contratual, ou seja, o Direito e, em especial, o direito das obrigações impõem deveres de conduta. Esses deveres que nos são impostos resultam de um dever geral de conduta segundo o Direito e os bons costumes ou de obrigações voluntariamente contraídas, emanadas de contratos.
5 A FUNÇÃO SOCIAL
O “Código Civil” de 2002 estabeleceu a função social como princípio público emergente, diferente do anterior “Código Civil” (Beviláqua), que priorizava o individualismo e o hereditário. Com a promulgação da CRFB em 1988, devido às crescentes exigências do Estado sobre o direito privado, a eterna dicotomia entre direito público e direito privado quase não existe mais.
Tal princípio visa atender os interesses gerais, visto que a função social dos contratos detém o escopo de proteger a dignidade da pessoa humana, seja na dimensão individual ou coletiva, conforme o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves explana, vejamos:
“A concepção social do contrato apresenta-se, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual. Por identidade dialética guarda intimidade com o princípio da “função social da propriedade” previsto na Constituição Federal. Tem por escopo promover a realização de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contraentes (GONÇALVES, 2020)”.
Portanto, cumulando o entendimento supra, com o princípio da socialidade, onde reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem a perda, dos valores fundamentais da pessoa humana, buscando a origem e o escopo que se pretende buscar com a inclusão da socialidade e, em especial, da exaltação da função social no Código Civil atual, deve-se observar parâmetros de equilíbrio contratual, para não denegrir terceiros, sociedade, nas relações firmadas.
6 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
Tal princípio, apesar de difundidos questões iniciais no direito romano, fora codificado no ordenamento jurídico francês, por Napoleão Bonaparte, em 1804. Anteriormente, a boa-fé, na idade média, influenciada pelo direito canônico, confere tal princípio uma carga ética que se equiparava à ausência de pecado. Neste sentido, os benefícios da boa-fé somente eram concedidos àqueles que tivessem conservado desde a fase inicial até o momento em que a invocassem.
Apesar da carga principiológica, tal princípio se desenvolveu de forma plena e influente a partir da entrada em vigor do Código Civil Alemão (Burgerliches Gesetzbuch - BGB), em 1900, diferenciando a boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva.
• Boa – fé Subjetiva: A boa vontade subjetiva se reflete no estado psicológico de uma pessoa, incluindo o conhecimento da justiça e legitimidade de seu comportamento ou sua ignorância perdoável de anti-legalidade, que é extremamente importante na construção de questões de propriedade e a teoria da representação. É a isso que Alípio Silveira chama de boa-fé, enquanto Fábio Ulhôa Coelho a define como "boa em expressar o que acredita e acreditar no que diz". Portanto, ele agiu de maneira sincera e, diante de circunstâncias específicas, acreditou estar diante de uma situação de lei e ordem.
• Boa – fé objetiva: A honestidade objetiva é um princípio geral que restringe o exercício de direitos subjetivos ao inserir as regras de comportamento a serem seguidas pelos contratantes, e ainda como método de interpretação, um princípio geral que acaba de definir o conteúdo objetivo do negócio jurídico. Interpretar a declaração da vontade de ajustar a relação jurídica às funções econômicas e sociais de cada caso particular.
Neste sentido, o ordenamento jurídico brasileiro moderno traz a boa-fé como fator basilar de interpretação, avaliando-a tanto na responsabilidade pré-contratual, como a responsabilidade contratual e pós-contratual.
Portanto, para uma análise mais ampla, no aspecto pactual dos contratantes, deverá ser levadas as condições em que o contrato foi firmado, o nível sociocultural dos contratantes, seu momento histórico e econômico e a interpretação dada a vontade contratual, para se estabelecer o princípio da boa-fé.
7 A PANDEMIA E A EXECUÇÃO DOS INTRUMENTOS CONTRATUAIS
O complexo viral COVID-19, elencou diversas preocupações, além do lado mortal da cepa, as questões econômicas vieram a todo vapor, visto que independente de toda previsibilidade feita, entre os mais variados negócios jurídicos, tal fator não pode ser previsto.
O que consequentemente, ocasionou diversos litígios, entre eles o desequilíbrio contratual, que desencadeou um enorme déficit econômico, tanto entre particulares pessoas físicas, quanto em pessoas jurídicas, visto que no Brasil, no primeiro caso os microempreendedores são uma vasta classe, e não possuem aparato financeiro para arcar com todos os custos fixos a longo prazo, ou seja, diversas empresas cerraram as portas, ocasionando uma falta de circulação de pecúnia, influenciando na economia brasileira, cumulando com a ineficiência dos programas para auxílio aos micro e pequenos empresários, que observaram seus sonhos definharem conforme o tempo.
Os negócios jurídicos, podem ser permanentes ou temporários, a depender do caso concreto. No primeiro caso, existe um obstáculo ao desempenho do serviço, e o obstáculo não deve desaparecer ou enfraquecer com o tempo. No segundo caso, a impossibilidade limita-se a um determinado período de tempo, indicando que ainda pode ser realizada, mas não pode ser realizada no período inicialmente previsto.
No cenário jurídico envolvendo as questões contratuais, as partes têm o direito de resolver, se for do seu interesse, ou podem manter a relação, mediante acordo mútuo, a readequação do conteúdo do serviço caducado. É o caso de escolas fechadas ou de prestadores de serviços cuja atividade seja dificultada ou restringida por medidas de polícia administrativa, podendo envolver contratos de consumo, bem como contratos civis ou comerciais.
Existem no Código Civil, que foi recentemente alterado pela Lei nº 13.874 / 2019. Em particular, aqueles que declaram que a interpretação de negócios legítimos deve receber um significado correspondente à boa fé.
8 DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL
Sabemos que o regulamento contratual resulta de um concurso de fontes, que em várias medidas e formas participam na sua construção: à vontade das partes podem juntar-se ou sobrepor-se outras fontes. Mas aquelas que definimos, outras fontes, diversas da vontade dos contraentes, constituem um conjunto de critérios de determinação do conteúdo do contrato, pouco homogéneo.
Diferem profundamente entre si, sob dois aspectos diversos: em primeiro lugar, de um ponto de vista, por assim dizer, procedimental ou aplicativo, isto é atinente ao modo pelo qual estes critérios intervêm operativamente na construção do regulamento; em segundo lugar, de um ponto de vista substancial, quer dizer, relativo às suas funções e posições face à autonomia privada, ou, se preferir à natureza dos interesses de que são veículo. (Roppo, 2008).
Para ilustrar a aplicabilidade do desequilíbrio contratual moderno, devemos observar o passado, visto que o pensador São Tomaz de Aquino aduzia algumas questões sobre a famigerada teoria da imprevisão, vejamos:
Quem promete uma coisa, com intenção de cumprir a promessa, não mente, porque não fala contra o que tem na mente. Mas, não a cumprindo, é-lhe infiel, mudando de intenção. Pode, porém, ser escusado por duas razões: primeiro, se prometeu o que é manifestamente ilícito, pecou quando assim procedeu e, portanto, age bem mudando de propósito; segundo, se mudaram as condições das pessoas e dos atos, pois, como diz Sêneca, para estarmos obrigados a fazer o que prometemos, é necessário que todas as circunstâncias permaneçam as mesmas. Do contrário, não mentimos quando prometemos, nem somos infiéis à promessa por não a cumprir, pois já as condições não eram as mesmas. Por isso o Apóstolo não mentiu por não ter ido a Corinto, como prometera, pois obstáculos supervenientes lhe impediram. (Borges, 2001).
A génese da moderna teoria dos contratos e do direito dos contratos, individualizamos uma fórmula capaz de sintetizar o seu conteúdo e os seus valores essenciais: liberdade de contratar, baseada na soberania da vontade individual dos contraentes.
Como informa Álvaro Villaça Azevedo, há aproximadamente 3.700 anos, o Código de Hamurabi, excepcionando o princípio da força obrigatória dos contratos, em sua Lei 48, já previa: “se alguém se obrigou por uma obrigação que produz interesses” (juros) “e uma tormenta” (o Deus Hadad) “inundou seu campo e destruiu sua colheita, ou se, por falta de água, o trigo não nasceu no campo, nesse ano ele não dará trigo a seu credor, modificará sua tábua de contrato e não dará o interesse” (juros) “desse ano”. Veja-se que essa antiga regra da Babilônia já previa a revisão do contrato devido à modificação das circunstâncias negociais. (Azevedo).
Inspiraram os canonistas, entre eles Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, os quais mostraram que não existe mentira quando o descumprimento de promessa ocorre por motivo relevante, inclusive Santo Tomás de Aquino em sua Suma Teológica, no século XIII, citando Sêneca, assentou que a manutenção da palavra empenhada depende de que não tenham mudado as circunstâncias. (VILLAÇA, 2020).
9 DO FATO SUPERVENIENTE
As questões que envolvem os contratos de natureza cível e empresarial, regidos pela Lei 10.406, 13.874/19, pela MP 925/2020, entre outros instrumentos específicos, devem ser observadas com cautela, visto estar presente, na maioria dos casos, questões fundamentais à dignidade da pessoa humana.
Nos casos de uma mudança superveniente, ou seja, não prevista contratualmente, devem ser regidos por princípios basilares, conforme explanado em tópicos supra, para prover uma maior ordem, sem ir de encontro a direitos fundamentais do indivíduo, onde deve ser estabelecido parâmetros para a utilização da Teoria da Imprevisão.
Neste sentido, observando fatos históricos, a tempos em que a teoria da imprevisão vem sendo utilizada, especificamente no pós guerra, visto que, no final das contas, os conflitos ocasionados na Primeira Guerra Mundial geraram um significativo desequilíbrio nos contratos existentes, bem como, nos futuros a longo prazo. Então, notou-se que o pacta sunt servanda, que compunha um direito absoluto, deveria ser repensado.
Questões pertinentes, que vieram a luz em 21 de janeiro de 1918, na França, onde eclodiu a Lei Failliot, a qual autorizou a resolução dos contratos concluídos antes da guerra porque sua execução se tornaria muito onerosa. Onde se originou a famosa Lei Falliot, de 21 de maio de 1918, (GAGLIANO, 2018), sendo descrita pela doutrina como a base legal para a aplicabilidade da Teoria da Imprevisão, consistente no reconhecimento de que a ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, com impacto sobre a base econômica ou a execução do contrato, admitiria a sua resolução ou revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes.
10 ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS
A obrigatoriedade do contrato forma o sustentáculo do direito contratual. Sem essa força obrigatória, a sociedade estaria fadada ao caos. Embora tenha que se tomar a afirmação com o devido cuidado, o contrato estabelece uma lei entre as partes. Essa força legal do contrato é sentida pelos participantes do negócio de forma mais concreta do que a própria lei, porque lhes regula relações muito mais próximas. (VENOSA, 2021).
No entanto, em situações excepcionais a jurisprudência atual tem admitido uma revisão das condições dos contratos por força de uma intervenção judicial. A sentença substitui, no caso concreto, a vontade de um dos contratantes. Essa revisão pode ocorrer, é fato, por via oblíqua, quando se reconhece o abuso de direito (VENOSA, 2021), ou o enriquecimento sem causa. No abuso de direito, podemos paralisar o cumprimento de um contrato, porque há desvio do fim social e econômico para o qual foi criado, sob a falsa aparência da legalidade.
Conforme podemos observar no Ag nº 4006295-02.2020.8.04.0000, os fatos supervenientes, suspensão das atividades por meio de Decretos Governamentais que restringem a circulação de pessoas e serviços a fim de conter o contágio do complexo viral COVID-19, foi reconhecido pelo poder judiciário no estado do Amazonas - AM, sendo de extrema importância para manter a funcionalidade da empresa (Amazonas Fit Academia LTDA), incidindo também nos princípios essenciais do direito empresarial, ou seja, a teoria da empresa e sua funcionalidade.
A vontade contratual, em síntese, não pressupõe o acontecimento inesperado que desequilibrou o contrato. Outras correntes, partem pelo princípio da reciprocidade ou equivalência das condições, nos contratos bilaterais, ou unilaterais onerosos, deve existir certo equilíbrio nas prestações dos contratantes, desde o momento da estipulação até o momento de seu cumprimento. (VENOSA, 2021).
Neste ínterim, o Ag nº 5050703-05.2021.8.21.7000 ressalta a aplicabilidade da teoria da imprevisão nos contratos de financiamento de veículos automotores, no caso concreto para a Desembargadora Ângela Terezinha de Oliveira Brito em 27/08/2020, a instauração de fatos supervenientes, cumulada com a queda abrupta do faturamento em tempos de crise sanitária, com fulcro no art. 478 do Código Civil de 2002, onde prevê a resolução nos contratos de execução continuada ou diferida.
Por se tratar de uma medida excepcional, a teoria da imprevisão possui parâmetros para aplicabilidade, sendo tais critérios a comprovação da mudança da saúde financeira, o que torna subjetivo e muito temerário, pois a legislação não especificou quais elementos são capazes de convencer o magistrado, que utilizará o princípio da motivação para dirimir quaisquer dúvidas. A divergência jurisprudencial é alta, pois a depender do princípio da motivação, onde demanda a subjetividade do magistrado e o princípio do duplo grau de jurisdição, estabelece vários pontos de analise, conforme podemos observar no Ag nº 1.0000.21.045188-6/001, relator Des. José Augusto Lourenço dos Santos em 25/08/2021, que pelas provas colacionadas ao processo deferiu a suspensão do contrato por 180 dias.
11 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Diante do conteúdo revelado nos tópicos acima, ficou comprovado que o conceito clássico de interpretar um contrato como se fosse uma "lei entre as partes" foi modificado em vários estados absolutos e imutáveis. A adesão a teorias revisionistas para permitir maior liderança nacional, permitindo assim a revisão de interesses muito caros e precários para uma das partes, tornou-se claramente flexível, o que mostra que o contrato é o princípio da boa-fé para fins sociais.
A cláusula rebus sic standibus, resgatada sob a estrutura científica da Teoria da Imprevisão, tornou-se um verdadeiro amortecedor do princípio da autonomia da vontade, retirando o pacta sunt servanda de sua intangibilidade fazendo com que a doutrina, a jurisprudência e o legislador do Código Civil de 2002, passassem a dispensar tratamento especial à pessoa – sua dignidade e sociabilidade no lugar da vontade soberana individualista que imperava.
As questões supervenientes causadas pelo complexo viral denominado Sars-Covid-19, impactando na economia global, e, consequentemente, dificultando a estabilidade dos negócios jurídicos pactuados, visto a não previsão contratual, para o período vivenciado, utilizando-se como base os princípios da boa-fé, a função social e o princípio da menor onerosidade para as partes, estabelece um comparativo para a melhor resolutiva das questões entre os indivíduos, ocasionalmente levando tais questões para apreciação do poder judiciário, onde com as ferramentas e estudos necessários argui preceitos fundamentais para manter o negócio jurídico, visto a probabilidade de influência de tal relação, tanto em escala local como global.
Desse modo, é fulcral a observância da esfera judiciária, baseando-se nos princípios basilares do ordenamento jurídico, utilizando-se como analogia casos concretos, onde é presente tais arguições, visto se tratar de consequenciais que vão além do simples papel, e transcendem ao núcleo familiar, atingindo também o estado anímico dos indivíduos, visto a instabilidade econômica.
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[1] Acadêmica em direito, cursando o 10º período no Centro Universitário Una de Uberlândia – Estado de Minas Gerais;
Graduando em direito Faculdade UNA de Uberlândia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Lucas Santos. (In)aplicabilidade da teoria geral da imprevisão em tempos de pandemia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jan 2022, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57991/in-aplicabilidade-da-teoria-geral-da-impreviso-em-tempos-de-pandemia. Acesso em: 22 nov 2024.
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